quinta-feira, 30 de maio de 2013

Velódromo branco e o Elefante monetário

                Era uma vez uma construção muito bonita, chamada de Velódromo da Barra, que nos custou 10 milhões de Reais. Digo que “nos custou” porque o dinheiro saiu do bolso do povo. 07 anos depois ela esta praticamente escombros. A ideia genial é desmontá-la e levá-la para Goiânia, 1400 km de distância a um custo de 500 mil Reis de transporte, para aproveitar de 12 a 15% do velódromo, agora destruído, do Rio.
Claro!, pensará você, e os outros 88 ou 85% da construção? Bem, isto sairá por uma bagatela de 34 milhões de Reais... Pouca coisa. O único problema é que o Secretário de Obras da Prefeitura de Goiânia reveleou aos repórteres da ESPN Brasil que não possui capacidade técnico-logística para construir a estrutura em Goiás. O problema, como vocês podem perceber, é simples.
                Bem, tudo bem, meu bem, vamos à próxima fase desta prosa. Vamos falar do novo velódromo, desta vez olímpico, do Rio de Janeiro. Ele será lindo de morrer e custará algo em torno de 150 milhões de Reais. Coisa pequena, reparem. Fora que, noves depois, estará mais perto dos empreendimentos imobiliários e terá a chance de ser visto por quem quer comprar casas por ali. O que impressionou (mas só impressionou um pouquinho) foi o arquiteto holandês responsável pela construção do antigo velódromo (para o PAN) declarar que era totalmente possível adaptar o antigo para receber as olimpíadas em 2016. Como? Construindo uma arquibancada (ampliando de 1400 para 4000 pessoas) e tirando as colunas internas e as colocando na parte de fora. Custo? 8 milhões de euros (aproximadamente 16 milhões de Reais). Nossa! Então, por que gastar 150 milhões quando podemos jogar fora apenas 16? Bem...
                Eu tinha uma namorada linda de paixão. No carnaval, ela colocava aqueles shortinhos bem curtos e colados com uma camisa justa que me deixava louco. Fora o sorriso de safada. Meu eu gastava, viu? Gastava sem medo e sem pena. Era um adolescente irresponsável e o dinheiro não era meu, era minha mãe quem se fodia trabalhando.
                Acredito que, graças a isso, entendo bem a questão da gastança e da farra inconsequente. O dinheiro não é deles, não é verdade? Poderíamos, se eu e você quiséssemos, perguntar o porquê dessa segunda pista não ter sido a primeira, visto que estávamos, desde 2007, de olho no sorteio da sede das olimpíadas. Por que não construir uma pista olímpica para o PAN?
                Acho que você já sabe a resposta.
                Você pode até ficar olhando a bunda da menina de short curto, mas é ela quem passa a mão na sua bunda.

Seu otário.

OBS.: Para ficar com mais mão na bunda, dê uma olhada no programa Histórias do Esporte - da ESPN Brasil - O escândalo do Velódromo no Rio. É só clicar aqui.


quarta-feira, 29 de maio de 2013

Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos da Ditadura

Este documentário é uma pequena resposta às gentes pequenas que, saudosistas da mediocridade, esperam o regresso da "lei e da ordem" dos tempos destas gentes sarnentas e uniformizadas. Gentes "limpíssimas, honestas e tementes à deus".
A internet esta cheia de gentes saudosistas, envergados e enervados. Por isso, o que o Lúcio de Castro fez, com este documentário, precisa ser divulgado à exaustão.

Eu prefiro a democracia suja.
Eu prefiro a liberdade rastaquera.
Eu prefiro o meu estado de direito.
Porque, meus amigos, não importa o que digam essas gentes sobre o perfume. A verdade verdadeira é que "paz sem voz não é paz, é medo."

sexta-feira, 24 de maio de 2013

2 em 1

Vamos de duas, bilíngues, falando do que vai por dentro, escrevendo o que os olhos captam, o subconsciente grava e o vento leva para outros olhos, como um desenho de areia budista. Vais e Ro
Simplesmente. Brisa, Sol, Toscana, Cotidiano, Folhas, Cabelos, Seres.

