sexta-feira, 28 de junho de 2013

"A saudade é o museu do amor"




"A primeira pergunta que me fiz foi: “Se dediquei minha vida inteira a alegrar as pessoas, por que estão tirando minha maior alegria?”

Eu era completamente alucinado pelo meu filho. Fiz vários vídeos, dei banho no Gabriel desde o primeiro dia. Na pracinha, eu era o único pai no meio das babás. Foram dois anos e dez meses. Enquanto ele viveu, fui muito feliz. Era como se eu soubesse de alguma forma que tinha que aproveitá-lo ao máximo.

Ao voltar do enterro, comecei a colocar todas as coisas do Gabriel em caixas, malas e guardei na parte de cima do armário. Eu estava atônito. No dia seguinte, urrei, de a vizinhança inteira ouvir, chorei de os vizinhos baterem na porta.

Meu empresário me disse que não haveria problema se eu quisesse parar por seis meses ou um ano. Pensei por dois dias e disse: “Não cancela nada”. O palco sempre curou minhas feridas, separações, brigas. Sabia que ele tinha esse poder para mim. E os fãs seguraram cartazes dizendo “Força, Bruno”. O primeiro show dediquei ao meu filho. A partir do terceiro, decidi que não iria mais falar dele no palco. Não queria que ninguém fosse ao show sentindo pena de mim. Eu sou público, mas a minha dor não precisa ser. Por isso mesmo, não quis compor um “Tears in heaven” (música de Eric Clapton, em homenagem ao filho, morto em 1992).

O primeiro ano é insuportável. São todas as datas sem ele: réveillon, Dia dos Pais, das Crianças, meu aniversário e o dele, o carnaval sem fantasia, a Páscoa, a festa junina sem roupa caipira, Natal. O dia 17 de junho ainda é estranho. Mas cheguei à conclusão de que o dia 17 também se tornou um aniversário dele. É o dia em que o Gabriel nasceu do outro lado. Fica mais leve pensar assim. Quanto aos brinquedos do meu filho, deixei um em cada cidade que fui. Nos shows, pedia que as pessoas também doassem. Em vez de dar tudo para um um único lar, fizemos uma corrente do bem e multiplicamos os brinquedos.


Antes de entrar no palco, converso um pouco com ele. Às vezes o vejo grande, na minha frente, como se estivesse numa tela gigantesca. Em outras, vejo-o como se fosse uma estrelinha. No final, agradeço ao público e dou um beijo para cima, em direção ao céu. Se o show está lotado ou não, tanto faz. Ele está lá, de cadeira cativa, é o que importa.

Nesses dois anos, aconteceu só uma vez de titubear no palco. Conversei com o Gabriel enquanto a banda continuava a tocar. Disse: “Ajuda o papai, que hoje está difícil”. Pode parecer maluquice, mas são estas conversas que me ajudam a seguir em frente.

Não quis contatos com o além. Não que eu não acredite ou desdenhe, pelo contrário. Acho que eles estão nos acompanhando o tempo todo. Mas não fiquei curioso. Entendi que, quanto mais fizesse do meu tempo a continuação de algo que não está mais aqui, mais triste eu ficaria. Se as pessoas estão bem em outro lugar, vão querer que nós também estejamos bem aqui.

Logo no início, assimilei que essa dor não era só minha. Todo dia, se você olha o noticiário, vê isso acontecendo. Quando teve a tragédia de Santa Maria, passei três dias com ânsia de choro. É como se você passasse por aquilo de novo. As pessoas sofrem por imaginar a situação. Eu sofro porque conheço a dor. Ela nunca vai embora, só está ali adormecida. Assim como me dói a demora do processo judicial. Gabriel não morreu de um acidente. Ele foi vítima de uma irresponsabilidade!

Entendi que só o amor salva. Amor das pessoas, pai, mãe, irmão, da minha mulher, da banda. Não é pena, não é compaixão. É paixão. Quando você se sente realmente amado, entende que não está sozinho. Há uma coisa fundamental: eu não estaria aqui se não fosse pela Izabella, minha mulher. É como se ela tivesse entrado na minha vida para me amparar na dor que eu iria passar.

Eu nunca vou entender o que aconteceu. Neste momento só me cabe aceitar. É uma sensação estranha porque, de uma hora para outra, você se pergunta: “O que eu faço com todo esse amor que tinha pra dar para ele?” Com o tempo, vi que poderia demonstrá-lo em outros gestos.

