terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O Sal do Hadock

Eu simplesmente adoro a forma poética que ela tem quando faz prosa. Simplesmente adoro. E ponto final. Encontrei-a recentemente no fantástico Escritoras Suicidas. Recomendo todas. Vale a conferida!
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o sal do hadock

ro druhen

Certa vez Valéria permitiu que Fernanda colasse sua prova de matemática. Quando veio o zero, não se importou, Fernanda ganhara um dez.

Quando seu irmão beijou Fernanda, Valéria não se importou. Seu irmão era um muito dela nos gostos e bem querenças, nas madrugadas no quintal, naquele silêncio de contar estrelas.

E Valéria não se importou quando Fernanda conheceu Daniel. Daniel era amigo de Fred e os quatro passaram muitos finais de semana juntos, no sítio de seus pais, e Valéria jamais se importou com os gemidos de Fernanda, no quarto ao lado.

Quando, em maio, Fernanda casou-se com Daniel, Valéria não se importou e, em dezembro, casou-se com Fred.

Quando compraram casas no mesmo condomínio, quando vieram os filhos, quando fizeram churrascos aos domingos, quando Fred morreu num acidente, Valéria não se importou. Fernanda dormiu em sua cama de viúva e lhe segurou a mão durante toda a noite em que velou o cuidado da amiga, descuidada de sua viuvez.

E naquele jantar de sábado, quando Maria do Sol, filha de Valéria, e Ana Terra, filha de Fernanda, fizeram com que seu amor sentasse à mesa da burguesia emergente da Barra da Tijuca, Valéria chorou. E se importou que suas filhas pudessem viver toda aquela história que ela, Valéria, transformara em apenas uma lágrima salgada, sobre o hadock.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Meus super-heróis

Posto outra do grande escritor Fausto Wolff. Aliás, Fausto dispensa comentários. Boa leitura!
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Meus super-heróis
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Na livraria pediram que se retirasse, pois seu cheiro de cachaça perturbava os clientes
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O homem era alto, magro, cabeça enorme. Pobre, órfão de pai e mãe, criado por um tutor militarista, passou a tomar grandes porres, o que não o impedia de escrever. Escreveu, entre outras obras-primas, o primeiro romance de detetive. Ignorado no seu país, foi traduzido por Baudelaire. Aos 24 anos, casou-se com sua prima de 14, a única mulher que amou. Em 1839, já havia publicado dez livros que lhe rendiam menos do que me rendem os meus. Num cubículo da Filadélfia editou o Graham's Magazine. Ganhava US$ 800 por ano e conseguiu aumentar a tiragem da revista de cinco mil para 45 mil exemplares. Em 1842 sua mulher morreu de tuberculose. Ele desmoronou e, além de beber, passou a fumar ópio. Foi despedido. Ninguém lhe dava um emprego decente. Em 1849, em Baltimore, prometeu votar várias vezes em um mesmo candidato, caso lhe pagassem uma garrafa de uísque. Foi largado nu em uma sarjeta pedindo que lhe dessem um tiro nos miolos. Morreu dois dias depois, aos 38 anos. No seu túmulo, apenas o número 80. Trinta anos depois, já reconhecido como o melhor escritor nascido em solo americano, os cidadãos de Boston recolheram dinheiro para lhe dar uma sepultura digna onde inscreveram a frase "And the raven said never more". (1)
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O homem era alto, magro, cabeça enorme, mas não era feio, como se diz hoje em dia. Usava uma barba ruiva porque quando menino uma garota lhe dissera que tinha o queixo pequeno. Nasceu na Holanda em 1853 numa família religiosa de classe média. Recebeu o nome de um irmão mais velho que morrera horas depois do parto. Todo emoção e timidez, a vida lhe doía. Aos 20 anos, todos os domingos caminhava 40km só para ver de longe uma jovem que amava. Um dia, ela lhe disse da janela que era noiva. Trabalhou numa galeria, foi professor elementar, pastor, lavrador e levou seu cristianismo ao extremo, trabalhando de sol a sol e dormindo no chão. Embora só começasse a pintar em 1881, fez 900 telas e 1.100 desenhos sem que tenha conseguido vender um em vida. Tinha crises de loucura e numa delas, em Arles, atacou Gauguin com uma navalha. Depois cortou o lóbulo da própria orelha e deu-o a uma prostituta. Foi internado na Clínica do dr. Gachet, mais louco do que ele. A polícia fechou seu ateliê a pedido de vizinhos, que o chamavam de Ruivo Maluco. Deprimido, uma noite saiu de uma estalagem e caminhou até o campo. Olhando para o céu, deu um tiro na cabeça e voltou para o bar. Bebeu até cair e foi levado para casa, onde morreu dois dias depois, em 1890, aos 37 anos. O retrato que fez do dr. Gachet, uma obra menor, foi vendido há alguns anos por US$ 84 milhões. (2)
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O homem era baixo, magro, doente, mulato claro. Certa vez o gerente de uma livraria no Centro do Rio pediu firme, mas delicadamente, que se retirasse, pois seu cheiro de cachaça perturbava os clientes. Nascera no Rio em 1881, filho de um português e uma escrava. Abandonou o curso de engenharia aos 20 anos para assumir o sustento e a chefia da família, pois seu pai enlouquecera. Arranjou emprego de amanuense no Ministério da Guerra e, embora o salário lhe desse uma certa estabilidade, passou a beber dizendo-se vítima do preconceito racial, o que era verdade. É que, devido à sua educação e cultura, vivia entre brancos. Estreou em 1910 e fez um certo sucesso, mas não pessoal. Com o álcool vieram as crises de depressão que não o impediam de escrever cada vez mais e melhor. Era odiado pelos esnobes por ser anarquista e pelos militares porque, quando membro do júri, acusou um deles da morte de um estudante. Expulso da livraria, voltou para casa o grande escritor brasileiro. Lá morreu de enfarte em 1922, aos 41 anos. (3)
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O homem era alto, magro, barbudo, em verdade um senhor de idade com extrema resistência ao álcool. Passou de 1914 a 1917 perambulando pelas repartições públicas de Paris, pedindo ao governo uma quantia que julgava lhe ser devida para poder se manter. Havia sido o artista mais prestigiado, premiado e querido da França e uma unanimidade mundial. No verão de 1917, aos 77 anos, pediu ao governo que lhe cedesse um quartinho, o que foi recusado. Morreu de frio num parque alguns dias depois. Todas as esculturas e estátuas que doara ao governo estavam abrigadas no calor dos museus. (4)
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(1) Edgar Allan Poe; (2) Vincent Van Gogh; (3) Lima Barreto; (4) Auguste Rodin.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

