domingo, 30 de dezembro de 2007

Resoluções de Ano Novo

A "Ro" deixou de me surpreender há muito tempo. Não consigo dançar meus olhos por seus textos e não notar o óbvio: "Ro" acostumou-me mal, tudo o que ela escreve é fantástico, logo, sempre que penso em visitá-la, já fico com a sensação do que há de melhor. Não tem jeito. Escritora talentosa é assim: deixa o seu leitor exigente.
Ela pode ser facilmente deliciada aqui: Sétima Letra.
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Resoluções de Ano Novo
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Um dia, pensei que o ano 2000 fosse coisa de ficção científica. Esperei o reveillon da virada do século imaginando que os quatro cavaleiros do apocalipse viriam em meio ao foguetório de Copacabana e tudo seria nada além de poeira cósmica.
Sete anos se passaram desde então e nada, absolutamente nada , do fantástico show da vida ocorreu além do fato de dois das tais quatro bestas do apocalipse tornarem-se presidentes, um do Brasil e o outro dos USA.
Mas, mesmo contra a vontade e contra o vento, 2008 bate às portas e, como sói acontecer, faço minha Lista de Resoluções de Ano Novo!
- Não vou fazer 45 anos. Há mais de dez anos que faço 44, por que faria 45 justamente em 2008?
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- Não vou parar de fumar. Há mais de 30 anos que tenho uma relação estável e amadurecida com o cigarro, por que romper justamente com aquele que foi e é o mais leal e fiel companheiro das minhas noites de insônia?
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- Não vou fazer dieta, não vou matricular na academia, não vou caminhar todos os dias, não vou tomar florais. Vou manter os pneus, todo avião os tem.
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- Não vou convidar meu genro para vir almoçar aos domingos. Ainda não aprendi a envenenar a macarronada.
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- Não vou trocar de carro. Ninguém me pede emprestada a velha Brasília azul calcinha.
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- Não vou jogar na mega sena. Meia dúzia de livros que nunca serão best sellers é herança que vale muito mais do que alguns milhões de dólares.
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- Não vou impedir que se aproximem muito a ponto de me arranhar a lataria ou embaçar o pára-brisas. Ainda acredito que tudo vale a pena se, alguma coisa que não me lembro exatamente o quê, não é pequena!
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Enfim, em 2008 vou ser a mesma pessoa. Não se mexe em time que tá ganhando!!!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Resumo da chuva


Portinari - Padre Anchieta
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O ano se encerra e continuamos vivos, o que não deixa de ser bom, mas poderia ser melhor. Poderíamos estar vivos e felizes, contudo, apenas vivos fechamos o ano.
Acredito que há muitas chuvas ainda por cair, mas as que caíram em 2007 foram, como a vida, de uma diversidade impressionante. Muitas chuvas foram verdadeiros “torós”, tempestades sem tamanho e estrago, na moral, inclusive, do brasileiro; muito desânimo e a quase certeza de que pouca coisa tem jeito. Outras “pancadas d’água” foram benéficas e serviram para “lavar a alma” do povo que, por diversas vezes, não conseguia acreditar na prisão de elementos tão respeitados e temidos pela sociedade ignorante ou aproveitadora; pessoas que gostam de bichos e que, por ironia, são verdadeiros “bichos soltos”. Neste ínterim, houve sol acompanhado de muitos chuviscos. Uns traziam esperanças, outros, frio.
Este blogue tentou resumir, à sua maneira, chuva de lavoura e chuva de enchente, chuviscos refrescantes e chuviscos de inverno (geralmente chatos). Infelizmente, resumir tudo foi impossível. Até porque, caíram muitas palavras do céu que, no chão, viraram verdadeiras poesias, raras sensações e amizades. Assim como também caiu muito Renan para “merdalhar” o ano. Separar o joio do trigo foi relativamente fácil, difícil foi escolher o que resumir. Difícil.
Obviamente, como não sou dono de jornal para fingir imparcialidade, publiquei textos de autores considerados “esquerdistas” (maioria dos casos) por achá-los mais comprometidos com os ideais coletivos, “humanizados”. Creio ser um erro dos “intelectualóides” a crença cega no mercado e na tentativa de enriquecer sem olhar o próximo. A filosofia do “primeiro eu e foda-se o mundo” é, antes, uma burrice colossal, pois fabrica marginais, relegados, contribuindo com os altos índices de violência; e é sempre bom lembrar que, a arma que nos apontam são fabricadas por nós mesmos. Ou como na versão de “O Rappa” para Hey Joe: “também morre quem atira”. Mas quem atira primeiro? O assaltante ou a sociedade que cria condições para o assalto?
Os resumos não acabam aqui e, espero, chova bastante no ano de 2008. Chuva que atraia o arco-íris, não a que desabriga a poesia.
Que todos tenham ótimos motivos para sentar à mesa e celebrar ótimas chuvas, daquelas que regam nossas flores e que nos fazem lembrar do cultivo de nossos jardins.

