quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Bom Carnaval a todos! Um feliz Verde-e-Rosa para todos vocês!


A Mangueira não morreu nem morrerá
Isso não acontecerá
Tem seu nome na história
Mangueira tu és um cenário coberto de glória"

Mangueira teu cenário é uma beleza
Que a natureza criou
O morro com seus barracões de zinco
Quando amanhece que explendor

Todo mundo te conhece ao longe
Pelo som dos seus tamborins
E o rufar do seu tambor

Chegou ô, ô, ô, ô
A Mangueira chegou, ô, ô


Mangueira teu passado de glória
Está gravado na história
É verde e rosa a cor da tua bandeira
Prá mostrar a essa gente
Que o samba é lá em Mangueira

Mangueira teu cenário é uma beleza
Que a natureza criou
O morro com seus barracões de zinco
Quando amanhece que explendor

Todo mundo te conhece ao longe
Pelo som dos seus tamborins
E o rufar do seu tambor

Chegou ô, ô, ô, ô
A Mangueira chegou, ô, ô




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Pais e filhos: 1964 não acabou


Por Rodrigo Viana

Site Escrevinhador

Com a proximidade do triste aniversário de 50 anos do golpe de 64 (sim, golpe, viu Itaú!), a direita que baba mostra-se sem medo. O clima de confrontação na Venezuela (outro 1973? Repetindo o “caos” que levou à queda de Allende?), a proximidade de uma eleição no Brasil em que o PT segue favorito para um quarto mandato, a ascensão de milhares de brasileiros de origem pobre à universidade e ao mercado (incluindo, horror dos horrores, andar de avião ao lado da massa cheirosa de sempre).

Tudo isso vai tirando a direita dos eixos.

É preciso reagir, eles dizem. O Estadão foi chamar um milico pra clamar pela ditadura. De novo? A história não se repete, diz o surrado chavão marxista. Acredito em Marx. Mas nem tanto… 

A direção petista – por tibieza, por opção, por pragmatismo – acha que, diante do avanço da direita na batalha das ideias, o melhor é assobiar e olhar pro lado. Enquanto isso, a direita (não falo da direita “liberal”, e nem dos tucanos que, em sua imensa maioria, parecem manter a fidelidade à Democracia) se esparrama: todos os programas de fim de noite (“talk shows”) são dominados por personagens do submundo conservador; da mesma forma, os noticiários, as revistas, os jornais… Azenha publicou no VioMundo ótimo texto de Marcelo Semer sobre o avanço reacionário.

Agora, o pai de um infeliz colunista de “Veja” decidiu implorar por um golpe militar, abertamente.Trata-se de Enio Mainardi. Triste figura. Vivandeira tardia dos quartéis. Será que a mãe de Luiza Trajano poderia vir ensinar algo a este outro Mainardi?

Na mesma semana, felizmente (ou infelizmente, porque trata-se de história triste, trágica), um outro pai mostrou a cara para falar de 64: Dermi Azevedo. Ele e a mulher foram torturados durante a ditadura. E os criminosos não pouparam o filho de Dermi – que na época tinha pouco mais de 2 anos. O garoto padeceu toda a vida de sérios problemas emocionais (ocasionados pelo trauma), e já não está entre nós. Na verdade, está! Porque Dermi não nos deixa esquecer.

Comparem as duas cartas: Enio Mainardi e Dermi Azevedo. O filho de Dermi não está vivo. Mas na verdade quem vaga feito cadáver é o outro pai (acompanhado por seu filho da vida). Leiam…

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Carta ao meu filho – Dermi Azevedo (na CartaMaior)

Caro Carlos Alexandre Azevedo (Cacá)

Meu querido filho,

Bom dia !

Faz hoje exatamente um ano que você partiu para outra vida. Como aconteceu com muitas outras crianças, você foi uma das vítimas da cruel e sanguinária ditadura civil-militar de 19648. Com apenas um e ano oito meses, você foi submetido a torturas pela “equipe” do delegado Josecyr Cuoco, subordinado ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais violentos esbirros da história contemporânea.

Já no sofá da pequena casa em que morávamos no bairro de Campo Belo, na zona sul paulistana, os investigadores da repressão quebraram os seus dentinhos; mais tarde, você foi submetido a novos vexames na sede do DEOPS. Em seguida, na madrugada de 14 de janeiro de 1974, você foi levado a São Bernardo do Campo, onde moravam seus avós Carlos e Joana. Eles foram acordados com o barulho dos agentes que jogaram você no piso da sala…

Toda a sua vida foi marcada por esses acontecimentos. Quando você, anos mais tarde, tomou conhecimento do que viveu, você leu muito e estudou a história da repressão fascista. Em entrevista à repórter Solange Azevedo, da ISTO É, você sussurrou: “Minha família nunca conseguiu se recuperar totalmente dos abusos sofridos durante a ditadura… Muita gente ainda acha que não houve ditadura nem tortura no Brasil…”.

