quarta-feira, 31 de março de 2010

Eles

Ela sempre age como se o mundo fosse acabar daqui a um minuto. Sempre desesperada com o nada, com um copo d’água.

Ele, ao contrário, sempre circula muito na dele, apesar do carisma que emana quase instantaneamente. Sagaz na arte de entreter as pessoas.

Eles combinam ao modo deles. Nada muito pão com manteiga, nada muito lixa com seda. São na medida um do outro. O que falta em um sobra consideravelmente no outro. Assim assado. Sempre.

Ela quis alguma coisa que, para ele, era o fim do mundo (ao modo dele, apesar de ser ela a gostar do copo d’água). Brigaram.

Ele estava saturado com alguma coisa passada e, paradoxalmente, resolveu encarar as ofensas ofendendo também. Aliás, disse logo um “foda-se” de cara.

Eles ficaram nesse termo por muito tempo. Foi aí que ela explodiu e ele se fechou. Tudo voltara ao normal, mas alguma coisa ficara fora do lugar.

Ela diz que ele só quer fazer sexo e que não conversa mais sobre nada.

Ele afirma que nunca faz sexo porque ela está quase sempre com cefaleia.

Eles, enfim, concordam com uma coisa: é o sexo (ou a falta de), apenas ele (ou sua ausência), o responsável por tudo (ou por nada).

Ela foi trabalhar mais cedo do que o de costume.

Ele havia escrito isto para ela:

“Queria sair do presente quase

Ansiava o instante já

Estar dentro, dentro, completo

Salivar, transpirar, pulsar

.

Morrer um pouco naquele agora

Acarinhar o momento depois

Como se nada fosse tudo ou macro

Além do querer de nós dois”

Eles são assim.

Homenagem do Blogue Nota de Rodapé ao (mestre) Armando Nogueira

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1989: debate Lula x Collor e a atuação do mestre Armando Nogueira

Armando Nogueira, 83, faleceu nesta segunda-feira, 29 de março, deixando um legado na profissão que o consagrou. Poeta e cronista esportivo dos mais brilhantes, o “mestre”, como era comumente chamado, nasceu na mesma terra de Chico Mendes, o protetor da floresta, em Xapuri no Acre.
Além de sua considerada habilidade para tratar do esporte nacional, suas paixões - o futebol moleque e o Botafogo - se complementavam com sua alma de jornalista. Armando Nogueira também foi pioneiro do telejornalismo, responsável pela implantação do jornalismo na Rede Globo, onde criou o Jornal Nacional. E foi, por consequência, um dos pivôs de um importante momento político nacional com sua posição exemplar em defesa do sobriedade da profissão.
Me refiro ao debate Lula x Collor nas eleições de 1989, editado a favor do candidato marajá. No vídeo, produzido pelos alunos do 2º Semestre de Jornalismo da Unisa, Armando comenta os bastidores do processo da edição descompensada no que seria, em linhas gerais, o melhor de Collor e o pior de Lula. Armando saiu da emissora em seguida, seguindo novos projetos. Essa é a homenagem do Nota de Rodapé.
Peça antológica de mau jornalismo”
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“A minha revelia eles deformaram a edição”
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Blogue Nota de Rodapé

terça-feira, 30 de março de 2010

A beleza de Fernando

Razão x desejo

A razão é imprecisa,
abstrata.

O desejo é indiscutível
e absoluto.

Quem deseja, sempre tem razão.



***


O caminho


Passou a vida
seguindo regras
e receitas

para alcançar a felicidade.

E fracassou.
E, enfim, foi feliz.

***


Onde existo


Meu endereço é relativo.

Não me procure
onde estou.

Vivo mais
onde quero ser.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Porra, Dimenstein!

Por Flávio Mesquita

Editor do (ótimo) blogue Teoria do Khaos

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Venho acompanhando de fora os desdobramentos da greve dos professores em São Paulo. Como morador do Rio, não vivo “na pele” o problema, o que me impede de fazer um juízo completo se as reivindicações da categoria são justas ou injustas, se possuem ou não propósito ou se são “partidárias”, apesar de seu caráter político, no sentido primaz da palavra. Agora, reduzir a discussão a uma “greve contra o pobre”, como faz Gilberto Dimenstein, peraí!

O nobre colunista da “Pholha”, um dos tentáculos do PIG, afirma, entre outras coisas, que a greve pode revelar que a categoria é a favor do “absenteísmo” e “contra os méritos para a progressão na carreira”. Em outras palavras, Dimenstein tenta nos convencer de que, em sua maioria, o professor que adere à paralisação é um profissional preguiçoso, que quer sempre receber mais do que merece e que quer mais que o pobre se foda, em todos os sentidos que o termo pode abranger.

Claro que existem maus professores. Aliás, a figura do mau profissional é um mal comum a todas as profissões. No serviço público, então, é responsável por um estigma, quase uma maldição. O problema, a meu ver, parece a falta de um política consistente de formação para a progressão do servidor. E aí, um plano de carreira sério, responsável e coerente ainda é a saída contra as invencionices de gente, como o Sr. Gilberto Dimenstein, que sequer sabe o que significa dar aula em uma sala úmida e mal ventilada em Queimados, na favela da Rocinha ou na Zona Leste de São Paulo e fazer seu aluno acreditar que é o estudo, e não a porra de um fuzil, o passaporte para uma vida melhor.

Não sou contra a política de formação. Também não sou contra cobrar do servidor sua responsabilidade com a população mais carente, seu público e verdadeiro patrão. Sou sim contra a politiquinha cínica e nefasta do acordo do rabo preso, comum nas escolas país afora, na qual a maioria dos governos faz vista grossa e cujo mau profissional adora se abalizar.

Para que haja avanços de fato e de direito para o trabalhador, em prol da população, é preciso:

  • Que o sindicato, noves fora a pulverização de tendências políticas e interesses difusos que venha a ter, seja o canal de negociação entre governo e categoria, agindo com compromisso, responsabilidade e coerência diante dos interesses da maioria dos trabalhadores na educação.
  • Que o governo, independente de sua corrente ou tendência, mantenha sempre o diálogo com o sindicato, excluindo as diferenças políticas de cada lado, agindo dentro da responsabilidade fiscal e de seu compromisso para o qual foi escolhido pela população.
  • Que a população torça para uma solução rápida para o impasse, cobrando tanto do governo quanto do sindicato, soluções que não prejudiquem o andamento do serviço público no futuro.
  • E que o senhor, caro Dimenstein, CALE A BOCA!

Fonte: www.teoriadokhaos.blogspot.com

sábado, 27 de março de 2010

O culpado é o morto

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revista óia (ou, quero-ser-taimes...) desta semana.

como só ela sabe fazer (reconheçamos seus, digamos, 'méritos'...), instiga a manada que lhe assina e lê a pensar (risos, risos, risos...) o seguinte: se, por acaso, quem sabe, o psicopata que covardemente exterminou Glauco e seu filho não tomasse o chá do Santo Daime, talvez não tivesse feito a merda que fez.

hummm...
interessante.
gostei da - embora de mau gosto - brincadeirinha.
então tá.

permito-me pensar que, talvez, se inférteis fossem as gônadas de vovô civita e ou de vovó civita, então não existiria a revista óia - e, por extensão, nenhum dos cânceres políticos, sociais e culturais que ela, revista, por tanto tempo provocou em todo um país, em todo um povo.

pense aí:
se o psicopata esse fosse da universal do reino de deus e tivesse matado o aeróbico e saltitante padre marcelo, o que teria a óia a insinuar e instigar em seu, a propósito, rebanho?

vige!

melhor fazer como o público leitor (ou melhor, visor) dessa revista - ou seja, não pensar.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Formatura

Era o momento do um? O instante novo? O antistante? O pré-momentâneo? Era o acaso molhando suas barbas nas águas escuras ou o big bang no vácuo divino?

Era o que viria a ser. Inestimável, absoluto, etéreo. Era o que surgiria nos moldes de phi, das leis de thelema, das ruínas de Petra, do coração improvável.

Era o levante, a circundação da Sardenha, a impressionante ocasião em que todos os gozos atingem a morte fracionária.

As palavras sussurradas, o choro silencioso, a transformação do homem-pai em objeto bobo, passivo, vulnerável.

