sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Os mortos de todos nós

Alguns candidatos a cargos políticos, antes do grande dia, encontram a morte nos perdidos municípios da Baixada Fluminense. Falo da Baixada, mas não é diferente nos “grotões” Brasil afora.
Por que tanta violência envolvendo o mundo da política? Parece de uma complexidade sem tamanho o assunto, mas o fato simplificado de maneira abrupta também revela uma faceta sabida de todos: para muitos candidatos, “eleger-se alguma coisa” é o passo inicial para ser bandido sem o perigo de ser preso.
O que deveria ser para o bem-estar da polis, acostumou-se a ser um meio de subir, financeiramente, na vida sem esforço; um meio de dividir o bolo consigo mesmo, no enorme ato de “cagar e andar” para o próximo. Pilantras de todos os tipos, assassinos esquartejadores (olha o Hildebrando aí, gente!) são atraídos pelo benefício da imunidade, das muitas “negociatas”. Gente assim clama pelo poder, sonha com o poder, mata pelo poder. Exemplo gritante é a infiltração das milícias cariocas no mundo político (antes absorvidas pelos grupos de extermínio).
Gostaria de acreditar mais nesta eleição à nossa porta, mas, pelo andar da carruagem, nada de muito especial será feito. Morrerão os de sempre: bandidos que rivalizam com outros bandidos, mocinhos que se meteram no caminho de alguns outros bandidos, e o povo, morto pelo descaso, tanto dos mocinhos quanto dos bandidos.

sábado, 20 de setembro de 2008

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Queria alcançar o instante que nunca aconteceu, aquele que ensaiamos e que ventos mais fortes carregaram pro quando. Queria, neste momento, dizer o que nunca foi dito, a palavra descoberta, úmida, ainda por gritar, carregada de regionalismo. Queria a música tocada há dez anos, quando eu não era um covarde acomodado, quando ainda acreditava no amor, no peito aberto, no olhar carregado de clichês e sonhos.
Queria a sensibilidade do meu próximo de ontem, quando ele ainda não pensava em dinheiro, dinheiro e sexo, dinheiro e dinheiro.
Queria parar esse tempo tanto.
Queria tirar essa tristeza sem como.
Queria estancar esse querer tanta coisa.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008



Imagens


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Você escuta a respeito do tumulto.


Lá fora, o sol morre uma vez mais:


É inverno.


Enquanto uns cobrem-se


com seus fartos cobertores,


noutros, as notícias andam pelos corpos,


caixas que um dia contiveram caixas,


sustentam sob as marquises, carnes.


Não mande fulano comer grama


chamando-o sutilmente de animal,


pois você pasta


e se pensar bem,


seu pasto não é tão farto assim.


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sábado, 13 de setembro de 2008

Palavras comuns

Palavra comum é uma palavra sem futuro, perdida na escuridão do descaso. Palavras são mesmo assim, quando estão em voga, brotam nas bocas descerebradas das celebridades, são enlatadas para consumo imediato. Às vezes um “com certeza” enriquece no cotidiano, mas logo se opaca, não anda nem brilha. Outras são “a nível de”: nascem dentro da câmera, morrem nas favelas gramaticais. Palavra é um bicho complicado, monossilábicas ou não.
Política também não é assim? Políticos não são quase todos? Quantos não professam palavras comuns? Quantos não vomitam palavras de efeito? Palavras-celebridades? Quantos discursos em vão, cromáticos, dispensáveis, mentirosos. Vereadores que asfaltam ruas, constroem estádios, hospitais... Mas vereadores fazem isso? É esta a função? E, acostumando, caminhamos com as palavras sem futuro.
Queria mesmo é a palavra rica dos humildes, as palavras em construção dos carentes, dos excluídos, dos que morrem como viveram.
Queria mesmo é o instante do impacto, do sertão nordestino, da produção da farinha de mandioca, da queima na plantação de abacaxi, da cerveja molhando as palavras em Itapororoca, o sol com brisa da Paraíba, o povo que aquece, que te rolam palavras nascidas de dentro. Palavras incomuns para a metrópole, palavras incomuns para os que vivem, como nós, da miséria humana. Queria só falar palavras incomuns, mas só consigo sussurrá-las.