É isto mesmo, meu filho. Ainda há muita gente que não acredita que milhares de brasileiros e de brasileiras, de estrangeiros e de estrangeiras que viviam no Brasil, dedicados aos mais oprimidos e excluídos, tenham sido perseguidos e esmagados pela ditadura…”

Ainda há cidadãos, fardados ou não, no Brasil e na América Latina, que praticam e legitimam a tortura…

Definitivamente marcado pela dor…por sua dor e pelo sofrimento (inenarrável ) de sua mãe e de seus irmãos, você decidiu partir…

Cabe a mim, seu pai, a tarefa quase apenas de compartilhar a narração do seu calvário, de denunciar – como jornalista – os crimes da ditadura e de lutar para que dores e agonias, como as que você viveu, nunca mais aconteçam…

Do seu pai

Dermi Azevedo

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A DEMOCRACIA TEM QUE DEFENDER A DEMOCRACIA (Apelo às Forças Armadas) – Enio Mainardi (no facebook)

Não tem “esquerda” no Brasil. O que há é uma Nação sendo manipulada pelo PT, que investe tudo para ganhar cada vez mais poder, arregimentando os miseráveis através das bolsas, aparelhando o Estado com apaniguados protegidos do partido, negociando e traficando as riquezas nacionais com grupos nacionais e países estrangeiros, uni…camente voltados para seus próprios interesses. Estamos mergulhados num regime que perde por hora, por dia as suas características democráticas. Vivemos um limite, a Pátria está em perigo. E neste exato momento, nesta noite de sábado sangrento, a Venezuela, que teve sua democracia destruida pelo bolivarismo, está em guerra civil. O exército venezuelano, apoiado por forças cubanas e eventualmente bolivianas – está abrindo fogo contra a rebelião do povo venezuelano, que configura uma nítida guerra civil. Maduro, Lula, Dilma, Fidel conspiram para tornar este continente uma ex-Democracia, comandada por líderes comunistas. Cada ação do governo brasileiro aponta para a liquidação progressiva da liberdade – inclusive a constitucional. Está-se nitidamente preparando um golpe que perpetue a canalha do PT-PMDB no contrôle político do país. Talvez nem hajam eleições, basta ver o massacre que arrasa a Venezuela. Nestas circunstâncias dramáticas de derrubada e desmoralização do poder civil, sobra o caminho de antecipar a ação deletéria dos que obedecem aos preceitos gramcistas – através da atuação decisiva de nossas Forças Armadas. Contra-revolução, já.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O século 20 condena os EUA do 21



Está nos cinemas "Caçadores de Obras-Primas" ("Monuments Men", baseado no livro que tem o mesmo título). Conta uma magnífica história: a de professores e museólogos americanos e ingleses que desembarcaram na Europa em 1944 com a missão de salvar tesouros artísticos durante a maior guerra de todos os tempos. Permite duas horas de divertimento e emoção. (O velhote da cena final é o pai de George Clooney, cujo personagem, na vida real, foi um conservador de Harvard.) Noves fora a corrida à la Spielberg contra os russos que estavam às portas da mina onde estavam os tesouros, suas diferenças com a história real não têm maior importância.

O filme joga o passado dos Estados Unidos contra seu presente. Há sessenta anos o secretário de Defesa Henry Stimson salvou a cidade japonesa de Kyoto de tomar uma bomba atômica porque lembrou-se de seu valor histórico. Os professores e museólogos protegeram algumas igrejas de cidades europeias. Nada puderam fazer para evitar a destruição da abadia medieval de Monte Cassino nem para tirar a cidade de Pisa da lista de alvos de bombardeios. Nisso foram-se afrescos, sarcófagos e esculturas do campo santo da cidade, cujo valor histórico excedia o da torre inclinada.

Passado meio século, as tropas americanas invadiram o Iraque sem dar qualquer atenção aos professores e museólogos que pediam proteção para sítios arqueológicos e, sobretudo, para o museu de Bagdá. Suas coleções equiparavam-no aos melhores do mundo. Tratava-se apenas de replicar uma iniciativa que enobrecera as Forças Armadas americanas, mas a tropa entrou em Bagdá sem qualquer instrução para proteger o museu. Nela havia só dois oficiais capazes de distinguir uma tabuleta milenar de um pedaço de barro com marcas esquisitas. O comandante da invasão disse que não tinha tempo para cuidar de besteiras e, quando o saque começou, havia uma tropa próxima, mas tinha ordens apenas para orientar o trânsito. A rapina durou dois dias e teve a marca de profissionais que foram atrás do que havia de melhor. Sumiram milhares de peças, talvez 10 mil, muitas das quais do tamanho de um isqueiro que chegam a valer centenas de milhares de dólares. Foram recuperados 750 objetos, alguns deles nos mercados de antiguidades americano e europeu. Noutro lance, a tropa nada fez quando um incêndio destruiu a biblioteca nacional do Iraque. Estavam atrás de armas de destruição em massa que não existiam e não evitaram a destruição de uma parte existente da memória do amanhecer da civilização.

