sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Horrorismo
.
Sérgio Malbergier
.
Hisashi Tsuda, empresário japonês de 38 anos, pai de dois filhos, estava fazendo o check-in no hotel Oberoi, em Mumbai, quando tomou três tiros, no abdome, no peito e na perna. Morreu no hospital. "Era um jovem promissor", disse em Tóquio o presidente da empresa para a qual trabalhava.
Um alemão, um australiano, um inglês, dois franceses, dois americanos e muitos indianos estão também entre as dezenas de inocentes bestialmente mortos no ataque terrorista contra Mumbai, o centro econômico da Índia, que teve o seu 11 de Setembro nesta semana.
Um dos principais fracassos de Bush foi na promoção da justa guerra contra o terrorismo, que ele traduziu para o mundo como a invasão desastrada do Iraque, as torturas em Abu Ghraib e as ilegalidades de Guantánamo, alienando aliados.
Mas, como os ataques contra a metrópole indiana rebatem mais uma vez, o terrorismo segue como forte ameaça à estabilidade global e fonte de iniqüidades inaceitáveis nas vésperas da posse de Barack Obama na Casa Branca.
Não poderia ser diferente. As condições que geraram a onda terrorista no mundo muçulmano estão praticamente intactas. Os países islâmicos seguem quase todos ditaduras fechadas, principalmente no mundo árabe, que oprimem a população, a economia, o conhecimento, as mulheres, as diversidades, as liberdades.
Uma das poucas coisas toleradas, num pacto de governabilidade sufocante, é a intensa atividade religiosa, crescente em pleno século 21. Há muito mais mulheres no Cairo hoje que se cobrem com o véu do que há 40 anos.
O islã tornou-se válvula de escape e de dignidade diante de regimes autocráticos e corruptos. Mas esse caldo fervoroso pariu também o islã radical e niilista da Al Qaeda e de outras centenas de grupos extremistas que vestem crianças de cinco anos como meninos-bomba para desfilar em paradas sob aplausos efusivos do público!
A legitimidade dessa turba assassina diante de milhões e milhões de muçulmanos é assustadora e deprimente. A aceitação de seu discurso de ódio e destruição, onde o não-muçulmano é o infiel a ser combatido, o judeu é o porco, o cristão, o cruzado, choca.
Em Mumbai, símbolo da explosão de crescimento e da vitalidade indiana e uma das histórias felizes deste século, os terroristas, segundo relatos, riam na execução da carnificina, disparando catarticamente contra tudo e todos e buscando estrangeiros, principalmente americanos, britânicos e, como sempre, judeus.
Analistas tentam explicar essa banalização do mal em curso no islã radical: na Índia, são os problemas da Caxemira e de uma minoria em meio a centenas de milhões de hindus; no Iraque, a ocupação americana; nos territórios palestinos, a ocupação israelense.
Mas não são essas as explicações para ataques indiscriminados contra civis em pizzarias, hospitais, ônibus, hotéis, com rituais de degola de reféns indefesos expostos com orgulho na internet, ao som de hinos religiosos e heróicos.
A explicação é muito mais profunda e está dentro do mundo islâmico, não fora dele. A verdadeira "jihad" (guerra santa) de Osama Bin Laden nunca foi contra a América e os infiéis, mas pelo trono de Meca, centro do islã sob o comando da família real saudita, que ele chama de corrupta e vendida aos cruzados do Ocidente.
Os atos terroristas nem têm mais reivindicações específicas. Promovem o horror pelo horror, no que o célebre romancista inglês Martin Amis chamou de horrorismo em célebre ensaio para o jornal "Observer", em 2006.
Nada mudou desde então. O horrorismo segue aceito em grandes círculos, fazendo mais vítimas inocentes (a maioria de próprios muçulmanos, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão).
É uma ameaça global, e a resposta a ele tem de ser global. Quem sabe Obama, chamado na semana passada de "escravo negro a serviço dos brancos" pelo número 2 da Al Qaeda, Ayman Al Zawahiri, poderá promovê-la melhor.
.

Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.E-mail: smalberg@uol.com.br

2 comentários:

Roy Frenkiel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Roy Frenkiel disse...

Perdi um amigo nesse ataque.

abrax

RF