domingo, 30 de dezembro de 2012

Conto de ano novo



          Passou a mão na chave, deteve-se por alguns segundos como que esperando o milagre da tecla “esc” ou coisa parecida, mas nada voltou ao lugar de outrora; a chave pulou para o seu bolso e a maçaneta rodou. Queria estar mordendo àquelas ancas em forma de coração, suadas e morenas, queria observar os seios fartos que preguiçosamente se movimentam quando ela esta por cima, queria poder dizer que morder e suar com ela era a coisa mais profunda e filosófica que ele já experimentara em vida.
Mesmo querendo uma coisa, fez outra e, com passos imprecisos, idiotamente atravessou a rua para nunca mais voltar. Quando ligou o carro percebeu que precisava caminhar até se perder na penumbra e, como um homem de verdade, chorar. Dirigiu por intermináveis dois quilômetros e largou o carro em um desses estacionamentos sem cobertura próximos à orla. Caminhou sem conseguir chorar, mas estava destruído, estilhaçado, um fuxico sem costura. Os pés na areia e a cabeça encharcada, era um turista dentro de si.
Claro que, assim como as rochas e montanhas mais altas, o gelo polar e as curvas poderosas de Niemeyer, nada é tão devastador e dolorido quanto o tempo. O tempo acaba com qualquer valor qualitativo e quantitativo para a dor. O tempo, infelizmente, pinga felicidade no “Trocando em Miúdos”, do Chico, faz troça com o sofrimento e é tremendamente indelicado com a miséria da alma alheia. O tempo, senhores, é um anti-romântico inveterado!
Portanto, como qualquer mortal que sofre e chora por amor, um dia ele acordou com uma leve sensação de virulenta alegria e descambou, com uma taça e um espumante para as areias de Copacabana aguardar o ritual de ano novo. Os belíssimos fogos e os humanos de branco lembravam algo indígena, levemente adocicado. E aqueles fogos, aquela gente, aquela noite, aqueles sorrisos, aquelas garrafas enterradas na areia...
Acordou com alguma dor de cabeça e uma linda negra ao seu lado. Como chegara ao seu apartamento? Não fazia a mínima ideia, apenas tomou um banho, um café rápido e uma aspirina americana, pensou no tempo e nas músicas de Vinícius, pensou na felicidade como uma gota de orvalho numa pétala de flor e voltou pra cama com café e torradas.
- Já acordou? Feliz ano novo!
- Posso morder a sua bunda?

domingo, 18 de novembro de 2012

O sexo e o frigobar


Não era apenas a questão do sexo exalando no copo de chope brahma e na picanha ao alho servida ao ponto; era todo um contexto que se unia ao kama sutra da noite, diversificada e, vez-em-quando-sempre, prazerosa. Não era apenas a questão do sexo ou sobre o final em si mesmo; o que o encantava era toda a biblioteca de Babel e a maneira de conduzir o caminho das palavras, a resposta da pele ao toque, a mensagem que o corpo oferece ao oposto no cruzar dos braços e no sorriso que dilata a pupila.
            Dentro do seu próprio sistema, especializou-se nos cardápios dos hotéis do Rio de Janeiro. Sempre solícito e solicitado, sabia de cor os melhores pratos ou as melhores bebidas para uma pernoite regada a orgasmo e culinária. Bife a Cavalo? Hotel “X”. Risoto de camarão? “Y” hotel. Peito de frango grelhado? “A dica é o hotel tal, mas, cuidado!, se não for pegar a suíte “W”, com preço mais salgado, a refeição pode levar até 02 horas para ficar pronta!”
            As pessoas acessavam o seu blogue atrás de uma dica de, pasmem, quem dava um maior valor e diversificação ao frigobar. Ele ficou tão bom no que fazia que os próprios donos de hotéis espalhados pela cidade pediam conselhos e pagavam pelas preciosas informações. E ele aproveitou cada cortesia ganha, cada suíte e champanhe estourado nas ancas da parceira do momento.
            E assim fez a sua vida de forma momentânea. Sempre na epiderme do arrepio, um perfume importado na camisa polo Rauph Lauren vermelha; a calça jeans apertada dando o toque instigado por ele, sempre expondo seu falo de maneira direcionada. Era um caçador magnífico.
Dizem, inclusive, que foi assim que morreu: dois tiros na cabeça enquanto comia a mulher de alguém que não tinha tempo. Entre um camarão e uma vagina, ambos regados a azeite ou saliva.
Anos após a sua morte, o blogue continuava sendo acessado; como um gourmet cafajeste, uma suíte vazia ou uma cantiga de escárnio.

domingo, 2 de setembro de 2012

O ouro e la plata

Aldir Blanc
Jornal O Globo, Domingo, 02 de setembro de 2012, pág. 15

Pro heroico labrador Batuque, sempre.