Pesquisadores iraquianos protegeram perto de dez mil peças, mas ninguém contará sua história num filme com George Clooney e Cate Blanchett, a heroína francesa Rose Valland. Sua história já foi contada num grande filme, "O Trem", de John Frankenheimer.

Numa hora em que se dá o devido valor aos "Monuments Men", vale lembrar o nome de Tony Clarke. Ele era um jovem capitão inglês e em 1944 estava artilhado nas montanhas que dominam a cidade de Sansepolcro, com ordens para canhoneá-la. Lembrou-se de um livro que contava as maravilhas do afresco "Ressurreição", de Piero della Francesca, conservado num prédio da cidade e decidiu suspender o fogo. Na mosca: os alemães já tinham ido embora. Hoje Clarke é nome de rua na cidade.




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Tiro no pé?


Não, a Sra. R. Sheherazade não está sozinha na sua cruzada, mas, igualmente NÃO, ela não representa a maioria dos que trabalham de verdade, conhecem o Brasil, andam pelas ruas. É só uma donzela que, como já disse à Folha de S. Paulo, só sai de casa em carro blindado para ir ao shopping.

Claro!, a Veja e os seus 1 milhão de assinantes também não representam os outros 199 milhões.


A prova disso? Está aqui, ó, na Folha de São Paulo:
E olha que a intenção do jornal era mostrar que o apoio aos protestos está diminuindo...
Tiro no pé?


Tiro no pé do mesmo revólver que o Globo e O Dia usaram?
Acho que sim:


























Eles querem direcionar? Isso é jornalismo? Sei não...


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Aquele olhar


Meteu as mãos nas suas coxas e sussurrou alguma coisa que o deixou excitadíssimo. E eram aqueles olhos quase em cima dele como duas presas despretensiosas e mortais. Ele engoliu o chope como se estivesse bebendo água ardente e quase sacudiu a cabeça para acionar a ignição do raciocínio, da lógica, mas aquelas mãos na coxas, aquele sussurro e, puta-que-pariu!, aqueles olhos! Eram demais para ele!
Levantou-se da cadeira como quem acorda de supetão por um susto que não se sabe de onde veio, foi até o banheiro jogar uma água no rosto, olhar para dentro da consciência, visível apenas quando de frente ao espelho, e voltar com alguma dignidade à mesa. “Que horas faltam, hein? Será que ninguém vai chegar?” Só deus sabe o quanto ele queria que a hora passasse. Seus amigos não chegavam e o marido da Vanessa, sua, agora, ex-amiga, também não dava sinais de vida. E eram os dois ali, naquela mesa de bar, aipim frito com carne seca desfiada e acebolada, uma terceira rodada de chope da Brahma com espuma cremosa e na medida, aquele calor do Rio de Janeiro, a praia em frente com cheiro de sal e sensualidade, e ele e ela. Ela com as mãos na sua coxa (outra vez!), ele a ponto de transpirar, constrangido pela situação de estar excitado e o cagaço de ser pego – uma mistura psicotrópica.
Ela encostou um dos cotovelos na mesa e descansou o rosto na mão fechada, feito um soco, a outra continuou na coxa num movimento de ida e volta. Ele falou alguma coisa sobre a luz do ambiente ser de uma cor esquisita e simpática à penumbra. Ela sorriu e fechou os olhos como que navegando em outros prazeres ou deliciando-se com aquele momento tão insípido para ele mas que, talvez pelo sangue agitado, talvez pelo escancarar da porta de Freud, detivesse-no ali, daquela forma, mesmo sabendo-se arrastado para o que não tem mais volta.
“Eles não vêm, não é mesmo?”
“Acertou na mosca”.
E beberam a quarta rodada de chope. Ele pediu mais colarinho do que o de costume e longe do que marca a etiqueta da boa tirada. Era um modo de se iludir, de enganar a si mesmo já que beberia outras seis rodadas depois dessa; é como furar o filtro do cigarro para diminuir o veneno e fumar o maço inteiro.
Ela pediu uma caipirinha, mas de vodca. “Uma caipivodca, por favor”. Ele mandou tudo aos caralhos e decidiu por um uísque. “...duplo e só duas pedras de gelo”. Foi a última coisa que conseguiu se lembrar depois de abrir os olhos no seu apartamento e reparar que ainda usava sapatos. Pedira outras duas doses, mas isso era irrelevante, pois só nós sabemos disso. O gosto de guarda-chuva o incomodava e teve que ir ao banheiro, tomar um banho, um café e relaxar, talvez na praia, seu habitat natural, uma água de coco e uma cerveja pra curar a ressaca.
Pensou em ligar para ela, mas isso não seria necessário. Encontrou-a abraçada ao seu vaso sanitário com a maquiagem do rosto nas beiradas da lousa. O uísque de boa qualidade foi definitivo para ele estar de pé. Vodca vagabunda foi determinante para a catástrofe dela. Jogou-a no chuveiro, ambos de roupa e tudo, ele só percebeu que ainda estava de sapatos por causa do desconforto nos pés escorregadios. Tirou-os. Ela percebeu o momento e tirou, com alguma dificuldade, a calça jeans que ele usava e ele nem quis saber de tirar o vestido que ela estava. E treparam por longos minutos debaixo daquela água e durante o dia inteiro na cama úmida de chuveiro e suor. E foi assim, entre o uísque, a cerveja, a caipivodca e o sexo, por uns bons e profundos três anos. Ela se mudara para o apartamento dele e ele nunca mais viu o seu amigo. Está casado com uma professora de química e isso foi tudo o que soube entre o pão comprado na padaria embaixo do seu apartamento e a banca de jornal que lhe passou o último número da Times.
Um belo dia, quando resolveu chegar mais cedo em casa. Trouxe uma caixa de morangos e um espumante. Encontrou-a olhando pro espelho, daquele jeito que se olha para a consciência. Ela percebeu-o eternos segundos depois. “Você já chegou? Que surpresa!” Mas não houve convencimento nessa exclamação e ele logo indagou se ela sairia, maquiada e vestida adequadamente para um encontro. “Existe maneira adequada de se vestir para um encontro?” Ele sorriu, nenhuma tristeza ou raiva. “A última vez que você o vestiu fizemos sexo no banheiro com ele junto, de coadjuvante”. Era verdade. “Você volta para casa?”, ele completou, mas já sabia a resposta. “Nunca me maquio na sua ausência? Será que eu só saio com você?”, tentou ela, mas também já sabia o porquê da certeza dele. Era a primeira vez que ela não dizia, que se espantava, que agredia na impossibilidade de agir com naturalidade.
Mas no final era o vestido.
E tinha aquele olhar.
Aquele olhar.
“Já tem um lugar pra ficar depois disso?”
“Adeus, Carlos”.
“Adeus, Vanessa”.