De repente, acontece! O homem grisalho abre o papiro, convoca. Todos ficam em fila. O sol brilha e eu sinto o calor no meu peito, apesar do templo ser coberto e as estrelas romperem a escuridão. O sol é Rá, estou no edifício de Osíris, no meio da plateia epifânica. E lá, junto a outros deuses, está ela, subindo as escadas, indumentária preta. Sorrimos, choramos, aceitamos a bandeira.

O momento é paradoxalmente eterno, no palco, todos em câmera lenta recebem os aplausos. Um filme percorrendo toda a nossa vida passa diante dos meus olhos internos. E ela. Ela. Toda humana, toda deusa, toda-toda. Agora, também, diplomada!

terça-feira, 23 de março de 2010

A ESTRADA

Sinto o primeiro impacto. De imediato, sou dominado por inesperada quentura nas costas. Mas consigo correr. E corro. Um segundo impacto me atinge. Preciso correr, mais ainda. Um rio me aguarda, à esquerda. Mergulho nele. Suas águas me envolvem com certa doçura. Mas de onde surgira aquele rio, em plena Glória, entre a Lapa e o Catete? Não importa; o que importa é que estou a salvo. O calor aumenta. Ouço os sinos da igreja mais próxima. Uma voz de rapariga me chama. Ambrósio, Ambrósio, cuidado com a ponte, não se deixe enforcar. O fogo me queima por dentro. Não sei nadar, lembro-me de repente. O que está acontecendo, então? Só sei que não existe mais qualquer sinal de rio; estou numa estrada de tijolos amarelos, familiar cena de filme antigo. Caminho com passos lentos; o calor que me domina é intenso. Pressinto que minhas roupas estão encarnadas. E encarnado é o meu cordão, em disputa contra o cordão azul. Sou uma criança apaixonada pela rainha do Encarnado na cidade da minha infância. Carlitos, o Gordo e o Magro me fazem companhia, sorrindo. Durango Kid aproxima-se: Não se preocupe, estou aqui para defendê-lo dos bandidos. Estou aqui para salvá-lo das balas perdidas. Confie em mim. Olho para o meu avô, com sua ternura sem fim. No caminhão da feira, cortando o cheiro da manhã carregada de mangas e esperanças, contamos os jumentos à beira da estrada, a mesma estrada de tijolos amarelos. À esquerda e à direita vemos jumentos tristes e honestos. São dezenas, são centenas deles. Estranho, parecem pássaros que não sabem voar. Quem ganhará a aposta? O feirante bêbado de auroras garantindo que à direita do veículo, beirando a estrada, maior seria o número daqueles pobres e inevitáveis animais? Ou vencerá o outro? O outro não sou eu; eu sou aquele que precisa mergulhar no Poço de Santana, no final da estrada. Mas o Poço está longe, muito longe. Nunca fiz um filho. Nunca plantei uma árvore. Nunca escrevi um livro. Nunca entrei num túnel tão comprido. E as coisas estão ficando cada vez mais nebulosas. Além, já noite, do alto do coreto da praça, Luiz Gonzaga acena para mim. Asa branca, assum preto, légua tirana. Baião-de-dois. Baião-de-três. Baião-de-cinco. O império submarino. Flash Gordon no Planeta Mongo. A volta do Aranha-Negra. Sansão e Dalila. Nunca houve uma mulher como Gilda. Os melhores anos de nossas vidas. Belinda. O barco das ilusões. Amar foi minha ruína. Dois palermas em Oxford. Paraíso proibido. Tarzan e as amazonas. O império das ilusões. O Aranha-Negra no Planeta Mongo. Sansão, Gilda, Belinda e Dalila. Nunca houve uma mulher como Tarzan. Estou cansado. O chão da Glória tem gosto de sangue e sertão. Preciso dormir.
________________________________
ESCURIDÃO
Lisbeth Lima
[ in Vasto, 2010 ]

Foi a tua boca que busquei,
na noite escura, quando me senti só.

Foi o teu beijo que me iluminou
até que eu encontrasse a luz do dia,
outra vez de olhos abertos.
.

Atenção:
Vasto, editado pelo Sebo Vermelho,
será lançado amanhã, na
Aliança Francesa, na Praça Pedro Velho, Natal,
a partir das 19 horas.
_________________________________
Claro que lá no Balaio Porreta, do nosso professor Moacy Cirne, há muito mais. É só conferir e (salve, Pirata!) que os seus olhos sejam atendidos!

quinta-feira, 18 de março de 2010

LEITURAS DA FOLHA

A escandalização do factóide

Por Luis Nassif em 11/3/2010

Observatório da Imprensa

Reproduzido do blog do autor, 11/3/2010; título original "A escandalização da Folha"

Na "denúncia" da Folha, sobre meu contrato com a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), uma demonstração do tipo de jornalismo menor a que Otavio Frias Filho levou o jornal. É um suicídio lento, sistemático, sem retorno.

O programa Projeto Brasil seria renovado com a TV Cultura. Não o foi devido a críticas que fiz a José Serra – conforme consta de respostas que dei ao jornal, sobre as razões de minha ida para a EBC e que foram suprimidas da matéria. Se a intenção fosse ser chapa branca, não faria as críticas merecidas à Sabesp e ao Serra.

Não há um elemento que caracterize irregularidade ou proteção no contrato. Os valores estão claros, dentro da lógica de qualquer programa de TV aberto ou fechado. Foram fixados com base no contrato inicial que mantive com a Fundação Padre Anchieta. E o programa tem importância estratégica para a TV Brasil, conforme se confere no comentário do diretor de programação Rogério Brandão, em email à Helena Chagas, diretora de jornalismo (clique aqui):

"O Brasilianas tem a cara da TV Pública! É um programa que estaria na PBS americana facilmente. Penso que com o tempo ele crescerá, e terá um papel relevante na grade. Nossa 2ª feira agora tem um concorrente à altura do Roda Viva."

No próprio texto da matéria fica explícito o motivo da escandalização do factóide: o desmonte do falso escândalo que a Folha criou sobre a Eletronet. Fala em defesa de José Dirceu. Falso! Através de um expediente malicioso, foi a Folha quem fez o jogo do empresário que contratou Dirceu. Era interesse de Nelson implodir o Plano Brasileiro de Banda Larga porque, saindo, matava qualquer possibilidade de ressuscitar a falecida Eletronet e, com isso, de ele ganhar os tais R$ 200 milhões. Se contratou Dirceu para atuar no caso, seria justamente para implodir o PNBL.

Maliciosamente a Folha pegou o contrato dele com Dirceu – passado a ela pelo próprio Nelson dos Santos – para afirmar que visava justamente aprovar o PNBL. A intenção era clara: como Dirceu é estigmatizado, o simples fato de se afirmar que seu lobby seria a favor do PNBL teria o efeito contrário: implodir o PNBL e beneficiar Nelson dos Santos.

Esse tema foi exposto no post "Eletronet: o lobby foi da Folha". Em "O jogo em torno da Eletronet" avancei hipóteses sobre outros possíveis interesses do grupo em relação ao tema. Em "A falta de rumo do caso Folha-Eletronet" mostrei a tergiversação do jornal, tentando salvar a manobra mudando de direção, mas com os mesmos objetivos, de implodir o PNBL.

Momento futuro 

Para despertar o espírito corporativo interno, a matéria diz que minhas notas no caso Eletronet tentaram desqualificar jornalistas. Ora, é fato inédito o jornal se levantando em defesa de seus jornalistas. Nesta mesma semana, Otavinho conferiu a terceiro o direito de fuzilar dois jornalistas seus em plenas páginas do jornal, tratando-os como "delinquentes" (ver, neste OI, "Repórteres no pelourinho"). Todo jornalista da Folhasabe que, a qualquer momento, poderá ser o alvo da deslealdade de seu chefe, que age assim mesmo.

Quando percebeu que nem os jornalistas suportavam mais o amordaçamento total a que foram submetidos e começavam a pipocar aqui e ali matérias fora desse padrão suicida de manipulação, convocou Demétrio Magnolli para executar exemplarmente dois deles em praça pública: através da página 3 do jornal, em um artigo que os tratava como "delinquentes". A intenção foi, liquidando covardemente com dois deles (em um tema, cotas raciais, que não tem nenhuma relação com a guerra política empreendida pelo jornal), enquadrar os demais.