Portinari - Crianças brincando

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Prazer

Outra vez posto um texto lindo do blogue "Lado B". Texto primoroso, suave e sensível. É um prazer ler a B, é um prazer dançar os olhos em suas palavras.

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Prazer

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Eu gosto. Muito. Gosto da noite, de olhar as pessoas dentro dos carros, inventar suas histórias.

Gosto do movimento da boca quando alguém conta uma coisa qualquer. Gosto quando ainda insistem em pedir comida japonesa. Gosto de errar o caminho, e no final, descobrir outro melhor. Gosto do insinuado, sussurrado, apontado. Gosto tanto e gosto sempre dos três segundos antes da música começar.

Gosto de filmes que terminam com uma estrada. Também gosto de receber um sorriso primeiro. Do barulho da água depois do mergulho, sentar na calçada e tomar um pouco de sol. Gosto de ver o desenho se formar no papel. Rir sozinha por ter o que lembrar. Telefonemas de madrugada.

E vou gostando. Gosto da idéia de gostar, pensar que uma mão faz questão da minha. Gosto de imaginar seus olhos dançando em cima das minhas palavras. Gosto da flor na minha janela. Gosto. Muito.

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"B"

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

(Antiga…)

Um poema da Bia é sempre um poema. Um rascunho da Bia é um poema. Uma anotação das compras, um lembrete para o dentista é um poema. A bia é poesia. Por isso, só anda por um triz. No triz e na trilha do que é bom. Nossos olhos agradecem.

A Bia é facilmente "caminhada" aqui:


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Eu

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Olhares


Faces

Sorrisos

Facetas

Língua

Boca

Buceta

Poros

Nós

Bocas

Dentes

Línguas

Trava-línguas

Gengivas

Pedras

Água, sal

Falo, falos, conversas, teclados, visores, ouvidos-sem-tímpanos, palavras, pá-lavras, idéias, sementes, projetos, fuga, não-dito, mal-dito, ditados, deitados, silêncios, calados, cálidos, sozinhos, caminhos, buracos, frio, solidão, joguinhos, textículos, machados, flores-sem-papel, promessas, vírgulas, pontes