 Ela mandou alguém pegar as suas coisas do apartamento e nunca mais se viram. Assim como nunca mais vira o Sérgio, que casara com uma professora de química. E ele mesmo casou depois de um tempo. E todos foram felizes enquanto puderam e infelizes também, num ciclo de sete inseparável, preciso. E todos foram o que puderam ser, o que deixaram-se ser. E a vida continuou, o trânsito fez barulho e a cerveja continuou aumentando de preço enquanto a vodca continuava vagabunda, sem pontos finais ou mistificações.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O incrível e o inacreditável

Por Luis Vernando Veríssimo


“Incrível” e “inacreditável” querem dizer a mesma coisa — e não querem. “Incrível” é elogio. Você acha incrível o que é difícil de acreditar de tão bom.

Já inacreditável é o que você se recusa a acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável Futebol Clube.

Incrível é qualquer demonstração de um talento superior, seja o daquela moça por quem ninguém dá nada e abre a boca e canta como um anjo, o do mirrado reserva que entra em campo e sai driblando tudo, inclusive a bandeirinha do córner, o do mágico que tira moedas do nariz e transforma lenços em pombas brancas, o do escritor que torneia frases como se as esculpisse.

Inacreditável seria o Jair Bolsonaro na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em substituição ao Feliciano, uma ilustração viva da frase “ir de mal a pior”.

Incrível é a graça da neta que sai dançando ao som da Bachiana nº 5 do Villa-Lobos como se não tivesse só cinco anos, é o ator que nos toca e a atriz que nos faz rir ou chorar só com um jeito da boca, é o quadro que encanta e o pôr de sol que enleva.

Inacreditável é, depois de dois mil anos de civilização cristã, existir gente que ama seus filhos e seus cachorros e se emociona com a novela e mesmo assim defende o vigilantismo brutal, como se fazer justiça fosse enfrentar a barbárie com a barbárie, e salvar uma sociedade fosse embrutecê-la até a autodestruição.

Incrível, realmente incrível, é o brasileiro que leva uma vida decente mesmo que tudo à sua volta o chame para o desespero e a desforra.

Inacreditável é que a reação mais forte à vinda de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento no interior do Brasil, e a exploração da questão dos cubanos insatisfeitos para sabotar o programa, venha justamente de associações médicas.

Incrível é um solo do Yamandu.

Inacreditável é este verão.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O questionamento da confiança na imprensa


1976 - Todos os Homens do Presidente - de Alan J. Pakula

Durante décadas a confiança do público na imprensa era uma questão acima de qualquer suspeita, mas desde a virada do século a quase unanimidade está desaparecendo rapidamente. Não se trata de uma discussão estatística sobre oscilações dos índices de confiança no noticiário, mas de verificar em que medida mudou o contexto que envolve o que é publicado ou transmitido.

