domingo, 31 de outubro de 2010

A morte de mais um torturador impune

Ex-presos políticos lembram o triste e criminoso legado deixado pelo ex-delegado do Dops

27/10/2010



Patrícia Benvenuti
da Redação

Jornal: Brasil de Fato

A morte do senador Romeu Tuma (PTB-SP), no dia 26 de outubro, trouxe à tona manifestações de pesar de vários políticos, que lamentaram a perda. Para organizações de direitos humanos, no entanto, ele passa para a história como mais um torturador da ditadura civil-militar (1964-1985) que ficou impune no Brasil.

Tuma faleceu aos 79 anos no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo (SP), depois de 56 dias de internação. De acordo com nota divulgada pela instituição, a morte se deu em "decorrência de falência de múltiplos órgãos".

Mesmo doente, ele concorreu à reeleição no dia 3 de outubro, quando obteve 3,97 milhões de votos, ficando em quinto lugar na lista de senadores. Seu lugar será ocupado por Alfredo Cotait (DEM-SP), seu primeiro suplente, atual secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo.

Carreira

A vida política de Tuma começou em 1994, quando foi eleito senador pelo Partido Liberal (PL). Em 2000, foi candidato à Prefeitura de São Paulo, quando terminou em quarto lugar. Nas eleições de 2002, foi eleito para um novo mandato de senador, com vigência até 2011.

Sua atuação mais destacada, no entanto, ocorreu como policial, carreira que iniciou aos 20 anos de idade, quando se tornou investigador por concurso público. Em 1967, passou a ser delegado de polícia, depois de se graduar em direito. Nesse período, alcançou o posto de diretor de Polícia Especializada, na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

A partir de 1969, começou a trabalhar com o delegado Sérgio Paranhos Fleury – considerado um dos maiores torturadores do regime civil-militar – no Serviço de Inteligência do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Dops), que passou a dirigir em 1975. Apesar do cargo que ocupou, Tuma afirmava desconhecer a existência de práticas de tortura na unidade. Da mesma forma, garantia ignorar detalhes sobre desaparecimentos e assassinatos.

Repressão

A “inocência” de Tuma, no entanto, é rebatida por ex-presos políticos, que recordam bem de sua atuação enquanto diretor do Dops. O integrante do Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, Ivan Seixas, lembra que a sala ocupada por Tuma no prédio do Dops se localizava um andar acima de onde ocorriam os interrogatórios e as torturas. “Não tinha isolamento acústico. Nós [presos] ouvíamos as torturas durante noite e dia”.

Só esse detalhe, segundo Seixas, seria suficiente para provar o conhecimento de Tuma sobre a situação. No entanto, ele lembra que existe uma série de documentos que comprovam a participação de Tuma na orientação dos interrogatórios. “[Tuma] Não era um funcionário qualquer, era o orientador. E ele também era frequentador assíduo do DOI-Codi [Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna], que era outro centro de tortura”.

O escritor e jornalista Alipio Freire, também ex-preso político, reitera o envolvimento de Tuma nas torturas. “O Dops foi o centro da repressão até a criação da Oban [Operação Bandeirante]. Ele sabia de sobra o que aconteceu no Brasil”, afirma.

Fraude

Já a integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Suzana Lisboa, acusa Tuma de omitir informações sobre crimes cometidos durante sua gestão no Dops.

Como exemplo, a militante utiliza o caso de seu marido, Luiz Eurico Tejera Lisboa. Preso em 1972, ele constou na lista de desaparecidos até 1979, quando seu corpo foi encontrado no cemitério de Perus, em São Paulo, sob o nome falso de Nelson Bueno.

O inquérito sobre sua morte, que “apareceu” depois da descoberta do seu corpo e com o falso nome, indicava que Luiz Eurico teria cometido suicídio em uma pensão do bairro da Liberdade, no centro de São Paulo. O inquérito, entretanto, apresentava uma série de falhas, o que possibilitou a reabertura do caso.

Questionado por um juiz, que solicitou ao Dops informações sobre Lisboa, Tuma afirmou que não havia registros em nome de Nelson Bueno. Em 1991, porém, quando Suzana teve acesso aos arquivos do Dops, ela encontrou uma lista de 1978, endereçada a Tuma, onde constava o nome de Luiz Eurico e a informação de que havia morrido em setembro de 1972. “Tuma mentiu sobre meu marido, dizendo que não tinha informações sobre ele”.