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Você

sábado, 15 de dezembro de 2007

Só uma conversa de boteco


A piada que se ouvia alguns anos atrás era que Luís Inácio havia feito duas faculdades, mas não conseguira terminar a terceira, pois o cimento acabara (aqui os verbos são muitos, tanto quanto o pré-conceito que se tinha do candidato à presidência).
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Hoje, tal piada não faz mais sentido, se o país não avança como a esquerda gostaria ou não corresponde às expectativas que se tinham quando Lula chegou (tomou) ao poder, também é verdade que o país não retrocedeu como muitos analisaram ou caiu em desgraça. O Brasil continua sendo o Brasil: país dividido entre muitos ricos e muitos pobres, uma classe média quase inexistente, inoperante, e uma vala de desigualdade (social, econômica, educacional, etc).
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Semana retrasada, encontrei-me com um homem que afirmava, há alguns anos, que sairia do país caso Lula se tornasse presidente. O motivo era, teoricamente, simples: o Luís Inácio não sabia governar. Talvez, não tenha passado pela sua cabeça que um presidente não governa sozinho, aliás, em uma democracia como a nossa, um presidente é quase uma alegoria dentro do sistema. Importante é a equipe por trás do governante, importante são Câmara e Senado, prefeituras, além dos inúmeros profissionais que, longe dos holofotes, trabalham para o desenvolvimento do país.
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Semana retrasada, o homem que defendia a falácia da sigla FHC, hoje afirma ser Lula um dos grandes governantes da “terra brasilis”. Se a música não acompanha a cadência do “Chico Buarque”, pelo menos não chegou ao “É o tchan”. E isso é um fato.
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Digo tudo isso para colocar na mesa virtual uma afirmação e uma pergunta: talvez a revista Veja e imprensa do tipo não tenham percebido, mas surge no país uma política nunca antes vista, uma política que afaga a esquerda sul-americana sem deixar de sorrir para Bush ou Europa, que elogia Hugo Chávez e Evo Morales, sem perder o comprometimento com FMI, Bird e todos os urubus ricos. Surge uma política que fala com os pobres sem deixar de dar lucro aos ricos (vide bancos), que aproxima a América do Sul sem se distanciar do G7 (Rússia não conta). Esse é um ponto. E isso é um fato (também). Portanto a afirmação é: esse tal de Lula (e sua equipe) é mais esperto do que imaginava o mais feliz dos petistas.
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Quando vejo a guerra travada pela CPMF e todo o desgaste ocorrido por ambos os lados e pela suprema burrice da oposição que colocou a cara na t.v. e que, futuramente, pode ser taxada de politiqueira e birrenta – porque o Governo não perderá a oportunidade de se fazer de vítima e jogar a culpa de certas desgraças no PSDB e no DEM, além de ter causado um racha, em quase época eleitoral, entre o PSDB legislativo e o PSDB executivo – pergunto se de fato a CPMF era tão importante assim, se o Governo não atirou a CPMF aos leões e distraiu a oposição com um pedaço de carne que nem era de primeira. Ou seja, a pergunta que faço é: o PT não teria criado uma bolha para distrair a oposição enquanto os grandes projetos estão passando pela surdina?

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Um coração que pulsa / Reflexões

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Duas artistas de peso e suavidade juntam-se, hoje, para que nós (os mortais) tenhamos uma vida um pouco melhor, com mais beleza e profundidade. Começo com Sandra Camurça e sua Enorme e autêntica arte e fecho (completo) com a introspecção de Fernanda Passos e seu divino poema.
O (generoso) professor Halem escreveu em seu (ótimo) blogue que o que faço é divulgar o trabalho de outros. Discordo. Eu é que divulgo o meu expondo o belo dos outros.
Enfim, sirvam-se:
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.......................................................Arte de Sandra Camurça


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Reflexões



o que é a vida se não um fragmento de ilusão que se liquidifica
como som de ecos plantados na garganta ouriçada
por todos os brados lançados ao vento
um vão momento que traz saudade de?


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e bate bate bate bate tanto que faz tum tum tum
no peito oco onde o mundo se aninha tão sutilmente
que nada há que alente anseios perdidos no tempo
que,desdobrado, molda caricaturas de quimeras loucas


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eu Messalina de todas as eras construídas nas pegadas dos dias
desprezei amores pudores rancores cultivei sementes
quereres por assim dizer mal quistos esquisitos
e neguei segurança onde quer que fosse cais


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hoje arranco dejetos das entranhas do nada que sou
porque esse vazio é prenhe de tudo que alimente a falsa fome
que consome esse quase mundo mudogritante brotado nos muros erigidos
por tantas batalhas perdidasvencidas que fizeram de mim isso que sou.
o que sou?





Fernanda Passos

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Quase dito

Este blog é de uma introspecção "clariceana": contida, palavra em conta-gotas, abraço forte no silêncio, beleza. O nome da autora continua do outro lado do sol, eu a chamo mentalmete de esfinge, ela prefere "B". Seja qual for o seu nome, a verdade é que a sua obra já possui assinatura.
Parabéns!
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Quase dito