The name of the game

Por Fausto Wolff

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Dizem que o Tio Sam não tem filhos porque é mais fácil mandar para a guerra apenas os sobrinhos, de preferência, pretos, asiáticos, caipiras. Eventualmente, um louco, intelectual ou milionário, pois alguém precisa distribuir e vender a coisa toda. Das tripas de um correspondente de guerra, de um jovem escritor, hoje em dia, pode-se fazer um império que vai da má literatura ao sabão em pó. E essa grana é suficiente para comprar cocaína durante dezenas de anos para as centenas de milhares de sobrinhos do escritor e quem mais estiver na fila da boca.
The name of the game is Mame, ou o nome do jogo é Tifodo. Lembram-se dos soldados jogando roleta russa no Vietnã depois que os americanos fugiram? Tudo bocó enlouquecido.
Todos os pobres são prisioneiros políticos em qualquer nação. Nos USA mais ainda. Meninos viciados são induzidos a se apresentar como voluntários. Soube de mexicanos que se alistaram para que as irmãs pudessem continuar a ser prostitutas nos USA, pois como cidadãs não teriam mais de dar, pelo menos oficialmente, a comissão ao cafifa. Outros são tão desgraçados que não precisam ser induzidos. Vão pela casa, comida e a bala. Ou vocês acham que os soldados brasileiros enviados para o Haiti (promessa antiga, não é seu Silva?) não queriam ficar por lá, onde são tratados como semideuses apenas porque nasceram num país chamado Pelé? Estive em três guerras e vi que a maioria da garotada preferia estar por lá a continuar sendo tratada como cachorros nas ruas das grandes cidades. Nessas horas tem sempre algum patife para dizer: "Mas nas democracias alguém sempre chega lá." E quem te disse, ô bepedeuta, que o mundo existe para que alguém chegue lá? Lá chegaremos todos e espero que o inferno exista para os que lucram com a guerra.
Conheci alguns meninos pobres e talentosos ou simplesmente espertos que mudaram pelo menos metafórica ou semaforicamente de cor ou estão com os corpos tão picados de agulhas que precisam encontrar um lugarzinho de veia que não quebre entre o tarso e o metatarso.
Num mundo que abriu mão da cultura em nome da publicidade, da verdade em função de uma realidade de superfície, da honra em lugar do dinheiro, fica difícil acreditar que ainda exista gente para a qual os americanos estão invadindo o mundo. Tem gente que não entende por que aquela garotada que está há mais tempo no Iraque do que a turma anterior no Vietnã esteja se suicidando. Pelo menos um por semana. Tem gente que não entende que guerra de invasão sem total auxílio interno é suicídio. Hitler só chegou até onde chegou porque era praticamente amado nos países que invadia, pois o povo gosta do vencedor como gosta do Flamengo. E mesmo que os USA ganhem a guerra? O que vão fazer com as ruínas depois que acabarem com as obras de arte mais antigas do mundo? Estarão salvando a Amazônia. Mas até mesmo aqui são capazes de perder, apesar de todos os testas de ferro do Coiso: algumas cabeças de furúnculo dos três poderes e mais imprensa já estão estendendo o tapete sobre os corpos dos índios mortos a bomba, canhão, metralhadora, rifle, pistola, espada, machete, revólver, faca, veneno, álcool, prostituição, ignorância. E logo em seguida aparecem no Fantástico, sempre um gringo à frente do trabalho cultural e educacional das fundações sem fins lucrativos. Experimentem para ver como é romântico ignorar os sanguessugas, os mosquitos e o calor a 45 graus apenas por um ideal, mostrando como um brasileirinho já sabe esrever "Eu love Dick."
Deixem os nossos aborígenes em paz. Dêem um tratamento nos autóctones de vocês. Jamais fizeram nada por ninguém e atrás de si só deixaram crianças podres, famintas, pobres e aleijadas. Enquanto isso, nos Estados Unidos a moda é a autofagia. Recomeçou com Nova Orleans, onde a região mais atingida foram os guetos e onde só moravam brancos pobres e negros um pouco mais pobres. Dia desses nossos governantes entenderão a sugestão e aplicarão o método. Venderão as favelas às transnacionais depois das águas de março.
Ainda não sabemos quem derrubou as torres, ainda não sabemos se Bin Laden existe, mas há alguém mais além para suportar as canalhices do mundo? Trata-se do inca Hugo Chávez e, em escala menor, Evo Morales, os "ditadores" que querem impedir a Venezuela e a Bolívia de serem salvos das drogas e do Fantástico ou Manhattan Conection locais. O Globo voltou a publicar histórias nas quais os comunistas matam camponeses aborígenes como o faziam nos primeiros anos da revolução cubana.
Por que esse desabafo? Porque queria escrever sobre outras coisas além do crime que os office boys do poder, da justiça, da administração, da legislatura cometem contra o povo. Normalmente, esta deveria ser a época do resguardo - entre 15 de novembro e 15 de abril - quanto estão ocupados contando o quanto roubaram no ano anterior. Mas agora tem os filhos, os netos, os sobrinhos, as amante etc enchendo-lhes os sacões: "Como é ? E a minha eleição?"
O Brasil é a prova mais viva nos últimos dois séculos de que é possível impor a ignorância ao povo sem medo de que um dia exploda em seu peito a necessidade do sol da liberdade.