A saudade é o museu do amor. Sinto que ele pegou um atalho e está lá na frente me esperando. Um dia me encontro com ele. Sinto muito a falta de um futuro que não aconteceu. Mas vou ter outros filhos, e vai ser bonitinho dizer para eles: Vocês não sabem, mas têm um anjinho da guarda”.

Bruno é vocalista
da banda Biquini Cavadão.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Cadê o De Gaulle?

Por Luis Fernando Veríssimo
O Globo - 27 de junho - Opinião

O “Journal du Dimanche” de Paris de domingo trazia uma entrevista com Daniel Cohn-Bendit, um dos lideres da sublevação popular que quase derrubou o governo francês em maio de 1968 e que continua atuando, como ativista e analista político, com o nome que conquistou naquela primavera. Não é mais o irreverente Dani Vermelho de 45 anos atrás, mas ainda é o remanescente mais notório daquela geração que fez o então presidente de Gaulle pensar em largar tudo e se mandar. Só mais tarde ficou-se sabendo como o velho general chegara mesmo perto de renunciar. De Gaulle não era a única causa da revolta que começou com os estudantes e empolgou Paris, mas era um símbolo de tudo que os revoltosos não queriam mais. Se maio de 68 não sabia definir bem seus objetivos, pelo menos tinha um ícone vivo contra o qual concentrar seu fogo. Um conveniente símbolo com dois metros de altura, um nariz dominador e a empáfia correspondente.

A chamada de capa para a entrevista de Cohn-Bendit era “Um perfume de Maio de 68” e a matéria fazia uma comparação mais ou menos óbvia do que acontece no Brasil com o que acontece na Turquia e o que aconteceu nas recentes “primaveras” árabes e em 68 em Paris. Óbvia e inexata. Nos países árabes a rua derrubou ditadores, na Turquia a revolta é, em parte, contra um governo autocrático e inclui, como complicadora, a luta antiga pela hegemonia religiosa. E, diferente do maio de Paris, a combustão instantânea no Brasil ainda não produziu seus Cohn-Bendits nem tem um De Gaulle conveniente como um símbolo que resuma o que se é contra. Ser contra tudo que está errado despersonaliza o protesto. Qual é a cara de tudo que está errado? No Brasil tanta coisa está errada há tanto tempo que qualquer figura, atual ou histórica, serve como símbolo da nossa desarrumação intolerável, na falta de um de Gaulle. Renan Calheiros ou Pedro Álvares Cabral.

Na sua entrevista, forçando um pouco a cronologia, Cohn-Bendit diz que 68 foi o preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França. Junho de 2013 será o preâmbulo de exatamente o quê, no Brasil? Aqui a esquerda, ou algo que se define como tal, já está no poder. O que vem agora? O Marx tem uma frase: se uma nação inteira pudesse sentir vergonha, seria como um leão preparando seu bote. Uma nação envergonhada dos seus políticos e das suas mazelas está inteira nas ruas. Resta saber para que lado será o bote desse leão.

Tempos interessantes, tempos interessantes.



quarta-feira, 26 de junho de 2013

Agora vai? Sim e não

As manifestações continuam e continuam bonitas. Tirando algumas coisas assustadoras (não, não falo da violência do quebra-quebra) como a Narcisa (que não morre afogada!) protestando em frente ao apartamento do P. Álvares Cabral, garotos esquisitos numa revolta sem nexo empunhando faixas contra a PEC 37 sem saber o que significa a tal PEC 37 (protestar bem sobre algo que não sabe é perigoso, pois um dia...), enfim, tirando essas coisas, as manifestações estão fazendo os políticos... Bem, os políticos... É preciso mais passeatas.

A presidenta se posicionou bem, ou pelos menos fez o que dela se esperava e, ao que tudo indica, será beneficiada pelas mudanças que ocorrem no país, pois os 100% dos royalties destinados à educação (75 Educação e 25 para Saúde) já era um projeto do governo (antes defendida por Cristóvam Buarque – justiça seja feita – que já foi do PT), o povo decidindo sobre a (tão sonhada no governo Lula) reforma política – para angústia dos veículos midiáticos que servem exclusivamente à classe dominante – e a importação de médicos estrangeiros (de preferência cubanos) para atuarem em áreas esquecidas pelo Brasil democrático e que mora em condomínio são boas reafirmações. 35 mil vagas serão abertas para os formados em Medicina, sejam brasileiros ou não.

Em outras palavras, a presidenta colocará em prática tudo aquilo que ela e outros tantos sempre quiseram, mas esbarravam na preguiça sorridente dos conchavos, da corrupção, ou eram derrubados pela oposição que só se opõe ao Brasil, nada mais.