domingo, 7 de setembro de 2008

Desenho do adeus


Paulo Caruso, Jornal do Brasil
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Amante das artes, das letras e das belas artistas, beletristas ou não, Fausto Wolfffenbitle, mistura de lobo e dos Beatles, precocemente nos deixou.
Amigo dos amigos, inimigo dos inimigos, primou por ser, ao longo de toda a vida, ele mesmo. Por incrível que pareça, um homem de família. Várias famílias, coisa típica destes anos loucos que vivemos.
Um de seus livros é dedicado à sua filha, imagino, uma deusa nórdica, como ele, em versão sampleada para o sexo oposto. Nunca abdicou dele mesmo, a cada crônica, romance ou livro de contos insistia nessa histórica relação entre o homem e seu algoz, o pensamento. Neste caso, em se tratando de quem tratamos, o pensamento, assim como outras partes de sua anatomia, era grande, muito grande.
Como atrás de um grande homem vem sempre uma grande mulher, a pequenina e graciosa Mônica foi o passarinho designado para o acompanhar até o último momento. Assim ele a chamava, “Passarinho”, e era engraçado vê-la acudindo o gigante em seu tormento, fosse porque acabara o precioso líquido com que embalava sua imaginação ou porque os convivas reclamavam sua presença. Numa dessas suas missões heróicas, Passarinho o conduziu de ambulância ao hospital, depois de encontrar o gigante adormecido ao chão do banheiro.
Ao saber da ocorrência, decretei com ar digno de um Protógenes: “Faltou sangue no cérebro do Jebão, ao tentar levantar o mastro para o pipi matinal!”.
Assim era a convivência, feita de sustos e assombros, receita para um grande amor. Isso nosso grande homem nunca nos regateou, era sempre um coração aberto, embalando-nos com suas crenças e convicções e confortando-nos com seu imenso querer a respeito dos limites da espécie humana, principalmente dessa espécie de sacanas que teimam em reinar sobre nosotros.
Nem mesmo o Sr. Da Silva ele perdoou. Para quem, como eu, imaginava-o o último esquerdista – já que essas questões semânticas haviam cada vez mais entrado em colapso – era notável vê-lo esgrimindo raciocínios a respeito do papel da verdadeira esquerda num mundo cada vez mais globalizado pela direita. McCain podia imaginar o próprio McCain se dizendo o candidato da mudança?
Em nosso último encontro levei um desenho meu, original, coisa que ele tanto prezava. Era uma caricatura que o colocava correndo atrás de seu primeiro milhão, depois da indenização conquistada por Jaguar e Ziraldo, seus companheiros do Pasquim. No desenho em questão ele absolutamente cobrava por justiça ou criticava os brindados por tal distinção. Apenas pedia que lhe dissessem o nome dos advogados de tão justa causa.
Nessa viagem, a corrida pro táxi, aeroporto etc, esqueci um desenho que era o mais amoroso, que o retratava como um Deus do Olimpo, exatamente como quase o conheci, tentando entrar no Pasquim e sendo impedido pelo zelo da secretária, dona Nelma Quadros.
Lá de baixo, na Rua Clarice Índio do Brasil, eu via a escadaria que culminava numa mesinha onde uma garrafa de uísque repousava entre os joelhos, imagino, do Millôr, do Fausto Wolff, do Jaguar, do Ziraldo e do Ivan Lessa. Aquilo pra mim era o Olimpo, pensava comigo mesmo. Um dia chego lá.
Esse desenho, que esqueci, ilustrou o lançamento de seu romance Olympia e estava reservado, mal o sabíamos, para ilustrar nossa despedida, hoje, aqui no Jornal do Brasil.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O Escravo de Paulo Coelho