Quanto às minhas críticas ao Márcio Aith, jamais atacaria um colega por um erro de interpretação de matéria, ainda que grave. Há outras razões bem mais substantivas, sobre as quais Aith poderá fornecer detalhes. Apenas adianto que ele foi testemunha de acusação contra mim em um caso – a série sobre a Veja – em que tinha sido minha fonte.

Já a Folha, em algum momento do futuro terá que se haver e prestar contas de seus próprios escândalos – inclusive com entes públicos –, que não são meros factóides, com os quais tentou me atingir.

Abaixo, o teor do email que recebi do repórter da Folha, seguido das minhas respostas. É um elemento bastante didático para as escolas de jornalismo, sobre como definir, primeiro, o alvo, e depois sair caçando qualquer coisa que possa ser utilizada contra ele. Depois das respostas, a matéria da Folha.

Perguntas e respostas à Folha

De quem partiu a iniciativa para a contratação da sua empresa Dinheiro Vivo Agência de Informações pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação)? O projeto lhe foi requerido pela EBC ou o sr. procurou a EBC?;

L.N. – O projeto já existia na TV Cultura. Foi descontinuado na gestão Mendonça. Seria retomado no final de 2008. Já havia reunião marcada por Paulo Markun para discutirmos o novo contrato. Dias antes fui informado que não haveria mais a renovação. Entre a marcação do dia e a desistência da FPA, escrevi matérias sobre a piora nos balanços da Sabesp, criticando as campanhas publicitárias que ela bancava em nível nacional.

Se a Cultura não tivesse desistido do projeto, na Cultura ele teria permanecido. Com a desistência, procurei a EBC e ofereci o programa.

Que critérios objetivos o sr. adotou para estipular a sua remuneração de R$ 660.000,00 como apresentador e responsável pelo programa?

L.N. – O valor que considerei justo. E que guarda correspondência com o primeiro contrato que firmei com a Fundação Padre Anchieta (FPA) como comentarista doJornal da Cultura e apresentador do Projeto Brasil.

No contrato com a FPA havia um envolvimento menor da minha equipe com o programa, cuja gravação ficava a cargo da TV Cultura. Com a EBC, além de comentarista do Repórter Brasil, há um envolvimento amplo com o programaBrasilianas.org que é entregue pronto. Há uma equipe contratada especialmente para o programa (nota: já que a EBC, em processo de formação, não tinha ainda estrutura interna para as gravações) – cujos custos são cobertos pela EBC. Mas há todo um trabalho da equipe da Dinheiro Vivo com conteúdo, supervisão das gravações de TV, agendamento de entrevistas, convite aos debatedores. Além da minha participação pessoal.

Com a FPA o contrato previa participação nos patrocínios, garantido um mínimo mensal. A EBC não tem essa modalidade.

Um dos elementos de fixação de proventos ou salários de jornalistas – adotado por todos os veículos, inclusive a Folha – é o grau de reconhecimento e projeção perante a opinião pública. Como o colega deve se recordar, no último Prêmio Comunique-se fui um dos três finalistas da Categoria Melhor Jornalista de Economia da Televisão, junto com a Mirian Leitão e o Joelmir Betting (que venceu). E não concorri ao de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita porque havia vencido a edição anterior e o Prêmio proíbe a reeleição.

Em suma, os mesmos fatores que são levados em conta em qualquer contratação de jornalistas ou projeto por emissoras de TV.

Por que a sua contratação não se submeteu a uma licitação pública, preferindo ser fechada por "inexegibilidade"?

L.N. – A EBC pode explicar melhor. Mas presumo que por dois motivos. Ponto 1: notória especialização. Os prêmios que acumulei ao longo de minha carreira e nos últimos anos atestam essa minha especialização. Ponto 2: sou o criador do Projeto Brasil de discussão de políticas públicas casando TV e internet apresentado à EBC, que entendeu que se adequava perfeitamente ao espírito de uma TV que pretende abrir espaço para as grandes discussões públicas. É um projeto inovador e sem similar. Preenchem-se, assim, as duas condições para inexigibilidade de licitação.

Chamo a atenção para uma questão similar. No dia 3 de abril de 2009, através doDiário Oficial do Estado fica-se sabendo que a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), ligado à Secretaria da Educação de São Paulo, adquiriu 5.499 assinaturas do jornal Folha de S.Paulo, com inexigibilidade de licitação. Creio que o argumento jurídico é o mesmo que fundamenta minha contratação pela EBC com inexigibilidade de licitação.

O primeiro pagamento da EBC para a sua empresa data de 24 de julho de 2009. Contudo, até a presente data, cerca de 7 meses depois, nenhum programa foi ao ar (a estreia está prevista para segunda-feira). O que aconteceu?

L.N. – Um período inicial para a montagem da equipe e a formatação do programa (construção de cenários, discussão da linguagem televisiva). Depois, a definição da grade de programação da EBC, que pode ser melhor explicada por ela própria. Os programas estão sendo produzidos e já existem vários gravados. E trabalho no projeto desde a data de assinatura do contrato, conforme você pode conferir nos relatórios apresentados.

No cronograma da produção do programa, observei que estão previstas ou foram realizadas gravações de evento denominado "Sarau do Luís Nassif". Contudo, verificando o Projeto Básico, não encontrei nenhuma previsão relativa à gravação do "Sarau". Qual a exata ligação entre o "Sarau" e o programa televisivo e por que isso não constou do Projeto Básico?

L.N. – É impossível definir, em um Projeto Básico, todas as ações a serem tomadas no decorrer de um ano. A montagem de um programa pressupõe vinhetas de abertura e fechamento. O Projeto Brasil, da TV Cultura, iniciava e terminava com cenas de arquivo com música brasileira. Pensou-se em repetir o modelo, mas comigo tocando bandolim. Depois de ver o resultado final, achei que poderia passar a ideia de cabotinismo e desisti. Apenas isso, já que todas as cenas foram gravadas, constam de nossos arquivos e não implicaram nenhum custo adicional para a EBC.

Segundo me informou a EBC, o primeiro programa, cuja estreia deverá ocorrer na segunda-feira que vem, tratará do tema da Defesa. O sr. ou suas empresas trabalham com empresas ligadas ao setor? Quais eventos do chamado "Projeto Brasil" receberam patrocínio de empresa (s) ligada (s) ao setor? De acordo com meus levantamentos, a empresa francesa Dassault Aviation, que tem interesse direto na venda de equipamentos militares para o governo brasileiro, patrocinou um seminário promovido pelo sr. no dia 17 de dezembro de 2008, no Novotel Hotels, em São José dos Campos. Caso o sr. ou suas empresas prestem consultoria ou tenham outros tipos de vínculos negociais com essas empresas da área militar, o sr. informou à EBC possível conflito de interesses? Ou o sr. entende que tal eventual conflito é inexistente e, por isso, nada informou?

L.N. – É importante qualificar melhor esse "meus levantamentos". Todos os seminários do Projeto Brasil têm patrocínios que são públicos, saem em anúncios, grande parte dos quais foram publicados no caderno "Dinheiro" da própria Folha durante muitos e muitos anos – anúncios que eram descontados do meu salário de colunista, conforme o Otavinho poderá lhe informar. Portanto, não há informações secretas que exijam grandes pesquisas.

No seminário em questão, o patrocínio foi de R$ 15 mil, brutos, ou R$ 13 mil líquidos. Os custos diretos com o evento foram de R$ 9.448,65 – salão, recepção, projetores, gravação etc. Se se computar custos de traslado para São José dos Campos, de uma equipe de quatro pessoas, mais o tempo que elas e eu dedicamos ao evento, sairíamos no prejuízo. Mas mantivemos o seminário por considerá-lo relevante para a discussão de políticas públicas. Mas mesmo que os patrocínios tivessem permitido um bom lucro, não há razão para não considerá-los legítimos, da mesma maneira que são legítimos os anúncios publicados em cadernos temáticos especiais pela Folha.