Por viver entre sólidas paredes conceituais era um alguém que vivia só. As vezes até sentia vontade de conhecer o pedaço de mundo que aparecia pela janela, mas escolhia ficar sentado em cima de algumas tradições (era mais seguro).Um dia, uma vontade surgiu mansa. Era doce como a infância e insistente como birra. Ele nem percebeu quando começou a suspirar, ouvir música e observar a lua. Todo o seu corpo parecia querer se conectar ao mundo. Quis dançar, abrir os braços, tocar a existência.Essa energia toda deve ter atraído o outro alguém. O encontro seria fora das quatro paredes. Teve o ímpeto de ir e foi. Dividiu, tocou, voltou. Gostou mais do que previu. O susto da excitação se transformou no susto do medo. Sentiu as paredes crescendo ao seu redor. Palavras queriam escapar pela sua boca, mas faltou coragem. Esperou para ver se o outro entendia e lhe poupava o trabalho. Mas coração do outro é terra difícil de chegar (e de sair).Sentou num lugar onde batia um pouco de sol, olhou as mãos e chorou.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A rosa do mundo

Esta é mais uma das músicas que busco em LPs que não existem. O nome da banda era Leniap. Por quê? Um dia explico.
A rosa do mundo

Todos os dias ele sonha ser artista
Mas Ferrugem sabe ser este, talvez
O mais impossível dos sonhos
E quem sabe não é por isso
Que este sonho é tão bom?

Entre todos os meninos deitados ao relento
Ferrugem se destaca pela boa conversa
Pelo carinho que tem com os demais
E pelas histórias marcadas
De mulheres que sofrem
Das chacinas que, por sorte, escapou
Da fome e do frio que passou
E do cheiro da cola

Ferrugem sabe que não tem futuro
Que não há destino
Sequer outro rumo
Mas existe um sonho:
O de ser um artista!

O de ser um artista.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Pirata Zine

Esta aqui eu divulgo porque ler tal zine é "tudo de bom": divertida, reflexiva, bem escrita e assinada pelo nosso capitão Pirata - excelente jornalista e humanista convicto, capaz dos textos mais polêmicos e lindamente defendidos.
O preço da zine é modesto e o seu conteúdo de modesto não tem nada.
Até este mês está de graça, por isso, para quem quiser tirar um gostinho, manda um e-1/2 pro Pirata!
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Pirata Zine: pode assinar - e presentear

pronto, a partir de agora, você já pode assinar a Pirata Zine, para garantir, a
partir de janeiro próximo, o recebimento, durante 1 ano, das 24 edições a que
terá direito. os não assinantes continuarão recebendo a PZ, mas somente com
uma prévia das edições.

o valor, como já informado aqui antes, é de 20 dinheiros, e, pra confirmar a
sua assinatura, bem como informar-se sobre como efetuar o pagamento, basta
mandar imeio com o título "Quero assinar a PZ", que eu responderei, dando as
'coordenadas'.

e digo mais: quem assinar até o final de dezembro, vai ganhar, no boi, outra
PZ, para dá-la de presente de natal a quem bem entender - e taí
uma dica de presente mais decente que os habitualmente trocados nos amigos
ocultos que, nesta época, rolam de montão pelaí. mas, ó: esta assinatura extra
dá direito a 12 edições integrais, ou 06 meses de acesso à PZ, está?

é isso, entonces. quase como um papai noel, tô esperando a sua 'cartinha'.

* cabe destacar: até o final de dezembro, qualquer edição será gratuita.

ps - o blogue, claro, continuará de acesso gratuito, e eu
não o uso para mera reprodução do que publico aqui, ok?

sábado, 8 de dezembro de 2007

A Internacionalização do Mundo

Não sei porquê demorei tanto para postar este texto - obra-prima do debate político e inteligente que todo representante (nosso) deveria decorar. Bem, posto agora, com meses de atraso (felizmente, o artigo parece ser atemporal, como o próprio autor).
Boa leitura!