Nada assim a fonte french script MT. Vou experimentando. Deixar que apenas a letra de uma música dissesse tudo: tão doce! Tão doce! Mas leio a Clarice e tudo é vida sangue poeira. Os pêlos dos cachorros caídos que o danado do vento espalha do monte ajuntado. A vida micro na imensidão do azul claro do azul petróleo e o azul cobalto e o azul turquesa. Uma cor e um elemento e uma pedra definem outra coisa: tons. O tom do canto subindo ou descendo marcado pela ponta do metal. Um quarto de giro do carbono meio giro a volta toda: reto raso completo. Os tufos brancos ora espalhados e ora tomando conta cinza chumbo carregados muito e bem carregados. Um sorriso ao longe lá longe lá em cima onde só foguete quando penso no tempo agora a lembrança que ainda não foi. Um pano bordado trançado pintado ou simplesmente uma letra uma letra que não é minha. Mas não. Quase seria isso se não fosse outra coisa envolvida. Quero mais ou outra coisa ou isso mesmo. Então façamos um brinde!


conselhos


Mãe dizia que não era pra lavar a cabeça nos dias de verter sangue e eu, no meio de tanto sangue, quando ele me disse que meus cabelos cheiravam à primavera.

Mãe dizia que homem é tudo igual e que ainda não nasceu aquele que vai fazer uma mulher feliz e eu, no meio de tanta felicidade, quando ele me fez nascer mulher.

Mãe dizia que se eu desse a minha coisinha ia reta no caminho do inferno e eu, com aquela coisona dentro de mim, ia de quatro no caminho do paraíso.

Mãe dizia que mão de homem é cheia de dedos, que boca de homem é só pra falar mentira, que pau de homem é pra fazer mulher chorar e eu, com aqueles dedos no meu corpo, com aquela boca na minha vergonha, com aquele pau me fazendo chorar, sim, mas por onde que não os olhos.

Mãe diz que sou uma puta e eu, toda linda, perfumosa e arreganhada, digo que puta é a puta que me pariu.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sinais

O diretor de cinema M. Night Shyamalan é muito conhecido por ter feito O Sexto Sentido, bem recebido por crítica e público, e por me fazer crer que o tal Bruce Willis, apesar de ter ficado milionário como quase-ator, não possui o ego que aflige a todos os que chegam ao seu patamar de prestígio e, surpreendentemente, não se importa de ser trampolim para um garoto brilhar. O Sexto Sentido é um ótimo filme com uma sempre talentosíssima Toni Collette.
                Acredito que Shyamalan tenha encontrado a receita secreta da obra-prima com o excelente A Vila. Claro, depois de atingir o cume da montanha, resolveu jogar a receita de bolo fora e confiar no seu próprio instinto. Nunca mais foi o mesmo. A verdade verdadeira é que, depois de A Vila, só emplaca filmes dignos do troféu Framboesa. Um desastre, enfim.
Cacete! Virei um tremendo especialista em cinema? Digo o óbvio ululante: entendo tanto de cinema quanto de seres humanos, ou seja, porra nenhuma. Mas como não pretendo ser o blogueiro do filme Contágio que, bêbado pelo perigoso reconhecimento e oportuno enriquecimento que consegue, caminha a passos tortos para a irresponsabilidade e, claro, para o crime, farei aqui e agora esta afirmação: sou um cara que gosta de dar pitaco nos filmes dos outros, só isso. Assim como todos são meio técnicos de futebol em Copa do Mundo, eu sou quase um Coppola lisérgico analisando uma obra cinematográfica.
Dito isso, vou direto para a obra do Shyamalan que quero compartilhar sem festa, pois não foi grande e não é excelente: Sinais.
A primeira vez que vi o filme tive a impressão de ter assistido a uma boa obra. Contudo, as criticas que saíram, mais as conversas dos meus amigos, deixaram aquele sabor de que havia sido iludido por mim mesmo. O filme prestava tanto quanto a atuação do Mel Gibson, logo, merda nenhuma. Mas eu quis insistir e deixei os meus sentidos (não o sexto!) em alerta máximo. Coloquei uma parede de desconfiança na sala e liguei o aparelho televisivo.
Saí de lá com um gosto terrível na boca (e não era nem sêmen e nem a Legião tocando Daniel na Cova dos Leões). Era a conclusão louca de que, apesar do enredo, do arrastado mal traçado e de Mel Gibson, a proposta do filme sobre contraste (já flertada, mas sem grande sucesso em Corpo Fechado), dualidade e dúvida fora de uma sacada estupenda.
Um camarada meu, depois de algumas cervejas, disse: “porra, cara, mas os ETs nem apareceram no filme direito!” De fato, o trabalho fora absurdamente mal vendido por aqui. Apesar dos ETs anunciados, o filme não era sobre isso. Sinais, como o próprio nome revela no longa, é sobre fé e a perda da fé devido aos caminhos traçados pela vida, pelo acaso ou, como quer o filme, pelo processo matemático que é a ligação de todos com tudo no mundo e acima dele. A interligação entre a bronquite do filho, a esquisitice da filha em relação à água e o taco de beisebol do irmão é o prenúncio do que, mais tarde, será retratado de forma espalhafatosa (e sem a beleza do simples e do cru) por James Cameron e a sua árvore-mãe em Avatar (nome sugestivo, inclusive); ligação, essa, que se estende até na morte da esposa, claro, e a sua famosa revelação, já partida ao meio – que tanto aniquilará a fé do jovem religioso quanto será o mote para a explosão de sinais deixados por Shyamalan.
 No longa, Mel Gibson interpreta o jovem Graham Hess, pai de Morgan e Bo (ótimos) e pastor episcopal que perde a sua fé depois da morte da esposa (mais pelo que ela fala ao morrer e sobre como ele interpreta e conclui o fato, do ponto de vista científico, do que unicamente pela morte como personagem central) e, agora, ao lado do irmão mais novo (ex-jogador de beisebol), vive, apenas, da plantação de milho em sua fazenda, localizada no interior dos Estados Unidos da América, na Pensilvânia, longe do mar. Após uma série de sinais aparecerem pelas fazendas do mundo inteiro, uma invasão alienígena acontece. Mas, como disse meu camarada, não espere ver muito disso no filme. Espere, sim, uma boa atuação do Joaquim Phoenix e de cenas hilariantes como as tocas feitas de folha alumínio para, supostamente, impedir que os “marcianos” leiam as suas mentes.
Os sinais, contudo, não são, como Shyamalan nos faz pensar a princípio, os desenhos nos campos que servirão de mapa, localização para as demais naves extraterrestres, mas os inúmeros eventos que, juntos, formarão uma coisa apenas; a ligação de todos nós, não com o Uno, mas tornando-nos Uno. Aliás, é bem típico do diretor nos guiar até um lugar para nos desviar do foco principal e do fechamento do filme.
No final fiquei com uma nota 6,5 para o filme, pois não é excelente, mas recomendo; vale uma assistida pelo belo exercício de conflito interior que o Sr. Shyamalan desenvolveu. Pena ter sido o Gibson interpretando este pai quase cínico e profundamente desacreditado dele mesmo. Um ator mais talentoso faria uma diferença grande.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Camisas do Che: direita ou esquerda?