Outro ponto importante é que os patrocinadores jamais participaram da elaboração dos temas do seminário e dos palestrantes convidados. Conforme você poderá conferir nos anais do Seminário (ver aqui), um dos principais palestrantes foi o saudoso João Verdi, da Avibras, que buscava parceria com os russos da Sukhoi e, portanto, era concorrente direto da Dassault na licitação FX. Em outros seminários de Defesa recebemos patrocínio da Dassault, Embraer, da sueca Grippen, como consta dos anúncios publicados.

Vamos, agora, às práticas comerciais de outros jornais, tomando o exemplo o jornalValor Econômico – que tem como um dos sócios e responsável por sua gestão a Empresa Folha da Manhã. No dia 7 de abril de 2009, o Valor Econômico realizou seminário sobre Defesa em Brasília, tendo como um dos patrocinadores a Thales, ligada ao grupo Dassault. A comprovação pode ser encontrada aqui. No dia 1º de março de 2010, outro seminário sobre o Complexo Industrial da Saúde, onde consta apoio do Ministério da Saúde (ver aqui). Além do apoio, o Ministério participou também da elaboração dos temas e da escolha dos convidados.

Pela programação do seminário, identificam-se os seguintes expositores da área federal: o Ministro da Saúde, o chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos da Área Industrial do BNDES, o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz (estatal), o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o Secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia, o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), e diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No site do Valor pode-se conferir também o seminário "Investimentos estratégicos para o desenvolvimento do Nordeste", com apoio do Ministério da Integração Nacional (ver aqui), tendo como palestrantes dirigentes da Sudene, do Banco do Nordeste do Brasil e Chefs – empresas públicas.

Ou então – voltando para os patrocínios privados – o seminário "Relicitação ou Prorrogação das Concessões do Setor Elétrico", tendo como patrocinador uma empresa interessada no setor, a CPFL.

Pergunto: esses seminários, importantes para enriquecer o debate nacional, podem ser considerados uma forma de consultoria ou de lobby do jornal Valor? Acredito que não.

De acordo com os levantamentos feitos no Siafi, o sr. recebeu R$ 14.480,00 (já descontados os impostos) para proferir, no ano passado, uma palestra para a FINEP, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciencia e Tecnologia. Em quais critérios objetivos o sr. se baseou para cobrar o valor?

L.N. – A palestra foi proferida em Palmas, Tocantins, em um evento para o setor privado denominado de "Inovação em Tempo de Crise". Minha palestra teve como tema "O Novo Padrão de Desenvolvimento pós-crise". O critério adotado foi de um desconto no valor que cobro para palestras fora de São Paulo.

Devido aos nossos prazos jornalísticos de fechamento, solicito, se possível, uma resposta até o início da tarde de amanhã, quinta-feira.

L.N. – Bom, o objetivo da Folha foi o de devassar os negócios da Dinheiro Vivo, valer-se de um tom inquisitorial para questionar negócios comerciais legítimos e com benefícios comprovados para a sociedade – basta conferir a relação de vídeos e trabalhos sobre mais de 50 temas relevantes, que disponibilizamos para a opinião pública. Não me furtei a apresentar os esclarecimentos solicitados.

Julgando-se a Folha no direito de questionar-me sobre os negócios da DV, me dá o direito de questioná-la sobre seus negócios. Oportunamente enviarei email com perguntas importantes para entender o relacionamento da Folha com entes públicos.

Peço apenas que me confirme se as respostas foram satisfatórias, se todas as dúvidas foram apresentadas e esclarecidas e se, mesmo assim, ainda valerá uma reportagem. Caso se mantenha a reportagem, solicito informar o dia para que minhas perguntas e respostas possam sair simultaneamente, sem furar seu trabalho.

Segundo email enviado

Na sua resposta à minha dúvida sobre a sua remuneração, o sr. citou custos com a produção do programa. Contudo, o valor total do contrato é de R$ 1,2 milhão. Portanto, metade dos recursos vai para a produção e metade para a sua remuneração pessoal.

L.N. – Aqui vão os dados do último relatório que está sendo fechado agora. O contrato inicial previa R$ 60.000 mensais brutos para a DV e R$ 30 mil líquidos para a produção. Bruto, sai R$ 100.000,00 mensais. Com as demandas adicionais da EBC (não previstas no plano inicial de trabalho), estão sendo gastos R$ 51.608.00 líquidos na produção (nota: específica de TV: aluguel de equipamentos, contratação de equipe, compra de material, locomoção etc), conforme prestação de contas. Sobram R$ 49.000,00 brutos para a Dinheiro Vivo (e sua equipe) e para meus comentários. Ou cerca de R$ 39 mil líquidos.

A minha pergunta sobre os patrocínios ao Projeto Brasil não diziam respeito à legalidade ou ilegalidade de tais patrocínios, mas simplesmente se o sr. comunicou à EBC, uma empresa pública, suposto conflito de interesse, ou se, de outra parte, entendeu que não havia conflito algum. Esse assunto me leva a outras perguntas:

L.N. – Não há conflito de interesse.

Quais são, exatamente, os atuais clientes da empresa Dinheiro Vivo? A pergunta tem pertinência porque o sr. agora apresenta um programa em emissora pública, percebendo para isso recursos públicos, do Orçamento da União. Assim, nada mais natural, sob o ponto de vista do interesse público, conhecer melhor seus vínculos negociais. Nada mais natural, sob o ponto de vista do interesse público, que se saibam todos os detalhes do contrato firmado com o ente público.

L.N. – Dinheiro público é aquele do contrato. Você tem o direito de fazer todas as perguntas pertinentes ao contrato. E eu de responder. Não consta que uma empresa fornecedora de produtos ou serviços para o setor público seja obrigada a abrir sua estratégia comercial. Se a Folha se propuser a abrir seus dados comerciais, não veria problemas em abrir os da Dinheiro Vivo.

O sr. ou a empresa Dinheiro Vivo fazem consultoria para empresas do setor de Defesa? Em caso positivo, quais são?

L.N. – Não.

Sobre a resposta na íntegra, não é decisão que cabe a um repórter. Consultarei a editora a respeito. O sr. há de saber que o jornal é um produto finito, no qual não cabem todas as respostas de todos os entrevistados por toda a equipe de jornalistas ao longo do dia. Permita-me apenas observar que a publicação de uma resposta na íntegra nada tem a ver com "bons princípios jornalísticos".

L.N. – Não expor todos os argumentos da parte pode ferir.

***

EBC paga R$ 1,2 mi a jornalista pró-governo

Luís Nassif diz que "notória especialização" justifica contratação sem licitação pela estatal que mantém TV Brasil

Rubens Valente # reproduzido da Folha de S.Paulo, 11/3/2010

O jornalista e empresário Luís Nassif mantém um contrato anual, fechado sem licitação, de R$ 1,28 milhão com a estatal EBC (Empresa Brasil de Comunicação), vinculada ao Palácio do Planalto e responsável pela TV Brasil.

A empresa de Nassif, Dinheiro Vivo Agência de Informações, produz um debate semanal, de uma hora, e cinco filmetes semanais de três minutos.

Do R$ 1,28 milhão do contrato, o jornalista fica com R$ 660 mil anuais a título de remuneração, o que equivale a salário de R$ 55 mil. Os pagamentos começaram em agosto. O programa estreou segunda-feira.

À Folha, por e-mail, Nassif afirmou que os insumos de produção cresceram de forma "não prevista no contrato original", por conta de "demandas adicionais da EBC", e que a parte destinada à Dinheiro Vivo corresponde a R$ 49 mil brutos mensais (ou R$ 39 mil líquidos), e não R$ 55 mil.

Os outros R$ 558 mil do contrato são destinados ao pagamento de uma equipe de nove pessoas e à compra de equipamentos. A gravação do debate é feita no estúdio da EBC, que também custeia deslocamento e hospedagem de convidados.

Em seu blog, Nassif tem se posicionado a favor do governo em várias polêmicas, discussões e escândalos. A página também se caracteriza por críticas a jornais e jornalistas.

Após a Folha ter revelado, no mês passado, que a Eletronet, empresa interessada em atos do governo, pagou R$ 620 mil ao ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, Nassif tentou desqualificar os jornalistas e fez a defesa de Dirceu.

A Dinheiro Vivo foi contratada por inexigibilidade de licitação, prevista na lei que regula as licitações. Indagado sobre isso, Nassif respondeu que a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), vinculada à Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, adquiriu em 2009, também por inexigibilidade de licitação, 5.499 assinaturas da Folha.

