quinta-feira, 11 de dezembro de 2008


Enfim, mais um ano ‘internetando’ por estes quintais. Mais um ano de muitas chuvas resumidas; uns chuviscos refrescantes, outros, demorados e chatos; temporais foram muitos, fartos e infartos morais, trovejadas comemorativas ou enfurecidas que este blogueiro tentou resumir.
Amigos virtuais foram feitos, mais blogues extintos antes do tempo, trocas perdidas ou novas, idéias antigas, frescor de ideais. A informação, como sempre veloz, passou batida no aprofundamento dos jornalões e semanários, mas não nos olhos atentos e diversificados de muitos grandes blogueiros. Cada vez mais acredito que a profundidade e a denúncia consistente, outrora filha da mídia convencional, acha-se entranhada nos blogues. A reflexão, o conteúdo parcial (porém, vibrante, criativo, transformador), acontece aqui.
Enfim, mais um ano se passa. É chegado o momento do descanso, do “dar um tempo” mais alongado por aqui. Talvez poste outros parágrafos no decorrer do mês, mas por hoje é férias. Volto em janeiro, certamente.
Que todos tenham um ótimo Natal, amor, sucesso e prosperidade no longo caminho de todos nós. Que possamos nos encontrar, ano que vem, prontos para mais uma roda-viva.
Paz Profunda a todos!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Professor Halem se despede, infelizmente

28 de Novembro de 2008


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"Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha
Depois, de cada vez que que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha"
Mario Quintana

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Devia ter feito isso meses atrás, mas a minha pusilanimidade e um certo comodismo mental adiaram a decisão. Fato é que este Ração das Letras morre hoje, em definitivo. Verdade que já estava moribundo; dou-lhe agora, contudo, a extrema-unção. Eu, que nunca fui alegre, perdi até o contentamento de escrever aqui sobre Literatura, essa dimensão da vida humana que sempre me resgatou e redimiu. Agradeço aos visitantes e blogueiros de minha estima pelas vezes em que tentamos nos compreender através da palavra escrita; não os esquecerei. Deixo a blogosfera porque a desprezível e abjeta vida que tenho fora dela ameaça invadir o espaço virtual. Peço perdão aos que perderam seu tempo lendo as bobagens que freqüentemente impingi ao leitor eventual, neste blog medíocre e limitado, não obstante pretensioso. Talvez só merecesse permanecer por essas bandas se fosse para manter um site que atacasse a ganância escandalosa das instituições bancárias ou relatasse o descaso em que vivem os profissionais da educação. Mas quem está interessado em ler isso?

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E assim, sem muitas delongas, um grande blogue se despede. O professor Halem, vulgo Quelemém, era parada obrigatória para os que apreciam uma boa conversa sobre a boa literatura e suas reflexões.
Pena.
Horrorismo
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Sérgio Malbergier
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Hisashi Tsuda, empresário japonês de 38 anos, pai de dois filhos, estava fazendo o check-in no hotel Oberoi, em Mumbai, quando tomou três tiros, no abdome, no peito e na perna. Morreu no hospital. "Era um jovem promissor", disse em Tóquio o presidente da empresa para a qual trabalhava.
Um alemão, um australiano, um inglês, dois franceses, dois americanos e muitos indianos estão também entre as dezenas de inocentes bestialmente mortos no ataque terrorista contra Mumbai, o centro econômico da Índia, que teve o seu 11 de Setembro nesta semana.
Um dos principais fracassos de Bush foi na promoção da justa guerra contra o terrorismo, que ele traduziu para o mundo como a invasão desastrada do Iraque, as torturas em Abu Ghraib e as ilegalidades de Guantánamo, alienando aliados.
Mas, como os ataques contra a metrópole indiana rebatem mais uma vez, o terrorismo segue como forte ameaça à estabilidade global e fonte de iniqüidades inaceitáveis nas vésperas da posse de Barack Obama na Casa Branca.
Não poderia ser diferente. As condições que geraram a onda terrorista no mundo muçulmano estão praticamente intactas. Os países islâmicos seguem quase todos ditaduras fechadas, principalmente no mundo árabe, que oprimem a população, a economia, o conhecimento, as mulheres, as diversidades, as liberdades.
Uma das poucas coisas toleradas, num pacto de governabilidade sufocante, é a intensa atividade religiosa, crescente em pleno século 21. Há muito mais mulheres no Cairo hoje que se cobrem com o véu do que há 40 anos.
O islã tornou-se válvula de escape e de dignidade diante de regimes autocráticos e corruptos. Mas esse caldo fervoroso pariu também o islã radical e niilista da Al Qaeda e de outras centenas de grupos extremistas que vestem crianças de cinco anos como meninos-bomba para desfilar em paradas sob aplausos efusivos do público!
A legitimidade dessa turba assassina diante de milhões e milhões de muçulmanos é assustadora e deprimente. A aceitação de seu discurso de ódio e destruição, onde o não-muçulmano é o infiel a ser combatido, o judeu é o porco, o cristão, o cruzado, choca.
Em Mumbai, símbolo da explosão de crescimento e da vitalidade indiana e uma das histórias felizes deste século, os terroristas, segundo relatos, riam na execução da carnificina, disparando catarticamente contra tudo e todos e buscando estrangeiros, principalmente americanos, britânicos e, como sempre, judeus.
Analistas tentam explicar essa banalização do mal em curso no islã radical: na Índia, são os problemas da Caxemira e de uma minoria em meio a centenas de milhões de hindus; no Iraque, a ocupação americana; nos territórios palestinos, a ocupação israelense.
Mas não são essas as explicações para ataques indiscriminados contra civis em pizzarias, hospitais, ônibus, hotéis, com rituais de degola de reféns indefesos expostos com orgulho na internet, ao som de hinos religiosos e heróicos.
A explicação é muito mais profunda e está dentro do mundo islâmico, não fora dele. A verdadeira "jihad" (guerra santa) de Osama Bin Laden nunca foi contra a América e os infiéis, mas pelo trono de Meca, centro do islã sob o comando da família real saudita, que ele chama de corrupta e vendida aos cruzados do Ocidente.
Os atos terroristas nem têm mais reivindicações específicas. Promovem o horror pelo horror, no que o célebre romancista inglês Martin Amis chamou de horrorismo em célebre ensaio para o jornal "Observer", em 2006.
Nada mudou desde então. O horrorismo segue aceito em grandes círculos, fazendo mais vítimas inocentes (a maioria de próprios muçulmanos, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão).
É uma ameaça global, e a resposta a ele tem de ser global. Quem sabe Obama, chamado na semana passada de "escravo negro a serviço dos brancos" pelo número 2 da Al Qaeda, Ayman Al Zawahiri, poderá promovê-la melhor.
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Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.E-mail: smalberg@uol.com.br