                Não, eu nunca tive uma camisa do Che Guevara, nem coloco nas prateleiras mais baixas, ao alcance das mãos, o livro do Marx. Não sou dado ao socialismo e muito menos ao capitalismo. Aliás, depois de ler o (ótimo) livro A História da Riqueza do Homem, do Leo Huberman, acredito muito pouco em qualquer coisa construída pelo homem ou por deus; para mim, ambos são ébrios dentro da tacanha intelectualidade humana. E sobre a camisa do velho Che, a questão é justamente essa: ela serve aos dois propósitos para o bem e para o mal.
                Usá-la, como muitos que conheço, como reconhecimento do enorme revolucionário que foi e do imenso humanista em que se transformou é de uma legitimidade tremenda. Para ele, dialogar com a direita e com o poder vigente da época era exercer um monólogo tendo um muro à frente, logo, a revolução era o único processo libertário. Para se ter uma visualização do que foi o Sr. Guevara, e os seus pensamentos, recomendo 02 (mas na verdade são 03) bons filmes sobre ele: Diário de Motocicleta, do Walter Salles, abordando a construção do homem revolucionário, e (pasmem!) um filme americano (dividido em 02) do Steven Soderbergh chamado Che, com ótima atuação de Benicio Del Toro, ator-produtor do filme.
                Contudo, a camisa, hoje, estampa não só uma ideia, mas um produto, uma marca. No mundo capitalista que absorve e suga tudo, como um buraco negro, até o anti-capitalismo vira varejo, assim como as camisas pretas dos roqueiros que as compram como símbolo da negação consumidora e, na verdade, estão apenas consumindo a outra ponta capitalista: comprar coisas para negar o capitalismo também é capitalismo.
                E vemos milhares de camisas com aquela foto histórica do nosso Che, tirada por Alberto Diaz, exibindo-se descaradamente em grifes que ele, certamente, acusaria de estar lucrando ouro e pagando cocô na origem da sua feitura em países que exploram o trabalho escravo e infantil. Camisas do Che que custaram 30 centavos para serem confeccionadas e são vendidas por 30, 40 dólares naquelas lojas com vendedores insuportáveis que falam de chapéu Panamá sem saber da missa-metade.
                Mas seria a solução certa parar a compra das camisas do Che? Seria ousado e desafiador concluir este texto tacanho com este ápice e uma fajuta catarse contra o sistema?
                Eu digo que não. As camisas do Che precisam ser compradas, mesmo com o perigo da banalização.
                Algumas correntes querem que você tenha vergonha de usar a foto do Che porque o objetivo é fadá-lo ao marketing e extirpá-lo do conceito de revolução. Ao expor e saturar a imagem, separamos a foto da “pureza intelectual esquerdista” e da sua “virgindade”. Ao colocar a foto na posição da vergonha mercadológica (tipo: “você usa para provar algo que não é“ ou “você é incoerente comprando algo sobre alguém que não aceitaria virar produto”), matamos o conceito, o ideal. O objetivo dos críticos direitistas é esse: se eu não tenho heróis, vocês também não os podem ter.
                Nós temos. E mostrá-los e saturá-los é bem melhor do que não os mostrar e esquecê-los.
                Portanto, use a sua camisa. Por que não se pode mudar a sociedade a partir de dentro? Por que não podemos nos vestir de capital e, junto a eles, fazer o social? E, olha, não se envergonhe da maravilhosa história do Che ou da sua mensagem: 
"[...] devemos trabalhar todos os dias. Trabalhar no sentido interno de aperfeiçoamento, de aumento dos conhecimentos, de aumento da compreensão do mundo que nos cerca. Inquirir, averiguar, e conhecer bem o porquê das coisas e colocar-se sempre os grandes problemas da humanidade como problemas próprios."



