quinta-feira, 28 de junho de 2007

Os bárbaros

Quando você pensa em estudantes de Direito, jovens de classe média, é possível que seu pensamento fique direcionado em busca de um consistente futuro, um provável defensor da cidadania, estável e estabilizado. Quando você pensa em jovens estudantes universitários, com boa estrutura cultural, educacional, financeira, é possível acreditar na virtude, na dignidade.
Quando jovens abastados cometem crimes brutais, bárbaros, é chegado o momento de entendermos de uma vez por todas que a pena carcerária no país precisa ser revista. Dá para entender (mas não justificar ou compactuar) um sujeito sem instrução e/ou perspectivas sócio-financeiras cometer certos delitos, burlar leis, “fazer chover”, etc., mas não é concebível que tais atos acometam pessoas instruídas. O nome disso é confiança. Confiança plena e absoluta na impunidade, na “lei dos ricos”.
Quando alguns jovens em Brasília resolveram atear fogo em um índio que dormia num banco de praça, não pensavam eles que cometiam um crime brutal, entendiam, na verdade, que poderiam se divertir, completando o resto da noite, às custas de um “reles mendigo” – pensavam. Quando alguns jovens cariocas resolvem atacar uma empregada doméstica (pensando ser prostituta) num ponto de ônibus qualquer, não imaginam o “crime”, sua lógica débil ou o ato bárbaro, visualizam a aventura, “ensinar a essas imundas uma lição” ou coisas do tipo, tão imbecis quanto a prática em si.
Que tal se fazer uma lei neste país que puna com mais severidade os “instruídos mas trogloditas”? Os repórteres que assassinam repórteres, por amor ou por poder, os políticos que desviam verbas, compram ambulâncias sucateadas (isso é assassinato!)? Que tal aumentar a pena daqueles que têm consciência do erro, mas mesmo assim o comete ? Que tal acabar as penas especiais para os de nível superior? Não há nada mais revoltante que a lei sendo injusta.
Obviamente, muitos são os delinqüentes pelo Brasil afora, há muito mais atos como esses por aí, esperando que um taxista, um frentista, um cidadão os denuncie. Contudo, enquanto a lei só for aplicável para os sem (bons) advogados, nada mudará.
Em seu zine (Pirata Zine - ed. nº 102) semanal, Pirata utiliza-se de rica ironia ao retratar tal realidade brasileira aliada à notícia de que estudos laboratoriais visam futuramente utilizar "certas" experiências em soldados norte-americanos:

"Em seu novo livro, “Mind Wars: Brain Research and National Defense”, o estadunidense Jonathan Moreno, professor de biomedicina na Universidade da Virginia, além de membro do Conselho de Ética na Biomedicina, revela que a sinistra Agência para Projetos de Investigação em Defesa Avançada, que serve ao governo de jorge moita jr., tem feito seguidos e vultosos investimentos para a aplicação da neurociência nas forças armadas dos EUA. entre outras cositas, a tal agência espera, através de próteses neuronais, chips e de outros bagulhos implantados nos miolos de pilotos e soldados, poder monitorá-los e comandá-los de [e em] qualquer canto do planeta. a experiência com ratos já se revelou um sucesso, ou coisa que o valha.
a tal agência estuda, ainda, o uso de drogas que permitam manter os soldados acordados durante dias, apagar memórias traumáticas, suprimir o medo e reprimir inibições psicológicas contra o homicídio. resumindo: fabricação de ‘máquinas de matar’ – e, como tal, sem sentimento de remorso e afins.
quanto tutu jogado fora. 30 dias convivendo com alguns filhos de nossas classes média e alta, que incineram índio, matam os próprios pais, espancam domésticas etc, mais 10 dias vivendo num dos maiores centros de promoção de genocídio da América Latina, o congresso brasileiro, e os soldados sairiam prontinhos pra suas missões – e, qual os garotos e os velhacos, ainda divertindo-se e faturando, respectivamente, com isso".[grifo meu]

Ou resolvemos certas questões enquanto é possível, ou seremos defendidos, protegidos e governados por marginais, não porque somos bárbaros, mas porque ser de tal “estirpe” não dá cadeia.
É claro que tais problemas sociais não se resumem apenas a isso e nem a solução se restringe ao códgo penal. Mas o que vocês acham?

O pobre e a Literatura Brasileira

Este texto você pode encontar no blog Ração (Razão) das Letras, do Halem Souza (http://racaodasletras.blogspot.com/). Simplesmente maravilhosa a visão do professor/escritor Halem e sua reflexão sobre tema muito pouco abordado. É ler pra nunca mais deixar de visitar o Blog do professor.
Abraço forte!





Se procurarmos refletir sobre o enfoque dado à pobreza, dentro da Literatura Brasileira, encontraremos duas situações bem distintas: escritores(as) que sentiram a penúria como experiência real em suas vidas e autores(as) que, apesar de representá-la literariamente, nunca passaram por privações de natureza econômica. Não se trata aqui de julgar uns superiores ou mais "habilitados" do que outros para escrever sobre a pobreza; apenas registrar algumas observações sobre componentes dos dois "gupos".


Vale ressaltar que, num país como o Brasil, que não conseguiu erradicar o analfabetismo (meta já alcançada por seus vizinhos Argentina e Uruguai, de economia muito menos pujante) e cujo consumo per capita de livros gira em torno de 1,8 por ano (bem abaixo dos 7 livros/ano, mais uma vez, da Argentina), a Literatura é considerada uma arte elitizada, o que justificaria um possível "desinteresse" dos(as) escritores(as) em agregar (para usar um verbo da moda) à sua ficção um segmento de pessoas que sequer lê. Por outro lado, segundo dados do IBGE, 59,8% das famílias no país ganham até 5 salários mínimos* (ou seja, são pobres), o que praticamente "obrigaria" os (as) autores(as) a retratar essa classe social, sob pena de reduzir muito as possibilidades representativas e miméticas de sua ficção. É importante lembrar contudo que, de acordo com o recente estudo coordenado pelo Ipea, intitulado Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas (disponível em http://www.ipea.gov.br/), 90% das famílias das classes A e B têm mais de 10 livros em casa contra apenas 42% nas classes D e E**. Estes últimos dados poderiam servir para reforçar a idéia de que incluir personagens de baixa renda (ou sem renda alguma) nas obras de Literatura seria desnecessário já que boa parte dos brasileiros não compra livros; portanto, não haveria necessidade nenhuma de produzir identificação imediata e fiel entre a realidade social desses brasileiros e a matéria narrada.