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[ 20/02/2008 ] 02:01
Jornal do Brasil (caderno B)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Ela

Cefaléia... Insuportável.

Murrinha, poliglota, que vem lá do cantinho e não explode nem pára, fica ali, simplesmente difícil, atravancando as idéias, impedindo a fluência do trabalho, a fluidez do sorriso. Um movimento mais brusco e lá está o prego no cérebro, berrando por silêncio e torpor. Um comprimido de aspirina ingerido e começa a guerra (!), travada com afinco por ambos os lados; um quer romper, o outro, aniquilar. Alguns minutos de dura e intensa comunhão de corpos imaginários, um sofá parece ser a única solução em momentos assim. O televisor ligado vomita qualquer programa, mas a atenção não está nele, pode ser o canal Discovery ou o telejornal exibindo a Terceira Guerra Mundial, tanto faz, a atenção está “para dentro”, boiando na sofreguidão do momento, agarrada à esperança do cessar. Aos poucos, a ranzinza e chata exclamação vai perdendo o sentido, bem devagar é possível focar no canal, é possível distinguir a imagem na tela e achar graça do José Trajano falando do seu América, é possível acreditar em vida após a cefaléia. Por prevenção, ingere outra aspirina junto ao suco de laranja esquecido na pia. E um novo mundo se abre, novos horizontes são possíveis. O domingo nem parece ser o porre que é. E tudo volta ao normal, o próprio Trajano parece melhor penteado, o Flamengo, outra vez, virou favoritíssimo à Taça Guanabara, o churrasco está garantido após a chuva e nada impede que a cerveja com “véu de noiva” seja reduzida a nada.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

AS DEZ VERDADES SUBLIMES A RESPEITO DE CAETANO VELOSO

Esta eu tive que roubar lá do Marconi Leal. Adoro o Caê, mas também gosto muito de gargalhar.Boas risadas!
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É provável que vocês, leitores de vida social intensa, não tenham visto. Mas eu, cujas saídas mais empolgantes ultimamente têm sido ir do quarto ao térreo de elevador, assisti do começo ao fim ao “Som Brasil” com Caetano Veloso (atenção: este texto foi publicado no Sopa de Tamanco há cerca de um mês; ainda estou tendo sérios problemas para abrir caranguejos e ingerir cervejas geladas aqui no Recife para conseguir escrever), o que me levou a uma depressão de sete pontos na escala Werther.

Que seria, porém, do existencialismo francês, caso não houvesse a depressão? Bom, Sartre provavelmente não teria precisado comer Simone de Beauvoir, nem tampouco, na tentativa de dar um pé na bunda dela, se sairia com aquela história de que o homem está condenado a ser livre.

Mas esse não foi o caso e o fato é que a depressão é um grande motor do pensamento, graças ao qual, numa série de satoris só alcançados talvez pelo Dalai Lama após um ou dois baseados, consegui resolver as questões mais profundas a respeito daquele que é nosso maior ídolo baiano irmão da Maria Bethânia de todos os tempos.