Enquanto isso, o ministro Aldo continua a me decepcionar. Mas ele é uma voz sem sorriso no meio das poucas, mas boas conquistas dos últimos dias. Preocupam-me apenas duas coisas. Coisas importantes.

A primeira é a presença da direita nas manifestações. Pior do que estarem ali sem saber muito bem o porquê é estarem ali com um objetivo que foge completamente às propostas que se pulverizam, pois o que parece ser o melhor dessas passeatas também é o seu limbo: a falta de lideranças e objetivos claros, concretos e específicos. É bom porque significa que foi o povo (ou parte dele) quem deu origem aos protestos. É ruim porque, na falta de cabeças, dialoga-se com quem? Quando a situação avança rumo à direita, quem puxa para o centro outra vez? Quando a mídia tenta esfumaçar os olhos dos leitores e telespectadores, quem toma a frente?

Pois é.

A segunda, e não menos importante, foi agora, agora, portanto, devo esperar mais um pouco para ver no que é que vai dar: alguém vai perceber que a polícia acabou de assassinar e fez, faz e fará chacinas em pobres ou a passeata é só para os dissabores que atormentam a classe média? Bandido bom é bandido morto? Então tá. Depois querem reclamar de violência policial...

Espero que não.

Atenção, cariocas! As Olimpíadas podem ser resolvidas e o dinheiro pode ser aplicado com responsabilidade. A Copa está aí, mas nas Olimpíadas já falam em velódromos de 150 milhões de Reais! Vamos deixar para 2016?


As conquistas não serão televisionadas. Pelo menos não pela globo news e canais do tipo.

A PEC 37 caiu graças aos deuses! O MP precisa ser melhor, ninguém duvida, mas só a polícia... Ditadura começa assim.

Bem, não no Brasil.

Aliás, vamos ficar de olho na PEC 99? Que tal?


sexta-feira, 21 de junho de 2013

As massas e as ruas

Por Mauro Santayana
Jornal do Brasil - Coisas da Política


A máscara de Guy Fawkes, o conspirador católico inglês que queria atear fogo ao Parlamento, no início do século 17, tem sido usada, por equívoco, pelos manifestantes de nossos dias. O malogrado rebelde, que, semienforcado e, ainda consciente, teve sua genitália cortada antes de ser eventrado e suas vísceras fervidas, para então ser esquartejado, sabia o que desejava. Sob a influência dos jesuítas, o complô, de que participava, queria uma Inglaterra católica. Seu mérito pessoal foi o de, sob tortura — que só o rei James I podia, então, autorizar, e autorizou — proteger, até o limite do sofrimento, os seus cúmplices. Instrumento de intrigas internacionais de seu tempo, que envolviam a Espanha e a Áustria — países católicos — e se valiam de dissidentes ingleses, Fawkes é objeto de chacota em 5 de novembro de cada ano, quando se celebra a sua desdita em pequeno Carnaval nas ruas de Londres. Os vencedores escrevem a História, e a Inglaterra é, em sua esmagadora maioria, protestante até hoje.

E os que, agora, se manifestam no mundo inteiro? O que pretendem? Aparentemente, se revoltam contra o sistema econômico neoliberal, a corrupção e a inépcia dos governantes, que se refletem na desigualdade social. É também dessa forma que se identificam os manifestantes norte-americanos: a rebelião dos 99% espoliados, contra 1%, que são os espoliadores.

Como ser histórico, é o criador de si mesmo. É, no jogo dialético com a natureza, que ele se fez e se faz. A sua melhor definição é a de Aristóteles: é um animal político. Foi político antes mesmo que houvesse a polis: boas ou más, as regras do convívio, exigidas pela necessidade da sobrevivência, já eram políticas — antes dessa definição pelo léxico grego.Há uma razão de fundo nessa identificação, uma vez que o homem, sendo produtor e consumidor de bens, é um ser econômico. Mas seria reduzir as dimensões do problema examiná-lo apenas a partir dos números, relativos ou absolutos. O homem pode ser, como diziam os gregos, a medida de todas as coisas, mas não pode ser medido por nenhuma coisa.

Em razão disso, todos os livros da Antiguidade, neles incluídos os sagrados, são, no fundo, manuais políticos. Tudo é política e, acima de tudo, é política a presumida negação da política.

Nos atualíssimos dias o confronto é nítido entre o capital financeiro, que pretende controlar tudo — mediante as autoridades governamentais, que escolhem com o financiamento das eleições — e os cidadãos. Autoridade e cidadão, mesmo nos regimes democráticos mais evoluídos, são categorias que se contrastam. Os eleitores nomeiam as autoridades, mas o mandato não é, nem pode ser, imperativo. Imperativas são as circunstâncias que separam o sentimento do eleitor, no momento do voto, do comportamento de seu mandatário, quando no Poder Legislativo e no Poder Executivo.