terça-feira, 14 de maio de 2013

Resumo, agora, no Facebook


Agora, neste exato momento, o Resumo da Chuva também é página de Facebook:

https://www.facebook.com/Resumodachuva

Já estava na página do passarinho:

https://twitter.com/resumodachuva

Falta o site, mas só depois.
Ah!, claro! O bolinho de feijoada e a cerveja gelada não vêm como bônus. Minha esposa diz que só faz pra mim! Isso se eu me comportar e não destruir as músicas do REM ou Smiths desafinando no último volume.
O resto é de vocês.
"Vejam no volume máximo"!

sábado, 11 de maio de 2013

Sobre helicópteros e metralhadoras


Um helicóptero sobrevoa o telhado da casa do primo Gustavo, fica dando voltas à procura, nitidamente, de alguém, todos sabem e, apesar dos convidados ainda não terem chegado, não todos, digo para ninguém ir ao portão, pois o bicho iria pegar e não seria prudente meter as caras para além do quintal.
Churrasco rolando, cerveja gelada, aquela carne meio de segunda que o açougueiro amigo deu um trato melhorado no corte e ficou quase tão boa quanto uma alcatra mediana. A música que estava num volume médio pulou para o baixo – atenção redobrada no ar – já que era absolutamente necessário não deixar as crianças sumirem dos nossos ouvidos.
De repente, não mais que de repente, uma rajada de metralhadora é ouvida a poucos metros de distância. As cápsulas caem do céu como chuva com sol – casamento de espanhol. O som para definitivamente e o motivo da correria das mães ao encontro das crianças é o que originou a comemoração do seu dia. A metralhadora dava a batucada sem cadência ao longo de cinquenta metros de rua, dessas que passam todos os humanos, inclusive e com maior frequência, os inocentes. Claro, ninguém se importa muito com isso – eram pobres moradores de uma comunidade miserável, então, fodam-se.
A metralhadora rasgou o som de uma esquina a outra, o objetivo era atingir um carro. Um carro apenas. Mais de cem cápsulas de projéteis no chão para a morte de um traficante. Deu certo. Apesar do perigo irresponsável e da imprudência absurda, a operação foi um sucesso. Bandido bom é bandido morto, dizem; só não fazem esse tipo de campanha quando o bandido vive na Zona Sul do Rio de Janeiro, assim como a discussão da maioridade penal nunca acontece quando os delinquentes são filhos de algo (fidalgos) colocando fogo em mendigos, índios, espancando prostitutas e gays ou mesmo atropelando, bêbados, sóbrios cidadãos – sem falar nos Jet-skis da vida. Enfim, o pobre que se foda. Sempre e ininterruptamente.
Alguns minutos depois da morte do não-cidadão e pseudo não-humano, o churrasco voltou a brasar, a cerveja continuou a sair gelada do freezer e a música foi colocada em som baixo, mas dava para distinguir a voz de João Bosco cantando De Frente pro Crime.
Será que estamos, todos, virando o tenente-coronel Bill Kilgore, de Apocalipse Now?
Em vez de reza, uma praga de alguém.