O Professor Halem, no seu (ótimo) Ração das Letras, levantou a bola para a reflexão; Jens, outro blogueiro que respeito à beça, fez referência a um texto (que produzo abaixo) revelador, extraído da própria biografia do Sr. Paulo.
Enfim, vamos à leitura:
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Publicado por Michel Arbache
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“Os Vampiros são às vezes bons e às vezes maus. E às vezes bons e maus”.
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Esta epígrafe do livro “Manual Prático do Vampirismo”, que Paulo Coelho supostamente teria escrito, bem poderia também epigrafar esta incrível história que, graças ao “drible da vaca” que Fernando Morais (autor da biografia ‘O Mago’) deu no seu biografado, todo mundo pôde conhecer – e que agora eu repasso neste artigo.
Há um engenheiro aqui em minha cidade chamado Antônio Walter Sena Jr, de 58 anos. Se você chegar aqui e procurar por este nome, quase ninguém vai saber responder... Mas se você perguntar por "Toninho Buda", a coisa melhora um pouco. Agora, se eu disser que Toninho Buda foi “escravo” de Paulo Coelho, então a coisa esquenta.Toninho Buda é uma figura fantástica que se popularizou nos anos oitenta em shows nos quais aparecia como performático; declamando poemas e fazendo vivas à Sociedade Alternativa. Embora "porra-louca", Toninho não era um cidadão inconseqüente... Pés no chão (ou quase isto), ele nunca dispensava exercícios físicos e era figurinha carimbada nas maratonas – seja em Juiz de Fora ou seja em Nova York.
No início dos anos oitenta, Toninho montou um restaurante macrobiótico em Juiz de Fora e passou a ministrar palestras gratuitas sobre os benefícios de uma alimentação saudável. Foi numa dessas palestras que conheci Toninho. Lembro perfeitamente das suas preocupações já naquela época: os perigos da química nos alimentos; o desenfreado uso dos agrotóxicos...
Quando esteve em Juiz de Fora para se apresentar num dos memoráveis festivais de rock da cidade, Raul Seixas, acompanhado do seu parceiro Paulo Coelho, resolveu experimentar o rango daquele recanto “macrô" da rua São Mateus. Foi ali que nasceu a forte amizade entre Raul, Paulo e Toninho.Pouco tempo depois daquele encontro em Juiz de Fora, Toninho, a pedido de Paulo Coelho, escreveu ‘Manual Prático do Vampirismo’. Competente na escrita, ele gastou apenas três dias e meio para concluir a obra e entregar para o seu amigo Paulo Coelho providenciar a edição. A co-autoria seria, pois, uma interação de competências: Toninho entraria com a criação intelectual e Paulo entraria com seus ótimos contatos editoriais no Rio.
Alguns meses depois, ao folhear o Jornal do Brasil, Toninho leu a boa nova: o livro seria lançado num hotel de luxo do Rio. O correio teria atrasado na entrega do convite ao autor, que pegou um ônibus e partiu para integrar a festa do lançamento. Toninho chegou à festa antes de Paulo. Pegou um livro no stand e ficou maravilhado com o resultado; com o acabamento... Mas quando começou a folhear a obra, Toninho começou a ficar nervoso; e deprimiu-se com a trágica descoberta: Paulo Coelho era o verdadeiro “vampiro mau”. Em nenhuma página; em nenhum cantinho de rodapé aparecia qualquer menção a Toninho.... Daí caiu a ficha: o correio não tinha atrasado na entrega do convite... porque não existia convite! Pois Paulo Coelho simplesmente roubara a criação do engenheiro. A dramática situação de Toninho talvez só um escritor iniciante entenderia: sentir-se um penetra na festa de lançamento do seu próprio livro. O único valor que Toninho recebeu pelo livro foi simplesmente este: uma refeição.
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Algum tempo depois, Toninho foi contratado por Paulo Coelho para a famosa viagem à Espanha (Caminho de Santiago). A função do contratado, que ganharia 200 dólares por mês, seria ajudar na feitura do livro que seria o pontapé inicial para que o “mago” se tornasse um dos maiores vendedores de livros do planeta: “O Diário de Um Mago”. Na ocasião, Paulo gostava de repetir uma frase de Nelson Rodrigues: “O dinheiro compra até amor sincero”. Quando novamente “caiu a ficha” de que estava sendo explorado por um cínico incorrigível, Toninho Buda resolveu abandonar a idéia da Sociedade Alternativa e voltou a ser engenheiro em Juiz de Fora.
Consciente de que ninguém acreditaria na sua história, Toninho optou por guardar segredo sobre a verdadeira face de seu “amigo”. Mas quis o destino que um golpe audacioso do escritor Fernando Morais, biógrafo autorizado de Paulo Coelho, trouxesse toda a verdade à tona – e contra a vontade do biografado.
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Acontece que Fernando Morais teve carta branca do biografado para buscar as fontes da sua pesquisa. Mas o que Paulo Coelho não esperava era que Morais, inadvertidamente, fosse descobrir um baú escondido no quartinho de empregada de um imóvel no Rio. O baú estava lacrado e constava no testamento do “mago” da seguinte forma: tinha que ser imediatamente incinerado logo após a morte de Paulo Coelho. O motivo era óbvio: ali continha muitas verdades impublicáveis. Entre vários escritos, Fernando Morais descobriu que Paulo Coelho sempre se referia a Toninho Buda como “meu escravo” – revelação esta que surpreendeu (e chocou) o próprio Toninho.
Enfim, opto por encerrar este artigo num estilo bem paulo-coelhiano: “num golpe mágico, quis o destino que a força da verdade abrisse o baú para tomar vida na própria biografia do mentiroso”.