O carisma de alguns governantes ameniza essa discórdia, justificando o governante diante de seus prosélitos, em nome, valha a recorrência, do peso ou da ditadura das circunstâncias.

Não há dúvida de que passamos por um tempo de desalentadora mediocridade no governo dos estados nacionais. O carisma de alguns líderes — e este é o caso, entre outros, do presidente Barack Obama — tem prazo de validade, como certos alimentos industriais. Em alguns meses, como estamos vendo no caso de Hollande, na França, o entusiasmo fenece — e é substituído, num primeiro momento, pela decepção.

Nos sistemas presidencialistas puros, e onde há o instituto da reeleição, o segundo mandato não tem a solidez do primeiro. Se o governante não for extremamente hábil, corre o risco de se transformar em um lame duck, um pato claudicante sobre os charcos escorregadios.

A renúncia dos eleitos em assumir sua plena responsabilidade de garantir o bem-estar e a independência das sociedades nacionais abriram caminho para que o neoliberalismo corroesse, até os alicerces, a autonomia dos dirigentes políticos. O início da curva histórica ocorreu a partir do conluio estabelecido, nos anos 80, entre Reagan, Thatcher e Wojtila, com a cooptação de Gorbatchev — hoje conhecido em seus detalhes, constrangedores.

Os legisladores e governantes foram transmudados em simples marionetes dos donos do capital, que dominam o mundo. Esses têm, em suas mãos, os maiores bancos, e, mediante eles, ou diretamente, as maiores empresas transnacionais do mundo. Os bancos e essas corporações controlam todos os recursos naturais e ditam os rumos da economia mundial.

As manifestações revelam a inadaptação da vida humana aos módulos impostos pela sociedade de produção e consumo, agravadas pela crise histórica da contemporaneidade. Elas pedem e anunciam uma nova forma de convívio — mas qual? Seu domínio vai ao ponto de provocar a fome de alguns povos, por meio do controle dos alimentos — da produção dos fertilizantes, do uso da água, da fixação dos preços, pelo mercado de futuros, a estocagem e a especulação — dos cultivos até a prateleira dos supermercados. Isso sem falar nos minerais, do ferro ao nióbio, do urânio a terras raras.

Estamos diante de uma nova fase da rebelião das massas, já examinadas com precisão por Ortega y Gasset, e Elias Canneti, em “Masse und Macht”, e hoje mobilizáveis em instantes pelos meios eletrônicos que pretendem controlá-las.



Mauro Santayana
JB



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Uma observação interessante (apesar dela vir da Abril):

Na cultura pop

"Em 2006, V de Vingança foi adaptado para o cinema. Dois anos depois, o movimento hacker Anonymous adotou a máscara para protestar contra a Igreja da Cientologia nos Estados Unidos. O acessório se tornou um símbolo de 2011, quando foi visto em protestos por todo o mundo, como nos movimentos Occupy. Mesmo sendo um ícone anticorporações, a venda da máscara dá dinheiro a uma grande empresa. A Time Warner detém seus direitos autorais."