Para Suzana, ao não responder por seus crimes, Tuma leva consigo segredos e informações valiosas sobre mortos e desaparecidos. “Ele fazia de conta que não teve envolvimento [com a ditadura]. Ele conseguiu ficar impune e leva, com ele, um pedaço da nossa história e dados sobre nossos desaparecidos políticos”.

Polícia Federal

Em março de 1983, com a extinção do Dops, Tuma assumiu o cargo de superintendente regional da Polícia Federal em São Paulo, para onde levou os arquivos do órgão que comandava. O objetivo, segundo Suzana, era “evitar que a esquerda ou que nós [familiares e organizações de direitos humanos] tivéssemos acesso”.

Mais tarde, Tuma passou a ser acusado, com mais força, de alterar os arquivos do Dops e omitir uma série de documentos importantes para a elucidação de crimes. As fraudes teriam ocorrido quando o ex-presidente Fernando Collor de Mello se propôs a entregar, ao governo de São Paulo, os arquivos do Dops.

Dom Paulo Evaristo Arns, na época, afirmou ter recebido denúncias de que os arquivos estariam sendo esvaziados, o que motivou uma vigília de vítimas da repressão e familiares em frente à sede da Polícia Federal, na capital paulista.

Segundo Suzana, não há como calcular a extensão do material retirado, mas arquivos inteiros referentes a “colaboradores” e à “Guerrilha do Araguaia” estavam vazios. Mesmo assim, reitera a militante, sobraram documentos que provam a participação do Tuma nos crimes.

Crítica

Apesar de seu histórico, o ex-delegado e senador cultivava boas relações com o governo federal e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 1980, quando Lula e outros sindicalistas estavam presos no Dops depois de uma intervenção federal no Sindicato dos Metalúrgicos, Tuma liberou o atual mandatário para ir ao velório e enterro de sua mãe, Eurídice Ferreira Mello, dona Lindu. Na época, Lula chegou a afirmar que recebia um bom tratamento na prisão.

Sobre a morte de Tuma, Lula afirmou, em nota, que o senador merece o reconhecimento dos brasileiros, pois “dedicou grande parte da vida à causa pública, atuando de forma coerente com a visão que tinha do mundo”.

Para Suzana, é inaceitável a postura de Lula em relação a Tuma. “Lamento que o presidente Lula o defenda. Acho que é uma relação que não deveria ficar, em memória de milhares de presos”.

Freire, da mesma forma, critica o trânsito de Tuma junto ao governo. “Ele se tornou uma pessoa 'inocente' depois [da ditadura]. É lamentável que ele tenha se tornado uma figura de circulação mais do que permitida, mas, também, querida, por um governo democrático”.


Operação Bandeirante: Centro de informações, investigações e de torturas montado pelo Exército em 1969, a fim de coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate aos grupos armados de esquerda que lutavam contra o regime civil-militar no Brasil.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Rocket Man

Desceu do carro e contemplou o inevitável. O mar batia nas pedras como apedrejamento. Fumaças d’água deixavam o caminho embaçado. Nuvem alguma no céu, todas elas no mar. Deixou-se receptivo por vários minutos. Alguma coisa de encanto ou canto de Loreley o abraçara. O pen drive espetado no som do carro sussurrava Streets of Philadelphia e seu corpo era todo Vento no Litoral. Caminhou lentamente em direção às ondas, queria ser chicoteado, lavado, descarregado; queria arrancar na porrada a tristeza, os sonhos inúteis, recuperar o velocípede, a 1ª bicicleta, o útero. Precisava nascer de novo ou ser outro poema, outra canção, outra pista de corrida. Caiu sentado na primeira pedrada. Sorria mais como uma absorção muscular do que um movimento proposital. A segunda pedrada o arrastou para longe. Levantou-se e ergueu muralha. Deixou-se um longo tempo assim, perfeitamente condensado e absorvido, como tatuí. As pernas doíam quando abriu a porta do carro. A metáfora da canção e do pensamento popular, indissolúvel, paradoxal, servira apenas como um bálsamo pilantra e vilipendiado, mas bálsamo. Um certo conforto ao afundar no banco do carona afastou pensamentos fragmentados. Alguma cãibra repentina, uma careta de dor e desprezo, um asfalto quente, mas quando, quando isto não é vida, afinal? O piano de Beautiful Boy e a maravilhosa voz do John vibrou no veículo. Seu filho apareceu como um relâmpago, a lembrança fora tão forte que pareceu materializar-se a sua frente. Agora era pai e mãe ao mesmo tempo ou Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Percebeu o vento que nascia no sudeste. “Eu também te amo, meu filho!”. Repetiu a música. John estava certo: “Vida é o que te acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos.” E chorou.

