sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Vivendo

 Ela era meio estabanada, ria meio sem querer, um sorriso grosso e feio e tinha a boba mania de esconder a feminilidade por achar ser fraqueza.
Ele era desajustado com o mundo, como qualquer adolescente sincero, achava-se mais inteligente do que realmente era e escondia o nervosismo do ato sexual como qualquer outro.
Ela gostava de Raimundos e usava camisa flanelada para parecer radical e usava frases de efeito bastante masculinas para se impor no meio da tribo compensando, assim, a sua baixa estatura e rosto afilado.
Ele gostava de Legião e, claro, queria ter uma banda, queria viver de Literatura, queria ir a Cuba. Achava a Italia o país mais romântico do mundo e dizia que depois de Drummond, nada mais importava.
Ela falava bem o inglês, era boa em Biologia e simpatia.
Ele era apaixonado por ela.
Ela soube disso muito tempo depois dele remoer esse sentimento até ao ponto de escrever três poemas melados e quarenta noites doídas ouvindo Andrea Doria, Quase um Segundo, Hey Jude. Ele encheu-se de uma coragem boba e contou depois de fumar o maço de John Player Special inteiro e ficar com um bafo troglodita. Ela não o beijou de imediato. Levou uns três dias. E foi lindo.
Ele era apaixonado por ela.
Isso levou uns três meses. Uns amaços no sofá, umas filosofias bobas sobre flor e Paulo Coelho, uma carícia única.
As aulas acabaram e com elas, o namoro de portão dos dois.
Ela foi viajar e passou todo o final do ano ao lado da família e dos novos e inesperados caminhos que tropeçam quando estamos respirando. Ele curtiu uma fossa filha-da-puta e levou um tempão para compreender o óbvio ululante: ala não o amava e ele precisava sair daquela merda.
Eles estão casados com outros e ela deixou de ser desajeitada. Ele deixou de ficar nervoso com o sexo. Ele está apaixonado pela 89ª vez.

Ambos tropeçando em caminhos espalhados por aí. Vivendo.


segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Aquele olhar


Meteu as mãos nas suas coxas e sussurrou alguma coisa que o deixou excitadíssimo. E eram aqueles olhos quase em cima dele como duas presas despretensiosas e mortais. Ele engoliu o chope como se estivesse bebendo água ardente e quase sacudiu a cabeça para acionar a ignição do raciocínio, da lógica, mas aquelas mãos na coxas, aquele sussurro e, puta-que-pariu!, aqueles olhos! Eram demais para ele!
Levantou-se da cadeira como quem acorda de supetão por um susto que não se sabe de onde veio, foi até o banheiro jogar uma água no rosto, olhar para dentro da consciência, visível apenas quando de frente ao espelho, e voltar com alguma dignidade à mesa. “Que horas faltam, hein? Será que ninguém vai chegar?” Só deus sabe o quanto ele queria que a hora passasse. Seus amigos não chegavam e o marido da Vanessa, sua, agora, ex-amiga, também não dava sinais de vida. E eram os dois ali, naquela mesa de bar, aipim frito com carne seca desfiada e acebolada, uma terceira rodada de chope da Brahma com espuma cremosa e na medida, aquele calor do Rio de Janeiro, a praia em frente com cheiro de sal e sensualidade, e ele e ela. Ela com as mãos na sua coxa (outra vez!), ele a ponto de transpirar, constrangido pela situação de estar excitado e o cagaço de ser pego – uma mistura psicotrópica.
Ela encostou um dos cotovelos na mesa e descansou o rosto na mão fechada, feito um soco, a outra continuou na coxa num movimento de ida e volta. Ele falou alguma coisa sobre a luz do ambiente ser de uma cor esquisita e simpática à penumbra. Ela sorriu e fechou os olhos como que navegando em outros prazeres ou deliciando-se com aquele momento tão insípido para ele mas que, talvez pelo sangue agitado, talvez pelo escancarar da porta de Freud, detivesse-no ali, daquela forma, mesmo sabendo-se arrastado para o que não tem mais volta.
“Eles não vêm, não é mesmo?”
“Acertou na mosca”.
E beberam a quarta rodada de chope. Ele pediu mais colarinho do que o de costume e longe do que marca a etiqueta da boa tirada. Era um modo de se iludir, de enganar a si mesmo já que beberia outras seis rodadas depois dessa; é como furar o filtro do cigarro para diminuir o veneno e fumar o maço inteiro.
Ela pediu uma caipirinha, mas de vodca. “Uma caipivodca, por favor”. Ele mandou tudo aos caralhos e decidiu por um uísque. “...duplo e só duas pedras de gelo”. Foi a última coisa que conseguiu se lembrar depois de abrir os olhos no seu apartamento e reparar que ainda usava sapatos. Pedira outras duas doses, mas isso era irrelevante, pois só nós sabemos disso. O gosto de guarda-chuva o incomodava e teve que ir ao banheiro, tomar um banho, um café e relaxar, talvez na praia, seu habitat natural, uma água de coco e uma cerveja pra curar a ressaca.
Pensou em ligar para ela, mas isso não seria necessário. Encontrou-a abraçada ao seu vaso sanitário com a maquiagem do rosto nas beiradas da lousa. O uísque de boa qualidade foi definitivo para ele estar de pé. Vodca vagabunda foi determinante para a catástrofe dela. Jogou-a no chuveiro, ambos de roupa e tudo, ele só percebeu que ainda estava de sapatos por causa do desconforto nos pés escorregadios. Tirou-os. Ela percebeu o momento e tirou, com alguma dificuldade, a calça jeans que ele usava e ele nem quis saber de tirar o vestido que ela estava. E treparam por longos minutos debaixo daquela água e durante o dia inteiro na cama úmida de chuveiro e suor. E foi assim, entre o uísque, a cerveja, a caipivodca e o sexo, por uns bons e profundos três anos. Ela se mudara para o apartamento dele e ele nunca mais viu o seu amigo. Está casado com uma professora de química e isso foi tudo o que soube entre o pão comprado na padaria embaixo do seu apartamento e a banca de jornal que lhe passou o último número da Times.
Um belo dia, quando resolveu chegar mais cedo em casa. Trouxe uma caixa de morangos e um espumante. Encontrou-a olhando pro espelho, daquele jeito que se olha para a consciência. Ela percebeu-o eternos segundos depois. “Você já chegou? Que surpresa!” Mas não houve convencimento nessa exclamação e ele logo indagou se ela sairia, maquiada e vestida adequadamente para um encontro. “Existe maneira adequada de se vestir para um encontro?” Ele sorriu, nenhuma tristeza ou raiva. “A última vez que você o vestiu fizemos sexo no banheiro com ele junto, de coadjuvante”. Era verdade. “Você volta para casa?”, ele completou, mas já sabia a resposta. “Nunca me maquio na sua ausência? Será que eu só saio com você?”, tentou ela, mas também já sabia o porquê da certeza dele. Era a primeira vez que ela não dizia, que se espantava, que agredia na impossibilidade de agir com naturalidade.
Mas no final era o vestido.
E tinha aquele olhar.
Aquele olhar.
“Já tem um lugar pra ficar depois disso?”
“Adeus, Carlos”.
“Adeus, Vanessa”.

Ela mandou alguém pegar as suas coisas do apartamento e nunca mais se viram. Assim como nunca mais vira o Sérgio, que casara com uma professora de química. E ele mesmo casou depois de um tempo. E todos foram felizes enquanto puderam e infelizes também, num ciclo de sete inseparável, preciso. E todos foram o que puderam ser, o que se deixaram ser. E a vida continuou, o trânsito fez barulho e a cerveja continuou aumentando de preço enquanto a vodca continuava vagabunda, sem pontos finais ou mistificações.