quarta-feira, 19 de junho de 2013

O amor nos tempos da democracia


E ele estava recebendo a sua dose de torpor e, coincidentemente, foi premiado com a verdadeira paixão da sua vida, ali, contorcendo músculos e absorvendo o som, a pressão, o suor. Ele estava feliz com a possibilidade de promoção no trabalho, de carta de crédito para a tão sonhada casa própria, o contrato renovado da casa de praia na Região dos Lagos, e agora, depois de tudo e, principalmente de todos, estava deitado, relaxando os músculos e o espírito com o parceiro certo, aquele que sempre injetou força e equilíbrio no seu cotidiano.
                E ele estava ali quando, ainda transpirando e falando alguma besteira sobre o vinho e o fundi de queijo ao alcance das mãos, os estilhaços da primeira janela perto da porta da sala transformaram-se em som e terror.
              Pensou estar na Alemanha nazista, na Itália fascista, no Brasil de Geisel ou no Afeganistão, mas estava em pleno século 21 sendo vítima de um ódio vestido de moral, de uma ignorância disfarçada de religare. Por sorte o coquetel Molotov não funcionou como o esperado, já que a garrafa resistiu ao impacto na parede e no chão e não quebrou. Mesmo assim, gritos de viado e filho-da-puta cortaram os seus ouvidos.
            Uma segunda janela, esta perto da cozinha, também fora quebrada. Felizmente, o monstro atirara um pedaço pequeno de paralelepípedo.
              Uma marcha foi organizada uma semana depois do ocorrido. Não por sua causa, mas também por causa disso e dos inúmeros casos de violência, intolerância, preconceitos. “Meu imposto é reduzido porque sou gay?”, declarava em frente à prefeitura. “Se não tenho direitos e se a constituição não me contempla, então, só sou cidadão na hora de pagar meus impostos?”, perguntava sempre que motivado ao assunto. Milhares de pessoas caminharam junto a ele.
                Mas não houve apoio maciço dos deputados na época. Muito pelo contrário. Muitos, vendo uma oportunidade de angariar votos na ignorância, na escuridão, optaram por defender coisas subjetivas como a “sagrada família”, restringindo a família ao homem (alfa) casado com uma mulher (submissa), aos princípios morais, mesmo os alicerçados na imoralidade e na violência, e coisas do tipo. Alguns, graças a esse oportunismo, viraram senadores. E foram dias de lâmpadas nos rostos de um suposto adolescente gay, chutes e pontapés em boate, opressão e orgia cristã.
                Mas as passeatas seguiram e outros representantes e líderes surgiram, deputados engajados na causa, políticos assumidamente gays, moralmente dignos, lindamente lindos. O país estava mudando junto com o mundo. Outras e novas aglomerações aconteceram. Preconceito e corrupção passaram a não ser tolerados. Sacudiram alguma coisa e foi como remover uma casa de marimbondo.
                E como o voto é democrático, elegeram-se todos, os felizes defensores da felicidade sagrada e religiosa de uma verdade só, assim como os outros religiosos e muitos outros que não viam problemas, nem regras para o amor, para o suor, nem para o casamento.
                E isto foi o melhor dos acontecimentos: os que são contra e os que são a favor, seja lá do que for caminharam juntos, mesmo na adversidade, e os direitos foram conquistados, pois eram direitos e faziam justiça aos de pouca voz. E todos ganharam. Porque o mundo é de todos e não é de ninguém. 


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E, como escreve a Vais:
O Som!!

Hoje é aniversário do Mestre Francisco. Parabéns, Chico! Por tudo!




terça-feira, 18 de junho de 2013



As manifestações no Brasil, ao que parece, não acabarão.

A mídia, bela e limpinha, escandaliza-se de mentirinha com carros queimados e apoia o movimento, mas isso também é mentira. Ela não esta entendendo nada. Ninguém ainda tem a exata noção do que esta acontecendo de fato, se uma revolução, uma primavera, euforia, palha queimando ou carvão mineral. Quem tem certezas absolutas, neste olho do furacão, não só não sabe de nada como também não quer saber, já escolheu uma posição cômoda e, assim como o Datena, é a favor da democracia, desde que a PM possa meter a porrada no povo, como sempre faz.

O povo não acordou. As revoltas que aqui aconteceram falam por si (Lúcio de Castro falou sobre isso, veja aqui). Nós, quando de saco cheio, fazemos isso. A nossa ditadura sabe que não teve tranquilidade. Houve quem emprestasse kombis, mas teve uns de fusquinha que atazanaram a vida dos coronéis. Muitos brasileiros resistiram, outros tantos pereceram. Lutaram para que pudéssemos fazer isso. Não nos esqueçamos. Uma democracia tacanha e virulenta ainda é um esboço de democracia. Ditadura organizada é muito pior.

Jabor pediu desculpas, mas sabemos que aquilo é tão verdadeiro quanto os seus empregadores apoiando o movimento.

Por falar nisso, a Record, naquilo que eles chamam (que ousadia!) de jornal, hoje de manhazinha, com um sujeito e seus quilos de maquiagem, mostrou 02 minutos da manifestação no Rio e 30 minutos do confronto na ALERJ. Nitidamente o objetivo era anular a marcha dos 100 mil, vista pela última vez com a Clarice, o Chico, o Zuenir, entre outros 99.997 participantes igualmente importantes.

O ministro dos esportes me envergonhou. Tem uma bela história, mas esta com uma vontade grande de jogar tudo no ralo.

Estou esperando, digerindo e tentando entender a beleza disso tudo. Não sei o que será amanhã, mas que esta sendo bonito, isso esta!




sábado, 15 de junho de 2013

Milhares já escolheram sapatos que não vão apertar

Por: Luís Felipe dos Santos
Do portal Impedimento


O dia 13 de junho de 2013 está na história do Brasil – e certamente, na história da mídia brasileira. Algumas cenas marcam essa data.