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Mídia se cala sobre o acordo do governo com a Santa Sé
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O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (25/11) pela TV Brasil e pela TV Cultura discutiu a cobertura dos meios de comunicação sobre o acordo firmado no dia 13 de novembro entre o governo brasileiro e a Santa Sé, assinado durante a recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Vaticano. A mídia ofereceu pouco espaço ao acordo, que pode ferir o princípio do Estado laico. O tratado, que confere formato jurídico às relações entre o Executivo Brasileiro e a Igreja Católica, tem pontos polêmicos.
O acordo prevê, por exemplo, o ensino religioso nas escolas públicas, com presença facultativa, e a possibilidade da anulação do casamento civil no caso o matrimônio religioso ser desfeito. Participaram do debate ao vivo, no estúdio do Rio de Janeiro, o reverendo Guilhermino Silva da Cunha, pastor da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, e a cientista política Roseli Fischmann. Em Brasília, participou o representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Hugo Sarubbi Cysneiros.
No editorial que inicia o programa, o jornalista Alberto Dines classificou a atuação da mídia como "embargo noticioso ou auto-censura". O acordo foi mantido sob sigilo porque infringe o espírito e a letra da Constituição Federal. Além de os jornais não terem dado destaque à assinatura do acordo, a mídia eletrônica evangélica não protestou. Na avaliação de Dines, os grupos evangélicos têm sido privilegiados pelo governo de outras formas. "Significa que no lugar de seguir a Constituição e estabelecer completa separação entre estado e religião, o Brasil inventou uma forma original de administrar o conflito religioso, oferecendo vantagens às confissões religiosas mais poderosas", avaliou.
"E como ficam os secularistas e agnósticos que acreditam que um estado democrático deve ser obrigatoriamente laico? E as outras confissões religiosas afro-brasileiras, como o candomblé, não deveriam entrar no bolo de privilégios? Estamos na contramão do mundo desenvolvido e nossa imprensa, esquecida dos três séculos de censura absoluta antes de ser autorizada a funcionar, teve um surto de saudosismo e voltou a experimentar as delícias da auto-censura", criticou o jornalista.
Na reportagem exibida antes do debate ao vivo a repórter especial da Folha de S.Paulo, Elvira Lobato, estudiosa das questões que envolvem as concessões de radiodifusão no Brasil, explicou que o Código Brasileiro de Telecomunicações é da década de 1960. A norma não permite que denominações religiosas detenham concessões canais de rádio e TV mas, na prática, grande parte das igrejas conseguem burlar a lei. Algumas não são concessionárias, mas arrendam o espaço em emissoras privadas o que "para efeito de mercado dá no mesmo" porque levam a mensagem ao fiel. Já o fenômeno do altar eletrônico, que vêm crescendo continuamente, passou a ser uma importante fonte de renda para as emissoras privadas.
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Igreja Católica, um tabu para a imprensa
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No debate ao vivo, Roseli Fischmann comentou que a imprensa tem dificuldade de tratar do acordo. A cientista política relembrou que em maio de 2005, durante a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, a Folha de S.Paulo estranhou que estava sendo preparado um acordo sigiloso entre os dois Estados e dizia que se o tratado envolvia governos e sigilo é porque "devia ser ruim". Mesmo com o posicionamento crítico em relação ao tema, o jornal abriu espaço para a Igreja Católica manifestar-se. Fischmann comentou que a imprensa trouxe importantes vitórias para a cidadania ao mobilizar a sociedade na discussão da implantação do Feriado Nacional por conta da canonização de frei Galvão e sobre um projeto ligado ao ensino religioso nas escolas paulistas.
Dines pediu ao representante da CNBB esclarecer se a Constituição Brasileira é secularista. Hugo Sarubbi Cysneiros comentou que a Carta Magna invoca Deus em seu preâmbulo, mas é laica. O Estado não é ateu, nem professa uma religião específica. O advogado ressaltou que o projeto de acordo entre a Santa Sé, como Pessoa Jurídica de Direito Internacional Público, e o Estado brasileiro não privilegiou a Igreja Católica, mas respaldou o estatuto jurídico desta religião.
O Estado brasileiro vê no laicismo positivo "um caminho" e reconhece na religião e na crença "algo que faz parte do ser humano" e que pode ser exercitado pelos cidadãos como um Direito. Dines ponderou que a citação a Deus no preâmbulo da Constituição não chegou a ser uma profissão de fé religiosa, foi apenas uma intervenção pessoal do então presidente José Sarney. Não comprometia o caráter secular que previa a separação entre o Estado e as crenças religiosas.
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O acordo é constitucional?
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O reverendo Guilhermino Silva da Cunha acredita que a separação entre Igreja e Estado é "absolutamente saudável" e preserva a liberdade religiosa. De acordo com o religioso, esta separação foi preconizada pelo próprio Jesus Cristo na Bíblia, ao dizer, por exemplo, "meu Reino não é deste mundo" entre outras passagens. O pastor afirmou que os dois Estados que celebraram o acordo envolvendo apenas uma expressão religiosa atacam frontalmente a Constituição no Artigo 19 porque este proíbe alianças entre o governo e cultos religiosos ou igrejas. "A celebração do acordo fere nosso diploma legal maior. Não apenas agride as expressões religiosas, como também fere a Constituição", criticou. O reverendo tem esperanças de que o Congresso Nacional não referende o acordo.
"Mesmo que existisse um único cidadão de outra religião ou ateu ele teria todo o Direito de exercer sua escolha", disse Roseli Fischmann. O Estado laico tem o dever de preservar o Direito de todos independente do número de pessoas que optem por determinada crença. A cientista política frisou que o Brasil apresenta um grande pluralismo religioso e que, por isto, é inaceitável um acordo internacional com uma única religião. Neste caso, as demais estão sendo preteridas. "O Estado precisa proteger para que todos se sintam respeitados", avaliou.
Dines comentou que a Santa Sé queria "abafar" o acordo sem a "oxigenação de uma sociedade democrática". O representante da CNBB não concorda que a sociedade tenha sido ludibriada nem que a Igreja seja manipuladora. "O sigilo não foi a bandeira, não foi o meio nem o fim do tratado". O advogado considera que falar em sigilo de um tratado internacional em um país com as características do Brasil é um contra-senso porque a sociedade pode examinar o teor do acordo quando este é submetido ao Poder Legislativo. Cysneiros destacou que a Constituição Federal fala de Deus em outros artigos, não só no preâmbulo.
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O silêncio da mídia como sintoma
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O advogado da CNBB disse que o tratado não foi firmado com a Igreja Católica e sim com a Santa Sé, que é um Estado soberano. Se, por questões históricas, as outras religiões não têm personalidade de Direito Internacional Privado, não há como estas celebrarem tratados internacionais. Para Cysneros não há privilégio da Igreja Católica em detrimento de outras religiões e o acordo não é inconstitucional.
O tratado é claro e dá estatutos à Igreja Católica no Brasil partindo de dois princípios: o respeito à Ordem Constitucional e ao Estado brasileiro e a isonomia entre todas as entidades de igual natureza. Dines argumentou que a Santa Sé é um Estado soberano, mas que é teocrático e funciona com regras específicas. O silêncio da mídia é conivente na opinião do reverendo Guilhermino Silva da Cunha, pastor da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro. "Quando acontece o silêncio significa que há algum entendimento ou alguma coisa diferente e estranha", avaliou.
Um telespectador perguntou a Roseli Fishmann sobre o ensino religioso nas escolas. A cientista política explicou que muitas vezes confunde-se o papel das instituições. Principalmente em tempos de violência, quando se considera que o ensino de religião pode combater a criminalidade. A questão da religião é vinculada à consciência de cada indivíduo. Já a escola deve preparar as crianças para respeitar os indivíduos como cidadãos livres e iguais sem precisar recorrer a qualquer figura sobrenatural.
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A questão das concessões de rádio e TV
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Para o reverendo Guilhermino Silva da Cunha, a presença das demais igrejas na mídia não é diferente da presença da Igreja Católica. O pastor não é contra a entrada das igrejas na mídia televisiva, mas reprova o excesso. Como o telespectador tem o poder de mudar de canal, o grande número de programas religiosos não chega a ser "uma invasão". O pastor ressaltou que todas as igrejas pagam altos valores tanto para alugar tempo nos canais privados quanto para manter uma concessão. Na visão do reverendo, a existência de um canal de televisão que ganhe força e vire uma rede em todo o país cria um contra-ponto ao monopólio da comunicação, que é "um desastre".
Dines pediu a opinião de Roseli Fischmann sobre o "gerenciamento de privilégios" no Brasil. A cientista política ressaltou a laicidade como o fundamento da democracia no país: "Não existe democracia se as pessoas não estiverem todas igualadas". As minorias religiosas são uma das faces visíveis do pluralismo, que é essencial para a democracia. O Estado não pode ser nem ausente nem omisso para as minorias "não se encolherem e deixarem o campo público". Se um determinado grupo é privilegiado, as minorias tendem a se retrair.
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Perfil dos convidados
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Hugo Sarubbi Cysneiros é advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). É professor das disciplinas de Sistemas de Direito Comparados e de Direito Internacional Público do UniCeub/DF.
Roseli Fischmann é cientista política. Coordena a área de Filosofia e Educação da Pós-Graduação em Educação da USP e o Grupo de Pesquisa Discriminação, Preconceito, Estigma da universidade. Integrou a Comissão Especial sobre Ensino Religioso do Estado de São Paulo.
Rev. Guilhermino Silva da Cunha é pastor da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro. Doutor em Ministério pelo Reformed Theological Seminary (Estados Unidos) e Doutor Honoris Causa pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

???


Estou repassando porque é surpreendente. Simplesmente surreal e... Devo admitir, fui tomado por um quê de esperança, perplexidade, perda momentânea do raciocínio. Por um momento pensei estar saindo-entrando do “Ensaio sobre a Lucidez”, de Saramago.
Posto porque não sei o que fazer com tal informação. Na verdade, devo admitir que pesquisei pouco e não posso nem garantir a veracidade do conjunto, contudo...
Estão lá, nos sites, tanto do UOL quanto do Terra – Eleições 2008: o município de Bom Jesus de Itabapoana, no Rio de Janeiro, registrou anulação recorde nestas eleições. Simplesmente 89% dos eleitores votaram nulo. O link para conferir o resultado:
http://apuracao.terra.com.br/2008/1turno/rj/58114/index.shtml
http://placar.eleicoes.uol.com.br/2008/1turno/rj/?cidade=58114
São 26.873 eleitores. Compareceram, para votar, 23.334; anularam 20.821; votaram em branco 1.021.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Encontrei no blogue da Vais esta carta e, sem palavras, republico neste espaço. Vais é uma divina caçadora das palavras que trazem suor, amor, coragem. Vez em quando publica coisas lindas do próximo para que possamos contemplar, no irmão, o que restou de nós.
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Carta de Hélio Pellegrino
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O homem quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências.
Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio.
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio.
Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade.
O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo.
Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo.
É meio-dia em nossa vida e a face do outro nos contempla como um enigma.
Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu.
Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro.
A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome.

domingo, 9 de novembro de 2008

Arritmia

acordei com gosto de desejo na boca. quero escrever uma carta de amor. sempre quis escrever carta de amor. nunca consegui. ontem fez um puta calor nas terras de minas. meu carro não tem ar condicionado. o suor descia lentamente no mínimo vão entre gesso e perna. enlouqueci. quero uma varinha de condão. não consigo me desprender das minhas vergonhas. dizer eu te amo sai fácil. impossível escrever que a ausência faz mal. o céu fica cada vez mais escuro. quando eu era menina escondia os sentimentos. esqueci onde. agora eu sinto e eles ficam no esconderijo. o gosto de desejo é latente. ainda. e uma coisa quente insiste em fazer caminho por dentro da minha pele. nunca gostei dos donos do mundo. conceito formado lá nos idos 70. hoje gosto de saber que o povo americano vê além do marrom. estou perdida na frente da tela. que engraçado. ela entra com escudo do tricolor e sai com a carinha de contraste. pra escrever preciso começar. que ridículo dizer meu amor e colocar uma vírgula. porque o resto é só passado. antes eu só me despedia de amor que não mais doía. obama ganhou. o momento é histórico. as árvores do alabama devem estar sorrindo. desejo de cheiro. desejo de gosto. desejo de não desejar. parei no acostamento sem saber o que fazer com a coceira. aqui só ensaia aguaceiro e tudo continua quente. os campos de batata foram trocados por cebola. folhas esparramavam-se em cama verde. agora são esbeltas adagas que apontam pro céu. vou engolir a vontade de carta de amor. não. ainda vou publicar. ridícula. bem ridícula. antes vou lavar a vergonha da cara. se chover.