sábado, 23 de outubro de 2010

A sucessão e a política externa


Uma campanha política deve servir para a educação da cidadania. Ao discutir os grandes temas nacionais, que sempre se resumem ao conflito permanente entre os ricos e os pobres, os candidatos possibilitam aos eleitores que os conheçam e saibam de suas ideias e doutrinas e de seus projetos de governo.

Foi dessa forma que, na campanha para o Senado em Illinois, em 1858, dois grandes homens, o juiz Stephen Douglas e Abraham Lincoln, iniciaram o ritual dos debates públicos. Douglas era partidário franco da escravidão, e considerava os negros e os índios raças inferiores. O eleitorado de Illinois – de acordo com circunstâncias conjunturais que fogem destas notas – somava-se a Douglas. Assim, a Assembleia do Estado (que elegia os senadores) ratificou os aplausos populares ao juiz, e o escolheu. A edição dos debates em livro, e sua difusão no resto do país, fez de Lincoln uma figura nacional, e impeliu a sua candidatura vitoriosa, dois anos depois, à Presidência dos Estados Unidos.

Os historiadores norte-americanos reconhecem esses desafios oratórios como enorme contribuição para a construção democrática da República. Neles, Lincoln defendia a Declaração da Independência, com a doutrina da igualdade entre todos os homens, contra a ilimitada soberania popular, de Douglas, que podia, se quisesse, estender a escravidão a todo o país. Eleito presidente, Lincoln teve que enfrentar a Guerra da Secessão e recebeu o apoio de Douglas, que tentou negociar com o sul e impedir o conflito armado. A brutalidade da guerra civil e o assassinato de Lincoln não diminuem a imensa presença histórica do advogado de Springfield; ao contrário, confirmam-na.

Estariam dispostos os tucanos a retornar à posição de seu governo anterior, ou seguiriam a conduta atual do Itamaraty? Este é um assunto que, discutido seriamente, e não pela rama, como vem ocorrendo, ajudaria os cidadãos brasileiros a entenderem um pouco do que se passa no mundo e a decidirem com mais segurança. A política externa não é restrita aos diplomatas, que a exercem em nome do Estado. É a expressão da consciência e do exercício cotidiano da soberania nacional. Temos o direito de saber o que pensam os que nos querem governar, sobre como devemos atuar no mundo. Os nossos melhores momentos em política externa foram aqueles nos quais, sem inútil e chocha jactância, mas com firmeza, como agora, defendemos os nossos direitos, sem desprezar os dos outros.

Devemos continuar afastados das aventuras do combalido império norte-americano, que se prepara para mais uma retirada constrangida de outra de suas guerras malogradas. Os ianques já admitem conversar com os talibãs um convênio de paz, depois da morte de milhares e milhares de pessoas no Afeganistão, entre elas jovens combatentes norte-americanos. Tal como ocorreu no Vietnã e alhures, não terão atos heroicos de que se lembrar, mas a memória perturbadora de crimes de guerra, de suicídios de seus soldados, do apodrecimento moral das tropas.

Os diplomatas de nossos dias provavelmente não se preocupem tanto, quanto os do passado, com os termos do Tratado de Westfália, nem com os bastidores do Congresso de Viena, que arbitrou os interesses do mundo pós-napoleônico, mas estão atentos à emergência de novas potências, entre elas o nosso país.

Isso recomenda que mantenhamos a política de solidariedade para com os povos mais injustiçados pela História, como os da África. Uns conquistam com as armas, o que é sempre efêmero e odioso; outros, com a solidariedade efetiva. É o que estamos fazendo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Aborto na Mídia

O debate fora de lugar

Por Alberto Dines em 12/10/2010

Observatório da Imprensa


Atenção aborteiros, abortistas, antiabortistas, dilmistas e serristas: retirem o assunto dos palanques. Vocês estão brincando com fogo – literalmente.