A seguir, aquilo que você sempre quis saber sobre Caetano, mas tinha preguiça de perguntar, porque estava escutando o Chico mesmo e não ia se dar a esse trabalhão todo.

1. Quantos dentes tem Caetano?
Cientificamente comprovados, são 52. Mas há quem arrisque 103.

2. Por que, quando canta, Caetano segura os rins?
Idade.
3. É verdade que Caetano Veloso não existe, é apenas um disfarce meio esquisito do Fernando Henrique Cardoso?

Os defensores da Teoria da Simetria dos Egos afirmam que sim. Outros estudiosos discordam, assegurando que, o cabelo do Malan tudo bem, mas aqueles pulinhos do Caetano seriam demais até mesmo para o FHC.

4. Se Caetano já atingiu sua meta, que era superar Mick Jagger, ainda que fosse na ausência completa de senso de ridículo, por que ainda insiste em subir ao palco?
Para superar a Dercy Gonçalves.
5. É o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol?
Talvez seja, talvez seja, talvez.

6. Quem, além do ego e de um espelho, Caetano levaria para uma ilha deserta?

O João Gilberto. E, com algum sorte, um maremoto.
7. Qual a principal contribuição de Caetano para a cultura brasileira nos último cinqüenta anos?
Apesar de toda a crítica que se possa fazer a ele, a verdade é que sem Caetano o exercício labial aplicado ao canto estaria ainda hoje na Idade da Pedra.

8. Por que, quando canta, Caetano franze a testa sem parar?
Segundo pesquisas realizadas pela Casa Jorge Amado com apoio da Fundação do Afro-Dendê Eterno, a testa de Caetano é parte independente do restante do corpo e, como tal, a única a conservar intacto o senso de ridículo.

9. Existe em todo o universo algo mais patético que os sinais de metaleiro que Caetano faz com as mãos ao cantar rock?
Sem dúvida. Você provavelmente tinha saído da sala para ir ao banheiro quando ele tirou teatralmente o casaco jeans.

10. É verdade que Caetano é um intelectual?

Sim. Apesar de não ler a Veja, Caetano tem uma boa coleção de Capricho, além de ter sido dos primeiros assinantes da Caras em Salvador.
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O professorado e a "baboseira ideológica"