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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O homem marrom

O estouro da bolha imobiliária aliada à política genocida de Bush S/A causou, causa (e, talvez, ainda causará) pânico nas bolsas, desconforto nos governos vigentes e alguma preocupação entre nós, pobres trabalhadores braçais desta nação. Alguém já tentou imaginar o caos planetário que seria se 29 estivesse de fato acontecendo? O que aconteceria com os nossos empregos aqui se os donos do mundo fossem à bancarrota?
Defendemos com alguma voracidade o fim do Império, a anulação do Mal implacável representado, nestes tempos pós-modernos, pela política externa canastrona, ineficiente e altamente intolerante dos nossos “amigos” do Norte. Defendemos porque, enquanto humanos, temos o pleno instinto de sobrevivência sexualmente inerente ao exercício da liberdade e à consciência de justiça. Mas se o Império cair – e a história sabe explicar que, mais cedo ou mais tarde, cairá – o que acontece com o mundo globalizado e refém de hoje?
Em tempos escuros, a visão se deturpa e fica mesmo difícil encontrar a luz. Mas eis que, um belo dia, um homem marrom (como ele mesmo se intitula, em clara metáfora anti-racista, pois é bom lembrar: há pouco tempo, em alguns Estados americanos, era proibida a união Branco x Negro), assume a liderança do Império. Uma esperança? Ainda não sei. Contudo, a mensagem parece ser clara: a fênix metafórica, ao que tudo indica, renasceu. Vai demorar um pouco para o Xerife do Norte tombar.
Vejo o discurso do homem, com nome estrangeiro e pele mundial, e não consigo deixar de pensar na penúltima eleição brasileira, quando elegemos um mestiço como nós para presidente do Brasil. Momento histórico aqui. Momento histórico lá. Se nenhum republicano explodir a cabeça do homem marrom, quem sabe o céu não abre? Será que Cuba, desta vez, tem chances de respirar? Será que Chavez e Morales vão ter espaço? E o nosso biocombustível? E Lula?
Se o Império continua, que seja pelo menos governado com alguma competência e responsabilidade. Que venha o Obama! Afinal, nós também temos o nosso.

sábado, 1 de novembro de 2008

Infinito

Não foi insônia
nem medo do escuro
foi aquela flor...cinza
que brilhou no sol
e ficou até o anoitecer
mergulhou na lua
e sorriu no
i
n
f
i
n
i
t
o
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PS.: A Arte-título no meu layout é dela: Aline.
Essa chegou delicada, inspirada, gentil e, o que é importante, mostrou-se boa com as palavras e com as gráficas mãos que, por vezes, também suja de tinta e de fotografia.
O que dizer de alguém assim?:
Obrigado!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

ELA NÃO GOSTAVA DE CHICO BUARQUE

Onde andará Mariazinha? Me faço a pergunta, como naquele samba de Ataulfo. Embora não tenha sido o meu primeiro amor. Nem foi um namoro de longa duração, mas que me marcou de uma certa maneira - só me agora me dou conta.
Mariazinha. Talvez o que tenha me atraído primeiramente nela foi o nome. Tinha como certo que era Maria e, como todas as Marias, acrescido de um outro nome - Maria das Graças, por exemplo. E nesse caso seria chamada de Graça, como é comum. Foi quando ela me mostrou a carteira de identidade e lá estava Mariazinha. Pensei no seu batismo, um padre desses ranhetas se indispondo com aquele diminutivo da mãe de Jesus, como se esta fosse uma mulher qualquer. Mariazinha me disse que nunca ouviu nada sobre isso em sua casa. E você gosta do seu nome? Disse que sim.
Lembro hoje do nosso namoro. De uma particularidade, sobretudo: nossos papos pendiam invariavelmente para a música. E a música nos punha em campos opostos. Daí as divergências, mas numa boa. Nada de altercações, sequer levantávamos a voz. Ou melhor, eu às vezes começava a alterar a minha, mas logo era desarmado pela docura de Mariazinha, o seu sorriso, a sua serenidade, a simpatia. Punha, é certo, um pouco de ironia ao me replicar, mas sem me deixar ferido. Como aquele qualé. Ou não é do meu tempo, como se não fôssemos quase da mesma idade.
O ponto central de nossas divergências era Chico Buarque, que estava surgindo, como muitos dos seus coetâneos, naquela metade dos anos 1960. Ela não gostava de Chico. Para ser de todo justo, algumas frases das letras de Chico chegava a apreciar. Mas também citava trechos das letras de Caetano, que, para ela, era superior a Chico, até na composição da música. Não só Caetano, mas também Gil, Torquato e toda a turma da Tropicália.
Como (presumo) todo jovem daqueles anos, ela adorava os Beatles. Eu também gostava, mesmo captando apenas algumas palavras do que eles cantavam, pois não dominava o inglês. Ela, de queixo no chão, estou besta por você gostar dos Beatles. E dos Rolling Stones? E, para provocá-la, destes eu nunca ouvi falar. Nunca ouviu falar? Joãozinho, você é mesmo de doze, até de um tal de Ataulfo Alves você vem falar.
Há poucos dias eu tinha lido um artigo de um crítico de cinema em que ele dizia que não existiam filmes velhos e filmes novos, mas sim filmes ruins e filmes bons, então eu transferi esse conceito para a música. E ela, pra cima de moá, Joãozinho?
Porque tinha o hábito de usar o diminutivo (talvez quem sabe? uma influência do próprio nome). Chamava as amigas e os amigos pelo diminutivo, as coisas, os objetos. Você está muito salientezinho, dizia, com o sorriso radioso, quando a minha mão procurava um dos peitos de Mariazinha. E que peitos! Percebia-se que ela não usava sutiã e isso atiçava mais o meu desejo de tocá-los, não só tocá-los, mas cobrir um deles com a mão e ficar acariciando-o.
Mais se atiçava o meu desejo quando me lembrava de um conto, belíssimo conto, que lera fazia um certo tempo. O personagem, aposentado, solitário e entediado na cidade grande, vê, de repente, aflorar-lhe à memória, um fato ocorrido na sua adolescência. Durou uns raros segundos, mas, só agora se dava conta, o marcara para sempre. A visão dos seios de uma adolescente, mal saída da infância. Ele decide empreender uma viagem de volta à sua cidadezinha para reencontrar a mulher que lhe proporcionara aquele momento ímpar de sua vida.
Não conseguia atinar com aquela resistência de Mariazinha, uma moça de idéias avançadas (está claro que as nossas conversas não se limitavam à música) , uma mulher pra frente, como se dizia naquela época. Uma vez, por brincadeira, mas tentando dar um tom de sinceridade na voz, cheguei ao ponto de lhe prometer que se ela me mostrasse os seios, eu deixaria de gostar do Chico. Ela fez foi soltar uma gaitada.
Teve um dia que ela veio se encontrar comigo ainda mais alegre e brincalhona - diria mesmo feliz. Tinha passado no vestibular. Não tenho certeza, mas acho que nesse dia nem falamos no Chico, a vitória que conquistara, com uma excelente colocação, dominou a conversa. É hoje que vou conseguir, disse pra mim mesmo, vendo-a naquela euforia. Num dado momento, após um beijinho, pedi para ela me mostrar um peito. Mas mesmo naquele estado, ela opôs a firme resistência habitual e ainda me mandou tirar o cavalinho da chuva e acrescentou que eu queria me aproveitar da alegria dela. Mas eu insisti e insisti e insisti, até que ela cedeu, tá bem, seu acesinho. Olhou para um lado, olhou para o outro. Precaução desnecessária, estávamos isolados na pracinha. O coração pinotando, por estar a segundos de ver, finalmente, o meu desejo realizado, observei atentamente Mariazinha pousar um dedo no primeiro botão para retirá-lo da casa. A seguir o segundo botão. Parou, e protegendo com uma mão um peito, com a outra abriu o lado da blusa para exibir o outro peito. Pronto, seu danadinho. E eu vi - vi aquela obra de arte se mostrando pra mim, por um segundo, ou dois, mas valeu a pena. Até me conformei por não poder tocá-lo - isso não, não era só pra olhar? E depois você vai querer mais e mais. E fechou depressa a blusa. Mariazinha malvada.
Depois de terminarmos o namoro, ainda a vi algumas vezes, ela sempre me sorrindo. O tempo foi passando e a via com menos freqüência. Acabei deixando a cidade, pra assumir um emprego num estado do Sul. Voltei há uns dez anos e não vi Mariazinha. Posso até tê-la encontrado e não a reconhecer, nem ela a mim. E como gostaria, penso agora, de revê-la. Mesmo que ela esteja gorda (já naquela época era um pouco gordinha), mesmo que aqueles peitos tenham perdido todo o encanto. Queria rever Mariazinha. Até pra perguntar se ela continua a não gostar do Chico. E ouvir o que ela iria dizer.
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PS: O Moacy foi quem, em seu blogue, recomendou, portanto, um Obrigado é merecido!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O pós-modernismo


Definitivamente não quero entrar no mérito matemático da política. Façamos de conta que, em política, o bem-estar da polis é a única coisa que interessa, aliás, uma das mais importantes, pois também há um momento, na política, em que optar pelo mais digno, honesto e (ou pelo menos) humanista, é a escolha correta.
Mas o que dizer do candidato Gabeira estar isolado no Rio? Apenas o “Menino Maluquinho” o quis apoiar (por razões óbvias). No entanto, o que dizer do Gabeira em primeiro lugar, nas pesquisas de intenção de voto (dá para confiar nas pesquisas?), sem o apoio da esquerda, da direita, do centro ou da igreja? Alguma coisa está mudando para melhor neste meu Estado.
A pergunta, contudo, é esta: o que faz o PT apoiando o Paes? Uma cadeira? Uma Secretaria na prefeitura? Vale a pena expor a pele à queimaduras difíceis de cicatrizar por uma mísera Secretaria ou coisa que valha? Vale a pena estar inserido num sistema brutal onde o capitalismo selvagem disfarçou-se de socialismo barato e, em nome de um torpe e sem-vergonha assistencialismo, governará apenas para uma classe social? Apenas para uma raça ideológica (a que quer matar porque, afinal, sai mais barato que educar)?
Paes é o legítimo representante do neo-liberalismo peemedebista. Gabeira, se não é lá essas coisas, pelo menos possui alguma história de comprometimento e engajamento sócio-político. O que a Jandira faz apoiando Paes? Molon? Gabeira não deveria ser o representante natural da esquerda neste segundo turno? Se não o é, seria o Paes? O Paes? Não acredito. Se houvesse coerência, ou a esquerda não apoiaria ninguém ou pediria a anulação do voto (como já o fez em épocas menos politiqueiras).
Esqueçamos por um instante que a política não é feita da matemática pindorama e picareta e, definitivamente, perguntemo-nos: o que faz a esquerda apoiando o Paes? Existe esquerda? Aliás, o que faz a direita apoiando o Gabeira? Eleição paradoxal? Isto existe em política?
Meus amigos, em se tratando de política, o paradoxo é a relação mais coerente que existe.
Aliás, meus amigos, dando a cara a tapa, ouso dizer que esta não é a síndrome principal da perda de identidade que, aos poucos, entranha no iluminismo político. Mas é, antes de tudo, a comprovação básica de que a política é pós-moderna.