Os editais dos Autos da Fé já estão afixados nos templos e nas quermesses, as fogueiras estão preparadas. Guerras santas começam por ninharias (a questão do aborto jamais foi premente) e acabam em banhos de sangue.

Este debate ensandecido e despropositado sobre a descriminalização da interrupção da gravidez está empurrando o país para um modelo de república clerocrata, antirrepublicana, semidemocrática.

E a mídia tem grande responsabilidade neste arranca-rabo infantilóide. Nossa imprensa é, por tradição, sacristã: os grandes jornais sempre correram atrás das batinas e disputaram arcebispos e cardeais para lustrar suas páginas. Jamais chamaram um pastor luterano ou um intelectual agnóstico.

Mãos limpas

Quando se tratou de lembrar os 200 anos de fundação da imprensa brasileira, a presença de Hipólito da Costa como patrono do jornalismo foi determinante para que as comemorações fossem suspensas: além de maçom, denunciou ao mundo as barbaridades da Inquisição portuguesa.

Quando em 2008 o presidente Lula foi ao Vaticano acompanhado por seus entes queridos para assinar uma Concordata com o papa Bento 16, a grande imprensa – toda ela, sem exceção – manteve o assunto sob rigoroso sigilo, na clandestinidade. A pedido do governo. Uma imprensa altiva, libertária, não se importou em autocensurar-se ostensivamente [ver emissões abaixo]. Em nome da fé, vale tudo.

Começava naquele exato momento o ensaio geral para a atual caça às bruxas que fatalmente nos conduzirá ao total desrespeito e esquecimento pelos direitos humanos. Convém lembrar que o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, apresentado pelo governo com toda a pompa e circunstância no final de 2009, foi abortado – a palavra é esta, não existe outra – para acalmar as lideranças católicas e evangélicas (ineditamente irmanadas) que orquestravam a oposição ruralista e da mídia. Os chefes militares adoraram, lavaram as mãos. Os civis também sabem fazer suas guerrinhas sujas.

O retorno

A igreja católica rasgou naquele momento uma corajosa história escrita ao longo de três décadas contra a tortura e o desaparecimento dos presos políticos, só para evitar que a nação brasileira começasse a encarar a possibilidade de debater a questão dos símbolos religiosos em prédios públicos, do casamento gay e... do aborto.

O infalível retorno dos bumerangues traz de volta a questão do aborto – vociferada, enraivecida, envilecida, brutalmente simplificada. E condenada a ser erradicada da nossa agenda política pela radicalização eleitoral que a mídia açula e assopra.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Liberdade de Imprensa Existe!


Do Brasil De Fato

Análise das manchetes dos três jornais de maior circulação do país com relação à candidatura Dilma Rousseff.

O levantamento foi feito a partir das manchetes de primeira página publicadas, entre os dias 28 de agosto e 27 de setembro, por Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. Nesse período, o diário carioca não publicou nenhuma manchete positiva à candidata Dilma Rousseff, contra 21 negativas. Foram ainda três neutras e seis tratando de outros assuntos, como economia ou internacional.

a Folha de S.Paulo veiculou duas manchetes positivas à campanha petista (“Lula vai à TV e afirma que Serra partiu para baixaria”, no dia 8, e “Desemprego é o menor, e renda é a maior em 8 anos”, dia 24). No entanto, foram 18 negativas, além de uma neutra e nove sobre temas diversos. O outro periódico paulista, o único dos três a declarar em editorial apoio ao candidato José Serra, foi o campeão em manchetes negativas com relação a Dilma: foram 22 em apenas um mês. O Estado de S. Paulo também trouxe uma capa positiva à petista (“Inquérito da PF esvazia tese de crime político na receita”, dia 16), três neutras e quatros abordando outros assuntos.

sábado, 9 de outubro de 2010

John Lennon - "Beautiful Boy"

O Homem faria 70 anos hoje? Mentira. John havia nascido junto com a arte, transbordava tanto que, não cabendo mais no Éter, condensou-se na matéria que seria morta em 1980. Mas ele continua por aí... Dizem que perturbando mais do que nunca o velho e seu trono.
Cada um gosta de uma coisa no John, eu, pai babão, identifico-me pra cacete com esta pequena obra de arte.
à Clarice, minha filhota, esta música.
Ao John nossa eterna gratidão.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010