quarta-feira, 1 de maio de 2013

Redman, Monk e Evans


                Foi justamente quando Joshua Redman estava executando Silence is the Question que a campainha tocou. Claro que era heresia e atentado ao pudor levantar-se para abrir a porta, claro que àquela penumbra, aquele uísque Green 15 anos, bem no desmaio do dia, ainda com a roupa que chegara do trabalho, mas descalço, óbvio, que para escutar Silence é preciso estar meio despido, entregue. Aquele piano, aquela bateria, aquele baixo e aquele Redman. Sem pedras de gelo no uísque, por favor, que o malte precisa descer, driblando as notas de deus, os seus 72 nomes soprados no sax da árvore da vida Joshua.
                Foi na quarta vez que a campainha soou que ele teve o seu momento de sobriedade e reparou no som destoante vindo do canto da parede oposta às caixas de som. Levantou-se com a boca torta de contrariedade, com a respiração prolongada buscando algo de controle e incômodo. Parou a porta, tomou uma dose a mais do bom Green e respirou.
                – Precisamos conversar – Ela disse secamente.
                Claro que precisavam conversar. Obviamente não precisava ser naquele momento, com ele tão fragilizado e nu. Nu e acabando de sair de um transe, de um exercício de reflexão sobre o essencial, sobre ele, o mundo, o micro e o macrocósmico. Claro que o Joshua e o Green estavam ajudando consideravelmente, como conselheiros do reino interior, Shekinnah.
                Claro que precisavam conversar e resolver outros mil problemas que a cabeça quente impedira de transformar em equilíbrio, em política, diálogo. A questão maior eram os filhos. Nem tanto a casa de praia, nem tanto o carro. “Pode ficar com tudo, eu só quero o meu espírito de volta”, disse a mulher no ápice do furacão. Contudo, mesmo entregando o espírito, ele sabia que não era justo. Isto é frase solta em momento de vômito e crueldade. Só serve para ferir e afastar o entendimento. Ele sabia disso tudo.
E Existia esse apartamento que ele fazia de escritório e de motel. Sempre que as contas na sua empresa apertavam era para lá que ele se ilhava junto às planilhas e ao inseparável laptop e só saía quando o Excel zerava o balanço. Também usava dizendo ser este o motivo, mas a verdade é que muitas putas conheceram aquele sofá reclinável, um pró-seco e um Redman. Tinkle, Tinkle, Whittlin, Salt Peanuts... Porra, mirar a rolha do espumante e acertar as ancas de uma mulher tendo estas músicas como coadjuvantes é coisa pra quem gosta de se lambuzar.
                Não pensou duas vezes, pegou as roupas, a chave do carro, rumo ao apartamento, abandonou todo o resto. Mas depois de um longo inverno e uma chata primavera, a sensação de que precisava ficar mais tempo com os filhos só fez crescer. Ela sentiu um desconforto fodido no inverno, chorou algumas vezes escondida, talvez dela mesma, debaixo do edredom, talvez para não sentir vergonha. Mas na primavera já dava sinais de alguma alegria, uma vontade maior de tomar um chope devidamente maquiada, uma roupa nova, um perfume da Chanel. Quis experimentar outras danças, outros sexos e outras filosofias. Ele era um adepto do jazz com saxofone. Ela adorava o Thelonious Monk. “Ele sabia onde colocar os dedos”, ela dizia.
                Agora estavam eles naquele apartamento, aquela penumbra, aquele uísque 15 anos e o saxofone do Redman.   
                – Quer ouvir um Monk? – perguntou o homem cheio de maresia e maldade. Queria colocar as mãos dentro daquela calça jeans clara que ela veio, mas logo percebeu o seu lapso de puro machismo canino e esperou a resposta.
                – Quero que você tome no cu. Não estou aqui pra isso.
                Ele sorriu largamente. De certa forma, adorou a resposta. Mulher feita de rio, de chuva e trovoada; a mulher-mulher.
                – Sente-se. Nós realmente precisamos conversar.
                Por duas horas conversaram sobre feridas, cicatrizes, a casa de praia, o verão das crianças, as férias na Disney do filho mais novo. Ao final surgiu um segundo copo e um Monk.
                – Você não vai me comer – Sorriu a mulher.
                – Eu sei. E eu acho que me inspiro mais nos dedos do Evans.
                E este foi o começo de alguma amizade.