Ainda assim, os humilhados e ofendidos (para usar título cunhado por Dostoievski) aparecem aqui e ali, em obras consideradas "maiores" ou "menores" nas nossas letras.


Os escritores ditos regionalistas incluíram a pobreza em seus romances muito mais como parte da "paisagem" humana ou como compromisso ideológico do que qualquer outra coisa. É o caso de José Lins do Rego e Raquel de Queiroz. Guimarães Rosa é visto muitas vezes como um dos que "deu voz" aos miseráveis do sertão. Mas não podemos esquecer que mesmo com seu profundo conhecimento in loco da vida dos habitantes das grotas, brenhas e veredas, Rosa é principalmente um revolúcionário e experimentador da linguagem (sua maior força enquanto artista) e não um "engajado"; além do mais, foi diplomata durante anos, tendo vivido, sem apertos, no Rio de Janeiro e em outros lugares do mundo.


Graciliano Ramos, que, apesar de nunca ter sido miserável, passou por maus bocados, foi um dos que deu a melhor solução para o problema da representação do pobre em sua ficção. Guardando a devida distância (basta lembrar que em Vidas Secas temos "quadros" narrativos, em que as personagens quase não falam), escreveu ele em Angústia***: "A literatura nos afastou [a ele, o narrador Luis da Silva, dos pobres]: o que sei deles foi visto nos livros. Comovo-me lendo os sofrimentos alheios, penso nas minhas misérias passadas, nas viagens pelas fazendas, no sono curto à beira das estradas ou nos bancos dos jardins. Mas a fome desapareceu, os tormentos são apenas recordações" [grifo meu]


Jorge Amado também conseguiu equacionar bem o "problema da pobreza" em seus livros mas, alvo de um patrulhamento de viés neocolonialista existente na crítica literária brasileira, durante certo tempo, foi deixado de lado. Precisamos relê-lo.


Esse mesmo patrulhamento é o que tentou reduzir o alcance da obra de Lima Barreto, para mim, dentro da nossa Literatura, a que melhor tratou da "questão do pobre", sendo ele próprio, um deles. Há livros ruins, é verdade (Clara dos Anjos), mas há obras grandiosas também (Recordações do escrivão Isaías Caminha). Por seu compromisso militante, Lima Barreto - que preferia o naturalista e explícito Aluísio Azevedo ao realista e finório Machado de Assis - foi rotulado como um "anti-esteta", acusado de ser panfletário e não um escritor autêntico, "acusação" comum que atinigiu outros autores, como Gianfrancesco Guarnieri e Plínio Marcos.

E se pensarmos mais contemporaneamente, então, veremos que as tentativas de ficcionalizar a pobreza, às vezes, são bem sucedidas, por exemplo, num Rubem Fonseca; mas no geral, soam pouco verossímeis, inclusive no próprio autor de Feliz Ano Novo. Falta o "olhar de dentro da coisa". João Antônio (Malagueta, Perus e Bacanaço e outros), Carolina Maria de Jesus (Quarto de despejo - este livro de difícil classificação), Ferréz (Capão Pecado) e Paulo Lins (Cidade de Deus) têm esse olhar, por exemplo.


Evidentemente, a relação entre Literatura e pobreza precisa ser mais bem aprofundada, algo que escapa às possibilidades de uma simples postagem de blog como essa. Mas o assunto é instigante. Vou estudar mais.


*dados da PNAD (Programa Nacional por Amostras de Domicílios) 1999
**O mesmo estudo revela que os 50% mais pobres respondem por apenas 11% dos livros vendidos no país, enquanto os 10% mais ricos compram 47% do mercado editorial.
***RAMOS, Graciliano. Angústia. 19 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1978

O Hospedeiro – Biografia Resumida

Esta produção literária é. Lindamente bem concebido, essencial para os que apreciam uma boa dose de poesia camuflada de prosa. Peguei no blog Meus Rascunhos, do Fernando Palma (http://fernandopalma.blogspot.com/). Vamos a ele:


Nasci nas ruas de pensamentos solitários. Não tinha sentimento para morar. Fui explorado por medos que me aprisionaram distante de onde eu era. Desisti de me libertar por muito tempo, até que um dia tentei. Fugi, e por não saber para onde ir, morei na própria ida. Falido, vivia em personalidades de aluguel, das mais baratas que encontrava. Cheguei a erros que me furtaram algumas esperanças que economizei desde cedo. Cheguei ao passado disfarçado de futuro. Cheguei a paixões que nem sempre chegaram a mim. Sem saída, cheguei à tristeza. Mas minha tristeza nunca soube me acolher. Cheguei a sonhos, depois à insegurança. Depois a sonhos. Voltei, encorajei, passava por contradições na ida-volta-e-não-ida. Guardei o endereço de algumas palavras que fiz amizade no caminho, mas nunca encontrei as verdadeiras palavras que me inventaram.


Hoje, superei meu abandono e transformei-me em uma re-invenção de mim. Não procuro mais onde viver, realizei meu sonho: sou casa própria. Estou sempre em obras e aberto a visitas. Uma moradia sólida, espaçosa e um hospedeiro insaciável: abrigo mais do que fui capaz de ser.


Sou muito mais do que já fui capaz de abrigar.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

As fotos do bar

Era um barzinho como outro qualquer, mas nela havia algo de mágico e vibrante. Seus freqüentadores eram quase sempre os mesmos, salvo uns poucos que apareciam por indicação de algum outro freqüentador ou mesmo porque estavam passando por aquele local e resolviam parar para beber um chope gelado e ouvir uma música de qualidade levada a violão e percussão. Um único garçom ficava encarregado de atender às pessoas sentadas em suas respectivas mesas. Aliás, as mesas que ficavam do lado de fora tornavam-se uma atração à parte, eram mesas de costura muito antigas, daquelas que funcionavam por uma espécie de pedal. Jorge, era o nome do garçom, servia a todos habilmente e com um sorriso discreto encantador. Às sextas, o som expandia-se graças ao casamento perfeito entre o piano e a percussão.