- Datena, apresentador da Band, abre o seu programa pregando a ordem pública contra a baderna. Faz até uma enquete: “você é a favor de protesto com baderna?”. Seu programa começa no final da tarde; quando ele abre, 40 pessoas já foram detidas, entre elas o fotógrafo do Terra Fernando Borges e o repórter da Carta Capital Piero Locatelli, por portar vinagre (instrumento contra o gás lacrimogêneo). O resultado da enquete é surpreendente: a maior parte dos espectadores é A FAVOR do protesto com baderna. Cenas de helicóptero permeiam o programa; milhares de manifestantes mobilizados, nada de violência. PM acompanhando. A enquete sai do ar. Datena muda de opinião e encerra dizendo: “se eu sou o governador, baixo a passagem hoje mesmo”.

- Globo News faz gigante cobertura do protesto. Três repórteres escalados, mais helicópteros filmando. Uma das repórteres (não identifiquei seu nome) presencia, de um lugar seguro, o início da ação violenta da PM. Para tentar bloquear uma rua, PMs fazem formação de defesa e atiram bombas de gás a esmo, atingindo inclusive a imprensa. A repórter descreve a cena da seguinte forma: “Polícia reagiu à violência dos manifestantes. E é bom lembrar que perto dessa área, existem hospitais, trabalhadores voltando para a casa”. Entra a outra repórter, que está muito perto do local: Rosana Cerqueira, acredito. Quando a linha telefônica abre, sai a sua voz: “Vou ter que desligar, estou correndo da polícia”. Ela não desligou.

- Em editoriais, Folha de S. Paulo e Estadão afinam o discurso. A Folha afirma que é preciso “Retomar a Paulista“, cobra ação enérgica da PM e diz que para os vândalos, é preciso dar a lei. O Estadão vai além: afirma que o governador teve uma postura moderada e precisa ser enérgico ao restabelecer a ordem. Como não brigam com a notícia, os jornalistas desses veículos vão ao protesto. Por volta das 20h30, surge no Estadão a foto de uma menina da Folha com o olho inchado: ela levou uma bala de borracha no olho. Da PM. Saldo divulgado pela Folha: dois jornalistas levaram balas de borracha, sete saíram feridos.

***

O jornalista vai ao protesto para trabalhar; o policial militar, também. Nenhum deles mobiliza o protesto. Ambos portam armas de grosso calibre; as do jornalista, a princípio, não-letais. Quando os jornalistas, que estão trabalhando como os policiais, são agredidos, isso vira notícia. O manifestante pode ser mal-interpretado, pode ser tratado como vagabundo, canalha, covarde, filho da puta. O jornalista, não; ele sempre está ali para trabalhar.

Isso não quer dizer que o jornalista é melhor que ninguém. Se o ativista pacífico, que leva flores, apanha, isso também é notícia, e importante. A diferença é que o ativista que leva flores pode ser confundido com o ativista que resolve quebrar vidros e apedrejar lojas, por aqueles que desconhecem a genealogia do protesto. O jornalista, não: ele certamente não estava ali para quebrar nada.

O que me motiva a escrever esse texto é, especialmente, o sangue nas veias de quem conhece pessoas como Marina Novaes, Vágner Magalhães e Fernando Borges (todos do Terra, todos agredidos) e sabe que é muito triste o fato dessas pessoas voltarem para casa com marcas de cassetete. Eu já apanhei da polícia. Eu já fui ameaçado de prisão. Já fui colocado contra a parede. Eu já vi pessoas inocentes levarem balas de borracha. Foi revoltante – seria em dobro se eu estivesse a trabalho.


***

Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez


É impossível, para a mídia grande e para a mídia pequena, cobrir todos os focos de repressão e violência policial. O que aconteceu em São Paulo ontem, em outros dias da semana, em Porto Alegre no mês passado, não é nada perto do que muitos jovens da periferia sofrem diariamente. Alguns vão inclusive presos por coisas fúteis – porte de maconha para consumo próprio, p.ex – e outros são totalmente inocentes, e passam dias, meses, submetidos às sevícias de depósitos humanos como o Presídio Central. As agruras dessas pessoas raramente são retratadas. Quando são, o esquecimento vem rápido.

A dor da repressão policial chegou, ontem, ao centro do Brasil: a Avenida Paulista. A indignação das vítimas chegou no mesmo lugar, ao mesmo tempo, e veio em forma de revolta.