domingo, 30 de julho de 2017

O tapete

“E como estão os seus filhos? Devem estar enormes! E a esposa?”
“Estou separado faz três anos.”
“Nossa! A gente não se encontra há tanto tempo! Eu também me separei, não estava dando certo.”
E foi com este esbarrão na Avenida Presidente Vargas que um traço de pólvora fora derramado naquela crepitante conversa. Umas formulações de palavras simples, mas reveladoras. Wish i Could Fly, do Roxette, tocava na banca de jornal em frente. E talvez por ser ela, ao invés do Sinal Fechado, do Paulinho da Viola, a vontade de um outro encontro de consequências tão bregas quanto Roxette fez-se imponente.
E houve o encontro e mais outro de igual constância e desejo. Houve o momento da troca de olhares e sorrisos sem palavras que sempre querem dizer muito sem precisar de sons ou gestos largos. E houve o sexo, a foda, a transa e o amor, teve rapidinhas também, teve prazeres na medida e noites em quartos de hotel que ninguém ousou dormir. Houve dias de chuva com as crianças presas na sala fazendo uma algazarra poderosa e dias ensolarados de passeios na Quinta da Boa Vista e no Jardim Botânico. Houve dias realmente difíceis. Houve momentos totalmente mágicos.
Houve prudência também, cuidado no tatear o espaço do outro e uma certa preocução em não pisar nos pedaços de vidro deixados por outros relacionamentos, preocupação em não colher nada que já tenha caído do pé, inclusive as palavras que não foram ditas e que, naquele momento, para nada serviam. Claro que nem tudo era possível evitar. Não inventaram um modo de se prever a rajada de vento trazendo uma decisão infeliz, uma frase arenosa.
Mas quem se banha no mesmo rio duas vezes? Não a filosofia. Eles tampouco. Portanto, mesmo com outros relacionamentos na bagagem, o livro estava sendo escrito outra vez e, como o percurso da gota d'água deslizando nas costas da mão, caminhos caóticos são traçados em oposição à escolha passada. E assim foram desbravando outras possibilidades.
Mas foram bons tempos e eles até alugaram uma casa de veraneio na subida da serra; uma fuga-clichê pra trepar no tapete em frente à lareira e comer fondue. Ela reclamou do cheiro do tapete e afirmou que pinicava, ele valorizou a sua dor nas costas, mas ela disse que isso era a obesidade, não o chão duro. E foram tempos de rara embriaguez e caos controlado. E houve muito suor no tapete por este tempo.
Hoje estão mais grisalhos. A febre dos anos 90 dera lugar a um mundo cheio de paranoias e pouco iluminado. A virada do século não trouxe conforto pra ninguém, muito menos avanços na capacidade de se olhar o próximo.
Mas eles estavam juntos.
E ele continuava obeso.





terça-feira, 2 de maio de 2017

Nós, os vagabundos



A primeira coisa de se observa quando se vai a uma manifestação é o nível de entusiasmo. A alegria de estar reunido com pares, pessoas que compartilham uma ideologia parecida, uma tribo com vertentes diversificadas, porém, unida num sólido objetivo.
Foi assim que eu me desloquei da Baixada Fluminense. Entusiasmado, certo de estar a caminho para encontrar a minha tribo, os meus admiráveis “vagabundos”. Peguei o trem até a Central do Brasil e, de lá, caminhei à ALERJ. E ela estava linda! A sua volta, ao invés dos engravatados deputados e seus assessores puxa-sacos, uma massa multicolorida, vagabunda e politizada cantarolando, conversando, ouvindo os discursos que flutuavam das caixas de som. E era “Primeiramente, #ForaTemer” pra cá, “Como vai? #ForaTemer” pra lá, que eu, totalmente #ForaTemer desde o início, já me sentia dentro.
Depois de algum tempo por lá, recebendo a energia daquele todo e desfrutando da coletividade daquele tudo, encontrei vários amigos de trabalhos antigos e de lutas eternas e resolvi acompanhá-los na caminhada à Candelária. Estávamos há 100 metros da ALERJ quando as bombas começaram. Resolvemos não correr, calejados desse instrumento imposto pelos governos idiotas deste Estado.
Ao barulho da terceira ou quarta bomba, um coro de #ForaTemer se ouviu e repetiu-se mais duas vezes. Foi maravilhoso!
Mas o que eu gostaria de escrever, de fato, depois de muitos dias do acontecido (até para afastar o puro entusiasmo do momento verdadeiro), é o seguinte: os governantes, por serem os nossos empregados representativos na política, deveriam ser dotados de mais inteligência. Talvez, sair do lugar-comum já seria um avanço.
Polícia com cara de mauzinho, bombas e gás, se antes apavoravam, hoje é motivo de luta intensificada. A maioria sabia que a repressão viria em algum momento, mas estávamos lá, mesmo assim. Sabe por quê? Porque perdemos o medo das bombas, perdemos a paciência com os telejornais noticiando mentiras, com a enxurrada de milhões de Reais em propaganda midiática, os bilhões perdoados dos banqueiros, empresários e industriais. Encheu o saco. O cassetete quebrado na cabeça do estudante não nos acua, revolta-nos. E, cá entre nós, só a vergonha de termos o presidente que temos já é motivo mais do que suficiente para irmos às ruas.
Eu sei que o país sempre foi governado por uma elite irresponsável e babaca, que o nosso sonho democrático é algo pingado, um banco de areia num mar de golpe. Contudo, quando você joga muitas bombas nos nossos ouvidos, chega uma hora que não ouvimos barulho, mas batucada. E pensando em música, vou citar uma cantarolada por jovens lindíssimos no decorrer da manifestação e lembrar uma coisa: amanhã vai ser maior.
“Se o povo soubesse o talento que ele tem
 Não aturava desaforo de ninguém”