A aura do ambiente possuía um toque de paz interior ou simpatia de arcanjo. Até que um dia... Um sujeito excedeu na bebida e resolveu brincar com um dos castiçais que ficavam dispostos nas mesas de dentro. O princípio de incêndio não pode ser contido já que o bar estava relativamente lotado e o tumulto havia se instalado de forma seqüencial no tempo e no espaço. Em uma fração de hora as chamas haviam tomado todo o recinto. Alguém preocupado com as garrafas de uísque de envelhecimento louvável e boa marca ainda se importou em carregá-las para fora do bar e para dentro do seu próprio veículo. Os músicos não tiveram o mesmo tempo para salvar os instrumentos, ou tiveram mas decidiram retirar as pessoas que, por nervosismo, ficavam paralisadas, sem ação. O prejuízo fora total, mas as vidas humanas estavam salvas. E todos, sem exceção, ficaram na calçada oposta assistindo ao espetáculo do fogo e ao trabalho dos bombeiros; alguns choravam, outros, não compreendiam.

O bar fora erguido da mesma forma d’antes, os objetos lá estão como se fossem os mesmos de outrora. Na parede, porém, não há mais as fotos de antes. As mesas externas sobreviveram ao incêndio e continuam dispostas da mesma forma. As belas e rústicas mesas de costura com pedal de grade antigo. As fotos na parede, agora, mostram e dão um outro sentido ao espírito do bar. São em torno de doze fotos bem distribuídas pelo local com iluminação independente em todas elas. Todos que entram olham-nas com ar de reverência e emoção. Alguns levantam um brinde direcionado às fotos. E elas estão lá, pulsando, como que dando um outro sentido à ressurreição do lugar.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Paranóia?

Ao ler o Montbläat (nº 243), seção de cartas (Indo pro buraco, pág. 27), deparo-me com uma lógica bastante relevante. Marcílio Abritta salientou que, continuando o lamaçal político e “suicídico”, pois tal desgaste só faz a classe política ficar desacreditada, ou mesmo rejeitada pelo povo, a possibilidade da “massa” ‘pensar que democracia é mesmo isto e anseie pelo autoritarismo e bata palmas quando ele chegar’ é enorme. No mesmo jornal, Peter Wilm Rosenfeld (Porque me envergonho do Brasil, pág. 20) levanta a questão e enumera motivos de como ficamos assim tão podres politicamente. Minando a classe menos abastada desde a ditadura Vargas? É possível.

Quando deixamos um povo sem esperanças, amargurado, mas sem força ou intelectualidade para exigir dignidade dos seus representantes, quando deixamos um povo doente nas filas do SUS, na burocracia corrupta e desrespeitosa da Previdência Social, quando distribuímos “esmolas” sociais a fim de acomodarmos a massa e fazê-los reféns dessa “esmola”, quando deixamos o povo em estado inclassificável como a experiência de ter um diploma escolar e ainda assim ser um analfabeto funcional (aprovação automática e todas as falácias que provêm disso), quando damos informação “marrom”, com ruídos, cheios de interesses implícitos e manipulações escancaradas, quando oferecemos diversão de baixíssima qualidade e divulgamos o mito de que a sociedade ideal é a sociedade uniforme, como um desfile de modas, seguindo tendências, podemos ter certeza de uma coisa: mataremos o povo. Podemos fazer o que quisermos com eles, não haverá muita voz discordante.

Sabe o que acontece quando não há voz ativa pelos cantos do “grande muro”? Sabe o que acontece quando a superficialidade e a “opinião de botequim” começam a ser levados a sério?

O que é ser um senador? O que o senado representa para o país? Pois é, quando decretamos a falência de algo tão importante dentro do entendimento político que temos, algo está para ruir. Será que os soterrados serão os ladrões, os asquerosos, ou a vítima será sempre a mesma? Será que não estamos andando sobre um fio de navalha muito perigoso? O que acontece se todos começarem a achar que democracia é isso, que tudo o que está aí precisa ser mudado por algo radical e totalitário?

Desculpa a neurose, mas estou com um receio enorme. Vou entregar à minha filha um país democrático (ou pelo menos tentando implantar tal filosofia), errando, levantando, continuando, ou entregarei uma nova ordem e uma mordaça de presente? Não acredito em uma ditadura nos moldes das militares que por aqui passaram faz pouco tempo, mas é possível invertermos o papel democrático e implantarmos um governo etnocêntrico, nacionalista, intolerante e altamente populista, chantagista? Talvez, por que não? Paranóia? Tomara que sim.

Clarice Lispector escreveu uma vez (A paixão segundo G.H.) que “criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.” Que tal lermos mais os mestres para não aplaudirmos os simplórios?

Nosso Gil, Gilberto


Postei aqui uma homenagem aos 63 anos de Chico Buarque - na minha opinião, o maior entre os já grandes. Quelemém(http://racaodasletras.blogspot.com/) postou no seu BG sobre Caetano e, esta semana, Djavan. Pensei que seria uma boa fazer referência ao mestre Gilberto Gil. Péssimo político, extraordinário músico-poeta-lirista-meu-e-nosso!
O poema escolhido? Imaginei um Domingo no Parque, mas há mais brasileirismo que Refazenda (o leão não conta)? Talvez, mas não pra mim.
Mais informações: http://www.gilbertogil.com.br/

Bom é apenas lembrar que, depois de publicada/exposta, a arte é nossa, portanto, coloco aqui o que Gil diz sobre Refazenda, mas salientando que a minha/sua interpretação é a que vale mais!




Refazenda
(música e letra: Gilberto Gil,1975)

Abacateiro
Acataremos teu ato
Nós também somos do mato
Como o pato e o leão
Aguardaremos
Brincaremos no regato
Até que nos tragam frutos
Teu amor, teu coração

Abacateiro
Teu recolhimento é justamente
O significado
Da palavra temporão
Enquanto o tempo
Não trouxer teu abacate
Amanhecerá tomate
E anoitecerá mamão

Abacateiro
Sabes ao que estou me referindo
Porque todo tamarindo tem
O seu agosto azedo
Cedo, antes que o janeiro
Doce manga venha ser também


Abacateiro
Serás meu parceiro solitário
Nesse itinerário
Da leveza pelo ar
Abacateiro
Saiba que na refazenda
Tu me ensina a fazer renda
Que eu te ensino a namorar

Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba


Nas palavras do próprio, o que tal música quer mostrar:


"Refazenda resultou de uma justaposição de nonsenses. Começou com um brainstorm com sons: fui aleatoriamente escolhendo palavras que rimassem e cheguei a um embrião interessante - um desses troncos de árvores tronchas sobre os quais o cinzel dos artistas populares vai trabalhar para fazer esculturas loucas, à la Antonio Conselheiro, do Mario Cravo, nascida de um tronco com dois galhos de braços abertos. O esboço era maior e muito mais absurdo: não tinha sentido nenhum! Aos poucos fui criando sentidos parciais a certas frases, até desejar um sentido geral para todas."