Adio algumas abobrinhas sobre o bóson de Higgs e o faço porque nosso povo não merece que lhe atirem o penico de Montezuma na cara. Nunca foi tão simples ganhar o sonhado ouro no futebol masculino. Mas o Brasil de lo Hermano “Pancho” Menezes preferiu entregá-lo aos herdeiros de Zapata. E o fez de maneira bisonha.

Já havia complicado contra a Rutênia e Trinidad y Los Bagos, não lembro bem a ordem. Hermano convocou mal e escalou pior. Hermano se caracteriza por uma série de gestos cabalísticos na beira do campo. Essas mímicas já foram devastadas pelo ex-craque e comentarista Mário Sérgio. Quando a sinalização em código não rendia, Hermano se transformava em Herr Mano e ia berrar com o quarto árbitro. Talvez o ouro viesse se Neymar estivesse menos exausto de tantos comerciais, mas não creio. Com aquela caspa...

Uma constatação: como publicidade, salvo honrosas exceções, é burra!

Não percebe que, ao saturar a telinha com o mesmo sujeito anunciando carros, condicionador para pelos pubianos, etc., acaba provocando raiva no público-alvo. Até quando ganhamos, cacetada, levamos azar. Logo após o vexame, partimos para um amistoso naquele estádio sueco qualquer-coisa-Sunda, e os erros se repetiram. Aí, entrou o Pato, que tem se mostrado bom ponta de lança na zona do agrião da filha do Berlusca. O cara fez 2 gols, meio por acaso, em 5 minutos, inclusive batendo mal um pênalti e caindo sentado sobre as paparicadas nádegas. Hermano respirou até a Copa das Confederações. A verdade é que a torcida teve um único prazer: acompanhar a bola cheíssima de Thiago Silva. Também houve algum futebol de Rômulo, Oscar, e foi só. Uma palavrinha para Marcelo Se-Acha: marrento, desleal, pensa que é uma espécie de Nilton Santos pós-moderno. Nunca chegará aos meiões da Enciclopédia.

Ouvimos muito a respeito de mudanças radicais. Elas acontecem, mas só de dinheiro indo para o bolso de dirigentes vendilhões. Se o ouro não veio, sobrou la plata. Ela manda no esporte brasileiro faz tempo, e o aparelhamento do PCdoB no Ministério dos Esportes, que deveria se empenhar por melhor futuro para os atletas, vai dar com os burros albaneses na lama. Quando um homem honesto, tricampeão olímpico, José Roberto Guimarães, diz ao Trajano que só largaria o vôlei para montar um projeto esportivo nacional e não é imediatamente convocado para 2016, há algo de muito podre saindo pelo bóson da Rebellândia. Por isso, homenageei meu labrador, o Batuque, símbolo dos torcedores, tratados pelos cartolas como cães. Enquanto essa cúpula-cópula pensar primeiro em la plata, o ouro continuará na Terra do Nunca — ou do Núzman. Está chegando o Dia da Pátria. Os canarinhos, curvados ao peso de la plata gananciosa, enfrentarão o Burundi Setentrional. Hermano dirigirá nosso esquadrão. Pena. O povão, que ficou na saudade com o ouro de tolos, adoraria vê-lo, para glória de Nelson Rodrigues, montado por um Dragão da Independência.



Aldir Blanc é compositor

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Feliz Aniversário!