A questão a ser vista não é se a cobertura de eventos como o da morte do cinegrafista Santiago Andrade está sendo isenta ou enviesada, mas de analisar a conjuntura em que o trabalho da imprensa vem sendo desenvolvido. O foco é menos uma preocupação com erros ou acertos e mais com a constatação de que os mesmos problemas que estamos sentindo em matéria de desorientação informativa, no caso do cinegrafista da TV Bandeirantes, tendem a se repetir sempre que um evento provocar comoção pública.

A identificação de manipulações do noticiário é essencial, mas as investigações da morte de Santiago ainda estão carregadas de muita emoção, o que aconselha mais cuidado e equilíbrio na hora de apontar os responsáveis e as consequências possíveis. O que, sim, já pode ser analisado é que cada fato, número ou evento noticiado pela imprensa contempla inevitavelmente várias versões – até porque o ditado popular garante: “Em cada cabeça, uma sentença”.

Na era da abundância noticiosa, onde cada versão pode se tornar viral na internet, não é mais possível falar de um único enfoque ou abordagem. A dúvida e incerteza passam a ser as sensações mais comuns em que assiste a telejornais, lê revistas, jornais e paginas Web. A maioria das pessoas não gosta de conviver com a dúvida e incerteza porque isso as obriga a pensar e admitir que os outros podem ter mais razão.

A imprensa alimentou durante décadas essa confortável posição de milhões de leitores e telespectadores ao prometer-lhes só a verdade e apenas a verdade. Era uma questão de princípio e também uma necessidade comercial, porque as pessoas pagam pela verdade, mas dificilmente fazem o mesmo com a dúvida.

Acontece que hoje é impossível oferecer a certeza absoluta. Não há como se prometer algo que não existe. O máximo que a imprensa pode oferecer são versões, que inevitavelmente são parciais, na reconstrução do que aconteceu. Se há um equívoco na postura da imprensa, este é o de induzir o público a acreditar que existe algo inquestionável quando o mais adequado seria assumir a relatividade de todos os depoimentos, fotografias e vídeos.

No caso da morte de Santiago Andrade, a única coisa certa é que ele pagou com a vida o preço de ser um profissional que não fugiu dos desafios de seu trabalho. Mas com relação às investigações, em especial a indicação de autoria, as empresas jornalísticas transmitem ao público a ideia de que tudo vai ser resolvido rapidamente quando de fato estão atropelando a dúvida e a incerteza.

A morte de mais um jornalista não está sendo aproveitada para discutirmos mais profundamente as causas e consequências das manifestações de rua que se espalharam de forma viral pelas cidades grandes e médias do país. A cobertura da imprensa está toda focada na apresentação de um ou mais culpados, num processo cirúrgico cuja preocupação é minimizar toda e qualquer controvérsia e apontar responsáveis exclusivos, num cenário onde o componente político eleitoral não pode ser desprezado.

A imprensa está perdendo uma oportunidade fundamental para transformar a morte de Santiago em algo realmente histórico. Em vez de empenhar-se na pressa por punições pouco convincentes e decidisse jogar o que lhe resta de confiança junto ao público para mostrar-lhe como conviver com a dúvida, com a controvérsia e com a incerteza, porque elas são a marca dos tempos que começamos a viver.

1994 - O Jornal - de Ron Howard



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O mundo assombrado de Rachel Sheherazade

Por Matheus Pichonelli
Revista Carta Capital

Jornal Folha de S. Paulo

Em entrevista recente à coluna Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, a apresentadora do SBT Rachel Sheherazade contou ser neurótica com a violência urbana, sobretudo porque noticia diariamente “tudo o que há de ruim”. Por isso, relatou, só sai de casa para ir ao trabalho. De vez em quando vai ao shopping ou ao teatro. Sempre de carro blindado.

O mundo que ela e certa casta de detentores da verdade noticiam, portanto, é um mundo projetado. Ruim, decerto, mas desenhado sem conhecimento de causa. É uma praga que corrói o jornalismo: quem se propõe a narrar diariamente os fatos não conhece os fatos. Não anda nas ruas. Não circula. Não sai da bolha. E, do alto de um mirante, passa a emitir ordens sobre como é a vida de sua audiência e/ou leitores, estes que eles mesmos mal sabem quem são ou como vivem.

Sobre esta espécie de “editoria de piá criado em prédio”, tínhamos uma sentença já à época de faculdade: podem enganar até seus chefes, mas deem uma folha em branco a eles para escrever sobre qualquer assunto e de lá não sairá nada.

Pois então. Na terça-feira 11, a mesma Folha de S.Paulo deu vida a esta alegoria. Espaço para especialistas, estudiosos e pesquisadores, a seção Tendências e Debates deu uma folha em branco para Sheherazade demonstrar tudo o que sabe sobre segurança pública, direitos humanos e sobre o seu país que, dias atrás, ela confessou se limitar da casa ao trabalho e, esporadicamente, da casa para o shopping. É nessa trajetória que ela recria a imagem de um país jorrado em sangue: sem policiamento, com bandidos à solta, armas em punho, a cometer todas as atrocidades contra todo mundo que é de bem. Pessoas que, segundo sua peça literária publicada em forma de artigo, escolheram ser criminosas e hoje recebem a solidariedade e pena de ONGs e grupos de direitos humanos e por isso, e só por isso, têm carta-branca para instalar o real estado de natureza em um país de impunidades.