"Os versos foram feitos antes da música, obedecendo a um ritmo que eu tinha na cabeça. Para o primeiro, escolhi o alexandrino, um dos preferenciais do cantador nordestino, pois queria a priori uma canção com esse direcionamento country."


"Abacateiro, acataremos teu ato" - "Na época pensaram que eu me referia à ditadura militar (o verde da farda) e ao ato institucional, o que nem me passou pela cabeça. O que me veio mesmo foi a natureza em seu contexto doméstico, amansada, a serviço da fruição - daí a idéia de pomar e das estações. Refazenda é rememoração do interior, do convívio com a natureza; reiteração do diálogo com ela e do aprendizado do seu ritmo."



Linguagem transgressiva - "O período em que compus a canção é permeado pelo nonsense ou o que o tangenciasse; por um despudor audacioso de brincar com as palavras e as coisas; por um grau de permissibilidade, de descontração, de gosto pela transgressão do gosto. É uma fase muito ligada aos estados transformados de consciência, pelas drogas, e a consequente multiplicidade de sentidos e não-sentidos."


Guariroba - "Nome de uma palmeira do Planalto Central, a palavra dava nome também a uma fazenda que um grupo de amigos (Roberto Pinho, Pontual e outros) tinha a uns cem quilômetros de Brasília. Chegou-se a pensar em criar lá uma comunidade alternativa, onde nos juntássemos todos com nossas famílias. Não deu certo, e a fazenda foi vendida."

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Verbo

E o que não veio quando era possível agitou-se nas sombras, nos postes frios, na riqueza do caos urbano cheio de onomatopéias e palavras desconexas, na sutiliza de um roubo solitário, um vira-lata correndo atrás de uma moto, a chuva tornando a praia inviável, um sentimento fresco de que o mundo está submerso, um sussurro na bacia d’água. O que chegou atrasado, para o tempo corriqueiro, não pediu licença, não soprou uma carícia esperada, frustrou os de olhos vendados, calou os normais. O que chegou, chegou e pronto, atabalhoadamente para os céticos, ébrio em sua essência. Se foi bom ou não, ainda é cedo para saber. Sabe-se apenas que as formas mudaram, a estética se transformou em líquido lacrimejante. As gírias ganharam um outro valor, até porque as frases formais, “normativas”, estáveis, estáticas, perderam a sua significação direta, a mensagem límpida. O que veio proveio do incompreensível, do dentro de nós que não possuímos, do tempo imutável. Matou-se e não havia germinado, boiava no Éter. Só o que era Luz continuou, na esperança de bater o nosso túnel; só o que era Vida continuou, perambulando em cores nítidas e espalhafatosas; só o que era Amor continuou, brilhando nos sorrisos infantis e verdadeiros dos que continuam, sem olhar para trás.

terça-feira, 19 de junho de 2007

O papel da mídia


Luiz Garcia em sua coluna de hoje (19/06), no jornal O Globo, escreveu que o “melhor momento de um repórter talvez não seja quando sabe o que vai dizer, mas quando sabe o que perguntar”. Tal afirmação é parte de um elogio que faz às reportagens investigativas dos repórteres da TV Globo no interior de Alagoas sobre o “caso dos bois” e as enormes contradições do senador Renan Calheiros relativas ao caso.

No Jornal eletrônico Montbläat desta semana (nº 242), Luiz Flávio Gomes cita uma excelente coluna, publicada na Folha de S. Paulo, de Elio Gaspari que expõe o seguinte: “Em quatro anos, foram apresentadas 646 propostas relacionadas com o crime. Delas, 626 destinavam-se a agravar penas, regimes e restrições. Só duas relacionavam-se com as delinqüências da turma do colarinho branco. Esse mesmo Congresso atravessou seis CPIs e absolveu 12 dos 19 parlamentares incriminados”.

O que essa equação de referências a jornais e formadores de opinião quer mostrar? Que se não for pelas mãos da sociedade mobilizadora, pelos meios de comunicação ávidos em noticiar e investigar (aqui não vai nenhuma referência sobre os motivos de certas mídias estarem mais ávidas que outras) e os que debruçam sobre o problema social colocarem os seus nomes em textos “convocadores” ou “denuncistas”, não será o Congresso e suas patéticas CPIs e conselhos éticos que extirparão as falácias e virulências que assolam a política brasileira. Se a mídia não assumir o seu papel e representar a sociedade menos abastada, tudo vira pizza ou “cosa nostra”, ainda mais rocambolesca.

No mesmo Montbläat é possível ler um artigo excelente de Teócrito Abritta, intitulado: Anatomias de Kriptonita, denunciando, entre outras coisas, as mazelas do governo Lula no IBAMA e a desistência de muita gente que veio com o título de coerente e íntegro, mas que acabaram cedendo à rajada constante do vento governista.

Quando os jornais (todos os veículos de comunicação de uma maneira geral) investigam e assumem seus devidos papéis publicando com coerência, mesmo estando errado, enriquece o debate e é desculpado pelos debatedores (sociedade), mesmo parcial, ajuda no crescimento intelectual do cidadão e forma outros opinadores, mesmo nanico, enobrece o discurso e engrandece a reflexão. Quando não faz nada disso e ainda por cima usa de subterfúgios escusos para impor seus interesses “mercantilistas”, mesmo certo, empobrece o debate, mesmo grande, todos torcem para um dia cair, pois nubla o debate e atrofia a reflexão.

Fiquemos, então, sempre sedentos e atentos. A mídia, como no caso do presidente do senado, anda muito correta, mas às vezes sente uma incontrolável vontade de meter os pés pelas mãos. Cabe a nós, consumidores, a responsabilidade de dizer: “hoje eu não vou te comprar”.

Chico Buarque - 63 anos!!