LEITURAS DE VEJA
O professorado e a "baboseira ideológica"
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Por Gabriel Perissé em 19/2/2008
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A edição nº 2047 (de 13/2/2008) da revista Veja dedicou um espaço considerável ao tema da educação nacional. A entrevista com a secretária estadual de Educação em São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, e os artigos dos economistas Claudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe compõem uma espécie de concepção "vejiana" da educação.
A secretária Maria Helena enfatiza que um dos maiores problemas da deplorável situação da educação em São Paulo (leia-se, por exemplo,
matéria da Folha, publicada faz um ano) é o insatisfatório nível profissional dos professores. Os professores seriam incapazes de dar boas aulas. Quando a jornalista Monica Weinberg lhe pergunta qual o caminho para melhorar esse nível, a resposta da secretária é, digamos, corajosa: "Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero." Essas faculdades apenas perpetuariam "baboseira ideológica".
Maria Helena é socióloga, mestre em Ciência Política pela Unicamp e, segundo
informações oficiais, está concluindo doutorado na USP em Ciências Sociais. Sua crítica, portanto, é de quem se sente apta a julgar como totalmente ineficazes os professores que ao longo das últimas décadas deram o tom da formação pedagógica brasileira. Pensemos nas aulas, conferências e escritos de Dermeval Saviani (Unicamp) e Antonio Joaquim Severino (USP), para mencionar, entre tantos outros, dois acadêmicos de prestígio.
O modelo da gincana
Seriam os doutores em pedagogia os principais responsáveis por fomentar vários mitos que atrapalham a educação pública. Para Maria Helena, é um mito afirmar que o aumento salarial dos professores ou um plano de carreira influenciariam a melhoria do ensino. Na sua opinião, dinheiro (para falar curto e grosso) não resolve. A menos que esteja vinculado a uma "política de reconhecimento do mérito". Por isso, a secretária pretende pagar bônus a todos os que, numa escola – funcionários, professores e diretor – "levarem" os alunos a alcançar determinadas metas de bom desempenho. Os bônus poderão chegar a três salários por ano.
Imagina Maria Helena que os professores, motivados pela perspectiva de um prêmio pecuniário, insuflados pela súbita adoção da meritocracia (como se esta existisse no plano político...), realizarão o milagre de transformar a realidade educacional. Essa metodologia do burro atrás da cenoura sussurra aos ouvidos do professor: "Quer mais dinheiro? Então trabalhe mais!" Não leva em conta os problemas reais que tornam a boa vontade e o esforço do docente, por maiores que sejam, fonte de mais estresse. Contudo, e vai aqui simplória sugestão — uma vez que os bônus estarão condicionados ao desempenho dos alunos, por que não prometer também aos estudantes uma participação? Uns 5% poderiam incentivá-los a colaborar com essa escola de resultados!
A idéia simplista de que a repetência, o abandono escolar (vale a pena ler matéria do
Correio Braziliense), o desinteresse crônico, a indisciplina, o fraco rendimento etc. devem-se sobretudo à falta de bons "dadores de aula" demonstra que o estilo "PSDB" de governar não tem condições de analisar a realidade educacional e oferecer soluções melhores do que o modelo da gincana. Quem correr mais, quem tiver sorte e/ou for mais criativo, atinge os objetivos, ganha pontos e arrebata o prêmio.
Formação humanística
Não poucos alunos enfrentam problemas fora da escola (famílias desestruturadas, ambiente social adverso, falta de valores, de referências, carências alimentares e de saúde) e esses problemas geram novas e complexas dificuldades na sala de aula, associadas a outros mil problemas que independem de uma boa aula. Aliás, impedem a boa aula que o bom professor porventura preparou. Como poderá a cenoura bonificadora fazer professores e diretores deterem o tráfico de drogas que invade as escolas, consertarem móveis quebrados, reformarem os banheiros, transformarem salas sem ventilação em paraísos didáticos, evitarem a violência entre os alunos?
Há professores despreparados? Há. Escolheram o magistério por idealismo (acreditaram na pedagogia do amor à la Gabriel Chalita, ex-secretário da Educação no tempo de Geraldo Alckmin) ou por falta de alternativas. São sobreviventes de um ensino básico sofrível, de um ensino médio deficiente, falta-lhes até mesmo estrutura física e emocional para dar conta da sobrecarga de classes, expediente necessário na luta por somar salários.
Há professores que faltam muito? Sim. Os que faltam, não raro, fogem das condições de trabalho: indisciplina incontrolável, humilhações e arbitrariedades que usurpam sua autonomia, falta de recursos materiais, falta de tempo e de saúde por excesso de atividades. Lembrando que a maioria feminina entre os docentes põe em jogo outra questão para além da sala de aula. São as mulheres que, professoras com 30 a 40 horas/aula por semana, estão sobrecarregadas também pelas tarefas domésticas.
E não só isso. Educar, ensinar, é tão ou mais exigente do que outras exigentes profissões. Requer a prática da comunicação, o dom da invenção, a capacidade de avaliar (intuitiva e objetivamente) o comportamento humano (de crianças e adolescentes!), forte autonomia profissional, virtudes que só se desenvolvem com formação humanística prévia e auto-aprendizagem contínua. Estas, por sua vez, implicam leitura, reflexão, acesso à cultura no sentido amplo, apoio profissional (bons cursos, boas oficinas, orientação didática, ajuda psicológica) e tranqüilidade econômica.
Salário não é tudo, mas...
Como uma espécie de comprovação das opiniões da secretária, Claudio de Moura Castro escreve na mesma edição da Veja um artigo igualmente curto e grosso: "
Salário de professor". Baseado em que, segundo as sempre infalíveis estatísticas, os docentes brasileiros possuem remuneração compatível com a realidade empregatícia nacional, o articulista conclui que os sistemas públicos se tornariam mais eficazes se "conseguissem criar um ambiente mais positivo e estimulante". O exemplo estaria nas escolas privadas, em que os professores, com "níveis salariais parecidos", estão contentes.
O mais estimulante seria então a tal cenoura tentadora do bônus? Moura Castro não afirma nem nega. Menciona outro tema: o da gestão. "Como a escola tem a cara do diretor", dependeria então desse gerente do ensino, digamos assim, valorizar os professores, motivá-los, com bônus ou sem bônus. Mas se, na prática, os diretores são indicados pelo clientelismo dos governos locais ou, mediante concurso, estão politicamente compromissados de modo mais ou menos velado com estes mesmos governos, a escola desse diretor dificilmente terá a cara dos professores nem dos alunos que lá estão.
A propósito, recomendo que economistas e sociólogos que se autoproclamam especialistas em educação leiam outro uspiano (antes de se fecharem as faculdades de Educação): o pesquisador Vitor Henrique Paro, sobre a eleição de diretores em escola pública como experiência democrática de grande valor.
Nenhuma palavra da secretária e do articulista sobre a iniciativa do governo federal de estipular o salário mínimo dos professores em 850 reais, o que significará um aumento de quase 50%. Não concordam eles com o ministro Fernando Haddad? Salário, concordo eu com eles, não é tudo, mas, sem cuidar dos salários, tornando-os, inclusive, atrativos para melhores profissionais, o governo poderá jogar no sistema o dinheiro que bem quiser (contratar consultorias, investir em computadores, instalar câmeras para monitorar os alunos etc.), mas os problemas continuarão a se perpetuar.
Finlândia, o paradigma
O terceiro capítulo educacional dessa edição da Veja é assinado por Gustavo Ioschpe: "
Pelo direito à ruindade". Gustavo critica o MEC pela iniciativa, que considera "antiliberal", de averiguar melhor a qualidade do ensino superior (em particular as faculdades de direito e pedagogia), sob pena de fazer reduzir a oferta de vagas ou mesmo fechar o curso. Ora, não dissera a secretária de Educação que, se fosse possível, fecharia todas as faculdades de pedagogia, mesmo as que têm a melhor avaliação? Não são essas faculdades que prejudicam a escola, transmitindo baboseiras ideológicas em lugar de ensinar os professores a serem professores?
A contradição é só aparente. No momento em que as faculdades de pedagogia estivessem todas fechadas, sobretudo as públicas, mais críticas, menos dóceis ao mando, tudo recomeçaria do zero. Ou ficaria tudo na estaca zero. Quem quisesse abrir fábricas de diplomas pedagógicos teria amplo direito de fazê-lo, sem maiores impedimentos ou muitas cobranças, como em outros tempos, e os professores formados nessas faculdades teriam o dever de superar sua posterior "ruindade", rezando pela cartilha da "pedagogia do bônus".
Estaria assim o mercado controlando as coisas ao seu modo: o famoso "salve-se quem puder".
Mas o espírito "vejiano" continua a dar lições sobre a arte de lecionar... Na edição desta semana (nº 2048, de 20/2/2008), a revista Veja publica a matéria "A melhor escola do mundo". Thomas Favoro, diretamente da Finlândia (país com características idênticas às do Brasil), revela o que podemos aprender em termos educacionais.
No quesito "salário", os professores finlandeses, infinitamente melhores do que nós, recebem cerca de 2.500 dólares/mês; nós embolsamos algo em torno de mil dólares/mês. Esclarece a matéria, em letras minúsculas, que se trata de professores do ensino fundamental com 15 anos de experiência.
Segundo o texto, e deve ser verdade, 100% dos professores finlandeses possuem o mestrado. Já no Brasil, somente 2%. Mas se depender da gestão do governador José Serra, essa disparidade continuará. Em meados do mês de janeiro de 2008, suspendeu-se o programa "Bolsa Mestrado" para os professores estaduais. O intuito deve ser viabilizar o tal bônus que aí vem!
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Matéria publicada no Observatório da Imprensa