"No caso do Brasil, existem chagas 
demais a serem tratadas. 
Espancar, torturar ou humilhar 
jamais fechou nenhuma delas"

Em resumo, deram uma página em branco para Sheherazade e ela manifestou tudo o que conhece sobre o Brasil: nada. Neste espaço, ela voltou a dizer que os criminosos estão soltos, que o Brasil é um dos países mais violentos do planeta, que a lei é frágil, que os menores infratores estão protegidos e que só quem agride animais vai para a cadeia. Neste universo, diz identificar nitidamente o bem e o mal: o bem somos nós, eu, você, cidadãos que pagam impostos e têm o direito à vida. Os maus são os criminosos comuns protegidos por ONGs e pelo Estado que atrapalham nossos caminhos em direção a uma vida de bem: casa, trabalho, shopping.

De fato, somos um país violento. Mas essa violência é mais difusa do que supõe sua folha em branco. Por isso ela e seus seguidores não conseguem reconhecer que parte da nossa violência brota de onde menos se espera. É reproduzida, por exemplo, por grupos que ela diz compreender que ajam ao arrepio da lei. Se a ação destes grupos é compreensível, diante da barbárie que ela jura estar instalada, estamos prestes a aceitar que encapuzados organizados saiam às ruas, diante da paralisia que ela jura estar encerrada à polícia, para colocar ordem no estado. Assim, saímos legitimados a espancar não só o “trombadinha”, como também a prostituta, o andarilho, o casal gay. Ou seja: façam exatamente o que fazem no Brasil há séculos.

Em seus argumentos, Sheherazade afirma que a sensação de impunidade no Brasil se deve à fragilidade do Estado, culpa de um policiamento falho amarrado a normas sobre autos de resistência. Se andasse na periferia, saberia o que é discurso oficial e o que é piada pronta. Se soubesse ler estatísticas, saberia que quem está na mira não são os cidadãos aprisionados em condomínios fechados, mas jovens e pobres e das periferias. Uma pesquisa divulgada pelo Ipea no fim do ano passado mostrou que dois de cada três assassinatos no Brasil têm como vítima um negro. Em janeiro, um levantamento do iG revelou que os três distritos com mais assassinatos em São Paulo ficam na periferia da cidade: Parque Santo Antônio, Capão Redondo e Campo Limpo. Não é pena, é estatística: não é a ordem da periferia que provoca mortes no centro, mas a ordem do centro que provoca mortes na periferia. Por isso podemos andar tranquilamente por espaços do centro, iluminados e bem policiados: a escuridão está longe da nossa trajetória.

Em Campinas, a pena que ela diz existir sobre a bandidagem não salvou 13 pessoas, alguns sem passagem pela polícia, da morte em duas chacinas na mesma noite. Policiais militares da região são os principais suspeitos. E se a atenção sobre autos de resistência fosse de fato um elemento a corroborar com a impunidade, ninguém daria tiro a céu aberto contra portadores de bolas de gude durante um protesto em São Paulo. Basta olhar a profusão de cassetetes, bombas de efeito moral e interrogatórios ao ar livre, com tapas na cara e pontapés, para lembrar também que no Brasil desconhecido por Sheherazade ninguém está exatamente constrangido em aplicar rigor sobre qualquer suspeita.

Mas Sheherazade e tantos outros detentores do monopólio da verdade sobre as ruas não andam nas ruas: provavelmente nunca viram qualquer abordagem para tirar qualquer conclusão. A falta de contato com o mundo cria narrativas paralelas e, nessas narrativas, a visão de mundo não tem pé na realidade nem na análise fria de qualquer estatística. Por isso ignora-se que a seletividade da aplicação da lei é o elemento que permite todo tipo de barbárie, e não a frouxidão de suas normas. Sheherazade poderia explicar, por exemplo, como um Estado mais rígido, que ela jura inexistir, poderia impedir a barbárie nos locais onde, por natureza, não existe policiamento: as casas das famílias de bem, de onde saem pais e mães assassinados, esposas e esposos esfaqueados e colocados na mala, filhos são jogados pela janela ou levados ao córrego vizinho. (No artigo, ela diz que o cidadão de bem está desarmado e isso é culpa do Estado, mas ignora os crimes com armas de fogo cometidos dentro de casa por pais e filhos com armas ao alcance).