"Parceiro de euforias e desventuras, amigo de todos os segundos, generosidade sistemática, silêncios eloqüentes, palavras cirúrgicas, humor afiado, serenas firmezas, traquinas, as notas na polpa dos dedos, o verbo vadiando na ponta da língua - tudo à flor do coração, em carne viva... Cavalo de sambistas, alquimistas, menestréis, mundanas, olhos roucos, suspiros nômades, a alma à deriva, Chico Buarque não existe, é uma ficção - saibam.Inventado porque necessário, vital, sem o qual o Brasil seria mais pobre, estaria mais vazio, sem semana, sem tijolo, sem desenho, sem construção."
Ruy Guerra, cineasta e escritor, outubro de 1998




Chico Buarque faz hoje 63 anos e eu, como admirador deste poeta/escritor maior, não poderia deixar passar data tão especial. Pensei em escrever algo à altura do grande mestre, mas Ruy Guerra fez isso de forma impecável; pensei em publicar um poema ou conto em sua homenagem, mas, depois do Seu Francisco, o que escrever? Prefiro reproduzir uma letra do próprio, a marca na marca. Mais detalhes para quem quiser: http://chicobuarque.uol.com.br/construcao/index.html


Trocando em miúdos
(Francis Hime - Chico Buarque/1978)

Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim ?
O resto é seu
Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis
As nossas melhores lembranças


Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter
Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado


Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde





segunda-feira, 18 de junho de 2007

Uma réplica, por favor

Leio em O Globo de sexta-feira (15/06 – RIO – pág.15) o título no alto da página: Lula: ‘Brasileiros adoram falar mal do país’. A foto que acompanha a reportagem mostra o presidente dentro de um veículo que será usado para a segurança dos jogos Pan-Americanos e o Governador do Rio, Sérgio Cabral, do lado de fora em estonteante bom humor.

O que o presidente talvez não tenha entendido é que os brasileiros falam mal do país porque o país lhes dá o direito (quase o dever) de assim agir. Obviamente, muitos são os brasileiros com uma espécie de “síndrome de vira-latas”, um resquício do colonialismo ainda entranhado em nossas veias. Contudo, na atual conjectura brasileira, não há muito o que dizer de positivo, não. Diz o nosso representante maior que tal atitude afeta gravemente a imagem do país lá fora. Peço uma réplica curta para discordar.

O que suja definitivamente a imagem do Brasil no estrangeiro são as muitas, imensas e quase incontroláveis (quase?) ondas de violência que assolam o território nacional, principalmente o eixo Rio-São-Paulo. O que nos estraga em gênero, número e grau são as incontáveis balas perdidas (ou achadas), o tráfico que nos desafia e afronta a polícia diariamente, a própria polícia e sua porcentagem de profissionais(?) corruptos e/ou trogloditas que dia-a-dia perde a confiança dos trabalhadores honestos e pobres deste território.

Abro a Folha de S. Paulo de domingo (17/06 – pág. A12) e leio que o Corporativismo marca Conselho de Ética. Ora, somente um senador (Luiz Estêvão) teve cassação em onze anos de funcionamento. Logo, é de se supor que, a não ser por um milagre (que às vezes arrebata a classe política, mesmo que raramente) tenha faltado “óleo de peroba”, o presidente do senado sairá ileso, mais feliz e mais “biscoito trakinas” do que nunca. No mesmo caderno, na página anterior, abaixo da coluna essencial de Elio Gaspari, leio que a Polícia Federal concluiu que Vavá, irmão do presidente desta república, teria praticado tráfico de influência. Lindo, não? E somos nós que manchamos a imagem do país no exterior? E somos nós os que precisam ouvir as besteiras improvisadas e a triste lembrança das palavras pseudo-patrióticas de uma ditadura militar (“ame-o ou deixe-o”)? Aliás, enquanto o presidente brinca de conduzir veículo que será usado para a segurança dos jogos mês que vem (ao todo serão 1768 veículos), nossa Polícia Militar até muito recentemente possuía em suas garagens e pátios inúmeros carros sucateados ou mesmo sem gasolina para uma ronda de rotina.

Na capa da mesma Folha passo os olhos em títulos: Auditoria aponta falhas em contratos do governo federal, Indústria de ponta perde espaço no país. Lula teria motivos de sobra para ficar tão irritado se, como ele mesmo gosta de citar, a sua presidência fosse na Suíça.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Problemas de consciência? Seja político!

Leio no Jornal do Brasil (14/06/07 – A3) que o Supremo Tribunal Federal garantiu, tanto aos governadores quanto aos ministros, foro privilegiado em caso de ações de improbidade administrativa, mesmo que tais políticos já tenham abandonado o cargo. Ou seja, não basta a vergonha de termos políticos gastando (sabe-se lá como) o nosso pouco e suado dinheirinho sem qualquer planejamento ou concisão; agora podem também gastá-lo sem a preocupação de, num futuro, próximo ou não, prestarem contas de fato.

É claro que tal medida não visa a beneficiar apenas àqueles que se excederam na “queima de estoque” do tesouro/bem público. Por seis votos a cinco tal medida beneficia os que são suspeitos de corrupção, os que respondem a inquéritos, além de dificultar, e muito, o magnífico trabalho de investigação da Polícia Federal e sua linha padrão de combate ao lamaçal que nos atola até as nádegas. Com decisão tão inteligente e benéfica ao país, ficam aliviados homens de bem como Antônio Palocci, Pedro Malan, Ronaldo Sardenberg, e outros. Obviamente, tal decisão, assim como toda a decisão tomada neste país, pode ser revogada por uma nova composição do plenário. Esperamos que seja assim.

A questão maior talvez não seja mais deixar livre um acusado de improbidade administrativa – muitos poderão dizer que há coisa mais cabeluda boiando em terra brasilis –, o que nos estarrece e revolta é como são tomados certos rumos e decisões por aqui: sempre na surdina, no obscurantismo, na penumbra dos corredores frios do congresso, da câmara. Impressionante como está virando rotina a sem-vergonhice! Alguns esperam a vinda de um Papa para poder aumentar os próprios salários, outros fazem acordos por baixo do pano e declaram-se oposicionistas quando, na verdade, estão secretamente obedecendo ao mesmo pastor que proclamam inimigos.

Elegemos imensa camada de políticos despreparados ou sem a menor noção do que seja política, enfiamos um terno nessas pessoas e mandamos-nas para o ócio, “coçar o saco”, falar besteira, pregar a intolerância, o preconceito, bajular os caciques e coronéis, enfim, gastar o dinheiro nosso-de-cada-dia sem qualquer responsabilidade. Está tudo tão ruim que andamos aplaudindo políticos que fazem algo pela saúde e educação, como se isso não fosse obrigação de todos os nossos representantes enquanto políticos: homens preocupados com o bem-estar da polis.