domingo, 19 de outubro de 2008

Nosso maior problema

“Mr. McCain said, ‘The whole premise behind Senator Obama’s plans are class warfare — let’s spread the wealth around’.” (The New York Times)
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O terceiro e último debate presidencial foi o melhor, segundo analistas. Eu não o vi, confesso. Ao invés disso, assistia a Canarinho caminhando de um lado para outro em um campo grande e esverdeado, aparentemente acompanhando o jogo dos colombianos uns contra os outros, especialmente quando jogadores do mesmo time se cabeceiam ao alto.
Porém, assisti alguns argumentos, logo a reprise de grande parte da discussão entre os candidatos republicano e democrata, e as análises da MSNBC e CNN, além do artigo recente no The New York Times.A frase que, para mim, resume o que deveras é considerado e tratado como o tema central dessas eleições, a economia, está postada acima.“McCain disse, ‘Toda a premissa por trás dos planos do Senador Obama é guerra de classes – espalhemos a riqueza [por toda a nação]’.”
Essas palavras me remetem imediatamente à cena que testemunhei ontem quando visitei minha ex professora de escrita criativa, Lisa Shaw, enquanto dizia a um aluno que ele não podia sequestrar a aula falando de propostas econômicas liberais como se tivesse o conhecimento e a experiência necessários para tanto.
“Eu posso concordar contigo,” disse Shaw, “o que não significa que a maioria da nação não discordará de ti, e você não tem o cacife para professar uma teoria econômica, e mesmo se tivesse isso não faria a menor diferença, as pessoas não querem ouvir de ninguém, ‘você pagará pela minha educação, pela minha saúde, pelo meu bem estar mesmo se eu estiver desempregado’. As pessoas querem cuidar da própria vida, de suas propriedades, e ninguém quer saber de ser forçado a contribuir com o resto da sociedade, isso é automaticamente taxado de comunismo.”
Shaw tem razão. O país não elegeria Bush duas vezes caso não tendesse a concordar com esse raciocínio, que não deixa de ser válido, só deixa de ser capitalismo. Mas esse nem é o maior problema. Bush também venceu duas vezes porque, conforme diz Rachel Maddow, democrata e âncora da MSNBC, “o sistema eleitoral é partidário, e os democratas têm duas opções, a primeira é ofender-se e exigir mudanças, a segunda é atuar partidariamente e reformar as leis eleitorais”. Os motivos para descartar novos eleitores multiplicam-se com a aproximação do 4 de Novembro, enquanto cá nos situamos.
Mesmo assim, esse não é o maior problema.
Os chavões atráem a mente de cidadãos comuns. Respondi a Shaw que esse movimento da “direita” do país não é racional, não faz sentido, é baseado em sentimentos. Baseio meu raciocínio no fato de que as pessoas não têm a menor idéia do que o “DOW” significa, mas todos querem que o “DOW” feche em alta, mesmo que o preço da gasolina esteja diretamente ligado a essa alta, e que aumente caso a bolsa começar a lucrar demais. Na mesma nota, há pessoas pedindo o fim do chamado Tributo Mínimo Alternativo, que já foi bloqueado e que pode tornar-se permanente a partir de 2009, mas esse tributo só atinge pessoas que ganham mais de $250 mil dólares anuais, e quem reclama ganha menos de $40 mil.
Ainda acredito, espero que não ilusoriamente, que o país procura, de fato, mudanças concretas em sua filosofia. Também acredito que a força liberal e democrata é crescente, o que significa que há mais pessoas deixando de pensar com o lado esquerdo, e menos deixando de pensar com o lado direito do cérebro.
Contudo, a filosofia central da nação nos últimos anos foi de redistribuição de verbas, sem a menor dúvida, só que “para cima” na pirâmide social. Os poucos ricos ficaram mais ricos, e os muitos pobres ficaram mais pobres. Todos sabem onde a classe média tende a parar nessa roleta russa.
Aqui sim, consta o maior problema. As pessoas votam contra seus interesses econômicos, conforme disse Barack Obama há alguns meses atrás. Apóaim-se nas armas (emenda constitucional defendida por republicanos), e em outros temas moralistas como, justamente, o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. As classes menos abastadas, menos educadas, e mais centradas geograficamente, o que as distancia de imigrantes e variações culturais e os aproxima da base tradicional da nação, votam constantemente a favor de cortes tributários que jamais os beneficiarão.
Por que isso ocorre?
Posso opinar, mas eu, também, não tenho cacife para determinar uma circunstância, portanto julgue-o quem quiser, como quiser, de acordo com seus próprios critérios.
Para mim, isso é baseado em uma guerra que tornou-se não só entre a esquerda e a direita, mas entre uma filosofia que é basicamente socialista, e outra que não passa de pseudo-capitalista. Esclarecendo, e para quem me conhece isso pode ser evidente, discordo da premissa socialista que dá ao estado a autoridade sobre os projetos de desenvolvimento social. Porém, mesmo entre os esquerdistas intelectuais mais extremos, o indivíduo de menor poder está mais propenso a receber atenção social do que seu oposto. Já entre o clássico direitista, o estado é o demônio (concordo, em grande parte), o dinheiro a “mim” pertence, mas desse dinheiro nada nasce, nada cresce, nada se reproduz para a sociedade que não empregos muitas vezes medíocres com sub-salários, sub-benefícios e sub-futuro.
Há exceções, e assim sendo, mais do que se imagina. A maioria, contudo, comporta-se além do capitalismo de Adam Smith. O máximo ao qual conseguem agarrar-se é a economia de Ronald Reagan, que projetava prosperidade às classes menos abastadas através do fortalecimento das mais abastadas. Apesar de não sermos árvores, acredito que a metáfora é válida. Seria como fortalecer a árvore pelas folhas. Ninguém, contudo, quer efetivamente dar do seu dinheiro a investir em projetos sociais necessários, mesmo que concordem com a importância dos mesmos, e odeiem pagar impostos.
Assim sendo, como poderemos chegar ao século 21 sem a mentalidade do século 18? Continuaremos discutindo sobre o preço de nossa civilização, atribuindo culpas, farpas e pizzas a outros que não nós mesmos. Continuaremos pensando que o dízimo apazigua nossas culpas. Esse sim é o maior problema: Quando a sociedade é contra a redistribuição de verbas aos mais necessitados, mas favorece fervorosamente o redistribuição de verbas aos que causam grande parte das necessidades.
Obama, para mim, vence apenas por comparecer ao debate. Ainda assim, não representa a solução evolucionista necessária.
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Roy Frenkiel

sábado, 11 de outubro de 2008

Pirata!!!


Poucas coisas merecem a nossa atenção literária-jornalística, mas a Feira do Livro do DF, publicado em plás homeopáticos pelo nosso capitão Pirata Z, vale a reflexão sobre as nuances do poder e o sexo pequeno que ele proporciona aos seus súditos.
Portanto, é acessar o capitão e ter boa leitura!
Hasta!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Observatório da Imprensa


PESQUISAS ELEITORAIS
A indução dos números
Por Alberto Dines em 6/10/2008
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Enquanto se digerem os resultados das eleições de domingo (5/10) e já se começa a pensar nas presidenciais de 2010, convém retomar uma questão que tem sido ventilada neste Observatório em temporadas eleitorais anteriores. Tem a ver com a abusiva utilização das pesquisas de opinião por parte da mídia que chegou a ganhar o nome de doença – pesquisite.
Em pleitos anteriores, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não permitia a divulgação de sondagens nos dias da votação por achar que poderiam induzir o eleitor a optar pelo voto útil, isto é, esquecer o preferido e votar naquele que vai ganhar. Houve eleições em que os resultados das pesquisas só eram divulgados até a sexta-feira anterior.
No domingo (5), em São Paulo, ficaram muito claros os malefícios produzidos pela divulgação de sondagens no dia da votação: os dois jornalões, o Estado de S.Paulo e a Folha de S. Paulo, trombetearam em manchete a certeza de que Marta Suplicy e Gilberto Kassab seriam os vencedores (nesta ordem).
E o que aconteceu? A divulgação antecipada da tendência de alta de Kassab reverteu a própria previsão dos institutos: a ex-prefeita ficou em segundo lugar e o atual prefeito a ultrapassou.
Critério do rigor
No Rio de Janeiro, a situação era a mesma – Fernando Gabeira e Marcelo Crivella disputavam a segunda vaga, mas O Globo comportou-se com mais responsabilidade e divulgou discretamente a previsão dos institutos. Não forçou o voto útil.
Registre-se que o jornalão carioca torcia claramente contra o senador Crivella. Se desejasse induzir os indecisos bastaria destacar em manchete os resultados do Datafolha que indicavam a inclusão de Gabeira no segundo turno.
Se a Justiça Eleitoral tem sido tão rigorosa em matéria de propaganda, sobretudo no tocante à internet, conviria que voltasse a examinar com a mesma severidade a divulgação de pesquisas no dia da votação. Os institutos vão chiar, mas a democracia agradece.
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APÓS A CAMPANHA
Chegou a hora de liquidar os feridos
Por Carlos Brickmann em 7/10/2008
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Nas guerras do Sul da América, havia um tipo especial de guerreiro que acompanhava as tropas: os degoladores. Sua função era circular pelo campo de batalha após os combates e degolar os feridos.
A imprensa também tem disso: terminadas as eleições, aparecem os degoladores, que não se manifestaram durante a campanha e, definidos os perdedores, trituram as estratégias que, é óbvio, dizem, não poderiam dar certo. Em seguida, vêm os louvores à estratégia dos vitoriosos que, é óbvio, dizem, foi genial e tinha de dar certo. É um belo subproduto da profissão: os profetas do passado.
Se a estratégia de um candidato estivesse tão claramente errada, não seria difícil analisá-la durante a campanha, prevendo que não poderia dar certo. Mas aí a coisa é mais complexa: envolve a exposição do raciocínio do analista. E se o candidato da estratégia errada, por pura e simples vontade de contrariar o óbvio, dá de ganhar a eleição?
Já aconteceu e não foi uma vez só. Jaques Wagner ganhou o governo baiano no primeiro turno, quando toda a expectativa era de que, se chegasse ao segundo turno (onde certamente perderia), já teria cumprido seu papel. Luiza Erundina virou as eleições paulistanas em poucos dias e ultrapassou os favoritos Paulo Maluf e João Leiva. Yeda Crusius, que nem iria para o segundo turno, é a governadora do Rio Grande do Sul. Luizianne Lins, rejeitada até por seu próprio partido e abandonada à própria sorte, derrotou o favoritíssimo Inácio Arruda em Fortaleza. Às vezes, o fenômeno acontece em massa: a Arena, partido dos militares no poder, era tão favorita nas eleições de 1974 que quando Franco Montoro previu a vitória do MDB em 15 Estados todo mundo deu risada. Pois foi surrada em todo o país. Como dizia Magalhães Pinto, velho sábio da política mineira, "eleição e mineração só depois da apuração".
Então, caro colega, quando os iluminados surgirem com suas previsões do passado, procurando destruir de vez os que foram derrotados, sejamos condescendentes. Não podemos levá-los a sério. Nem esquecer que estão, na verdade, apenas bajulando os vencedores e tripudiando sobre os vencidos.