Ainda segundo o mundo de Sheherazade, as delegacias e presídios estão vazios: os criminosos pintam e bordam e saem de lá pela porta da frente, enquanto os cidadãos de bem que matam papagaios estão presos. Pois, fora do caminho casa-trabalho-shopping, o Brasil está curioso para conhecer essa multidão assassina de passarinhos que abarrotam as celas das delegacias e penitenciárias brasileiras. Se Sheherazade conhecer um, que nos apresente, pois no mundo real tem mais gente presa do que ela imagina. Quem está solto, podemos garantir, não são os menores que transformam a vida da população de bem em um inferno, mas cidadãos que não assaltam carteira, mas orçamento; golpistas com editais de serviços públicos debaixo dos braços; engravatados de cartéis e oligopólios no campo e na cidade; autoridades com vistas grossas sobre venda e distribuição de drogas e armas; mandantes protegidos por capangas; e até machões enciumados que alegaram direito à honra para justificar o morticínio. A diferença é que estes ganham tempo com recursos processuais dos quais só uma parte da população ouviu dizer.

Se olhar caso a caso, a apresentadora talvez se espante em saber que a nuance da tragédia diária não cabe na narrativa de bem e mal. Dizer que soluções simplistas não vão resolver problema algum não é demonstrar pena de bandido ou do inocente: é simplesmente ser realista e desapegado de fórmulas mágicas.

O Brasil é, de fato, um lugar de insegurança patente, mas existem muitos Brasis dentro de um mesmo país. Um está fora dos centros e tem um corpo esturricado em cada beco pelo Estado, por grupos paramilitares ou por acerto de conta; outro, encalacrado em bairros nobres, tem padrão israelense de segurança. É disso que se trata quando se pede responsabilidade na palavra final dos fatos. Não se trata de apelo à piedade ou à censura, mas de um apelo à razão. Dentro de casa, apavorados com o próprio medo e o mofo das cortinas fechadas, criamos um monstro imaginário, damos cor e rosto a um inimigo e passamos a defender soluções autoritárias para poder sair do quarto. Só sairemos de lá quando as ruas estiverem limpas. Foi este o apelo que permitiu ao longo da História a adoção de políticas autoritárias em troca da dissolução de direitos civis, políticos e sociais, sobretudo os grupos já marginalizados (atenção: não estamos falando de marginais). Estas respostas autoritárias não fizeram do planeta um lugar melhor para se habitar. Pelo contrário, criaram novas chagas. No caso do Brasil, existem chagas demais a serem tratadas. Espancar, torturar ou humilhar jamais fechou nenhuma delas.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PSDB acusa Estátua da Liberdade por quebra de decoro

A Estátua lembrou: "minha filha, eu sou francesa. Vim de presente morar aqui nessa espelunca"


Por Estanislau Castelo

Carta Maior



Um dos símbolos da liberdade pode estar com seus dias contados.

O PSDB protocolou ontem, junto ao Supremo Tribunal Federal, e nas mãos de seu mais isento ministro, Gilmar Mendes, um processo contra a Estátua da Liberdade por quebra de decoro monumental.

A Estátua teria sido flagrada com o braço erguido, o que foi considerado pelos tucanos como uma clara referência ao gesto feito por José Dirceu e José Genoíno.

Um dos líderes que protocolaram o pedido ameaçou: "ou aquela piriguete abaixa aquele braço ou vamos às últimas consequências. Cogitamos inclusive derrubá-la".

Um ministro do Supremo que não quis se identificar disse que a Estátua pode ser enquadrada no "domínio do fato" e no artigo 45 do Código Penal, que reza que, sendo petista, todo castigo é pouco. Perguntado sobre o que seria esse "domínio do fato", o ministro não soube responder.

Em uma coletiva dada hoje pela manhã, em Nova York, o ícone mundialmente conhecido disse que prestou solidariedade aos "companheiros" presos por razões humanitárias.

E atacou os tucanos: "eu sou feita de cobre. Já esses que me acusam são um bando de caras de pau".

O símbolo maior da Baía de Nova York já havia feito o mesmo gesto anteriormente em comemoração à vitória dos atletas Tommie Smith e John Carlos, que ergueram o punho cerrado nas olimpíadas do México, em 1968, em homenagem aos Panteras Negras, grupo que lutava pelos direitos civis contra o apartheid nos Estados Unidos.

Questionada sobre se não deveria fazer o mesmo sobre Guantánamo, reagiu com indignação: "mas eu fiz; vocês é que não prestaram atenção".

Uma repórter da rede de comunicação ultradireitista Fox News perguntou à Estátua se ela não se envergonhava de emprestar sua imagem a "comunistas brasileiros", ao invés de continuar como garota propaganda do "American way of life".

Irritada, a Estátua lembrou: "minha filha, eu sou francesa. Vim de presente morar aqui nessa espelunca".

A Estátua foi também indagada se doou dinheiro para as vaquinhas que estão sendo organizadas para pagar a multa imposta aos condenados. "Ah, isso não. Devo confessar que sou muito mão fechada e ando dura faz tempo".