______________________________________________________



quarta-feira, 22 de março de 2017

O juiz que sequestrou um jornalista

Por Felipe Pena
Jornal Extra

"Tenho Pena dele" é o nome da página no facebook que minha mulher fez pra mim.

No começo, não achei a ideia boa. Argumentei que não ficaria bem perante a minha comunidade, mas acabei cedendo às pressões do amor midiático da Karlinha, esposa amada e zelosa.

Como sabem, sou juiz da Liga de Futebol de Várzea do meu bairro. Quando me visto de preto, todos me respeitam a abaixam a cabeça. Apito com força e conhecimento. Sou formado pela Soccer Judge Association, em Harvard, capital intelectual do esporte.

No campo, minhas decisões são rápidas. Não hesito em distribuir cartões vermelhos. Já mandei muita gente pro chuveiro mais cedo. Em alguns casos, deixo o jogador trancado no vestiário por meses até que ele entregue o técnico que o instruiu a entrar de carrinho no adversário. Aí expulso o técnico, o massagista e até o porteiro do clube. Sou o justiceiro da liga.

Os torcedores me amam. Quer dizer, a quase totalidade me ama. Os de amarelo amam um pouco mais. Tiram até selfies comigo quando vou a restaurantes, shows e homenagens. Mas, no ano passado, tivemos um pequeno problema de comunicação e minha dileta consorte pediu vênia para fazer a tal página no livro dos rostos.

"Será um desagravo a você" – dizia, com uma admiração karnal, ultrapassando a metafísica e querendo me defender de um episódio controverso.

Ela se referia ao fato de eu ter divulgado gravações de conversas com os jogadores durante uma partida. Na época, vazei tudo para a imprensa, mesmo sabendo que era ilegal. O importante era garantir a transparência do jogo através do grampo no meu apito. Mas o pessoal da federação não gostou e puxou a minha orelha. Quer saber? Obrei pra eles.

O problema mesmo é que ficaram irritadinhos porque chamei o capitão do time adversário pra uma conversa coercitiva com meus lindos e poderosos bandeirinhas. Nada demais, só uma vasculhada nas gavetas e duas ou três invasões de domicílio pra causar um AVC nos familiares.

E ainda fui obrigado a adiar a conversa porque um jornalista cretino vazou a operação. Quem ele pensa que é? Só quem vaza informação nesse jogo sou eu, meu querido. "Vai se arrepender" – pensei, e aguardei um ano pra dar o troco. Um ano de paciência, mas a hora do sujeito finalmente chegou.

Hoje, meti uma coercitiva nele. O meliante do microfone foi arrancado de casa pelos meus bandeirinhas musculosos (comandados por um hipster todo trabalhado no fascismo) e conduzido para a sede da federação dos juízes. E ainda levei computadores, celular, tablet e aquela parafernália eletrônica do blog. Se ele conseguir sair do cativeiro, vai ficar um bom tempo sem trabalhar.

Os colegas do cara nem reclamaram. São todos meus amigos e vivem das informações que vazo pra eles. Se não fosse por mim, não teriam notícias. Acha que alguém é louco de me peitar nesse bairro?

O futebol é meu esporte.

Sou o dono da bola e faço as regras aqui na várzea.

Os poucos que não se enquadram enfrentam a fúria de Karla, minha esposa, minha protetora e minha blogueira.

Entrem na página que ela fez pra mim no facebook.

Hoje, deixei um vídeo pra vocês. Amanhã, mostrarei as algemas do cativeiro e as fotos do sequestrado para aumentar o número de views.

Eu sei, eu sei: quando um juiz se preocupa com a popularidade, não faz justiça, faz política.

Mas quem se importa?

Isso é apenas futebol.

De bairro.

E de várzea.

Tenho pena de mim.