Diante de certas notícias, diante das decisões ambíguas que nos cercam e da sensação de completa impotência como cidadão, como trabalhador que respeita às leis do seu país, tenho que dar o braço a torcer e concordar com a nossa ministra maior do turismo: o melhor que posso fazer é relaxar e gozar para esquecer todos os transtornos.

A morte dos sonhos - por Pirata

Achei este texto do querido jornalista/escritor Pirata na revista eletrônica O Lobo, do mestre Fausto Wolff (http://www.olobo.net/). O texto é primoroso e vale a leitura em momento tão difícil para nós cidadãos. Sonhar, resistir ou aceitar as coisas podres como elas são? Pirata escolheu resistir. Como não sou nenhuma referência de coragem e resistência (tenho apenas 29), admiro enormemente àqueles que fazem da vida um ideal de ética e retidão. Salve, salve, Pirata! Que a sua nau continue desbravando as fronteiras da verdade!

Em 1980, eu tinha 14 anos. Já trabalhava como ófice bói do padrasto de minha mãe. Vida dura - duríssima, aliás, e que o digam meus amigos, que pagavam pra mim tudo aquilo que eu não podia pagar, que era quase tudo.

Meus prazeres eram, não necessariamente nesta ordem, ler O Pasquim, ouvir muita música (K-7s e discos meus, do meu pai e, até, os bolachões de 78 rpm do meu avô - e gostando de tudo), ler o dicionário (o que faço até hoje, e com igual prazer), e comer, exceto minha namoradinha de então, todas as mulheres que - atenção ao verbo - VIA pela frente. Não me peçam para ser mais específico...
Neste mesmo ano meu pai fez 40 anos, e eu me lembro dele lamentando sua/nossa $orte, apesar de, como eu, trabalhar desde pequenino. Fui para o cômodo que, depois do banheiro, mais freqüentava na casa - ou seja, o meu quarto - e fiz uma lista de todas as coisas que, na minha então ainda mais ingênua mente, eu teria aos 40 anos. Não me lembro de todas, evidentemente (e ainda bem, pois seria constrangedor, hoje, ler algo como "ter o físico do Hulk", "um Maverick preto, com um toca-fitas Roadstar tocando Joy Division no último volume" e outros - Joy Division fora - ridículos), mas me lembro das essenciais.
Eu queria, aos 40 anos, estar escrevendo tão bem quanto o Fausto Wolff, desenhando tão bem quanto o Henfil, ter uma casinha no Rio, levando uma vida não de mordomias, mas de conforto, ao lado de uma bela mulher, com um casal de filhos, e tudo isso graças ao trabalho de jornalista e escritor, o meu mais antigo e querido sonho.
Amanhã, completarei 40 anos. Continuo querendo, quando crescer, escrever igual ao Fausto Wolff, há muito não tomo do lápis para tentar desenhar tão bem quanto o Henfil, casinha no Rio só mesmo a de amigos que lá moram e que têm a caridade de me receber, faço jornalismo num tempo em que esta profissão só dá futuro - ou, vá lá, as coisas comezinhas da vida - a quem o transforma em a$$essoria de imprensa da corte ou de seus bobos (as celebridades do meio artístico), estou contratado para escrever um livro, mas cadê tempo e cabeça para fazê-lo direitinho?, desisti (ainda bem) de ter filhos, pois, qual Noel, me pergunto "Com que roupa?", e desisti (também e infelizmente) de tudo mais que sonhei em favor dessa necessidade pragmática de sobrevivência medíocre que nos foi imposta por sucessivos lambe-botas de uóchintom lançando-nos "bombas" ininterruptamente, como se fôssemos todos os "inimigos" libaneses - e, puta que pariu, eu ainda sou neto de! -, matando nossos mais belos sonhos, estrangulando nossas mais simples esperanças.


* Soube, lendo o blogue do Roy (o judeu goy), que Israel tem a "bondade" de manter no ar uma rádio que anuncia o horário dos bombardeios, de modo que os inocentes possam fugir. Para onde, porra?! Aqui, no Brasil, governos e $inhá também anunciam de antemão o lançamento de suas bombinhas e obuses e mísseis, mas têm a cara de pau de anunciar tudo como "maravilhas para todos". Israel, ao menos, nesses casos, não mente. E aqui, depois do anúncio, pergunto de novo: fugir pra onde? Pros EUA, aliado$ dos sionistas e de qualquer outro país/governo que lhes diga amém?
De tudo o que listei, só consegui, hoje, a tal bela mulher, mas, semana passada, já começamos a "discutir a relação" (afinal, quando a solidariedade e o companheirismo predominam, o romance vai pras cucuias).
Mas fazer o quê? O lado, digamos, bom, é que, olhando pra trás, apesar de tudo, apesar da morte de meus sonhos, do estrangulamento de minhas esperanças, de alguma forma, sobrevivi. Que venham, pois, os 50. Encaro. Hoje sei que resistir é mais importante que sonhar.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

A esfinge

Olhou-a com um gosto de surpresa na boca. Ouvira falar de obra tão bela e enigmática, mas, além dos livros, nunca pudera estar frente-a-frente com tal forma. Era uma escultura relativamente pequena de um metro de altura em cima de uma pilastra de mesmo tamanho aproximadamente, estava em um pátio também relativamente pequeno. Parou e admirou tal escultura disposta ao ar livre, como para indicar ser ali uma casa de conhecimentos filosóficos e tradicionais. Bem, é claro que o seu interesse dirigia-se especificamente para a esfinge colocada de forma geométrica àquele lugar. Seu corpo de leão e sua cabeça humana, aquelas patas pesadas dispostas na base, a postura correta e vibrante, o semblante sério e plácido como deveriam ser o semblante de todos os homens que tiveram o conhecimento em suas mãos. “O conhecimento liberta!” Aquela cabeça em cujo ápice sustentava uma serpente dourada deveria certamente significar isso. Ocorreu-lhe que a obviedade intrínseca daquela forma fazia todo o sentido que esperava. Aquele corpo de leão com as patas fincadas na base era o lado “animalesco” do homem, o lado instintivo que remontava suas origens primatas e extremamente catárticas, onde o sentimento vão imperava sobre a razão e a filosofia; aquela cabeça humana era o lado racional, ou seja, a existência intelectual sobre a emoção desgovernada e a serpente sobre a cabeça instigava ainda mais à profundidade, a raiz primeira do conhecimento. Seria isso mesmo? Seria esse o significado alegórico da esfinge? O homem cujo corpo pertence à Terra, cujos desejos e ansiedades estão diretamente ligados à não-compreensão de algo maior e que, por isso, precisa buscar a purificação dos atos e dominar, através da mente, os seus impulsos “animalizados” para se desprender do que é profano e vislumbrar a verdade absoluta? Seria essa a chave que abre as portas do conhecimento “Uno”? A chave que abre os portais de Deus? As dúvidas saltavam em sua mente como pipoca e isso o fez deixar escapar um meio sorriso. Entendeu, naquele momento, que quando não se tem certeza de nada e segue-se em frente, aí é o ponto inicial do verdadeiro caminho.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