A Internacionalização do Mundo

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Fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia, durante um debate, nos Estados Unidos. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha. De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia.
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Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.
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Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia é para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da humanidade.
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Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país.
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Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, possa ser manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país. Não faz muito, um milionário japonês decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.
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Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada.
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Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.
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Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola.
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Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.
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Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.
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Este artigo foi publicado também no Correio Braziliense em outubro de 2000. O debate a que se refere o senador aconteceu em setembro do mesmo ano em um hotel de Nova York. Para outras informações, favor escrever para gabriel.reis@senado.gov.br
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Escrito por: Cristovam Buarque - mensagem-cristovam@senado.gov.br

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Noblesse oblige


Esta me pegou de surpresa... Estava lendo a recente postagem do professor Halem (Quelemém) e... veio a pancada: a Toca do Jens vai acabar!
Porra, como alguém como o Jens pode sair da blogosfera assim? Não pode. Uma porrada de filhos-da-puta escrevendo besteiras (como eu) na internet e, aquilo que é bom, de repente, vai pro limbo, pro éter, deixando-nos um pouco mais tristes, órfãos.
Pena... realmente lamentável...
Estava disposto a escrever algum conto ou falar das eleições petistas, mas perdi a vontade.
Esta é a postagem que achei lá na Toca:
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Noblesse oblige

Foi Drummond quem escreveu que chega uma hora em que todos os bares se fecham?
Isto, na verdade, não importa. É apenas um artifício para começar um texto difícil. O que quero dizer é que este estabelecimento vai fechar suas portas. Definitivamente. Não só isso, eu também não vou mais vagar pelas ondas da web escrevendo gracinhas aqui e ali (cá entre nós, nem tão engraçadas assim).
As razões que me levam a tanto são de ordem pessoal (não tem nada a ver com saúde ou a falta da mesma. Eu e o velho Hal estamos bem).
Bem, é isto. Um dia, quem sabe, eu volto.
Foi bom estar com todos. Mais do que isto, foi um privilégio. Vocês tornaram a minha vida melhor.
Beijos, garotas. Abraços, rapazes. Adeus a todos.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Tequila, sexo y marijuana

Essa foi por acaso (existe acaso?) e, no primeiro conto, de fato lido, despi o espírito de encanto. Excelente produção, conto de um humor refinadíssimo e escrita de deixar os olhos correrem sem parar. Onde pode ser encontrado? Aqui, ó:


Pilar, parabéns!







Tequila, sexo y marijuana


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Ser pobre em primeiro mundo ainda é chique no terceiro. E assim, as duas latino-americanas que estavam comendo a croissant que o diabo amassou havia três meses foram levadas para o ginásio do bairro, todo enfeitado com flores, a fim de dissipar a franca depressão.

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Havia muitos velhos e muitas crianças. Da idade delas, pouca gente e quase nenhum alvo passível de flerte. As duas se sentaram em cadeiras de plástico e, com cara de choro e desânimo, esperavam que alguma coisa acontecesse. Algum sinal divino ou um dilúvio pra jogar aquilo tudo num imenso ralo qualquer.

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Então, um barbudinho de um metro e meio anunciou o início do show. A mexicana não entendia patavinas, já que o seu francês se limitava a Je t’aime, moi non plus.

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Um homenzinho bem francês subiu ao palco, com um terno preto e o nariz adunco balançando de um lado para o outro sem captar a fedentina que exalava pelo ambiente fechado. Mais sorridente do que a platéia (mas nem por isso sorridente de fato) começou a contar umas histórias sem nexo. A entonação final das frases era sempre arrematada com aplausos de quem estava embaixo. A luz se fez e o calor desfez o gelo do público, que agora começava a dar sinal de vida, rindo aqui e ali.

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Enquanto as risadas ecoavam ao fundo, a mexicana deprimida olhou para a brasileira e perguntou “Que passa?” A outra respondeu com um legítimo portunhol “No sé por que reíen. Este tipo está dicendo unos chistes tan estúpidos.” “Como qué?” “Por ejemplo, dice que el ministro no sé de qué hay saludado al presidente de Estados Unidos com un ‘bienvenido, camarada’.” “Entonces?” “Como que ‘entonces’?” “Solamente esto?” “Si.” “No es chistoso.” “Pienso lo mismo. Este tipo no es chistoso. No sé porque reíen estes franceses infelices!” A mexicana riu.

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A brasileira tentava acompanhar o sujeitinho, traduzindo para a outra as piadas sem-graça sobre a vida econômica, política, social e ambiental da França e do resto do mundo. Quanto mais ela traduzia, mais viam que não havia graça nenhuma naquilo. Então, as duas começaram a rir da situação.

