quarta-feira, 23 de março de 2011

"Seu Chico"

Por: Euza

Dizem que mineiro adora contar um “causo”. E é verdade. Teve um mineiro na minha vida que não só me ensinou a acompanhar histórias mirabolantes como a dar finais insuspeitos às mesmas histórias mil vezes contadas.

Meu avô era um mulato alto, magro e orgulhoso. Neto de escravos, traçou seu destino ao encantar-se pela filha mais velha do farmacêutico da cidade. Minha avó era uma "branca bem apanhada” – descendente de portugueses, tinha pele e olhos claros - mas a alma era miscigenada como a terra em que nascera. Era professora - e mais tarde seria diretora - da única escola que havia na cidade.

Naquele tempo, professora era autoridade. E marido de professora era o consorte da autoridade – portanto tão respeitado quanto ela. Viviam num casarão barroco de inúmeras janelas azuis. Janelas que se encheram todas com rostinhos que variavam do mulato ao branquinho. O rostinho mais velho era da minha mãe – que viria a ser também professora e se casaria com o recém-chegado farmacêutico, aquele que herdaria as portas estreitas e compridas da botica do lugar e viria a ser declaradamente um dos “comedores de criancinha”, herdeiro dos ideais do “cavaleiro da esperança” - este me ensinou a fazer História.

Meu avô não era letrado, mas tinha uma inteligência privilegiada, uma rara habilidade com as mãos e a alma plena das artes. Esta mistura de dons fez dele um dos homens mais ambicionados e invejados das redondezas – para desespero da minha avó que se roía de ciúmes do “seu Chico”! Mas ele era o parceiro ideal daquela descendente de cristãos novos que herdara a alma idealista e o coração conspirador dos inconfidentes da velha Vila Rica. Juntos revolucionaram a cidadezinha com suas peças teatrais - escritas por ela, montadas e dirigidas pelo Seu Chico - com seus saraus de poesia ao som de sax (às vezes clarineta) e as noitadas folclóricas onde a moçada cantava e dançava ao som da viola caipira.

Meu avô tinha muitas histórias. Ele tinha o dom de fazê-las e vivê-las e inventá-las e contá-las. Às vezes, tento me convencer de que há em mim uma veiazinha do “seu Chico” conduzindo meu sangue multirracial. Gosto de histórias, mas reconheço que saber contá-las não é pra muitos.

terça-feira, 22 de março de 2011

As bolas fora da mídia

Por que o Mr. Presidente Umbanda veio ao Brasil? Queria conhecer o Cristo, o cisto, o misto, o risco? Não. Queria mostrar os seus dentes para as mentes que mentem, os crentes que creem e os ratos que roem? Não. Veio, talvez, por que o Brasil, depois de ser sobretaxado, vilipendiado e chamado de otário pelo Tio Sam, resolveu comprar e vender para a China (ou mesmo para a puta-que-pariu) em maior número e disposição, deixando o Tio Sam a ver navios e menos lucro? Por que o simpático veio, afinal? Falar sobre a sua admiração pela Presidenta que lutou contra a ditadura militar (ou contra eles, já que o próprio Tio Sam apoiou o golpe)? Falar dos times de futebol cariocas, da cidade comandada pelo sobrenatural (de Deus), da nossa feijoada? Bem, se você acha que a mídia o tratou como um super-ultra-popstar, esquecendo de analisar a verdade por trás da visão em tempo real, relaxe! Muita gente achou que a mídia promovia um show da Madonna, não uma visita cheia de simbolismos e pires-na-mão como verdadeiramente foi.

Aliás, a mídia precisa rever os seus conceitos sobre informação e sobre como informar. Dois casos ficaram latentes: a usina nuclear e a captação da cantora Bethânia.

No primeiro caso, a mídia televisiva disse que explodiria a usina (com ambiguidade mesmo!), o reator, o delator, o pensador, enfim, afirmou (mesmo com os especialistas dizendo ser quase impossível o advento de uma nova Chernobyl) que o Japão estava era fodido com a radioatividade, atividade, idade, e com a usina que iria para os ares. Não aconteceu (como os especialistas previam), mas quem se lembra de rir?

No segundo, a coisa foi, antes de mais nada, perversa. A captação, liberada pelo Ministério da Cultura, na escrita muquirana dos jornalões, pareceu favorecimento, falcatrua, macumba e fascismo. Não era. O governo libera a captação para todos, desde que haja um projeto bem amarrado, bem discutido e de interesse cultural. Maria Bethânia, declamando em 350 vídeos, será vista por muitos? Sim. É de grande interesse cultural? Sim. Divulga a poesia em um país pouco adepto à leitura? Sim! Ter um nome de peso se propondo a isso é bom? Não é bom, é maravilhoso! Em qualquer país, minimamente civilizado, tal fato ganharia destaque positivo. Aqui vira ofensa nacional. Enfim, eles passarão, ela passarinho (eu acredito).

quinta-feira, 17 de março de 2011

O impasse da Líbia

Este ótimo blogue foi, já faz algum tempo, recomendado por outro ótimo blogue. O cara entende muito do que fala e escreve bem (e escrever bem, no caso, é saber ser jornalista - informação sem ruído). Vamos a ele!




As revoltas ou revoluções nos países árabes têm ocupado as atenções do noticiário internacional desde o início do ano. Justo, pois, embora ainda seja cedo para fazer grandes previsões, já se pode falar que se trata de uma mudança radical e histórica. Em geral, são regimes opressores, regidos por ditadores que deixaram os anseios de seus povos de lado e se conformaram com o poder corrupto e desleal, por muitos anos.