A fonte das notícias
Aquilo que já se sentia está agora respaldado por uma pesquisa: de acordo com o Barômetro da Imprensa, pesquisa da FSB Comunicações, a internet é hoje a principal fonte de informação dos jornalistas. Os jornalistas que se informam por jornais impressos são metade dos que buscam notícias pela internet.
Este é um tema interessante de debate: a internet ganha em velocidade, mas não tem sido bem cuidada em termos editoriais. Muita coisa sai sem checagem, na luta para dar a notícia em primeiro lugar; a língua é maltratadíssima. E, em boa quantidade de portais, o serviço é feito exclusivamente por estagiários, sem supervisão, o que é ruim para a informação e para os próprios estagiários, que ganham experiência mas não recebem orientação adequada.
Os veículos impressos também têm a ganhar estudando o assunto: não podem competir com a velocidade da internet, nem com sua capacidade de divulgar imensa quantidade de informações num espaço ilimitado. Sobra-lhes, portanto, a articulação das notícias, a hierarquização dos fatos, o pensamento sobre o que acontece. Cabe-lhes, enfim, encontrar o sentido das notícias. Os veículos impressos são essenciais (e, até agora, insubstituíveis), mas precisam ser repensados – como já o foram na época em que a TV surgiu como concorrente.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Cotidiano

A eleição acabou? O dólar subiu? Quantos morreram?
O jogo do Flamengo é amanhã?
Será que esse tempo maluco vai dar chance pro sol?
Colocou a cerveja no gelo? Comprou a carne que eu pedi?
O presidente falou reticências? O governador disse exclamação? E o prefeito? Foi eleito com quantos votos?
O vereador do vizinho ganhou? Tomara que não! Se fodeu? Que bom!
Você vai falar de sexo comigo?
Você vai dizer que a vida é atabalhoada?
Você vai dizer que eu não faço sentido?
Vai dizer que é conversa fiada?
A eleição acabou? O dólar subiu? E a bolsa?
Joga fora o jornal, desliga a tevê, olha para mim:
A vida não vai mudar em porra nenhuma.
Quem continua a produzir é a gente,
os mesmos de sempre.
Ousaria dizer que:
A miséria não cabe no poema.
Como não deveria caber o político que vive da miséria alheia, que se elege à luz da ignorância e degradação humanas.
Mas, como já afirmou o Gullar:
O poema, senhores,
não fede nem cheira.
E eu também não.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Os mortos de todos nós

Alguns candidatos a cargos políticos, antes do grande dia, encontram a morte nos perdidos municípios da Baixada Fluminense. Falo da Baixada, mas não é diferente nos “grotões” Brasil afora.
Por que tanta violência envolvendo o mundo da política? Parece de uma complexidade sem tamanho o assunto, mas o fato simplificado de maneira abrupta também revela uma faceta sabida de todos: para muitos candidatos, “eleger-se alguma coisa” é o passo inicial para ser bandido sem o perigo de ser preso.
O que deveria ser para o bem-estar da polis, acostumou-se a ser um meio de subir, financeiramente, na vida sem esforço; um meio de dividir o bolo consigo mesmo, no enorme ato de “cagar e andar” para o próximo. Pilantras de todos os tipos, assassinos esquartejadores (olha o Hildebrando aí, gente!) são atraídos pelo benefício da imunidade, das muitas “negociatas”. Gente assim clama pelo poder, sonha com o poder, mata pelo poder. Exemplo gritante é a infiltração das milícias cariocas no mundo político (antes absorvidas pelos grupos de extermínio).
Gostaria de acreditar mais nesta eleição à nossa porta, mas, pelo andar da carruagem, nada de muito especial será feito. Morrerão os de sempre: bandidos que rivalizam com outros bandidos, mocinhos que se meteram no caminho de alguns outros bandidos, e o povo, morto pelo descaso, tanto dos mocinhos quanto dos bandidos.

sábado, 20 de setembro de 2008

...

Queria alcançar o instante que nunca aconteceu, aquele que ensaiamos e que ventos mais fortes carregaram pro quando. Queria, neste momento, dizer o que nunca foi dito, a palavra descoberta, úmida, ainda por gritar, carregada de regionalismo. Queria a música tocada há dez anos, quando eu não era um covarde acomodado, quando ainda acreditava no amor, no peito aberto, no olhar carregado de clichês e sonhos.
Queria a sensibilidade do meu próximo de ontem, quando ele ainda não pensava em dinheiro, dinheiro e sexo, dinheiro e dinheiro.
Queria parar esse tempo tanto.
Queria tirar essa tristeza sem como.
Queria estancar esse querer tanta coisa.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008



Imagens


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Você escuta a respeito do tumulto.


Lá fora, o sol morre uma vez mais:


É inverno.


Enquanto uns cobrem-se


com seus fartos cobertores,


noutros, as notícias andam pelos corpos,


caixas que um dia contiveram caixas,


sustentam sob as marquises, carnes.


Não mande fulano comer grama


chamando-o sutilmente de animal,


pois você pasta


e se pensar bem,


seu pasto não é tão farto assim.


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sábado, 13 de setembro de 2008

Palavras comuns

Palavra comum é uma palavra sem futuro, perdida na escuridão do descaso. Palavras são mesmo assim, quando estão em voga, brotam nas bocas descerebradas das celebridades, são enlatadas para consumo imediato. Às vezes um “com certeza” enriquece no cotidiano, mas logo se opaca, não anda nem brilha. Outras são “a nível de”: nascem dentro da câmera, morrem nas favelas gramaticais. Palavra é um bicho complicado, monossilábicas ou não.
Política também não é assim? Políticos não são quase todos? Quantos não professam palavras comuns? Quantos não vomitam palavras de efeito? Palavras-celebridades? Quantos discursos em vão, cromáticos, dispensáveis, mentirosos. Vereadores que asfaltam ruas, constroem estádios, hospitais... Mas vereadores fazem isso? É esta a função? E, acostumando, caminhamos com as palavras sem futuro.
Queria mesmo é a palavra rica dos humildes, as palavras em construção dos carentes, dos excluídos, dos que morrem como viveram.
Queria mesmo é o instante do impacto, do sertão nordestino, da produção da farinha de mandioca, da queima na plantação de abacaxi, da cerveja molhando as palavras em Itapororoca, o sol com brisa da Paraíba, o povo que aquece, que te rolam palavras nascidas de dentro. Palavras incomuns para a metrópole, palavras incomuns para os que vivem, como nós, da miséria humana. Queria só falar palavras incomuns, mas só consigo sussurrá-las.

domingo, 7 de setembro de 2008

Desenho do adeus


Paulo Caruso, Jornal do Brasil
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Amante das artes, das letras e das belas artistas, beletristas ou não, Fausto Wolfffenbitle, mistura de lobo e dos Beatles, precocemente nos deixou.
Amigo dos amigos, inimigo dos inimigos, primou por ser, ao longo de toda a vida, ele mesmo. Por incrível que pareça, um homem de família. Várias famílias, coisa típica destes anos loucos que vivemos.
Um de seus livros é dedicado à sua filha, imagino, uma deusa nórdica, como ele, em versão sampleada para o sexo oposto. Nunca abdicou dele mesmo, a cada crônica, romance ou livro de contos insistia nessa histórica relação entre o homem e seu algoz, o pensamento. Neste caso, em se tratando de quem tratamos, o pensamento, assim como outras partes de sua anatomia, era grande, muito grande.
Como atrás de um grande homem vem sempre uma grande mulher, a pequenina e graciosa Mônica foi o passarinho designado para o acompanhar até o último momento. Assim ele a chamava, “Passarinho”, e era engraçado vê-la acudindo o gigante em seu tormento, fosse porque acabara o precioso líquido com que embalava sua imaginação ou porque os convivas reclamavam sua presença. Numa dessas suas missões heróicas, Passarinho o conduziu de ambulância ao hospital, depois de encontrar o gigante adormecido ao chão do banheiro.
Ao saber da ocorrência, decretei com ar digno de um Protógenes: “Faltou sangue no cérebro do Jebão, ao tentar levantar o mastro para o pipi matinal!”.
Assim era a convivência, feita de sustos e assombros, receita para um grande amor. Isso nosso grande homem nunca nos regateou, era sempre um coração aberto, embalando-nos com suas crenças e convicções e confortando-nos com seu imenso querer a respeito dos limites da espécie humana, principalmente dessa espécie de sacanas que teimam em reinar sobre nosotros.
Nem mesmo o Sr. Da Silva ele perdoou. Para quem, como eu, imaginava-o o último esquerdista – já que essas questões semânticas haviam cada vez mais entrado em colapso – era notável vê-lo esgrimindo raciocínios a respeito do papel da verdadeira esquerda num mundo cada vez mais globalizado pela direita. McCain podia imaginar o próprio McCain se dizendo o candidato da mudança?
Em nosso último encontro levei um desenho meu, original, coisa que ele tanto prezava. Era uma caricatura que o colocava correndo atrás de seu primeiro milhão, depois da indenização conquistada por Jaguar e Ziraldo, seus companheiros do Pasquim. No desenho em questão ele absolutamente cobrava por justiça ou criticava os brindados por tal distinção. Apenas pedia que lhe dissessem o nome dos advogados de tão justa causa.
Nessa viagem, a corrida pro táxi, aeroporto etc, esqueci um desenho que era o mais amoroso, que o retratava como um Deus do Olimpo, exatamente como quase o conheci, tentando entrar no Pasquim e sendo impedido pelo zelo da secretária, dona Nelma Quadros.
Lá de baixo, na Rua Clarice Índio do Brasil, eu via a escadaria que culminava numa mesinha onde uma garrafa de uísque repousava entre os joelhos, imagino, do Millôr, do Fausto Wolff, do Jaguar, do Ziraldo e do Ivan Lessa. Aquilo pra mim era o Olimpo, pensava comigo mesmo. Um dia chego lá.
Esse desenho, que esqueci, ilustrou o lançamento de seu romance Olympia e estava reservado, mal o sabíamos, para ilustrar nossa despedida, hoje, aqui no Jornal do Brasil.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O Escravo de Paulo Coelho