Sempre acreditei que uma grande mobilização social no Brasil demoraria bastante para ocorrer. Ainda mais nos tempos atuais: a moeda é valorizada, o desemprego bate em 4%, o consumo é alto, a economia, mesmo que esteja mal, é a melhor que temos em muitos anos. Só que nada disso veio com uma melhora significativa no bem-estar social.

O aumento da passagem é um pretexto para o padrão do Brasil como país emergente: o serviço encarece, mas não melhora. O ônibus ficou mais caro, mas não justificou esse aumento – continua lotando, continua matando os passageiros (como no Rio), continua atrasando. Como os ônibus, os imóveis também ficaram mais caros e não melhoraram. A saúde ficou mais cara e não melhorou. A educação ficou mais cara e não melhorou. Os preços dos ingressos de estádios de futebol encareceram e não melhoraram. A telefonia encareceu e até melhorou, mas funciona muito abaixo do que deveria.

Diante de tudo isso, a chegada de uma Copa das Confederações amplifica a indignação. Os estádios são caríssimos, pagos pelo Estado, e os hospitais, pagos pelo Estado, matam gente por falta de atendimento. O torcedor é convidado a fazer festa, mas não pode beber, gritar nem levar instrumentos musicais. A sociedade é democrática mas o governo impõe padrões de comportamento, padrões Fifa, que são alienígenas à nossa cultura. E isso em um evento que é feito para celebrar o Brasil. Para mostrar notoriedade. Para mostrar quão interessante é o nosso país para o mundo.

A indignação está bem longe de ser sobre o aumento da passagem de ônibus em São Paulo. Em Porto Alegre a passagem não aumentou e milhares foram à rua na mesma quinta-feira. Em Fortaleza, 6 mil saíram para criticar o governador. No Rio de Janeiro, milhares foram protestar contra os ônibus – lá, teve gente MORTA por ônibus este ano e não houve repressão policial. Há também relatos de atos em Goiânia e Maceió, só nessa quinta-feira.

Os manifestantes do Gezi Park, em Istambul, começaram seu ato indignados pelo fim da área verde para a construção de um shopping. Terminaram protestando contra tudo.

O que essa juventude toda que foi à rua realmente quer é mostrar que o espaço público é como um time de futebol: grande por sua gente. Se São Paulo é a locomotiva do Brasil, foi porque as pessoas fizeram assim. Se o Brasil é referência para o mundo, foi porque o povo trabalhador brasileiro, da jornada de 44 horas, do transporte público deficiente, da educação capenga, passa por cima de todas as dificuldades para produzir diariamente.

O resgate do espaço público é o resgate de uma consciência coletiva de que é o povo que faz o país, e não o país que amestra o povo.

***


Por que cargas d’água
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade

Diante dessa visão, fica clara a enorme dificuldade de diálogo com esse povo. E essa dificuldade de diálogo é exatamente o que motiva protestos ainda mais fortes.

O belicismo dos editoriais de Folha e Estadão conversa com o assinante conservador que sustenta sua folha de pagamento, mas não conversa com a reputação atingida por esses veículos na sociedade brasileira. O que conversa com a imagem desses veículos é a repórter, que vai ao local para dar a importância que o protesto merece.

Da mesma forma, a postura legalista de Alckmin, Haddad e José Eduardo Cardozo dialoga com as bases, as militâncias, mas não com os eleitores. Quando Alckmin pede energia para combater o vandalismo e diz que baderneiros devem ser reprimidos, ele claramente não percebe o que está acontecendo na sua cidade desde o início. Quando Haddad não acha relevante voltar para as ruas e conversar com os milhares que querem passe livre, ele minimiza a força das ruas em prol da tênue legitimidade do voto. Quando José Eduardo Cardozo diz que pode mandar a Polícia Federal e a Força Nacional para ajudar na repressão, ele conversa com o Jarbas Passarinho que assinou o AI-5: manda às favas seus escrúpulos de consciência em prol de um discurso oficialesco e que já sai da boca mumificado.

E quando a presidente Dilma Rousseff se manifesta sobre a inflação e não sobre as ruas, ela não conversa com Estela, Luísa, Maria Lúcia, Marina, Patrícia e Wanda, que deixaram a oposição consentida para lutar pela VAR-Palmares na ditadura.

A genialidade histórica desses protestos é que, embora eles tenham sido motivados por pessoas à esquerda do governo, nenhum deles carrega seus vícios. O PT catapultou o Fora Collor em 1992, mas não encheu o saco dos caras pintadas com discursos fechados sobre arrocho salarial. Muitos dos que estavam vestidos de preto em 1992 nem sabiam o que era arrocho salarial – eu era um deles, tinha 7 anos, e aos 28 ainda tenho que procurar no Google. Isso está longe de ser um protesto “não-político”; é apenas um ato que, por seu momento, consegue ultrapassar a politicagem.