Segundo a assessoria da Secretaria de Educação, idêntico procedimento foi adotado para a aquisição de assinaturas do jornal "O Estado de S. Paulo" e das revistas "Veja", "Época" e "IstoÉ". O objetivo das compras, segundo a secretaria, é abastecer as bibliotecas de de escolas públicas no Estado.

Para dispensar a licitação e contratar Nassif, a EBC argumentou que há uma singularidade no programa. Trata-se de um debate de uma hora semanal com três convidados, mediado por Nassif, que também recebe perguntas da plateia e de internautas.

Nassif disse à Folha que seu projeto já existia na TV Cultura, mas foi "descontinuado" logo depois de ele ter escrito artigos sobre "a piora dos balanços da Sabesp". Sobre a dispensa da licitação, o jornalista afirmou: "Presumo que por dois motivos. Ponto um: notória especialização. Os prêmios que acumulei ao longo de minha carreira e nos últimos anos atestam essa minha especialização. Ponto dois: sou o criador do Projeto Brasil de discussão de políticas públicas casando TV e internet apresentado à EBC".

Outros contratos

A EBC informou que mantém outros quatro contratos fechados por inexigibilidade de licitação. São relativos aos programas "Samba na Gamboa" (R$ 1,2 milhão anuais), da produtora Giros, "Papo de Mãe" (R$ 1,99 milhão), da produtora Rentalcam, apresentado pelas jornalistas Mariana Kotscho e Roberta Manrezi, "TV Piá" (R$ 1,34 milhão), dirigido pela jornalista Diléa Frate, e "Expedições" (R$ 1,66 milhão), da jornalista Paula Saldanha.

O diretor jurídico da EBC, Luís Henrique Martins dos Anjos, diz que a contratação de programas artísticos ou jornalísticos, cujos direitos autorais pertencem a outras pessoas, sem licitação e por notória especialização está amparada em um entendimento firmado pelo plenário do TCU, no acórdão nº 201/2001, relatado pelo ministro Benjamin Zymler.

Sérgio Sbragia, sócio de Diléa Frate na produtora Serpente Filmes, afirmou que a escolha de sua empresa "foi um processo muito criterioso", que durou cerca de um ano.

A produtora Giros defendeu a dispensa da licitação. "O projeto "Samba na Gamboa" é apresentado pelo artista Diogo Nogueira. Em função do saber notório atribuído ao artista no mundo do samba (…), este contrato foi assinado de forma excepcional, dispensando licitação", afirmou Maria Carneiro Cunha, da Giros.

A jornalista Paula Saldanha disse que o programa "Expedições" "está há 15 anos no ar, conquistando os melhores índices de audiência em todas as emissoras em que foi exibido (Manchete, TVE e TV Cultura)". Procurada pela Folha na última terça-feira, a Rentalcam não ligou de volta até o fechamento desta edição.

terça-feira, 16 de março de 2010

Símbolo e sociedade

O jogador de futebol, Wagner Love, prestará depoimento à polícia. O motivo? Bem, o citado jogador, da minha seleção flamenguista, por sinal, foi filmado (celular, certamente) na favela (desculpa, comunidade) da Rocinha, em baile funk, escoltado por traficantes.

Em entrevista à mídia brasileira, Wagner Love disse ser normal frequentar a comunidade: “Eu sempre frequentei, sempre fui e não vejo problema nenhum isso. Eu costumo ir a alguns lugares, tenho alguns trabalhos sociais em alguns lugares desses e, por isso, frequento. Tenho afilhado, tenho amigos, então, nunca vou deixar de frequentar minhas origens, minhas raízes.” (O Globo online).

Sinceramente, o que o jogador afirmou é de uma coragem e de uma adesão surpreendentes. Mas porquê digo isso? Vamos lá:

O jogador (maioria no Brasil) nasce dentro das classes mais sócio-economicamente desprovidas e humilhadas dos nossos grotões, “comunidades” ou guetos. O garoto possui amigos dentro das favelas, família, ex-namorada, colega de escola, enfim, uma vida toda. Alguns viram traficantes, outros, trocadores de ônibus, atendentes de lanchonete, dentistas, músicos, professores, jogadores de futebol. Contudo, a realidade maior é: tráfico ou salário mínimo (e a maioria, acreditem, opta pelo salário mínimo). De repente, o garoto que gostava de usar trancinha e ouvia Bob Marley atinge o sucesso futebolístico relâmpago, compra carro importado, roupa de grife, sai com as mulheres tutti fruttis e ganha dinheiro aos montes, montanhas. No entanto, por uma questão que nem eu sei explicar, alguns, ao invés de casar em castelos, com modelos e viver um sonho elitizado, voltam às origens, declaram publicamente que gostam mesmo é de churrasco, cerveja, mulher brasileira e amigos de milênios. Preferem as ruelas da favela da sua infância às boates da zona sul. Isto não é ruim, não, isto é comovente.

Desaprovo um jogador achar normal escolta de traficantes, desaprovo com veemência a ida de um atleta como o Wagner Love aos bailes promovidos (com alguma constância) por traficantes. Mas se ele vai ser interrogado, também quero que seja interrogado o Governador do Estado do Rio de Janeiro, pois, se há traficantes-guarda-costas na favela, é sinal de que não há o Estado dentro da favela. Se há o disparate de traficantes armados nos bailes dos guetos, há a ausência total de qualquer civilização cidadã nos guetos, e isto, minha gente, é culpa de um Estado omisso e de uma sociedade conivente.

Um jogador dentro da favela é um símbolo contra a carreira de traficante, pois ele mostra que é de carne e osso, mostra que é possível sair da miséria pelo trabalho honesto. É isto o que querem matar? Um aviso: símbolos não morrem.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Porra, PIB!

Por Flávio Lima

O IBGE divulgou nesta semana que o PIB, um índice fictício que "conta" as riquezas de um país, para saber se continuamos fodidos, mais fodidos ou fodidos para caralho, teve uma queda de 0,2%.

O Ministro da Fazenda, Sr. Guido Mantega, tão insosso que parece o Zé Alagão, disse que poderia ser pior pois, não fosse a redução do IPI, que possibilitou a classe média mudar de carro e o peão sonhar com mais prestações nas Casas Bahia, a queda seria bem maior.

A Miriam Leitão, que agora comenta até sobre o sumiço do Adriano, disse que a queda do PIB não foi ruim.

Meses antes, fomos um dos primeiros países a sair da recessão e a Miriam Leitão disse que isso era uma merda.

Nosso PIB foi melhor do que o dos EUA e o da Rússia, mas foi pior do que o da China e o da Índia.

A China, para melhorar seu PIB, estupra metade do seu meio ambiente.

A Índia, embora não coma carne, também detona suas reservas naturais e põe a culpa no aquecimento global no karma.

A China tá nem aí para o aquecimento global.

O Globo disse que o PIB é pior desde a época do cólon, digo, Collor.

A Folha disse que o PIB é o pior em 17 anos.

Porra, PIB! Afinal de contas, uma queda de 0,2% vai ser a desculpa para não me darem um aumento, para reduzirem o meu salário ou me mandarem embora? Decida-se, véi!

sábado, 13 de março de 2010

Circo da Notícia

As reformas e a dança dos fios

Por Carlos Brickmann

Observatório da Imprensa

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Faz tempo, muito tempo. Um dia, animadíssimo, um editor contou a Rolf Kuntz, um dos mais equipados jornalistas do país, que o jornal faria uma reforma gráfica. Rolf, entediado, perguntou: "Vão tirar os fios ou colocar os fios?"

As coisas hoje são mais complexas. O título do jornal muda de cor, as páginas, antes artesanais e bem trabalhadas, se contentam com desenhos pré-fabricados, aumenta o número de gráficos, reduz-se o tamanho dos textos ("em busca de maior agilidade e concisão, sem prejuízo do conteúdo analítico"). Nas sucessivas reformas que ocorrem nos principais jornais, muitas coisas já foram obtidas:

1. Vários jornais concorrentes ficaram parecidíssimos uns com os outros;

2. Na busca de textos curtos e ilustrações maiores, no estilo popularizado pelo USA Today, boa parte das publicações ficou com a cara da internet. Se é para ficar com a cara da internet, por que não preferir a internet, que ainda por cima tem som e imagens em movimento, pode ser atualizada a cada minuto e é de graça?