O Professor Halem, no seu (ótimo) Ração das Letras, levantou a bola para a reflexão; Jens, outro blogueiro que respeito à beça, fez referência a um texto (que produzo abaixo) revelador, extraído da própria biografia do Sr. Paulo.
Enfim, vamos à leitura:
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Publicado por Michel Arbache
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“Os Vampiros são às vezes bons e às vezes maus. E às vezes bons e maus”.
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Esta epígrafe do livro “Manual Prático do Vampirismo”, que Paulo Coelho supostamente teria escrito, bem poderia também epigrafar esta incrível história que, graças ao “drible da vaca” que Fernando Morais (autor da biografia ‘O Mago’) deu no seu biografado, todo mundo pôde conhecer – e que agora eu repasso neste artigo.
Há um engenheiro aqui em minha cidade chamado Antônio Walter Sena Jr, de 58 anos. Se você chegar aqui e procurar por este nome, quase ninguém vai saber responder... Mas se você perguntar por "Toninho Buda", a coisa melhora um pouco. Agora, se eu disser que Toninho Buda foi “escravo” de Paulo Coelho, então a coisa esquenta.Toninho Buda é uma figura fantástica que se popularizou nos anos oitenta em shows nos quais aparecia como performático; declamando poemas e fazendo vivas à Sociedade Alternativa. Embora "porra-louca", Toninho não era um cidadão inconseqüente... Pés no chão (ou quase isto), ele nunca dispensava exercícios físicos e era figurinha carimbada nas maratonas – seja em Juiz de Fora ou seja em Nova York.
No início dos anos oitenta, Toninho montou um restaurante macrobiótico em Juiz de Fora e passou a ministrar palestras gratuitas sobre os benefícios de uma alimentação saudável. Foi numa dessas palestras que conheci Toninho. Lembro perfeitamente das suas preocupações já naquela época: os perigos da química nos alimentos; o desenfreado uso dos agrotóxicos...
Quando esteve em Juiz de Fora para se apresentar num dos memoráveis festivais de rock da cidade, Raul Seixas, acompanhado do seu parceiro Paulo Coelho, resolveu experimentar o rango daquele recanto “macrô" da rua São Mateus. Foi ali que nasceu a forte amizade entre Raul, Paulo e Toninho.Pouco tempo depois daquele encontro em Juiz de Fora, Toninho, a pedido de Paulo Coelho, escreveu ‘Manual Prático do Vampirismo’. Competente na escrita, ele gastou apenas três dias e meio para concluir a obra e entregar para o seu amigo Paulo Coelho providenciar a edição. A co-autoria seria, pois, uma interação de competências: Toninho entraria com a criação intelectual e Paulo entraria com seus ótimos contatos editoriais no Rio.
Alguns meses depois, ao folhear o Jornal do Brasil, Toninho leu a boa nova: o livro seria lançado num hotel de luxo do Rio. O correio teria atrasado na entrega do convite ao autor, que pegou um ônibus e partiu para integrar a festa do lançamento. Toninho chegou à festa antes de Paulo. Pegou um livro no stand e ficou maravilhado com o resultado; com o acabamento... Mas quando começou a folhear a obra, Toninho começou a ficar nervoso; e deprimiu-se com a trágica descoberta: Paulo Coelho era o verdadeiro “vampiro mau”. Em nenhuma página; em nenhum cantinho de rodapé aparecia qualquer menção a Toninho.... Daí caiu a ficha: o correio não tinha atrasado na entrega do convite... porque não existia convite! Pois Paulo Coelho simplesmente roubara a criação do engenheiro. A dramática situação de Toninho talvez só um escritor iniciante entenderia: sentir-se um penetra na festa de lançamento do seu próprio livro. O único valor que Toninho recebeu pelo livro foi simplesmente este: uma refeição.
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Algum tempo depois, Toninho foi contratado por Paulo Coelho para a famosa viagem à Espanha (Caminho de Santiago). A função do contratado, que ganharia 200 dólares por mês, seria ajudar na feitura do livro que seria o pontapé inicial para que o “mago” se tornasse um dos maiores vendedores de livros do planeta: “O Diário de Um Mago”. Na ocasião, Paulo gostava de repetir uma frase de Nelson Rodrigues: “O dinheiro compra até amor sincero”. Quando novamente “caiu a ficha” de que estava sendo explorado por um cínico incorrigível, Toninho Buda resolveu abandonar a idéia da Sociedade Alternativa e voltou a ser engenheiro em Juiz de Fora.
Consciente de que ninguém acreditaria na sua história, Toninho optou por guardar segredo sobre a verdadeira face de seu “amigo”. Mas quis o destino que um golpe audacioso do escritor Fernando Morais, biógrafo autorizado de Paulo Coelho, trouxesse toda a verdade à tona – e contra a vontade do biografado.
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Acontece que Fernando Morais teve carta branca do biografado para buscar as fontes da sua pesquisa. Mas o que Paulo Coelho não esperava era que Morais, inadvertidamente, fosse descobrir um baú escondido no quartinho de empregada de um imóvel no Rio. O baú estava lacrado e constava no testamento do “mago” da seguinte forma: tinha que ser imediatamente incinerado logo após a morte de Paulo Coelho. O motivo era óbvio: ali continha muitas verdades impublicáveis. Entre vários escritos, Fernando Morais descobriu que Paulo Coelho sempre se referia a Toninho Buda como “meu escravo” – revelação esta que surpreendeu (e chocou) o próprio Toninho.
Enfim, opto por encerrar este artigo num estilo bem paulo-coelhiano: “num golpe mágico, quis o destino que a força da verdade abrisse o baú para tomar vida na própria biografia do mentiroso”.

domingo, 31 de agosto de 2008

Pretensão

Eu queria escrever um texto bonito . Por si mesmo. Um texto sem conflito latente,um texto competente . Um texto sofisticadamente simples e atraente .Um texto despudoradamente feliz.Um texto sem o rito dos poetas , sem o desvario dos apaixonados.Um texto de sexta-feira alforriada sem o pó das argamassas.Queria escrever um texto sem hora marcada , sem beira nem mote sem eira nem rima. Um texto sem lembranças ou reentrâncias . Um texto que não ultrapassasse o presente nem fincasse os pés no futuro . Um texto que não mandasse recados , não ditasse valores ou ensinasse conceitos.Um texto que tirasse o norte do pombo correio , que fosse o "cuidado, cão bravo" do carteiro.Um texto maneiro.Um texto cuja beleza mantivessem despidas as intenções e nuas as divagações.Que nada escondesse quando acenasse às claras.Um texto onde a vaidade estivesse de folga e o tédio no descompasso da emoção.Que sem ser tolo fosse verdadeiro , sem ser invasivo mostrasse ousadia . Queria escrever um texto sem vícios,carências ou frustrações. Um texto que de tão sucinto não deixasse saudade. Um texto de coragem guardiã, feminina , garrida , curvilínea .Que transformasse medo em proteção , raiva em atitude, mentira em desperdício, vontade em movimento. Que desafiasse idiomas , sotaques e divisas. Um texto de fé sem pieguice e que não (se ) traísse.Um texto sério. Um texto que provocasse riso nas mazelas . Um texto quase sem explicação.
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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

.De segunda à sexta
a procissão segue no subsolo de Venda Nova
Tudo é substituído:Os andores e velas por carteiras e papéis
As rezas e ladainhas por lamentações
Oras andam, sentam, seguem
Semblantes carregados os levam
Não são seres, são investimentos.
Pobres, jovens e velhos
Crianças correm pelas linhas amarelas
Homens e mulheres
Eles andam, encostam, sentam
Quando chegam ao final
buscam fundos, seguros, bolsas, programas
E quando saem com as misérias nas mãos
Sob o sol, miseráveis outros os espreitam
Em busca dos míseros direitos.
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Vais
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A JORGE GUINLE FILHO
em memória
Tanussi Cardoso
[ in Viagem em torno de, 2000 ]
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O que acontecerá aos céus
quando se morre um artista?
Que silêncios, que gritos
Que deuses riscam os ventos
quando se morre um artista?
O que dizer aos filhos
Aos pássaros, ao poema
quando se morre um artista?
Que pintura tão linda
Que natureza tão vil
Que fala tão amarga
quando se morre um artista?
Noiteluzsomdiapasãoharmoniavendavalfuracão?
O que sobra da vida
quando se morre um artista?
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Publicado por Moacy Cirne