Ele poderia até ser o vilão dos que, por cima, estupraram, por 27 anos, a sua liberdade física.
Ele poderia até ser o líder que, no rancor, observa de cima da montanha do superhomem nietzscheriano os pretos engolindo os brancos.
Ele poderia ser deus e se aposentar naquele derradeiro instante em que o sol brilhou e ele saiu dos braços da prisão.
Escolheu errar e ser humano. Escolheu acolher a todos, sem ressentimentos ou revanchismos. Escolheu dar a cara a tapa. Escolheu. E as escolhas são assim, sem méritos ou previsões.
Eu o amo porque não faço ideia de como é estar na sua pele linda, negra e africana. Amo a sua característica de amar incondicionalmente, mesmo no ódio alheio. Amo-o porque sei jamais ser tão lindo.
Ele está muitos mil quilômetros de mim, mas eu o tenho aqui, como uma referência nas decisões, como a materialização da Democracia que tento ter ao meu lado, orientando-me nas horas sedentas da noite escura.
Madiba, feliz aniversário!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

13 de julho

Hoje, às 18 horas, haveria, se ainda existisse, um puta tributo ao Dia Mundial do Rock na rádio mais foda que já passou pelo Rio de Janeiro: Fluminense FM (A Maldita)!
A Maldita acabou, mas os seus órfãos ainda estão por aí... 
E esta música era "de lei" num dia como este!



quinta-feira, 12 de julho de 2012

Pára o mundo!


Para o mundo!
(Porra, o verbo parar sem o acento necessário mais parece que o texto é uma homenagem ao mundo... Esses letrados não sabem escrever).
Pára o mundo, porra!
(Agora, sim! Este palavreado chulo e este acento, jogados assim, como uma ejaculação... Olha, comoveu-me!).
 Pára o mundo qu’eu vou sair desse troço. O substituto do Demônies é o ex-marido da mulher do dono da Arca, responsável por essa melecada toda?
Pára, porra! Duvido o Costinha, lá de cima, inventar piada melhor que essa! É brincadeira, não é?
Não é? Então, pára!
Mas parece que eles não são amigos. A mulher trocou-o para morar na Arca e ele ficou magoado.
Ele vai depor na CPI (que descobriu que a revista óia está suja até os pentelhos, mas que jamais vai chamar o Victor Cívico Corleone) para dizer que jogou no veado e ganhou no burro.
Ele vai depor naquela CPI (que não vai convocar o Pedro A. Cabral porque, este, tem show do U2 para assistir na França) para dizer que não tem nada a dizer.
Chama o Glauber! Essa porra é Cinema Novo! Uma ideia na cabeça e muito dinheiro no bolso!
Posso terminar com duas perguntas bobas?
19 senadores votaram pela permanência do Demônio. Estavam convencidos da inocência ou com medinho?

terça-feira, 10 de julho de 2012

O sol e o gramado



O sol batia no gramado através do enorme luar acima da goiabeira. Parecia coisa de fotógrafo de filme hollywoodiano colocando filtro especial para que o dia parecesse noite. E ela estava totalmente inacreditável naquele vestido de gabardine tomara-que-caia sobre a grama, braços jogados acima do corpo e um semblante de satisfação excepcionalmente erótico. Os cabelos despojados, a pele aveludada que, sob o luar, refletia-o como as lâminas que o sol produz na água toda vez que ele atravessava a ponte Rio-Niteroi.
O sol batia no gramado e ela era toda luz quando disse que havia conseguido aquele apartamento tão sonhado, mobiliado, lavrado, escriturado. Ela disse de forma tão orgânica e vital que ele não percebeu o sangue se dissipar do rosto, tornando-o gelatinoso. Estremeceu diante da pergunta que inevitavelmente teria que fazer e fez: “mas como?” E ela, elevando as pernas em estado trigonal, deixando visível a sua calcinha branca e os pequenos pelos dourados da coxa, encarou o homem a sua frente e com apenas um fio de sorriso à la Mona Lisa vomitou de forma surpreeendentemente simples: “Ora, meu amor, você não se lembra daquele velho empresário?”
O sol batia no gramado e o fogo que, dentro dela, reluzia, nele era como o inferno que consome. Ele queria chorar e correr enquanto houvesse sol. Queria gritar ao mundo sobre o quanto ele era puro e honesto e, ela, uma vagabunda sem compaixão, uma rameira que não tinha respeito por nada e nem por ela mesma. Uma meretriz que se vende de forma nojenta e perniciosa. 
Por dias ele ficou vagando pelas ruas do Rio de Janeiro, sem precisão ou muita vontade de se barbear. Uns diziam que ele era um tolo, outros, que ele estava certo. Ele não dizia nada. E assim ficou por um tempo.
Um dia, quando ele assistia a Flamengo e Vasco pela TV aberta, ela entrou toda de seda e, sabendo a reação da seda em corpo diabolicamente perfeito e magnético, deixou-o cair pelo chão frio. Ele deixou o copo cair. Ela disse: “comprei aquele carro que sempre achei bonito”.
Ele, agora, mora no apartamento dela e, sempre que podem, atravessam a Ponte sentido Cabo Frio.
O velho comprou colchão d’água semana passada. 