Felipe Pena é jornalista, escritor e psicanalista. Doutor em literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne III, foi visiting scholar da NYU e comentarista da GloboNews. É autor de 15 livros, entre eles o ensaio "No jornalismo não há fibrose", finalista do prêmio Jabuti.


terça-feira, 21 de março de 2017

Do fluxo

“Por que eu? Minha irmã era, é muito mais bonita”. E ela nunca entendeu bem o porquê da escolha ou a movimentação dos astros. “Porque você brilha quando sorri com os lábios fechados, lábios carnudos e bem feitos, com os olhos grandes de jabuticaba e lindamente sedutores. Porque você explode quando gargalha, quando ajeita os cabelos rebeldes”. E ele gostava da voz rouca, do jeito triste de ficar séria, da facilidade em dizer foda-se.
Depois que ficaram, outras coisas e momentos incorporaram-se naturalmente àquela especulação. Ele tinha fascínio pelo formato do seu rosto, pelo jeito como ela beijava, sua paixão e excitação, seus seios pequenos, seu espírito decidido.
Claro que ele era muito infantil para ela, uma mulher completa em todo o seu estado de luz e sombras e, naturalmente, demorou pouco pra ela perceber isso. O término não foi grande coisa, ele sabia disfarçar a dor e atuar sobre a superfície do choro e foram abraçados e fazendo brincadeiras que se despediram àquela noite.
Ela não teve dificuldade de ajeitar a vida, pois pulsante e imediata, sabia de cor fazer omelete com os ovos quebrados; ele sofreu um pouco, pois pulsante e exageradamente abraçado a coisas como The Cure, e por que não? Ele era desse jeito meio dark e a beleza peculiar de se mover no mundo com essa visão niilista era um charme a parte; e ele viveu para desmentir isso e não ser convincente.
Certamente eles encontraram outros amores, pois viver demanda um bater de coração constante, mesmo que não ritmado. E soluços e contratempos fazem parte dos caminhos escolhidos. Uns falam que é preciso para que se haja evolução. Ele acha, apenas, que, enquanto matemática, números negativos e/ou fracionados também estão dentro do conjunto, e foi vivendo com ou sem dificuldade.
Um dia, encontraram-se num café, ela diz que havia sol, ele jura que ameaçava chover. Ela pediu frapê, ele, expresso. “Nunca entendi o porquê de você preferir a mim”, foi o que ela disse quando se sentaram. Ter respostas era algo absolutamente necessário para o seu espírito desbravador. Ele olhou-a com muita atenção enquanto fazia esta, para ele, pergunta boba, e reparou que ela sorria de lábios fechados, com o olhar radiante. Passaram-se 15 anos e a mulher continuava explodindo na retina dele.
“Eu te amo. Não sei explicar de outra forma.”
Despediram-se prometendo um novo encontro que nunca aconteceu. É do fluxo essas pequenas mentiras, um bálsamo.


 E ele nunca conseguiu esquecer a explosão de cores que eram o olhar e o sorriso dela, mas foi feliz à sua maneira e nunca deixou transparecer a energia atômica que carregava dentro de si. Seus filhos questionavam, às vezes, o porquê de tanto silêncio em dias de muito brilho e praia; ele apenas sorria e abaixava a cabeça. O amor também tem as suas quietudes.


sábado, 4 de fevereiro de 2017

The Stars

 Foi hoje que bateu.
Sabe aquele apertar no peito e o nó na garganta? Aquela vontade de bocejar que é choro querendo vir? Pois é. Bateu hoje.
Acordei cedo, dei banho na filhota, escolhi junto as roupas de ambos, peguei o ônibus e fomos esperar minha ex no lugarzinho de sempre. Eu com um delicioso Cappuccino, ela com seu folheado de queijo e mate com bastante gelo.
Retornei 'inda pouco. Minha tia fez um peixe trilha delicioso. Comi uns 8 com os dedos lambusados de fritura. Adoro.
Nada de importante pra fazer, liguei a TV, sintonizei o YouTube, escolhi um álbum do Bowie, deitei com um livro em mãos. E aí bateu.
Pensei no Lula.
Pensei no que ele significa, na grandeza absurda do líder e na dor impotente do homem.
Pensei na Mulher. Marisa. Na grande e vigorosa Marisa. Naquela que confeccionou A Estrela e que brilhou longe dos holofotes perversos do poder. Estava sobre eles. Estava além disso tudo.
Matre, mom, mãe. Via Láctea.
Foi hoje que bateu.
Como um martelo.