Aqueles que vão para a frente do computador defender a repressão e carimbar, com seu carimbo interminável de rótulos, os manifestantes, não merecem preocupação: estão apenas perdendo o trem da história.

Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar



Luís Felipe dos Santos




sexta-feira, 14 de junho de 2013

Os vândalos estavam lá?


Alguma coisa deu muito errada nas ruas de Sampa. Alguma coisa esta fora da nova ordem mundial e pegou pra todo mundo. Não era para ser assim. Os jornais do dia anterior e do dia em questão (São Paulo, 12 e 13 de junho de 2013) não só deixavam claro, na sua linha editorial, todo o apoio às tropas truculentas dos trocentos trogloditas do governo e das elites como, na capa da Folha, inclusive, dava o tom do governo paulista em letras colossais: Governo de SP diz que será mais duro contra o vandalismo.

Sim, meus queridos, o governo disse “vândalos” e a Folha reproduziu (in)jornalisticamente a palavra, como que generalizando tudo. O protesto acabou, só restou o “vândalo”. Muito interessante e revelador. Mas, como eu já disse, alguma coisa mofou ou fedeu no reino da Dinamarca.

Fedeu porque esqueceram de avisar ao aparelho repressor que haviam jornalistas destas empresas que, editoralmente, apoiavam a truculência. Infelizmente, o troglodita não soube perdoar ninguém e sobraram borracha e bombas vencidas para todos, inclusive para os profissionais da Folha. Coitados.

Mas não é sobre isso que quero escrever (putz!), quero mesmo é falar sobre números (fedeu de vez...). Como sou formado em Humanas, tenho um álibi forte para mexer com números e fazer merda.

Quero dizer que, no Rio, cidade da minha epiderme e do meu coração, a população gira em torno de 06 milhões de habitantes. Pela pesquisa nacional feita nas grandes capitais, 61% da população utiliza meios de transportes coletivos, ou seja, em cidades como a Cidade do Rio de Janeiro, algo em torno de 4.080.000 pessoas locomovem-se com os serviços oferecidos em ônibus, trens, barcas, metrô, etc. As vans foram proibidas na Zona Sul e em alguns pontos da cidade, abarrotando ainda mais os, já insuficientes, ônibus.

Por falar em ônibus, 34% da população nacional o utiliza nas grandes cidades como seu principal meio de transporte.

Na capital do Rio de Janeiro são, aproximadamente, 8,7 mil ônibus (47 empresas) circulando diariamente. 
Bem, se pegarmos esta população (34% x 06 milhões de habitantes) e multiplicarmos por R$ 0,20 (vinte centavos) teremos um valor diário de R$ 408.000,00. Multiplicando pelo mês de junho (mês em que o aumento entrou em vigor) teremos (calculando 24 dias) R$ 9.792.000,00 (sim, quase 10 milhões). No final do ano (vezes 12) terei um lucro de 117 milhões 504 mil Reais.

Arrecadar 117 milhões (aproximadamente)... E tudo começou com uma miséria de 20 centavos! Nossa! Quantos ônibus com elevadores funcionando, ar-condicionado e motoristas capacitados eu colocaria para rodar? Quantos trens que não avariam? (trens não, por favor!). Quantos funcionários, reformas, serviços descentes? Pois é... Dá para construir um estádio de futebol? Dá, é só não superfaturar. Bom, se dá para construir um estádio, quantos terminais de ônibus com atendimentos de primeira? Alguns? E aumento salarial descente? Vamos fazer as contas? 8,7 mil ônibus em circulação equivalem a 8 mil e 700 motoristas? R$ 9.792.000 : 8.700 = 1125.5172241379. Aumento de R$ 1. 125,00 para cada motorista.

Ahahahaha!!!!!!!!! Isso com 20 CENTAVOS!

Ah!, tem os trocadores! Bem, divida esse resultado por 2 – e nós sabemos que muitos veículos não possuem cobradores; na verdade são (absurdo!) os próprios motoristas que, também, funcionam na cobrança das passagens.

Ah!, mas tem os fiscais, porteiros, etc. Tudo bem, subtraia por 4...

R$ 281,00 de aumento direto no bolso do funcionário. Alguém aí é motorista? Alguém aí continua achando a opinião do Arnaldo Jabor coerente ou a seu favor?

Querem que eu diga o que é vandalismo?


Qualquer dia eu digo.