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O garçom passou e serviu vinho. Elas cochichavam observações irônicas e riam do fato de estarem ali, no meio da França, cada uma com um bode mais amarrado do que a outra, ouvindo piadas idiotas de um homenzinho de nariz adunco, rodeadas de velhinhos contidos.

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O garçom voltou logo, um pouco titubeante, e trocou as taças vazias por outras cheias. De vinho. Elas recomeçaram a rir. Mais vinho. E os risos viraram gargalhadas. Gargalhadas que destoavam do comedimento francês e ecoavam pelo salão.

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Outra vez, o garçom. Outra vez, vinho.

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Lá pelas tantas, o do nariz adunco começou a se empolgar e achou que estava abafando com suas piadas. As duas já se contorciam nas cadeiras e a brasileira enxugava as lágrimas.

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De início, os velhinhos assustaram-se com aquela explosão, aquela demonstração de graça exagerada, mas acabaram ficando um pouco mais à vontade.

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O garçom ia e vinha, tão cambaleante quanto as duas garotas, mas sempre cumpridor do seu dever. E a cada vez que vinha, vinho. E a cada taça, a gargalhada inflamava. O homenzinho em cima do palco já pensava em contratar a dupla para participar das platéias seguintes quando o barbudinho de meio metro tomou-lhe o microfone anunciando a seqüência da festa: SAMBA! E começou a tocar um pout-pourri de rumba e salsa caribenhas. A brasileira tava que não se agüentava de tanto rir.

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O público afastou as cadeiras e a roda se abriu para a pista de dança. Os velhinhos foram balançar seus troncos ali, enquanto mantinham pernas e quadris estáticos e uma taça de qualquer-coisa na mão. Talvez ponche sem álcool. As crianças passavam de um lado para o outro, com brincadeiras contidas, e os poucos jovens escondiam as espinhas nos quatro cantos do salão, conversando entre si sobre astronomia ou qualquer coisa que os mantivesse longe da intimidade uns dos outros.

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A brasileira e a mexicana lamentaram o fim das engraçadas piadinhas sem-graça e, ainda com o riso no olhar e o vinho na veia, levantaram-se para se recompor. O garçom voltou com alguma dificuldade, recolheu as taças e outro alguém levou as cadeiras. Elas ficaram ali, em meio à pista de dança, avaliando a situação e o cenário. E não perceberam seus corpos gingando tímida e naturalmente ao som da música.

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Até que o pout-pourri deu lugar a um som mais conhecido: TEQUILA! As duas se entreolharam numa cumplicidade maravilhada e, sem pestanejar, começaram a dançar o hino imoral do México. Tijuana, tequila, sexo y marijuana. Wellcome!

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E foda-se o mundo! Foda-se a depressão de três meses longe de casa. Foda-se a falta de dinheiro, amor, de um abraço ou aperto de mão. E fodam-se os olhares reprovadores das velhinhas que estavam ali, tentando controlar o resquício de virilidade dos maridos senis que não tiravam os olhos daquelas duas. Indecentes! Só podiam ser latino-americanas mesmo. Umas putas. Mulheres fáceis.

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Escandalizada, uma senhora tentava apressar o intervalo da dança e dar logo início ao bingo. Hipnotizados, os homens abriram a roda apenas para as duas garotas, que de olhos fechados e com os braços levantados, rebolavam num transe frenético e faziam a alegria da decrepitude.

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A exibição ainda durou algumas faixas e um ou outro bônus track, até que os Carpenters avacalharam tudo. Culpa da velha sem carnes nem curvas sob o xale beige que ficava na cola do DJ e não tirava os olhos secos da rodinha tropical.

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A Karen Carpenter começou a miar e as garotas tomaram o rumo de casa, não sem antes tirar uma foto com cada um dos admiradores locais.

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Naquela noite, o homenzinho de nariz adunco foi dormir achando que era um bom comediante. As duas latino-americanas foram um pouco felizes e o DJ arrasou na seleção de músicas. Antoine dormiu no sofá pela primeira vez depois de 50 anos de casado e Karïm, imigrante marroquino que não tinha nada a ver com a história, ganhou um microondas no bingo.

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Pilar