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Veja (veja o quê?)

A todos que acompanham a decadência gradual de uma (outrora) grande revista, recomendo com louvor os episódios produzidos por Luis Nassif em:
http://luis.nassif.googlepages.com/
Uma aula, mesmo que parcial, sobre como exercer jornalismo.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Eu gosto muito pouco de postar "coisas" coletivas, mas, às vezes, sinto uma obrigação oriunda lá de dentro, que não sei explicar nem sei controlar. Posto, talvez, por ser pai, professor e um adorador do sorriso infantil.

Vale muito ler o texto que se encontra no blogue Luz de Luma.

Abraço forte!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Fora ladrões e... também os injustiçados

Leio a notícia que saiu no Jornal de Hoje (15/02/2008 – pág.: 5): “A pedido do Presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, o senador Demóstenes Torres (DEM – GO) deverá apresentar à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), nos próximos 15 dias, um projeto de lei complementar para regularizar dispositivo constitucional que prevê que, para fins de registro de candidatura, seja considerada a vida regressa do candidato (artigo 14, parágrafo 9º)”.
Mais a frente, leio a seguinte declaração do senador Demóstenes: “(...)Não dá para ter corruptos, ladrões, homicidas como vereadores, prefeitos, senadores, governadores. Vamos lutar para que os políticos tenham a ficha limpa, para que não entrem aqui com a intenção de dilapidarem o dinheiro público. Que eles fiquem mais próximos da cadeia que da vida pública”.
Ótimo, superficialmente falando, é possível entender, baseado nos últimos acontecimentos (últimos?), tal sugestão e necessidade; é muito difícil trabalhar politicamente com pessoas aquém dos cargos que ocupam, seja por pura incapacidade, seja pela intenção “conflitante”. Contudo, se a possibilidade de regulamentação existe desde 1994 (!), por que só agora se deram conta do absurdo?
Absurdo? Talvez...
Como escrevi acima, numa primeira vista, o projeto é perfeito, pois proíbe “coisas” como Hildebrandos, J. Alves, dentre outras porcarias, de sentarem em cadeiras legislativas. Realmente perfeito. Mas algo me incomoda com as seguintes linhas de raciocínio: “(...)Uma condenação em primeiro grau é um indício razoável de culpa” e “(...)Que eles fiquem mais próximos da cadeia que da vida pública”.
Se se colocar tal projeto desta forma, como fica o fato, amparado pela própria constituição, da capacidade que todo o cidadão tem de se regenerar? Se um homem ficar quite perante a sociedade (cumprindo a pena imposta), a mesma sociedade não pode o expelir, pelo contrário, deve, sim, integrá-lo ao convívio social, abrindo portas para a sua plena “recuperação”. Importante ser discutido com "amplidão", nunca se deixando levar pelo calor do momento. Muitos acusam os direitos humanos de encobrir bandidos, mas sem ele (os direitos), não estaríamos (todos) desprotegidos? É bom lembrar que pessoas sendo julgadas não são culpadas ou inocentes até que se dê o veredicto final.
Tenho consciência do bom projeto, mas certas severidades precisam ser revistas. É democrático abraçar ao invés de cuspir. Aliás, aquilo que parece um defeito, na verdade, é um dos pilares da filosofia democrática: incluirmos a todos, inclusive os que são contra a inclusão.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