3. A reportagem ficou meio esquecida. Reportagem é uma operação cara, exige movimentação de repórteres, de fotógrafos, de automóveis, consome espaço, leva tempo. É mais fácil unir o Google a alguns telefonemas, tentar adaptar a história àquilo que a pauta prevê e conseguir informações de menor qualidade, mas que vão ocupar menos espaço e, quem sabe, com ilustrações caprichadinhas, não podem até mesmo quebrar o galho, sem que ninguém perceba?

Reforma-se a cara dos jornais, com assessoria de empresas internacionais, mas não se resolve um problema fundamental: José Serra foi a Minas, ouviu o coro "Aécio presidente", teve de sentar-se no almoço em frente a um antigo desafeto, Ciro Gomes, e tudo isso apareceu instantaneamente no rádio, na TV e na internet, foi repetido nos portais noticiosos da internet, no noticiário do rádio, nos jornais da TV. No dia seguinte, umas 18 horas mais tarde, os jornais contaram a mesma coisa, mas sem som e com imagem estática.

O Palmeiras, que por pouco não foi campeão brasileiro há poucos meses, começa a perder seguidamente. Os jogos são transmitidos pelo rádio e aparecem na TV, comreplay dos gols e dos melhores momentos, com comentários; os resultados estão na internet, com comentários de blogueiros diversos. E nos jornais, nem sequer se tenta descobrir o motivo da queda abrupta. Basta-lhes fazer uma matéria contando a mesma coisa que a gente viu na véspera.

Estará em queda a circulação dos jornais por falta de reformas gráficas? Pelo alto preço? Talvez não: reforma gráfica aparece a toda hora, e o preço só passa a ser alto quando o que se obtém pagando é inferior ao que é fornecido gratuitamente.

O Jornal da Tarde, que em um ano multiplicou por 3,5 sua tiragem de lançamento, publicava matérias de página inteira, diagramadas artesanalmente, com prioridade para aquilo que o leitor ainda não sabia. Se estava errado, por que a circulação passou de 12 para 40 mil exemplares em 12 meses?

Nós aqui, eles lá em baixo

Recentemente, uma grande rede de TV foi condenada a pagar indenização a um assessor de imprensa que lhe forneceu a informação correta. A emissora acrescentou fatos inexistentes à informação e, quando percebeu que estava errada, culpou o assessor. Erro duplo: primeiro, por não ter checado a informação de que dispunha; segundo, por jogar a culpa em quem não a tinha.

Mas não é um problema apenas de uma empresa. É comum que veículos de comunicação não se sintam bem quando têm de reconhecer que erraram. Há algum tempo, com base numa reportagem que teria sido publicada num jornal inglês, vários articulistas brasileiros demonstraram suas teses. O problema é que a reportagem não tinha sido publicada no jornal inglês.

Os articulistas se mantiveram olímpicos, distantes: o problema não era com eles. Nenhum pediu desculpas aos leitores. O jornal que os publicou deu uma nota explicando que a reportagem existia, tinha sido escrita, deveria ter sido publicada, mas o jornal inglês preferira engavetá-la, ou seja, a coisa era, embora não fosse. E até hoje há quem diga que o caso da Escola Base foi culpa exclusiva das autoridades que transmitiram as informações falsas aos repórteres. Os repórteres, que não as checaram, seriam vítimas.

Mas não eram: eles confiaram. E, mesmo diante das autoridades, a obrigação dos jornalistas é desconfiar.

Um homem raro

Na morte de José Mindlin, os meios de comunicação salientaram uma de suas características, talvez das menos importantes: a de bibliófilo. Ele efetivamente gostava de livros, montou uma esplêndida biblioteca, e isso seria o suficiente para consagrar a maior parte da humanidade. Mas Mindlin era muito mais: teve importante papel na industrialização do país e lutou enquanto pôde para que a indústria de autopeças continuasse sob controle nacional; e sua ação política foi notável pela visão, pela postura e pela honradez.

Mindlin só aceitou participar de um governo quando lhe foi apresentado o projeto de redemocratização do país, conduzido pelo general Ernesto Geisel, e que teria em São Paulo seu maior suporte civil, o governador Paulo Egydio. Mindlin assumiu a secretaria estadual da Cultura, que dirigiu com a habitual competência; e deu força ao jornalismo da TV Cultura, que passou a funcionar como contraponto das tevês privadas, ainda tolhidas pela censura do regime militar.

Em determinado momento, o esquema ruiu: o comando do jornalismo da TV Cultura foi preso em massa e o diretor de Jornalismo Vladimir Herzog assassinado por grupos contrários à abertura política. Mindlin teve a coragem de retirar-se do governo e dizer o motivo. Naquele momento, isso era muito perigoso. E, pouco depois, liderou um manifesto de empresários em favor da aceleração da abertura política.

Intelectual, bibliófilo, sim. Mas muito mais do que isso. Uma pessoa por inteiro. E integralmente dedicada a boas causas.

A verdade presumida

Bastou que uma revista especializada publicasse um estudo para que os meios de comunicação fossem atrás, aceitando todas as conclusões como verdadeiras. A principal informação acriticamente aceita é de que os homens que traem as esposas costumam ter o Quociente de Inteligência (QI) mais baixo.

É difícil entender o que uma coisa tem a ver com outra. Mas é fácil verificar que os exemplos históricos não batem com essa conclusão. Os irmãos Kennedy, que dificilmente poderiam ser enquadrados num grupo de baixo QI, eram tudo, menos fiéis. Aliás, o presidente Bill Clinton também não chegou a ser um exemplo de fidelidade conjugal. O filósofo Karl Marx, cujas teorias ainda hoje influenciam boa parte do mundo, nunca se contentou com a esposa Jenny von Westphallen. Albert Einstein foi homem de várias mulheres.

É correto supor que muitos homens rigorosamente fiéis também se destacaram pela inteligência. E será razoável imaginar que a inteligência não seja a principal qualidade de quem aceita esse tipo de pesquisa como se fosse séria.

A Devassa e o gol contra

Por falar em coisas pouco inteligentes, a história de Paris Hilton e da cerveja Devassa merece amplo destaque. Ao pedir que a propaganda da cerveja com Paris Hilton fosse suspensa, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal fez o jogo do adversário: garantiu uma tremenda divulgação gratuita para a cerveja, uma divulgação muito maior do que a propaganda com a starlet americana poderia obter. Quanto de mídia gratuita conseguiu a Devassa?

E para que tanto estardalhaço contra o anúncio? Para nada. Não há, na campanha da Devassa, nada que não exista na propaganda de todas as demais cervejas (veja a nota abaixo). Por que os anúncios com Paris Hilton significam exploração do corpo feminino e com Juliana Paes, "A Boa", não significam? Qual a novidade, na propaganda das diversas marcas de cerveja, de mulheres bonitas com roupas reveladoras?

Quem viu um viu todos

O publicitário José Carlos Piedade, em bilhete a esta coluna, diz que a propaganda de cerveja que se faz atualmente não dá para distinguir uma marca da outra (aliás, quando passou pela Antarctica, Washington Olivetto dizia que os anúncios de cerveja pareciam ter sido gravados, todos, no mesmo bar da Áustria).

"Por volta dos anos 80", diz Piedade, "no lançamento da marca Kaiser, os publicitários Neil Ferreira e José Zaragoza (da DPZ) ousaram uma campanha às avessas, num tempo em que as cervejas estavam com suas publicidades absolutamente iguais, como agora. Resultado: a cerveja subiu sua participação no mercado de 3% para 18%. A propaganda está precisando de `sangue velho´, como diz o próprio Neil".

A propaganda precisa, também, tomar cuidado com os politicamente corretos, aqueles que são contra qualquer anúncio que tente vender qualquer coisa a qualquer pessoa, e que embora se considerem libertários, "da turma do bem", dificilmente se diferenciam dos censores.

A Bolsa-Equívoco

A internet foi inundada, nas últimas semanas, com protestos contra o Auxílio-Reclusão – uma quantia quase 50% superior ao salário mínimo, que seria paga a cada filho de pessoas condenadas e presas. Há um certo tom partidário na denúncia: seria mais uma bolsa do governo Lula, destinada especificamente a violadores da lei e fora do alcance de suas vítimas.