... em busca da sintonia fina

Estas pedras preciosas foram extraídas do blog O Refúgio (http://dimensaosalvadora.blogspot.com/).
Quem os escreve? Sandra Camurça.
Vale uma, duas, zilhões de clicadas e postagens. Ela sabe o que faz e faz com bom gosto e luminosidade.
Homem Inseto

deitada na cama
te vejo andando
ao redor da lâmpada
(...)
imaginei você
formiga de asa
apaguei a luz
você saiu de casa

senso comum

amo em você
aquilo que é inacabado
em mim

Pensamentos deslizantes e outras perturbações

Este blog foi achado por acaso (o acaso é tudo!) e fascinou-me a forma certeira das palavras dispostas, esparramadas como o nosso cotidiano. Muito bom. Roubei mesmo, estou postando aqui porque, simplesmente, vale a pena. A autora: Adelaide Amorim. O blog: O bem, o mal e a coluna do meio (http://obemomaleacolunadomeio.blogspot.com/).


I

Paula Mastroberti. Mendigo Quix.








Fulano usa terno e gravata.


Beltrano usa camiseta e sandália de dedo.


F é sério e trabalha dia e noite.


Até o lazer de F existe em função dos negócios.


B solta pipa o dia todo e à noite toma cerveja fiado.


F tem bens de família.B nunca teve família.


F estudou em Londres e na Alemanha, é PhD em economia e ciências políticas.


B estudou até o meio da segunda série e foi avião do tráfico.


F é politicamente correto em palavras e ações.


B é objeto de políticas sociais e come na Central a R$ 1,00.


F é cidadão exemplar e zela pela higiene e segurança nas áreas públicas.


B mija na rua.


F passa as férias em Paris e Angra.


B foi ao piscinão um fim de semana aí.


F tem passagens aéreas e estadia paga em hotéis cinco estrelas quando viaja a serviço.


B dorme embaixo da marquise do supermercado quando bebe demais.


F deu um rombo de 200 milhões há dois anos, mas ninguém ficou sabendo.


B foi em cana porque bateu a carteira de um gringo no calçadão.



II

Encontrou-a assistindo à sessão da tarde com um saco de amendoins na mão.

— Ah, é você (olhar de desdém). Então, pensou no que eu te disse?

— Não.

— E veio aqui fazer o quê? Buscar o carro?

— Não. Estou de moto.Curto silêncio.— Vim olhar de novo essa casa. Vim...

— Você nunca se preocupou com a casa. Vivia dizendo que era apertada, que...

— Não exatamente – ele diz, voltando-se para ela. Não é pela casa.

— Então é o quê? Os móveis? Vai querer ficar com algum?

— Não. Por que não vamos ao cinema? Está passando um filme do Almodóvar ali no Estação.

— Já vi. Nem é tão bom assim – ela respondeu, mastigando sem tirar os olhos da TV.

Ele deu meia-volta e saiu sem fazer barulho. Nunca mais voltou.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Legislativo ou ócio relativo?

Impressionante, ou pelo menos deveria ser, como o cargo de vereador é um prêmio. Digo isso porque trabalho mais ocioso não deve haver (ou há?). De acordo com reportagem do Jornal do Brasil (03/06/2007), dos setenta e oito (78) projetos promulgados este ano, vinte (20) são medalhas e onze (11), criações de dias oficiais. Podemos dizer sem medo de errar que a casa (nossa) chamada Câmara nos dá prejuízos, pois seu orçamento gira em torno de R$ 385 milhões e o retorno desta dinheirama – projetos de leis ou algo que vise o bem-estar da polis – está longe de acontecer.

Sabe o que acontece quando não existe crítica ao nosso ponto de vista? Ele vira uma verdade absoluta, mesmo quando se sabe que não há verdades absolutas. Sabe o que acontece quando não há partidos verdadeiramente de oposição em um país que tenta se governar? “Democradura”, rolo compressor, esmagamento e a aprovação de tudo o que seja contrário ao bem-estar social, tudo o que não é do interesse do povo. Mesmo quando somos aliados do “Chefe”, precisamos, a todo tempo, tentar descartar todas as possibilidades de erro, olharmos para trás sempre, para os lados e, o mais importante, aprender a autocrítica.

Tais aberrações também são fruto ou espelho dos eleitores. Afinal de contas, quem vai à Câmara municipal de sua cidade fiscalizar, “ficar por dentro” do que acontece na Casa (repito, nossa), que projetos são redigidos pelo nosso vereador? Que projetos são aprovados pelos que lá estão? Culpados somos todos, as leis (ou a falta delas) são espelhadas na sociedade que a submeterá.

Isto não significa que é explicável alguém que ganha vinte vezes (será mais?) o que ganha a maioria dos trabalhadores deste país ficar de pernas para o ar na Casa que deveria ser o centro da observação e exemplo para as demais casas deste Estado. Quando a prefeitura teve a “grande idéia” de colocar em prática a aprovação automática nas escolas municipais, ninguém, nenhuma viva alma caridosa (salvo dois ou três, é verdade) se manifestou contra a “genialidade” da secretaria de educação(?), mas quando a opinião pública (leia-se mídia e educadores) se mobilizou contra tal resolução, os mesmos vereadores, como em um passe de mágica, resolveram nadar a favor da maré (revoltada e com razão!). Mas foi pelo bem da sociedade ou para o bem das urnas futuras? Arrependimento ou oportunismo?

Lembremo-nos dos vereadores que lá estão, esqueçamos a quantidade de projetos lançados pelo candidato “x”, averigüemos os projetos verdadeiramente comprometidos e prometidos aos seus eleitores. Se o Sr. “x” não corresponde ao nosso perfil político, que seja eleito o próximo “y” e assim por diante.