No entanto, para quem não segue muito de perto a política local, a tentação de jogar todos estes países no mesmo saco é enorme e o tratamento da mídia, na maioria dos casos, não ajuda a distinção. Cada caso é um caso e tem suas particularidades. Cada nação tem uma história, formação específica e circunstâncias próprias que resistem ao impulso generalista de tratar essas nações como “o mundo islâmico” ou “os países árabes”.

A Tunísia tem uma classe média bem formada, muito contato com o turismo europeu. O Egito tem um Exército poderoso que, ao perceber o clamor popular e a incompatibilidade da rua com o regime de Hosni Mubarak, dispensou o ditador. O Iêmen, com instituições fracas, é outra história. A Arábia Saudita, monarquia absolutista, outra ainda. A Líbia, a bola da vez, também tem fatores bem específicos que tornam a revoltasingular.

O país é dividido em tribos, e, depois de 42 anos de uma liderança personalista e delirante de Muamar Kadafi, a coesão social é precária e as instituições são piores ainda. No caso de uma vitória da oposição, a transição, portanto, seria complexa. Kadafi conta com apoio de parte considerável da população (não se sabe ao certo quanto). No caso de uma vitória militar das forças leais ao ditador, a repressão aos opositores rebeldes, certamente, será implacável. E vai deixar um sentimento amargo para boa parte da população insatisfeita. Ou seja, vai ser ruim para o país – e para o povo líbio –de qualquer maneira.

A situação externa não é menos complexa. As potências ocidentais – quem mais se pronuncia a respeito e tem condições de agir –, estão alarmadas. Condenam os bombardeios contra civis, ameaçam intervir militarmente e já impuseram sanções que, como quase sempre, são pouco produtivas.

Até o momento, a chamada comunidade internacional tomou algumas resoluções e medidas:

1 – O Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão multilateral que tem poder de determinar uma possível intervenção e sancionar com respaldo geral, aprovou uma resolução que embarga a venda de armas e determina o congelamento de bens da Líbia no exterior. A ação foi reforçada pela Interpol. E condenou, o que é só retórica, mas passível de se tornar resolução mais de fato adiante.

2 – O Conselho de Direitos Humanos da ONU abriu investigação sobre Kadafi no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade e suspendeu o país do órgão.

3 – Vários países 1 2 impuseram o congelamento de bens, fundos e ampliaram as restrições econômicas além das impostas pela ONU. A Rússia parou de vender armas a Kadafi.

4 – Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, o Canadá e a Itália deslocaram navios de guerra para o Mar Mediterrâneo próximos à costa libanesa.

Paralelamente, a diplomacia correu solta, sem, até agora, chegar a uma solução concreta. A ação direta mais falada é a de impor uma área de exclusão aérea, para evitar que as forças de Kadafi continuem bombardeando os rebeldes e os civis. O debate não é de simples conclusão e tem implicações jurídicas, além de uma difícil costura política..

França e Grã-Bretanha apóiam a medida. Os EUA titubeiam em tomar uma decisão sem apoio mais amplo, já que passou por cima de todos os procedimentos regulares ao invadir o Iraque baseado em mentiras e deu no que deu. Washington fala em decisão na ONU, via Conselho de Segurança, o que é o procedimento correto legalmente. O Brasil insiste nessa via, cumprindo a tradição do Itamaraty de uma abordagem multilateralista. No entanto, o Conselho de Segurança conta com a resoluta oposição da China e da Rússia, ambos com poder de veto. Na Otan, enfrenta resistência da Alemanha e da Turquia.

A ação militar tem sérias implicações. Para instituir uma zona de exclusão aérea, que autoriza o abate de aviões líbios na região determinada, será necessário um bombardeio para anular as defesas anti-aéreas de Kadafi. E elas são consideráveis e, pior, estão em regiões densamente povoadas por civis. Os EUA já cogitaram ajuda militar aos rebeldes, sem muito alarde, via Arábia Saudita. Rumores falam de ajuda egípcia. Mas, a ofensiva dos últimos dias virou o jogo a favor de Kadafi. E aí?

segunda-feira, 14 de março de 2011

quinta-feira, 3 de março de 2011

Lavínia, linda Lavínia!

Cheguei antes do carnaval. Era para falar da Mangueira, minha Escola 1ª, minha paixão infantil. Era para falar da festa da carne, da cerveja gelada, da picanha na brasa, da praia que amanhece rosada e da ressaca humana. Eu queria falar de sexo, do gozo com careta – intenso, suado, petrolífero. Era pra falar do PIB brasileiro e dos 7,5 crescidos, mas...

Cheguei antes do carnaval pra falar um pouco da Lavínia. Linda Lavínia, Lavínia de Lavínias livres. 06 anos. Morta com o cadarço do próprio tênis. A assassina: a amante do pai de Lavínia, Linda Lavínia. Pensei, ao ler a notícia, tratar-se de uma revisão da peça teatral do Chico e do Pontes, mas percebi, não sem alguma náusea, que a notícia era crua, sem vida, não-literária. Não era Chico. Não era o Marcelo lendo a notícia, era o rinoceronte de Clarice. Era Drummond soletrando o mundo, sabendo que o perdia. Era o vômito da sociedade pequena, do humano miserável. Lavínia é o espelho de João Hélio.

Cheguei antes do carnaval, mas não sou nenhum Fausto Wolff, portanto, ficarei com as palavras do meu amigo e, também, blogueiro, Flávio L. Mesquita:

A Medéia dos tempos modernos é fruto de uma vida marcada pela miséria caótica que nos reduz a pó.

Desgraçadamente, não há Jasão, argonauta ou velo de ouro, mas sim, uma dependência doentia de uma amante que, ao fim de sua empreitada, pretendia fugir com R$ 2 mil............................................................................
Essa mesma miséria que nos choca por sua crueza e falta de humanidade.
Infelizmente, a tragédia suburbana dos jornais não tem nada de poética.