domingo, 8 de julho de 2012

O Gato Escondido

Minha filhota, depois de olhar para a tela do computador por algum tempo sem nada fazer, encarou-me e disse: "Papai, me ajuda a fazer uma estorinha?"; mas eu queria fazer um churrasco pro almoço, estourar uma cerveja gelada, assistir ao jogo do mengão (péssimo futebol), enfim, encarei-a de volta e disse: "e por que você não faz sozinha? Você sabe contar estórias!"
A medida que uma página (ou foto no paint) ia ganhando forma escrita e desenhada, o churrasco perdia completamente a importância e a cerveja já havia ido para as cucuias... Coisa de gente que baba, mesmo; eu sou desses.
Minha filha ali no computador produzindo Literatura sozinha e o sentimento aquoso que a notícia do Gabriel G. Marquez fez inundaram-me.
A vida não é assim mesmo?
Quis corrigir e pontuar, mas, quer saber? Literatura é viva e movimenta-se. Deixa a gramática pra lá. Clarice tem 06 anos!





terça-feira, 5 de junho de 2012

Poema sem métrica ou esperança



São quatro horas e nada foi dito (nem será!).
Eles estavam todos lá, tocando tambores e clamando pelas sete cornetas, anunciando o eclipse da bestidade e o levante dos inocentes! Que nada!
Tudo mentira! Eles queriam comover os servos, encantar as multidões sob os seus palanques, arrastar a massa para a complacência indecente; eles queriam a nossa alma e nós a demos, como carneiros hipnotizados pelo cajado, pela realização individual e egoísta, pelo poder de compra e pela casa própria da Caixa.
Eles sabiam que nós iríamos cair na armadilha. Eles só não sabiam que nós queríamos cair na armadilha e depois dizer que o inferno são os outros! Vendemos a fome, a morte e a ética por 30ml de Kenzo, por um terno Armani, uma noite com putas e Blue Label. Vendemos a esperança pelo status quo. Fodam-se a guerra na Síria, o conflito no Congo, o gueto palestino, a miséria da classe média de Brasília que queima os seus mendigos na impossibilidade de queimar o mundo e o espelho. Fodam-se os Saramagos e seus dedos apontados para Carajás, Nova Brasília, Belford Roxo, Vigário Geral, Favela Naval, Candelária, 174! Nós queremos cair na armadilha! Queremos o Grande Irmão! Queremos acordar em Acapulco!
São quatro horas e eu continuo no trabalho formidável. Falta pouco para eu comprar meu carro, ligar o ar-condicionado e fechar os vidros, colocar o ipod no volume médio e fingir que escuto Tom Zé e Beethoven. Vou para a casa de campo ser bucólico e esquecer que sou um covarde e que vou pra bienal ver bestas com seus egos de deuses declararem que lêem e que fazem a diferença. Diferença em quê? O mundo continua uma merda e a máquina continua esquartejando.
São quatro horas e o gosto de sangue e o cheiro da pólvora continuam. A cidade está iluminada e o palanque está montado. Um viva para a democracia que escraviza! Um viva para a nossa vidinha confortável! Viva! Viva!
E todos morreram de fome.
A carta do velho do restelo ao astronauta foi perdida
(ou está dentro de nós)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Gilmar Mendes não é o Supremo


Por Mauro Santayana 

Coluna: Coisas da Política

Jornal do Brasil





Engana-se o senhor Gilmar Mendes, quando denuncia uma articulação conspiratória contra o Supremo Tribunal Federal, nas suspeitas correntes de que ele, Gilmar, se encontra envolvido nas penumbrosas relações do senador Demóstenes Torres com o crime organizado em Goiás.