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Guerra Quente

Até a queda do Muro de Berlim, vivíamos a proverbial Guerra Fria, que opunha os Estados Unidos e seus aliados no “mundo livre” (existe isso?) ao bloco comunista (que de livre não tinha nem a semântica). Livre ou não, o fim do mundo estava ao alcance de dois ou três botões de acionamento. Mas contava-se com a salvaguarda do chamado “poder de dissuasão” das bombas nucleares. Traduzindo: numa guerra entre duas potências atômicas o mundo acabaria, ou quase. Como ninguém teria peito de apertar o botão, ficaríamos em paz, e Hiroshima nunca mais.
Pois bem, caiu o muro, o capitalismo imperou, a globalização chegou a trator e, na ausência de um arquiinimigo explícito, os Estados Unidos, com a ajuda da Arábia Saudita, do Irã, da Síria e do Afeganistão, elegeram o terrorismo islâmico para encarnar o demônio. E avisaram: quem não entrar nessa guerra do lado certo vai direto para o Eixo do Mal e fica sujeito a levar porrada sem aviso prévio. Se necessário, em pleno desrespeito às convenções internacionais, flagrante afronta às liberdades civis consagradas pela democracia americana e completo desdém face à ONU.
A doutrina Bush verbalizava algo que, na prática, já vinha acontecendo quase desde a sua fundação: a ONU nunca apitou de fato, jamais foi democrática em suas deliberações, só foi respeitada quando isso era conveniente para os interesses nacionais predominantes e espelhou mais subserviência que independência. Para ficar no recente passado pré-Bush, Clinton, o democrata, o querido, tão pop e tão culto, deu bananas à ONU e cansou de bombardear países unilateralmente, casos de Líbia e Sudão.
Muito bem, ultrapassado o ápice da guerra contra o terrorismo (que os EUA começaram a perder ao invadir o Iraque), chegamos, enfim, à era da Guerra Quente, espécie de volta autorizada à barbárie mais fundamental e primitiva: o advento da Doutrina Bush começa a fazer escola, principalmente entre os que têm ou almejam ainda poderio atômico. Bush criou um forte precedente na realpolitik do direito internacional. Quase um passe livre para as Nações fazerem suas guerras sem dar a mínima bola para a tal comunidade internacional ou para a anuência da ONU.
Globalização, portanto, só vale para as relações econômicas (se é que vale, visto o fracasso em Doha). Quando se trata fazer guerra, cada nação — EUA, China, Rússia, e quem quiser, quem vier — resolve seus pepinos como nos bons tempos e assume todos os riscos. Uma espécie de redemocratização do unilateralismo.
Soaram ridículas, aliás, as declarações de Condoleezza Rice ao advertir o Kremlin sobre os ataques à Geórgia: “Não estamos mais em 1968, quando se podia invadir um país europeu e ficar impune”. Palavras que são a própria negação da Doutrina Bush e omitem o papel dos EUA nesta nova “anarquia” diplomática. E incrivelmente cínicas: se “não se pode invadir um país europeu”, que países, então, se pode invadir? Resposta: países irados não-portadores de bomba, como Irã e Venezuela, ou países comportados que pingarem fora do penico da nova ordem. O Brasil, por exemplo, se vacilar nos seus alinhamentos diplomáticos, ou qualquer outro país.
Por outro lado, em conversas recentes sobre os ataques à Geórgia, ouvi muito dizer que a Rússia tem toda razão, pois “foram os georgianos que começaram”. Esse tipo de pseudo-razão vai bem com a dinâmica da Guerra Quente: se as potências podem reabrir questões do passado, vamos todos botar pra quebrar, separatistas de toda ordem, índios donos verdadeiros da terra, e dane-se o status internacional. Para que olhar adiante se a gente pode remexer eternamente o caldo do ódio? Para que negociar quando se pode atacar e vender mais e mais armas?
Desarmamento nuclear? Muito pelo contrário: o mercado paralelo de mísseis “velhos” já assombra o imaginário do planeta, assinalando para um futuro em que a hecatombe não mais dependa de meia dúzia de possíveis acionamentos de botão, mas de dezenas e até centenas de cérebros em ebulição com os dedos trêmulos e muito crack, vodca, bourbon ou até um bordeaux honesto na cabeça.
Há quem torça para que a chegada de Obama (se chegar) mude esses ventos radicalmente: Obama seria um antibush capaz de fixar a biruta do mundo numa direção segura, um vetor de maior convergência, uma aposta ousada, crença de que estamos todos no Eixo do Bem. E de que o Eixo do Mal está em todos nós, à espera de ser expurgado coletivamente.
A História às vezes dá mesmo uns trancos. A queda do Muro de Berlim, por exemplo, provocou incredulidade geral. Coincidentemente, a visita de Obama à Berlim hoje unificada gerou imagens que fazem sonhar com uma multidão planetária rumando pela estrada da Paz, comemorando a queda do Muro de Bush.
Mas as coisas não são tão simples assim. Nem a queda do Muro de Berlim trouxe a Paz nem o fim da Era Bush é a salvação da lavoura. Num mundo de imagens fortes e comunicação cada vez mais simbólica é preciso lembrar que a natureza humana ainda é a mesma e a realidade, longe dos monitores, é chapa quente, na Rocinha ou na Geórgia.
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O Globo, 16 de agosto, Segundo Caderno

sábado, 16 de agosto de 2008

É muito óleo 'Rice'

Notícias de Terra Brasilis é sempre comentada por um enorme número de 0,1% da população, pois o resto anda muito ocupada em não passar fome. Mesmo assim, vamos a elas:
Finalmente, mesmo a contragosto de muitos que lá estão, descobriu-se o que é óbvio e ulula: o senhor Álvaro Lins é corrupto, patotinha e não tem como comprovar o patrimônio conquistado. Foi cassado e está foragido. O engraçado disso tudo é que, se a nossa (e verdadeira) Polícia Federal o encontrar e, por um lapso de memória, algemá-lo, corre o sério risco de ver tal figura se livrar da cadeia, pois, como todos já sabem, algemas só são permitidas em pulso de pobre, de suburbano e/ou de negro. Todos já sabiam, mas só agora resolveram tornar público e legal a garantia exclusiva dos que roubam muito. É isso aí! Palmas ao nosso judiciário! Aliás, será que o presidente da OAB de São Paulo não gostaria de se manifestar?
Depois do “Cansei”, vem aí o próximo movimento comprometido com o social: “Cansei de algemas no meu próximo”.
Enquanto isso, Marta, em Sampa, e Marcelo, no Rio, lideram as pesquisas de opinião. Opinião? Enfim. Se tudo der certo (desculpa, se tudo der errado!) e Marta ganhar essa eleição, teremos um imenso orgasmo toda vez que o PCC assumir a cidade, tornando-a inviável ao cidadão de bem. Marta, como todos sabem, relaxa e goza por demais...
Marcelo, por sua vez, entregará a Deus o que é de César e a César o que é de Deus, nas bênçãos cativas do tio Edir, o redentor. E meu Rio de Janeiro continua lindo...
E só para não dizer que é só no Brasil que acontecem coisas de outro país: vocês viram o ultimato do Bush na Rússia? Eu não consegui acreditar no que estava lendo, talvez alguém consiga explicar com mais claridade o que faz um presidente assassino repreendendo um presidente assassino. É muito óleo Rice passado na cara!
Fico por aqui, mas volto porque sou teimoso, ingênuo e porque acho que os 0,1% deveriam parar de saber apenas, agindo mais.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Afro-descendente com orgulho!

NEI LOPES
O Globo (Opinião - 31/07/2008)
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Escrevemos este texto sob o impacto, profundamente negativo, do artigo “Visita à terra dos negros”, publicado nesta página, no último dia 24 de julho. E o fazemos para demonstrar, em poucas linhas, que, se o indivíduo afro-brasileiro e o brasileiro em geral conhecessem um pouquinho de História da África e da afro-descendência, no Brasil e no mundo, ninguém se surpreenderia ou se horrorizaria ao visitar a África de hoje, notadamente aquela parte do continente mais atingida pelo genocídio iniciado com a chegada dos europeus no século XV.
Quem se dispuser a conhecer um pouco dessa tragédia saberá que a mesma Humanidade que, hoje, justificadamente, se extasia diante de um Michelangelo, também há de se tocar com a beleza naturalista dos bronzes de Ifé e Benin, obras de autores africanos cujos nomes, infelizmente, a História não registrou — talvez como recurso para atribuir a extrema beleza dessas obras a artistas europeus, como já se tentou fazer sem sucesso. Como compreenderá também, por mero exemplo, a grandeza artística dos negros spirituals, canções que, segundo a melhor musicologia, produzem seu indescritível efeito pelo emprego de uma escala (pentatônica) completamente diversa das convencionais seqüências de tons maiores e menores da música ocidental, e desconhecida na Europa até pelo menos o século XIX.
Da mesma forma, quem, em busca de conhecimento, for além do que hoje, no Brasil, oferecem as universidades e as listas de best-sellers, vai saber que, bem antes de Alexandre, no século XV a.C., o negro Tutmés III, príncipe núbio (filho bastardo que Tutmés II levou para a corte faraônica), quando no poder, estendeu seus domínios até a Ásia, inaugurando a era do imperialismo egípcio. Com ele, o Estado egípcio atingiu o maior momento de sua expansão territorial, subjugando povos e reinos até a Mesopotâmia, chegando, mesmo, à Europa mediterrânea. Assim, até as vésperas de sua morte, todos os reinos das margens do Eufrates à quarta catarata do Nilo, eram seus tributários. Cerca de 700 anos após esse Tutmés, uma dinastia de reis núbios, negros portanto, tomou o Egito, governando-o por cerca de 90 anos. Esse período se inicia com o faraó Piye-Piankhi, o qual, liderando uma revolução nas artes de na cultura e, após unir as civilizações do Vale do Nilo, restaurou templos e monumentos, transferindo a capital de Tebas para Napata, no atual Sudão. Noutra dimensão histórica e geográfica, vamos ver que, antes de Cristóvão Colombo, Abubakar II, imperador do Mali, adentrou o Atlântico com cerca de duzentas embarcações de pesca e chegou ao México atual, por volta de 1312.
Na mesma medida, é preciso mostrar que a ciência que pauta seu saber pelos ensinamentos de Platão, discípulo do egípcio Chonoupis; de Sócrates, que estudou na cidade egípcia de Busíris; e de Aristóteles (“os que são excessivamente negros são covardes e isso se aplica aos egípcios e etíopes”, disse ele) ou mesmo pelos ensinamentos do Eclesiastes bíblico, igualmente inspirado na filosofia kemética (do antigo Egito); essa ciência talvez também pudesse guiar-se, acaso a conhecesse, pela visão de mundo contida no conjunto de muitos milhares de parábolas enfeixadas no corpo de ensinamentos do oráculo iorubano de Ifá. E mais: os que ainda acreditam que Hipócrates foi o “pai da medicina” certamente nunca ouviram falar no egípcio Imhotep. Como os admiradores de Napoleão seguramente nunca souberam do zulu Chaka, o comandante africano mais temido pelo imperialismo europeu no século XIX, por força de inovações, estratégias e armamentos que criou, até sua morte em 1828. Da mesma forma que até mesmo os cristãos mais esclarecidos certamente não sabem que o orixá Ogum é venerado, na África e nas Américas, por ser a divindade da tecnologia (que ensinou os homens a domarem o ferro), dos negócios militares, do trabalho e, conseqüentemente, da prosperidade e da saúde.
Finalizando este texto, sob a inspiração de W.E.B. Dubois, André Rebouças, Abdias do Nascimento, Milton Santos, e outros não menos, perguntamos: o que seria da música popular que se consome hoje em escala planetária se não fosse a arte musical criada pelos afro-descendentes nos Estados Unidos, no Caribe e no Brasil?
É por tudo isso que não nos consideramos “brasileiro negro” nem “negro brasileiro”. Somos, sim, com muito orgulho da ancestralidade que cultuamos, um afro-descendente, integrante de uma maioria etnocultural num país em que, por razões que muita gente esclarecida ignora ou finge ignorar, uma parcela minoritária da população detém o poder político e econômico e manipula o conhecimento, desde sempre. E a essa minoria é mais conveniente ensinar aos jovens, nas escolas, que a proposta de se estudar a África, “terra dos negros”, é uma “declaração de ignorância”.
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NEI LOPES é compositor.