A notícia só é verdadeira em parte. O Auxílio-Reclusão existe, mas nada tem a ver com o governo Lula: foi instituído em 1991, quando o presidente era Fernando Collor. E não se destina a cada um dos filhos do condenado. O auxílio, que visa ajudar a família a manter-se quando um dos pais está preso, é de no máximo R$ 798,30, no total, sem relação com o número de dependentes (pode também ser fixado um valor menor). E só é pago quando o condenado é contribuinte do INSS.

O governo Lula tem inúmeros defeitos. Para criticá-lo, não é preciso atribuir-lhe defeitos novos.

Refazendo Mário de Andrade

Há alguns anos, trabalhando na Folha de S.Paulo, numa fase especialmente brilhante da "Ilustrada" (com Matinas Suzuki, Caio Túlio Costa, Leão Serva, Marcos Augusto Gonçalves), o repórter Miguel de Almeida assumiu uma empreitada das mais complexas: refazer o caminho de Mário de Andrade em O Turista Aprendiz. Deu uma belíssima série de reportagens.

Agora, Miguel lança seu livro sobre o mesmo tema: Trilha nos Trópicos. O lançamento é na quinta-feira, na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, São Paulo), a partir das 18h30, com direito a participar de um bate-papo do autor com Walnice Nogueira Galvão. É uma boa conversa, um bom lançamento, uma boa leitura.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Glauco

Glauco morreu.

Glauco morreu estupidamente.

Glauco morreu de metropolitanismo.

Glauco morreu em mim?



PS.: morre o Glauco cartunista, fica o Glauco mitológico de todos nós!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Eu adoro uma macumba!

Está no jornal O Globo, edição on line: “Após temporal, Paes renova convênio com médium da Fundação Cacique Cobra Coral”.

Obviamente, vocês estão pensando que irei vomitar toda a minha digna indignação e clamar aos deuses (ops!...) sobre como pode o Estado renovar (contratar já era foda) contrato com entidade de “procedência” metafísica, paranormal, 171, ou coisa que o valha; contudo, devo admitir que irei defender a renovação do contrato sem ônus para a Prefeitura do Rio de Janeiro, quiçá o ânus do povo carioca.

Anda chovendo demais no mundo todo. Claro que por aqui, em terra brasilis, não só cai água como merda. Está aí o Distrito Federal que não me deixa mentir, nem o samba da Beija-Flor. Chove em Sampa como “nunca d’antes”! E, no Rio, anda chovendo um bocado também. Infelizmente, creio (e deus me perdoe por isso ou paga uma cerveja), nunca desaba a casa do prefeito, do governador ou do presidente, barranco não é problema em fazendas do tamanho de bairros e bairros exclusivíssimos Brasil afora. Nada contra quem ganha horrores – sistema capitalista proporciona isso e é problema de quem ganha (ou não ganha). Mas a casa do governador... Enfim, anda chovendo muito ultimamente. E o Rio fica uma bosta quando chove.

Portanto, tendo a certeza de que as secretarias responsáveis, assim como os governos (Ir)responsáveis, jamais resolverão o problema, hoje, e apenas hoje, dou um voto de confiança para o zumbi, o arquétipo, o perispírito, o envoltório fluídico ou sei lá que porra seja o Cacique Cobra Coral. Dentro da razão (ir)racional e (nada) aristotélica dos governos vigentes, concluo que somente o Cacique nos salvará de uma calamidade.

Segundo o porta-voz da Fundação, Osmar Santos, nem prefeitura e nem o Estado os avisou sobre o forte temporal de sábado passado.

Governos do meu Estado, atenção: não alertar a Fundação sobre uma chuva como essa é para exonerar meio mundo! A Defesa Civil pode esperar. Eu apoio tal atitude! Cobra Coral é a solução!

terça-feira, 9 de março de 2010

O que faz você feliz?


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Há muito tempo, o conceito de felicidade perdeu aquele traço de perenidade que os muito românticos ou ingênuos lhe emprestavam. O “foram felizes para sempre” sumiu de todas as histórias que vieram depois de Branca de Neve e Cinderela. Isso, quando se fala de felicidade a dois, ou seja, harmonia, bom entendimento mútuo, respeito e amizade que coexistam com o amor.

Mas ninguém é obrigado a ser feliz a dois. Esse estado ou sensação de plenitude exige mais que apenas a presença de um parceiro. E a despeito das opiniões em contrário, é bem possível ser feliz, genuinamente feliz, vivendo sozinho. Conheço alguns exemplos de pessoas assim.

Analisando a vida e o comportamento desses seres bem-aventurados, cheguei à conclusão de que a primeira condição para ser feliz, sozinho ou acompanhado, é estar bem consigo mesmo. Um bom parceiro pode ajudar, mas não pode ser responsabilizado pela infelicidade do outro, se esse outro viver moído de frustração, mágoa ou inveja. Alguém incapaz de se identificar com um semelhante, de rir ou sofrer junto. Prazeres mesquinhos que deixam um rastro de destruição, drogadição, egoísmo mórbido, egocentrismo irrestrito e seus derivados são inimigos do estado de felicidade. Isso nem é novidade, é quase intuitivo. Mas então, que droga é isso de felicidade?

Há uma propaganda na mídia que começa perguntando “o que faz você feliz?”, para em seguida mostrar o estoque variadíssimo de alguma loja – ou será uma marca de carro? Não importa muito o produto veiculado, mas o espírito da coisa. Confunde-se constantemente a alegria causada por uma boa compra ou por um novo namorado com felicidade. Isso é euforia, satisfação, estado passageiro muito agradável e que se confunde facilmente com felicidade. Passa rápido, e os motivos de tristeza ou ansiedade ficam mais fortes, quando se percebe que nem a estabilidade financeira nem a nova paixão preencheram aquele vazio sabotador do bem-estar.

Uma das pessoas que considero felizes me diz que atribui sua paz interior a vários fatores, um dos quais seria a realização profissional. Imagino que sentir-se satisfeito com o que se faz é meio caminho andado. Ou um terço de caminho, vá lá. Quando se tem a sorte de acertar nessa confusa loteria que é o mercado de trabalho, talvez se esteja conseguindo mesmo uma garantia relativa para viver em paz, e nem falo de altos rendimentos ou posição de destaque. Essa amiga, uma modesta costureira e artesã, vive numa cidade pequena da Bahia e mora numa casa simples de vila, onde cultiva algumas das plantas mais bem cuidadas que já vi. A alegria de ver sair das próprias mãos um objeto ou uma roupa que atrai clientes e merece elogios é um motivo de alegria quase permanente, além de garantir a subsistência dela e do filho de dez anos, que perdeu o pai há três. “Não posso dizer que não sinto falta do Daltro”, ela diz, “mas apesar de chorar muitas vezes com saudade dele, eu me sinto muito feliz com nossa vida”. Será boa consciência? Será o sentimento de ser uma boa mãe? Não sei, mas Dalva – o nome dela é Dalva – é uma mulher inequivocamente feliz.

Outro, um conhecido daqui do Rio, um homem meio calado mas muito bem-humorado, é autor de alguns dos textos mais inovadores e gostosos de ler que conheço. Aposentado há um ano, acha que o que ele e a mulher recebem é suficiente para curtir a vida do jeito deles, sem grandes luxos. Resolveu se dedicar ao que gosta mesmo de fazer, que é escrever e pintar – e são dois pintores, porque Gisela, a mulher, também tem bons trabalhos de pintura e ilustrou um bonito livro artesanal para dar de presente ao marido escritor no Natal. Esse escritor anônimo tem contos, muitos, dois romances, roteiros de novelas e um roteiro de filme. Tentou publicar em editoras “de autor”, mas se desiludiu com o mercenarismo e o descaso delas pelo autor. Está preparando um blog, que talvez vá se chamar Memórias de Agora, onde pretende mostrar seu trabalho. Tem dois filhos que já não moram com ele e a mulher, e seus dias, que tinham tudo para cair numa rotina desesperadora, são preenchidos por pesquisas, exercícios de culinária, bons filmes e longas conversas com os amigos com quem gostam de sair ou convidar para sua casa.