A articulação conspiratória contra o Supremo partiu de Fernando Henrique Cardoso, quando indicou o seu nome para o mais alto tribunal da República ao Senado Federal, e usou de todo o rolo compressor do Poder Executivo, a fim de obter a aprovação. Registre-se que houve 15 manifestações contrárias, a mais elevada rejeição em votações para o STF nos anais do Senado.
Com todo o respeito pelos títulos acadêmicos que o candidato ostentava — e não eram tão numerosos, nem tão importantes assim — o senhor Gilmar Mendes não trazia, de sua experiência de vida, recomendações maiores. Servira ao senhor Fernando Collor, na Secretaria da Presidência, e talvez não tenha tido tempo, ou interesse, de advertir o presidente das previsíveis dificuldades que viriam do comportamento de auxiliares como PC Farias.Afastado do Planalto durante o mandato de Itamar, o senhor Gilmar Mendes a ele retornou, como advogado-geral da União de Fernando Henrique Cardoso.Com a aposentadoria do ministro Néri da Silveira, Fernando Henrique o levou ao Supremo. No mesmo dia em que foi sabatinado, o jurista Dalmo Dallari advertiu que, se Gilmar chegasse ao Supremo, estariam “correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.
Pelo que estamos vendo, Dallari tinha toda a razão.
Gilmar, como advogado-geral da União — e o fato é conhecido — recomendara aos agentes do Poder Executivo não cumprirem determinadas ordens judiciais. Como alguém que não respeita as decisões da justiça pode integrar o mais alto tribunal do país? Basta isso para concluir que Fernando Henrique, ao nomear o senhor Gilmar Mendes, demonstrou o seu desprezo pelo STF. O Supremo, pela maioria de seus membros, deveria ter o poder de veto em casos semelhantes.
Esse comportamento de desrespeito — vale lembrar — ocorreu também quando o senhor Francisco Rezek renunciou ao cargo de ministro do Supremo, a fim de se tornar ministro de Relações Exteriores, e voltou ao alto tribunal, reindicado pelo próprio Collor. O episódio, tal como a posterior indicação de Gilmar, trouxe constrangimento à República. Ressalve-se que os conhecimentos jurídicos de Rezek, na opinião dos especialistas, são muito maiores do que os de Gilmar.
Mas se Rezek não servia como chanceler, por que deveria voltar ao cargo de juiz a que renunciara? São atos como esses, praticados pelo Poder Executivo, que atentam contra a soberania da Justiça, encarnada pelo alto tribunal.
A nação deve ignorar o esperneio do senhor Gilmar Mendes. Ele busca a confusão, talvez com o propósito de desviar a atenção do país das revelações da CPI. O Congresso não se deve intimidar pela arrogância do ministro, e levar a CPMI às últimas consequências; o STF deve julgar, como se espera, o processo conhecido como Mensalão, como está previsto.
Acima dos três personagens envolvidos na conversa estranha que só o senhor Mendes confirma, lembremos o aviso latino, de que testis unus, testis nullus, está a nação, em sua perenidade. Está o povo, em seus direitos. Está a República, em suas instituições.
O senhor Gilmar Mendes não é o Supremo, ainda que dele faça parte. E se sua presença naquele tribunal for danosa à estabilidade republicana — sempre lembrando a forte advertência de Dallari — cabe ao Tribunal, em sua soberania, agir na defesa clara da Constituição, tomando todas as medidas exigidas. Para lembrar um autor alemão, Carl Schmitt, que Gilmar deve conhecer bem, soberano é aquele que pratica o ato necessário.

sábado, 26 de maio de 2012

Poema sobre o desastre de Lisboa


Ó infelizes mortais, ó terra deplorável.
Ó ajuntamento assustador de seres humanos! Eterna diversão de inúteis dores!
Filósofos alienados que proclamam: — tudo vai bem. Venham contemplar essas ruínas horrendas, esses destroços, esses farrapos, essas cinzas malditas, essas mulheres e essas crianças amontoadas sob mármores partidos, seus membros espalhados.
Cem mil desafortunados que a terra devora, que sangrando, dilacerados, e ainda palpitando, enterrados sob seus tetos, sucumbem sem socorro, no horror de tormentas findando seus dias!
Diante dos gritos de suas vozes moribundas, do horror de suas cinzas ainda crepitantes, vocês dirão: é a consequência de leis eternas que um Deus livre e bom resolveu aplicar?!
Vocês dirão, vendo esse amontoado de vítimas: Deus vingou-se, e a morte deles é o preço de seus crimes?!
Que crime, que falta cometeram essas crianças esmagadas e sangrentas sobre o seio materno? Lisboa, que não mais existe, teria mais vícios que Londres, que Paris, submersas em delícias?
Lisboa está destruída e dança-se em Paris.
Espectadores tranquilos, intrépidos espíritos, contemplando a desgraça desses moribundos, vocês procuram  — em paz — as causas do desastre: Tudo vai bem — dizem vocês — e tudo é necessário.
Por acaso o universo, sem esse abismo infernal, sem submergir Lisboa, estava sendo pior?
Voltaire