"Apartheid Soneto"

Este fantástico poema foi encontrado no blogue do Moacy:(http://poemaprocesso67.blogspot.com/)
Simplesmente sensacional! Avelino de Araújo cometeu uma obra-prima.
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Soneto Visual
de
Avelino de Araújo
(RN)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Vais - a encantadora das formas

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Qualidades negativas qualificam as anti-virtudes
Nações muitas estão sob, abaixo
Subjugados por brancos insatisfeitos
A paz deles anda de muletas na África
As bandeiras brancas atam-se aos cotocos
- Precisamos proteger nossos soldados! Disse o Bill.
Procura ouro, não nestas minas.
As cores são outras,
de tão valiosa, a luminosidade explode numa mortal luz.
Tostadas as retinas, tu te tornas indefeso
e só saberás o que perdeste, quando os olhos abrir.
- Não desafie o mundo! Disse o Bill.
Até hoje, não ouvi dizer que a fissão dos átomos

do petróleo poderia criar grandes cogumelos no ar.
Mas, há quem possa dizer que o papa fará do vaticano uma creche.
Negada a minha permissão,
na crença nos estados unidos do norte
No oeste, escalpo de índios
No sul, queima de negros
Pobre México enganado!
Intervenções, invasões, pretensões
Dominância, ganância
Nação! Teoricamente tão linda!
Enquanto isso, os acordos pacíficos são levados pelo Pacífico
em galões nos porões
vigiados nas noites por seres sombrios,
vigilantes em seus caixões.

Vais http://cantodasformas.blogspot.com/
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Hummm!!!
Bela concordância!
Que regência!
Nós vamos?
Ir...
Um diz:
- Cê vamos com nós?
E o outro:
- Não, já fui-me com ele.
- Mas moço! Nós vai mermo assim.
- Que vayan então, oras!
UUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!!!
- Nada tenho com isto
Se quiserem ir que vão
Por lá, já arranchei-me
Só vos alerto
da passagem dum certo senhor comandante
Senhor de importância
da vida e da não dela
Dum lugar noutro, te espreita...
Digo mais nada...
Ei, psiu, schiiii,
se aprochegue mais
contar-te-ei do tempo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os noivos

...já era noite, trinta e um de dezembro, abraçou uma garrafa Black Label e com ela foi fazer a sua comemoração. Seu primo, outro amante do bom uísque, acompanhou-o nessa empreitada. Dia seguinte, sem saber muito bem o porquê, viu-se nu à beira da uma piscina que não era a sua, alguns cacos de vidro ao seu lado e um pequeno talho no braço esquerdo. Tentou levantar, mas percebeu que tal empreendimento era impossível sem que a cabeça não explodisse. Soltou a única palavra que veio à memória: “puta-que-pariu”. Levantou-se com alguma dificuldade em eternos minutos, o sol já começava a danificar a sua pele morena. Estava ardido, de ressaca e sem consciência do que tinha feito. Outras duas garrafas espalhadas pelo quintal foram os seus obstáculos até a cozinha que, muito suja, exalava um odor de comida estragada e bebida derramada – péssima rima para ele e sua cabeça. Chegou até a sala e, no sofá manchado, sua roupa e o som de música arranhada que repetia o mesmo refrão da mesma música: “Cities in Dust”. Vestiu-se rapidamente, temendo que alguém aparecesse e lhe dissesse a única verdade disponível: ele fizera alguma merda. Olhou a aliança como quem olha para os portais do inferno, sua alma arrependida tremeu junto com o corpo. O que diria? Que desculpas poderia dar? Foi quando, também nua, desceu lentamente sua noiva com as mãos à cabeça numa ressaca absoluta. “Por que você saiu da cama ontem?” Perguntou a mulher com um inchaço no rosto. “Mulher, não sei nem como eu vim parar aqui!”. Ambos contiveram a gargalhada para não terem as cabeças em pedaços. “Eu trouxe você pra cá... Meus tios só chegam semana que vem”. E um suspiro exalou pela aura como quem tira o peso de um crime das costas.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Posto duas "coberturas" sobre o mesmo tema. Uma foi extraída do blogue do Pirata Z, capitão nosso de todas as horas. A outra é do Montblaat, jornal "cult" do grande jornalista Fritz Utzeri, na coluna da Leneide Duarte, direto de Paris.
O assunto é a indicação de Augusto Boal para o Prêmio Nobel pela sua criação maior: o Teatro do Oprimido. Tenho grande admiração por Boal, pela sua intelectualidade e pela grande disposição em transformar o mundo. Aliás, quem ganha uma música composta pelo Chico, merece qualquer prêmio!
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Boal e o Nobel