“Não preciso mais correr atrás de nada”, ele me disse, quando perguntei por que não vai mais à luta para publicar seus escritos. “Quero aproveitar os anos que ainda tivermos de vida para viver a fundo nossa felicidade. E acho que não seria justo comigo e com Gisela continuar ralando pra conseguir mais uns trocados”. Gisela não disse nada, mas teve um gesto de carinho explícito, e os dois se abraçaram com a cara iluminada de quem está em paz com a vida – e consigo mesmo.

Há outros casos, gente com a vida limitada por doenças ou perdas que deixariam em desespero quem não tivesse essa âncora interna, difícil de explicar e de entender, que no entanto faz de gente aparentemente “perdedora”, como alguns gostam de dizer, vencedores da guerra mais difícil de ganhar, e que se trava dentro de cada um.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Especiarias



Deixo as especiarias da, como escreve Jens, Feiticeira Vais para o deleite de todos.
Bom findi!
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PIRATA ZINE - ANO 1 - N. 2 - DEZ/2001


Lê-me
É um simples pedido
Se acaso ficares entediado, compreendo
Se nada achares de interessante, respeito
Ou se nada entenderes, que posso eu fazer?
Lê de novo.

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Nos mares de letras
Mário, pirata da perna-de-pau, ladra palavras
Seduzida a sereia, cala o canto.
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A utilidade sai das quatro paredes
Lá fora,
ela acha muito mais que ir à padaria,
quando ninguém quer ir
Lá fora,
ela passa pelos bancos,
voa debaixo das marquises
Acha pouso atrás do palácio
Na árvore com sementes cerebrais

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quarta-feira, 3 de março de 2010

O nosso rico dindim

O meu Maracanã, outrora o maior do mundo em capacidade, chega a sua reforma de nº zilhões. Esta, creditada para o começo de maio, construirá rampas e outras pendengas a fim de dar mais conforto aos torcedores, lanches mais limpos e licitados e, em caso de emergência, permita que os torcedores ejetem em, no máximo, 8 minutos.

Até aí, tudo ótimo. Problema mesmo está na quantidade de dinheiro PPP (parceria público privado) empregado na maravilhosa reforma (até vir as Olimpíadas e nhac!: outra reforma!): 600 MILHÕES de reais! Eram 430 milhões, mas aí, bolinha vai e bolinha vem, já estamos em 600 MILHÕES. Claro que a PPP, logo será apenas P (público) ou PSM (parceria de si mesma) com o dinheiro do povo.

Enfim, volto logo mais quando o orçamento estiver na casa do Bilhão.

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O Brasil foi para as Olimpíadas (de inverno) de Vancouver com uma delegação de cinco atletas: Isabel Clark (Snowboard) , Jaqueline Mourão (esqui cross-country), Leandro Ribela (esqui cross-country), Maya Harrison (esqui alpino) e Jonathan Longhi (esqui alpino).

Contudo, 39 cidadãos envolvidos no Rio2016 estavam por lá para (atentem a isso!) verificando como se faz um evento deste porte.

Vou repetir para que ninguém confunda os dados: 39 PESSOAS gozaram do nosso dinheiro, lá no Canadá, a fim de aprender como é que se faz um evento Olímpico (de inverno?) sem pagar nenhum mico. Isto porque eu nem escrevi o número de delegados (técnicos, representantes, papagaios, etc.) que também embarcaram para incentivar 5 atletas. Eu disse 5 ATLETAS!

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Conclusão: dinheiro, no Brasil, nunca foi “pobrema”.

terça-feira, 2 de março de 2010

Toma que o filho é teu

Por Carlos Brickmann em 2/3/2010

Observatório da Imprensa

O papel aceita tudo, mas a telinha aceita muito mais. A última novidade em material falso distribuído pela internet é atribuída à grande Marília Gabriela: um texto pesadíssimo em que ela diz ter medo de Dilma Rousseff, a candidata do PT à Presidência da República. O texto não é de Gabi: consultada, ela reagiu com indignação. "De jeito nenhum! Que desfaçatez! Por favor, avisa que é mentira!"

É mentira, mas vai continuar circulando. As mentiras na internet não morrem: elas crescem, se espalham, saem de moda, quase desaparecem e acabam voltando, por mais absurdas que sejam, por menos verossimilhança que tenham. Alguém escreve um texto e, para dar-lhe força, assina com o nome de um autor conhecido. Luis Fernando Verissimo, por exemplo; ou Millôr Fernandes. O texto é mambembe, não tem graça nenhuma, o idioma sofre, mas está lá a assinatura que "dá credibilidade" às besteiras.

Desmentidos? Bobagem: há um manifesto supostamente assinado por Franklin Martins, ainda em sua época da Globo, em que critica uma lei (que não existe) e um parlamentar (que teria apresentado o projeto, mas que não o apresentou). Há um poema de Cleide Canton amplamente distribuído como se fosse da autoria de Ruy Barbosa.

A internet publica textos atribuídos a autores que não os escreveram, divulga lendas urbanas (se você acordar numa banheira com água gelada etc., etc.), espalha armadilhas para roubar dados (aqui estão nossas fotos no motel, clique aqui) e tem gente que acredita, embora nem tenha ido ao motel. E inventa histórias, como a da demissão do Alexandre Garcia por ter lido noticiário não aprovado pela Rede Globo. O fato de Alexandre Garcia continuar normalmente no ar, apresentando os programas que sempre apresentou, parece não ter a menor importância: importante mesmo é divulgar que "eles" o derrubaram. Arnaldo Jabor, Lúcia Hipólito e Salete Lemos também vivem sendo demitidos, continuam em seus postos, mas a notícia de que foram demitidos "por eles" (sejam "eles" quem forem) não deixa de correr a rede toda.

Internet é território livre, onde ainda a lei não predomina. Cabe aos internautas, portanto, verificar se as coisas que estão vendo são dignas de crédito, ou se já foram desmentidas pelos fatos. Mas isso dá trabalho. Mais fácil é acreditar, indignar-se, repassar para tout le monde e son pére. E com os endereços abertos.

A banda larga e o eleitor

Uma reportagem mostrou que um empresário, depois de fazer um negócio estranho (comprou por R$ 1,00 a participação numa empresa falida, passando a compartilhar dívidas na casa de milhões de reais), contratou o ex-ministro José Dirceu como consultor e se preparava para receber muito dinheiro na reativação da Telebrás. A imprensa contrária ao governo está batendo duro: embora o referido empresário tenha comprado a participação na empresa uns três anos antes de contratar Dirceu, já teria armado toda uma trama para lucrar seus milhõezinhos.

A imprensa favorável ao governo diz que a operação nada tem de irregular, que não há chance alguma de o empresário obter lucros com a Telebrás, com Dirceu ou sem Dirceu. E circulam, de um lado e de outro, textos de leis, contratos, concessões, decisões judiciais.

Este colunista não está entendendo nada: afinal de contas, há ou não algo esquisito no negócio? Seria muito difícil um jornal independente buscar um ou dois especialistas no assunto que possam destrinchá-lo? Ou ninguém estará interessado no tema a menos que seja contra ou a favor? Isso, em palavras mais cruas, significa que meios de comunicação independente são coisas do passado.

Balas de verdade

O clima de faroeste das guerras da imprensa ainda vai acabar em coisa feia. Um blogueiro, em campanha contra empresários de um jogador que está em litígio com o clube, divulgou não apenas seu endereço como a foto do prédio em que, segundo diz, ele está morando. Perigosíssimo: um torcedor com a cabeça fora do lugar pode perfeitamente usar esse tipo de informação. Em compensação, blogueiros que fazem campanha contra o blogueiro citado divulgaram não apenas a rua para a qual, segundo dizem, ele se mudou, como também a padaria que estaria frequentando e a foto do apartamento que seria o dele. Só faltou dar o número. Mas não é difícil, pelas informações já distribuídas, encontrar o endereço completo.

Nos dois casos, brinca-se com o direito à intimidade, ignorando-o; nos dois casos, abre-se para inimigos pessoais a oportunidade de vingar-se de agravos reais, imaginários ou sabe-se lá o quê.

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OBS.: O conteúdo completo encontra-se no portal do Observatório da Imprensa.