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Quando tudo acaba


Olhou-a com um gosto de trovoada na boca. Queria desviar o foco, mas só o que conseguiu foi encolerizar. Queria se desvencilhar de qualquer tipo de conversa, mas o som da voz alheia o atraia de forma sagaz, quase como chuva de verão. Queria fugir, mas para quê? Não adiantava mais.
Foi quando verbalizou e todo o ar ficou morno e paradoxalmente invernal. Cuspiu toda a vontade de louvar e lavar de muitos anos, toda a nicotina tragada, toda a resistência do tempo e do amor; foi como estivesse se livrando de chagas espalhadas pelo corpo, como ulceras. Verbalizou até o improvável, o piano de deus tocando uma incerta sinfonia demoníaca.
Quando acabou, tudo havia acabado. Quando acabou, seu peito ainda marcava as batidas intensas do seu coração. E tudo tremia, pulsava, chovia e acabava. Quando acabou, parecia que havia sofrido um parto. Quando acabou, seus músculos recusaram-se a enrijecer novamente e ficaram todos largos, desafinados. E foi dando um sono inconfessável. O outro corpo, e não era mais do que isso, queria, ainda, gritar, estremecer, mas a serenidade do seu coração estava em um estado de completa sinceridade e certeza; não podia mais aumentar a voz, não fazia mais sentido algum.
Quando acabou, tudo acabou. Simplesmente.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr desapareceu

Morreu Milton Viola Fernandes.
Contudo, por causa de um capricho genial dos manuscritos alheios, nasceu Millôr, viveu Millôr e, agora, por uma questão de estética e, principalmente, porque a vida humana é finita, Millôr desaparece, do mesmo jeito que o traço do "t", ou a boa escrita nesse momento...


sábado, 24 de março de 2012

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Jogo de Poder 2

E os bombeiros e policiais militares entraram em greve no Rio.

Na quinta-feira à noite, dia 09, assistia, pelo televisor de um bar, a emissora Band filmando e o jornalista Boechat comentando, a multidão que urrava no centro da cidade exigindo respeito e salário digno. Boechat e Band, diga-se de passagem, naquele momento, fazendo o que todo o jornalista e jornalismo deveriam fazer: dando a notícia, cruamente; jogando-nos a informação nos cornos, simples assim, como todo bom jornalismo. A Globo? Bem, parece que não sabia o que estava acontecendo (o gerúndio se faz necessário, pois aconteceu por um longo tempo) abaixo do Cristo Redentor.

Parece apenas um ensaio sobre o jogo de poder entre o governador band-aid e o movimento popular daqueles que se arriscam muito para ganhar tão pouco (e, aqui no Rio, pelo menos, ganham muito pouco), uma quebra de braço entre o deputado Garotinho (que claramente incitou a greve) e os que estão no telhado de vidro blindado, pois a mídia (a maioria) os encobre. Poderia ser apenas isso. Mas, infelizmente, para mim, o que há são duas vertentes extremamente irresponsáveis e no meio, como sempre, o povo.

A Srª. Globo, ao fingir que nada acontece ou ao divulgar notas contraditórias, irresponsavelmente coloca o povo nas ruas sem nenhum tipo de informação, logo, a mercê do acaso, do imprevisto, do destino. Isto não pode ser jornalismo. E se não é jornalismo, é pilantragem, pois coloca vidas em risco. Na Bahia, é bom lembrar, já passa de 100 o número de assassinatos.

Será esta a intenção? Espero que a minha paranoia passe, senão, faço o novo Loose Change.

O segundo irresponsável é o deputado, que não está, na verdade, nem aí para os bombeiros e policiais, mas sonha com o caos e com o sangue. Opositor a qualquer coisa que esteja no seu caminho e não seja o seu pé, quer tocar fogo em Roma e depois dizer que é do povo e de Jesus. Típico, bem típico.

Defendo a manifestação. Acho que a hora foi imprópria e, por isso, sem o apoio do cidadão que quer foliar e ter segurança, já nasce com a séria tendência a dar merda. Pena. Este governo band-aid deveria entender e engolir certas coisas, mas não vai ser desta vez.