"Caro Pirata Z,não sei se tu já sabes: Augusto Boal está indicado para o Prêmio Nobel da Paz, por seu Teatro do Oprimido, que já é praticado em 70 países em todos os continentes.Até o dia 31 de janeiro de 2008, o comitê norueguês estará recebendo manifestações de apoio às candidaturas.É muito importante a tua adesão ao nome de Augusto Boal, que poderá ser concretizada com uma carta de apoio assim endereçada:The Norwegian Nobel CommitteeHenrik Ibsens gate 51NO-0255 OSLONorwayTel- -+4722 129300 ; FAX 4722 129310PS: as cartas podem ser escritas em português.Um abraço,Sylvia Moreira"
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*** tive o prazer e a honra de entrevistar Boal, há quase 2 anos, para a Pirata Zine em sua versão imeio, e espero poder ter a honra e o prazer de sabê-lo laureado com tal prêmio, para o que farei a parte que me foi solicitada - responsa que também divido com todos que me lêem.ganhando ou perdendo, Boal e seu trabalho não se tornarão maiores, tampouco menores, e não é isso que está em questão. a questão é: pouco importa a decisão dos jurados; importa, mesmo, é o nosso apoio a qualquer um, de qualquer parte do mundo, que se preste à libertação da espécie de toda e qualquer garra do phoder, o que Boal tem feito há décadas com seu Teatro do Oprimido - e, circunstancialmente, ele ainda é brasileiro, o que torna nossa torcida ainda mais gostosa.aos correios, cambada! - e, rapaziada da frota, que tal divulgação do fato em suas caxangas, hein?*** a série decisões 2008 continua na terça-feira.hasta.
baita abraço meu,
Pirata Z, um vosso capitão gauche pelejando o infor-mar.
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Um Nobel para Augusto Boal
Até o fim de janeiro o comitê norueguês que atribui o Prêmio Nobel da Paz recebeu cartas de personalidades do mundo inteiro apoiando a candidatura de Augusto Boal.
O diretor de teatro reconhecido no mundo inteiro foi indicado por sua criação maior, o teatro do oprimido. A partir de agora, o comitê do Nobel da Paz vai reunir todas as manifestações de apoio e escolher os nomes que concorrem oficialmente ao prêmio de 2008.
Os grupos de Teatro do Oprimido ajudam milhões de pessoas em todos os continentes a afirmarem sua cidadania nas lutas contra o racismo, o sexismo, o trabalho escravo e todas as formas de desrespeito aos Direitos Humanos.
Abaixo, um trecho da entrevista que fiz com Boal em Paris, no ano passado, publicada na revista online Tropico e no jornal francês L’Humanité:
Augusto Boal é um monstro sagrado do teatro brasileiro, mas tem a simplicidade dos sábios e o sorriso franco das crianças. Nascido em 1931 no Rio de Janeiro, Boal, trabalhou com o Teatro de Arena até 1971, quando foi preso e torturado pela ditadura que tomou o poder com o golpe militar de 1964. Depois de libertado, se exilou na Argentina e depois na França. Durante o exílio, trabalhou em todo o continente sul-americano, em Portugal, na França e na Alemanha. Hoje, o Teatro do Oprimido, criado por Boal, é praticado em mais de 70 países. Esse teatro engajado se inspira na pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e no pensamento da extrema-esquerda brasileira.
Através de diversas formas de expressão (teatro-imagem, teatro invisível, teatro-forum), o Teatro do Oprimido tem como objetivo romper com a passividade do espectador, semelhante à do cidadão. Nesse sentido, é um teatro subversivo.
Entre os diversos prêmios que Boal recebeu, dois têm grande importância para ele: o prêmio Pablo Picasso, atribuído pela Unesco a artistas que deram contribuições excepcionais à arte e o prêmio da Association for Theatre in Higher Education, nunca antes concedido a um não-americano. Na área teatral, nenhum brasileiro teve tanto reconhecimento internacional quanto Augusto Boal.
“Todo teatro é uma forma de ação política. A gente vê peças que fogem dos problemas centrais da sociedade e pegam problemas puramente circunstanciais, de entretenimento. Isso é uma ação política. E no nosso caso, é uma ação política consciente. Sabemos que existem opressões que queremos combater. É uma forma de fazer política, mesmo que não seja política partidária”, teoriza Boal.
“Digo que o teatro do oprimido é uma chave. A chave não abre a porta, quem abre a porta é quem segura a chave e a torce. Todo e qualquer teatro mostra um segmento da sociedade em movimento. No teatro, você mostra conflitos humanos sociais e políticos em movimento. O espectador entrando em cena aprende primeiro a entender como é a opressão ao vivo. Ele aprende a detectar as armas do opressor. E treina para uma transformação. Não é no teatro que ele vai transformar. No teatro, ele se transforma transformando a situação fictícia. Mas ele não é ficção, ele se transforma. A idéia é fazer com que o teatro seja um trampolim para ir para fora e transformar a realidade. O teatro é um treino onde ele entende quem é o adversário e treina táticas e estratégias de luta para aplicar na realidade”.