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Um coração partido


Olhou o céu nublado às 23 horas da noite, as gotas caíam como bombas em seus ouvidos e clarões explodindo raízes eram dispersadas sobre a vastidão de deus e das nuvens baixas. Tudo se liquidificou e ele sentiu uma comoção inesperada, daquelas que vem brotando desde a transpiração até a dor prazerosa que entulha a garganta e desafoga o plexo solar. Deixou-se encharcar por vinte minutos mais ou menos e dispôs-se, ele mesmo, a encharcar o lado de fora com o puro sal do corpo.
 Estava pleno. A dor também tem dessas coisas de satisfação, uma companhia em dias de pura solidão e reconhecimento. E foi nesse estado amalgamado, entre o mofado e a beleza do retrô, que ele entrou na noite, sucumbido pela excelência do acaso e da esperança no “tudo pode acontecer”. Precisava externar, compartilhar, doar. Entrou na noite e estava pleno, depois de um bom banho e um bom perfume. Ar nos pulmões como lixo tóxico. Pleno. Precisava acreditar em clichês e em auto-ajuda, precisava ter fé no depositário da frase depois da tempestade vem algo bom ou depois da chuva, as estrelas, depois do sal, o açúcar e assim, desse jeito pleno e desesperado, saiu na noite a procurar um bálsamo, um lugar-comum, uma sessão-da-tarde.
 E lá estava ela, absolutamente maravilhosa naquele vestido preto de caimento sincero. A música vinha das caixas parafusadas nas paredes laterais, volume médio. Ele sentou e pediu uma coca-cola, que é para não perder a compostura e nem ficar com bafo de álcool. Só exigiu que fossem poucos os gelos no copo para não aguar a bebida. Sim, uma fatia de limão seria ótimo, obrigado.
 Ela estava com mais uma – amiga?, amante?, prima?, chefe?! – mulher ao lado, igualmente linda, mas sem aquele vestido sincero e espetacular em todo o seu caimento. Pediu mais um refrigerante, desta vez sem o limão. Permitiu o acréscimo de mais gelo; arrependeu-se, mas já era tarde.
           Olhou a coca-cola e o gelo desencontrarem-se até virarem outra coisa, aguada, chata, sem brilho, e decidiu que já era hora de alguma aproximação. Levantou da mesa, dirigiu-se até as mulheres que gargalhavam sobre o que ele não sabia e talvez nem quisesse. “Posso sentar aqui com vocês um pouco?”
         “Não pode, não”! E esta expressiva e imprópria negação fê-lo virar para trás numa curiosidade automática de quem quer apenas o seu quinhão num universo cheio de supernovas.
O soco foi tão certeiro e o pisão, depois, tão preciso e cirúrgico que só acordou na enfermaria, gaze, esparadrapo e a frustração da epifania. Queria achar deus ou o destino e contemplá-lo. Não passou de uma noite sem significância. Sem luzes, estradas ou auto-ajuda. Só ele. Um coração partido e um dente a menos.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

A vila

Por dade amorim
Do seu blogue.

Esse arzinho úmido de após chuva sempre mexe com a minha alegria número oito, a mais discreta; Uma alegria tão discreta que às vezes fico na dúvida se é mesmo uma alegria. De noite, lembra outras noites muito longínquas. Lembra um chão de cimento rachado. umas poças dágua muito jeitosas, um tufo de mato escapando das rachas, uns muros cobertos de hera...
Naquele tempo, o mundo era limitado por um pomar à esquerda, um casarão à direita e uma rua sem calçamento. Habitavam-no dez pessoas, vizinhos e moleques. Ás vezes havia tios e primos, uma avó de colo gostoso. Também havia uma senhora gorda, que manchava de batom os biscoitos que mamãe lhe servia com café e puxava por uma perna. Havia também um médico de orelhas grandes e olhos pequenos que fazia brincadeiras engraçadas. Suas visitas coincidiam com um céu profundamente azul, que dava um aperto na boca do estômago.
 Havia também uns sapos cantadores, negros, luzidios, de olhos cintilantes, e os fazíamos pular com uma varinha. Isso acontecia nas áreas iluminadas, porque no escuro eles ficavam bravos e podiam jogar um líquido que cega a gente.
Havia estrelas puríssimas. Enfeitavam véus diáfanos, de mistura com lamés e com as roupas deslumbrantes de Monteiro Lobato. Aí aconteciam lances trágicos, suspenses e dramatizações suntuosas em florestas encantadas, dramatizações suntuosas em florestas encantadas, florestas encantadas,  salões de festa. A vila era cemitério à meia-noite, praia ou piscina.
Um dia não me contive e fui lá, rever a vila grande, clara e alegre, cheia de folhas verdes por todos os lados. Fui buscar um sol morno e dourado que me fez feliz como poucas vezes consegui ser depois. Queria ouvir um coro de roda, mergulhar numa noite mágica. Queria ver como estavam as florestas, o castelo, o mar, o cemitério. Espantar sapos encantados.
Acabei chorando naquela vila estreita, suja no chão de cimento. Já não havia plantas, as casas  eram duras, e as janelas me olharam com severidade, as portas sorriam  duras, hostis. Já não crescem estrelas nas árvores...