sábado, 26 de julho de 2008

Reconhecer para controlar e combater

Arthur Dapieve
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Um dos meus bisavôs paternos era de Udine. Tão a nordeste da Itália que, quando ele nasceu, a cidade fazia parte do Império Austro-Húngaro. Desencontramo-nos. Nasci pouco depois de sua morte. Desde a mais remota infância, porém, escutei variações em torno do adágio “Roma não fica na Itália, fica no norte da África”. Suspeito que, na sua boca, a frase devia desprezar mais Roma que a África. Afinal, quando sua mulher suíça morreu, ele se casou novamente com uma mulata brasileira. A “Vó Nega” nos fazia biscoitos deliciosos enquanto brincávamos com os gatos hospedados num forno desativado.
Ciente do bairrismo italiano, diverti-me quando li “1933 foi um ano ruim”, de John Fante, um dos meus heróis literários. Num certo trecho, o personagem autobiográfico de Fante — ali chamado Dominic Molise, não Arturo Bandini, como em “Pergunte ao pó” — fala do preconceito que a sua avó paterna, nascida em Torricella Peligna, carregou da Itália para os EUA contra a sua mãe, americana, mas filha de imigrantes de Potenza.
“Na opinião de vovó Bettina, os potenzeses, depois dos americanos, eram o povo mais ridículo do mundo”, lê-se na tradução de Lúcia Brito para a L&PM. “Não que vovó alguma vez houvesse ido a Potenza e visto com seus próprios olhos, mas toda a vida ela ouviu histórias absurdas sobre os potenzeses. Uma vez que os abruzzeses precisavam de um lugar que considerassem abaixo do seu, decidiram-se por Potenza, do mesmo modo que os calabreses desprezavam os sicilianos, os napolitanos desdenhavam de tudo ao sul de Nápoles, os romanos empinavam o nariz para os napolitanos, e os florentinos menosprezavam os romanos. Para os abruzzeses, o povo de Potenza era uma espécie de piada nacional, como se vivessem em barracas e fossem todos pigmeus.”
É cômico, sim, eco das cidades-estado em conflito permanente na Itália medieval, mas ao mesmo tempo é trágico e atual. Não me surpreende, por isso, que o governo populista de direita de Silvio Berlusconi tenha ordenado o início de um censo da população cigana na Itália, inclusive as crianças. Pelo seu nomadismo, os ciganos são um Outro com o qual qualquer italiano de cabeça paroquial pode se antagonizar.
Os alemães do tempo de Hitler começaram assim e acabaram mandando também os ciganos para as câmaras de gás. Logo, há uma tragédia em andamento no, digamos, carrinho de bebê da civilização ocidental (pois o berço é a Grécia). Aliás, nós costumamos usar “tragédia” como mero sinônimo de “desgraça”. No sentido original grego, entretanto, uma tragédia implica ainda a plena consciência da infelicidade por vir. É o caso.
Édipo arranca os olhos. Medéia mata e despedaça o irmão. Uma tragédia precisa de uma imagem forte. A dos ciganos na Itália de hoje já tem a sua. No sábado passado, duas meninas ciganas morreram afogadas em Torregaveta, perto de Nápoles. Tinham ido vender bijuterias para os banhistas e, por causa do calor, arriscaram-se no mar agitado. Cristina, de 16 anos, e Violetta, de 14, foram retiradas d’água sem vida. Seus corpos foram cobertos por toalhas. Até aí esta é a narrativa de uma desgraça corriqueira nas praias de todo o planeta.
A tragédia sobreveio quando os corpos ficaram por horas — indignidade comum no Brasil, independentemente da origem das pessoas — cercados por olhares indiferentes. A foto dos banhistas ao sol, a poucos metros dos pés descobertos das meninas mortas, calou na consciência culpada da Itália, que se perguntou: teria sido assim se não fossem ciganas? Primeiro foram incendiados acampamentos, depois veio o recenseamento, e agora isso?
O episódio decerto não torna os italianos “o povo mais ridículo (ou odioso) do mundo”. Apenas para continuar na Europa, a autônoma Catalunha, formalmente parte da Espanha, criou quatro escolas especiais onde serão segregados os imigrantes africanos entre 8 e 18 anos e as batizou, com evidente cinismo, de “espaços de boas-vindas educativas”. São flashes de todo um continente empenhado em manter os pobres alheios do lado de fora.
Como qualquer animal, o homem percebe como potencialmente perigosos os grupos diferentes do seu, seja do ponto de vista do fenótipo racial, da etnia, da religião ou da classe social, ainda mais em tempo de pouca-farinha-meu-pirão-primeiro. Veja-se a quantidade de genocídios prescritos no Antigo Testamento em prol da sobrevivência dos antigos hebreus. Ou a fúria entre os povos que outrora pareciam irmanados na extinta Iugoslávia comunista.
O que diferencia o homem dos outros animais, portanto, não é a supressão desse instinto e sim a capacidade voluntária ou de exacerbá-lo, transformando um dado biológico em arma política, ou de atenuá-lo, graças ao auto-exame constante da consciência e, se necessário, da implementação de leis de direitos civis, programas de integração e cotas.
É uma visão bastante pessimista da Humanidade, eu sei, essa da invencibilidade do preconceito. Sobretudo porque até 11 de setembro de 2001 vivíamos a utopia da vida em harmonia global. Por outro lado, parece-me mais prático admitir que esse mal existe e está sempre à espreita, em variados graus e disfarces, inclusive nas sociedades que se fantasiam de “democracia racial”, como o Brasil. É melhor do que julgar-se acima dele, a salvo em algum paraíso terreal, e desse modo ir eternizando os mecanismos de exclusão.
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O Globo - Segundo Caderno (Pág.06 - 25/07/2008)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Antes de começar:
Não concordo com metade do texto – esta é a minha primeira apresentação. Acredito ser de uma importância sem tamanho à exposição de uma África singular para, mais tarde, adentrarmos nos “conceitos reais” do que são e para que servem as múltiplas áfricas dentro de nós e enraizadas no mundo.
Contudo, concordo com a linha seguida que me diz: “Descobri que não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro”. Esta é a chave da questão. Aliás, enquanto negro, que sou, fico incomodado com a segregação involuntária ao ouvir a orgulhosa afirmação: “sou afro-descendente”. Pô, mas, de acordo com o pouco que estudei em História e Geografia, não somos todos? Não está lá nossa origem (branco, negro, vermelho, amarelo)?
Posto o texto do Doutor Magnoli porque, acima de tudo, acredito em reflexões e debruçamentos e, apesar de não ter tanta certeza, acho que é pelo diálogo e pela busca que chegaremos a todos os lugares.
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Visita à 'terra dos negros'
Demétrio Magnoli
(O Globo - Opinião - Pág. 7 - 24/07/2008)
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Milton Gonçalves encarna um personagem protagonista na novela do horário nobre da Rede Globo. É uma boa notícia para todos que apreciam a arte do grande ator. Devia ser motivo de celebração pelos grupos do movimento negro que apontam a persistência de uma regra racial oculta na seleção de elencos no Brasil. Mas eles não gostaram, pois o personagem de Milton Gonçalves é um político corrupto. O deputado estadual José Candido (PT-SP) acusou o ator de prestar um “desserviço” ao movimento negro, criando “uma má impressão do negro à população”. Se entendi direito, o corpo negro é imune à corrupção.
Numa entrevista a “O Estado de S. Paulo”, o ator não se limitou a responder a Candido, mas ofereceu uma aula singela. Ele disse que “algumas coisas mudaram na minha cabeça” depois de visitar a África: “Descobri que não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro. Descobri que não sou africano, sou brasileiro.” São duas descobertas incompreensíveis para os que nos governam.
Uma lei de 2003 tornou obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira e africana” nas escolas brasileiras. Num parecer destinado a esclarecer o espírito da lei, o Conselho Nacional de Educação afirma que o “fortalecimento de identidades e de direitos deve conduzir para o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal”. Segundo o Estado brasileiro, a Humanidade se divide em raças e as crianças devem aprender que uma ponte racial liga os negros do Brasil a uma pátria ancestral africana.
“Não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro.” O ator está dizendo que a sua identidade principal emana da esfera política e tem como referência o conceito de cidadania, não o de raça. Os brasileiros, de todos os tons de pele, formam uma nação única, alicerçada sobre o contrato constitucional da igualdade perante a lei. A identidade brasileira constitui nossa identidade pública. No espaço privado, segundo opções pessoais, podemos nos definir como negros, brancos, mestiços, gays ou corintianos.
“Não sou africano, sou brasileiro.” A segunda descoberta esclarece a primeira — e esclarece muito mais. A África está no Brasil, de mil maneiras, e há inúmeros bons motivos para se falar mais da África na escola. O melhor foi explicado pela antropóloga Yvonne Maggie, no seu “O medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil” (RJ, Arquivo Nacional, 1992). Analisando a perseguição judicial contra as religiões mediúnicas, Maggie comprova a hipótese de que a crença na magia afeta pessoas de todas as cores e classes sociais no Brasil. Isso forma uma ponte essencial entre nós e a África. Mas essa ponte também conecta todos os brasileiros e faz de nossa mestiçagem algo muito mais profundo que o intercâmbio de genes. Mesmo assim, não somos africanos.
O Brasil é o Novo Mundo; a África é o Velho Mundo. No Brasil, o que vale não é a ancestralidade, mas a posição e a renda. Na esperança de inventar uma Europa tropical, o Império do Brasil distribuiu títulos nobiliárquicos, mas tais signos da diferença circulavam como mercadorias especiais no bazar dos privilégios simbólicos. Na África, como em tantos lugares da Europa, a linhagem de sangue define posições e regula relações. Atrás de uma fachada política de repúblicas, as sociedades africanas continuam a girar à volta de constelações de reis tradicionais e líderes ancestrais. Sob muitos sentidos, não é o brasileiro, mas o europeu que está mais em casa na África.
“Não sou africano.” Ninguém é africano. África, no singular, é uma declaração de ignorância. Os europeus inventaram uma África singular para designar a “terra dos selvagens” e, mais tarde, a “terra dos negros”. Os intelectuais negros dos EUA e do Caribe que formularam a doutrina do pan-africanismo beberam no conceito racial europeu para desenhar no céu dos seus sonhos a África singular. No início do século XXI, o Brasil oficial ainda não aprendeu que existem Áfricas incontáveis e pretende usar o nome do continente como metáfora para ensinar uma fábula racial às crianças.
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DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP.
E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br.