Lembremo-nos que na lata do político (infelizmente) tudo-nada cabe. Político não foi feito para ser metafórico, muito menos paradoxal. A ele cabe apenas a denotação, pura e simples.

A Estante

O homem estava, agora, fumando calmamente, dando tragadas reflexivas; parou em frente a estante repleta de livros que havia em seu próprio quarto. A estante era pequena e podia-se dizer que acomodava mais ou menos uns seiscentos exemplares, desde livros de Literatura, da qual era formado, até os grandes romances – coisas que não podiam faltar, essenciais. O cinzeiro na beirada estava repleto de guimbas, não as de hoje, mas as acumuladas, esquecidas. Ao lado do cinzeiro, a marca de um copo fazia um círculo familiar, prova de quem toma café e esquece de pôr um porta-copos ou guardanapo enquanto desfolha um surrado livro, talvez um novo exemplar comprado há pouco. Um porta-retratos também fazia parte daquele mundo, meio empoeirado, amassado nas pontas – certamente o deixara cair em algum momento de sua frágil existência. Havia, é verdade, umas três corujas de porcelana que mediam não mais que dez centímetros cada uma; para este senhor, o símbolo máximo do Literato – as que vêem nas trevas! Mas as personagens principais dessa estante eram, sem dúvida, os livros. Novos, velhos, organizados de um lado, amontoados na prateleira de baixo, cópias de monografias, revistas com algum assunto importante, os livros! O cheiro da sabedoria ou da amálgama. E o homem estava lá, fumando o seu cigarro calmamente, olhando para o que ele achava ser o seu bem mais precioso, não que gostasse de reter o conhecimento, que se importasse em emprestar alguns dos seus “entes”, mas era como se olhar para aqueles corpos de papel fosse o mesmo que olhar para si. Sim, estava encarando a si próprio, mas não porque fosse um sábio, longe disso, porém, o seu amor, não apenas pelo conteúdo mas pela forma, àqueles corpos dispostos em sua estante eram gritantes demais. Ele era o Guardião daquela chave. Estaria retendo, camuflando a ponte do saber? Impedindo o acesso a outros? Por que então o quarto, recinto tão reservado? Não era isso – como já foi dito anteriormente – e era ao mesmo tempo. Ele contemplava calmamente aquelas formas. Esticou um dos braços e pegou um exemplar que se encontrava na terceira prateleira de cima, era “A Caverna”, de Saramago, abriu-o em uma página onde se via nitidamente algumas frases grifadas com caneta pilot amarela. Deu uma última tragada em seu elemento cancerígeno e apagou-o no cinzeiro já lotado. Colocou o belo livro de volta, tomou o cuidado de deixá-lo cômodo e paralelo aos que estavam ao lado. Olhou mais uma vez para a estante magnífica e vivificante, calada e sonora, morta e pulsante. Olhou para a cama vazia, a janela aberta, precisava dormir um pouco, não adiantava nada aquela metafórica ansiedade, o prêmio máximo já alcançara, não precisava de mais nada e ainda tinha que corrigir as provas pendentes. Deitou-se com uma alegria dolorida e incômoda. Mas não estava sozinho naquele quarto.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Blog da Carol

Chacal foi lá e pegou na mão grande (daí eu conheci também - obrigado Chacal) e postou no seu Cep 20 000. Eu também peguei na mão grande, que poema assim a gente pega e posta logo: é o medo dele escorrer pelas mãos profanas e virarem chuva.
O fato é que dois deles estão aí. Pertencem ao blog da Carolina (http://carolinaluisa.zip.net/) e merecem uma olhada tímida, depois atenciosa, depois devoradora.
Apreciem sem moderação.
________________________________________________________

Beba no meu copo
coma no meu prato
Deixe seu cheiro
nas minhas coisas
Leia meus livros
Olhe nos meus olhos
e minta,sinceramente,
que me ama...


________________________________________________________

Encaixo-te entre minhas pernas
para guardar-te
receber-te no meu corpo
pegar sua febre
sugar sua saliva
como quem bebe licor
do mais doce
do mais suave
veneno vital

Faz de mim sua (na)morada.

sábado, 2 de junho de 2007

Inspiração

Desligou o computador devido ao cansaço mental produzido por horas em frente à tela. Digitara por muito tempo um quase-conto que insistia em não sair de jeito nenhum. Por fim, com os olhos pesados, dando a impressão de estarem com areia, desligou tudo e recolheu-se. O dia seguinte seria cheio, sua sogra chegaria de viagem trazendo uma bagagem enorme, incluindo um chapéu de couro nordestino que ele pedira semanas antes da partida. Enfim, estava cansado e precisava dormir um pouco. Porém, quando se deitou, sua mente vagou em pensamentos diversos, confusos e seguidos, atropelando tanto uns aos outros que, em certa hora, achou melhor não insistir, levantou-se mal-humorado, ligou a luz, a televisão e ficou a assistir um desenho qualquer. Contudo, seus olhos encheram-se de areia outra vez e, de novo, apagou tudo e deitou-se confortavelmente na cama. Fechou os olhos, mas quando fazia isso, os inúmeros pensamentos voltavam com força total. Resolveu que seria melhor deixa-los abertos no escuro, talvez a sensação da ausência de luz o relaxasse. De repente, sentiu a cabeça como que sendo pressionada, sofrendo algum tipo de influência externa. A pressão estava tão grande que, por um momento, achou que estivesse enlouquecendo. Acendeu a luz, ligou o computador e, sem nem mesmo ter consciência do que estava fazendo, começou a digitar, suas mãos pareciam “máquina magnetizada”. Conforme digitava, sua cabeça pesava menos, cada vez menos, até que simplesmente, como se alguém tivesse tirado as mãos, deixou de parecer pressionada. Olhou para a tela do computador e viu o que estava perdido horas atrás. Aquilo não fazia sentido, não compreendia como havia escrito algo que não passara pelo seu objetivismo, que não passara pelo seu aval intelectual, mas, sim, era uma obra. Perplexo, deitou um pouco e ficou a olhar para a lâmpada do seu quarto, como se a luz emanada estivesse a dizer-lhe coisas surpreendentes, algo que somente a sutileza dos escritores pudesse captar, algo que ele simplesmente tentara negar a sua vida toda.