… e tinha essa garota
que gostava de Madonna, mas adorava ouvir Legião comigo. Eu tinha emprestado a
minha coleção e ela estava quase tão fã quanto eu. E tinha aquela música linda
do disco Dois (Quase Sem Querer) que ela havia cantado numa festa de rua e dito
que era a nossa música.
Mas a história da Legião comigo é mais pra trás. Havia um
vizinho que escutava a banda direto e cantava junto, aos gritos, pouco se
importando se estava afinado ou não. E eu, que tinha quase idade nenhuma,
ficava no muro, prestando atenção no ritmo. Porra, eu adorava aquele jeito de
tocar e a levada meio sem erudição. Dava vontade de ficar jogado no chão
ouvindo, tocando uma bateria imaginária com baquetas igualmente invisíveis.
Foi esse vizinho que disse uma vez: “porra, se você não
curte Legião você esta por fora”. Eu não queria estar por fora e, como ele era
bem mais velho que eu, era obviamente uma influência do caralho. Era gerente de
uma padaria perto de casa e só usava camisas da Alternativa, uma marca que vendia na antiga Mesbla e que era um
sonho dos moleques da Baixada, assim como a Pier,
a Company e as calças semi-bag da Philippe Martin que as garotas usavam e
deixavam-nas com umas bundas lindíssimas!
Eu perturbei a minha mãe pra tirar um cartão Mesbla e
comprar camisas da Alternativa pra
mim. E foi a época do lançamento dAs
Quatro Estações, meu primeiro álbum da banda com a primeira música decorada
para cantar nas festas sem errar a letra ou ficar com cara de paisagem: Há Tempos!
Ele gostava de coisas como Eduardo e Mônica, Música Urbana 2, Petróleo do Futuro, Eu era um
Lobisomem Juvenil. Eu fui bebendo da fonte, entendendo as coisas, usando
Alternativa, mochila da Company; tinha um skate da Street Line, com rolamento blindado e roda Moska, assinava a Fluir e adorava o Dadá, o Pedro Müller, o Jojó de
Olivença. Ia pros campeonatos de surf da Alternativa
que aconteciam na Barra da Tijuca – minha mãe a tira-colo – e escutava Legião!
Porra, era o ápice da pós-modernidade!
E como ficar indiferente a isso: Luz e sentido e palavra, palavra/É que o coração não pensa/Ontem faltou água/Anteontem faltou luz/Teve torcida gritando/Quando a luz voltou/Não falo como você fala/Mas vejo bem/O que você me diz...//Se o mundo é mesmo/Parecido com o que vejo/Prefiro acreditar/No mundo do meu jeito/E você estava/Esperando voar/Mas como chegar/Até as nuvens/Com os pés no chão...
Pois é, não dava. Não pra mim. “Todos têm as suas próprias razões...”
Pois é, não dava. Não pra mim. “Todos têm as suas próprias razões...”
E tinha essa garota que gostava da Madonna, usava um
cabelo meio James Dean e fumava pelos cotovelos e sorria um sorriso carnudo e
maravilhoso e era um pouco mais velha que eu. Porra, eu tinha que ficar com
ela! Como não? Mas a gente só ficou, mesmo, pra valer, de namorar e passar a
mão na bunda, foi num show do Cidade Negra, ainda no começo da carreira, com o
Ras Bernardo no vocal, cantando a boa música Falar a Verdade, num clube chamado Ideal de Olinda (hoje, um prédio
da Prefeitura de Nilópolis – prova contundente de que políticos só fazem
merda).
E depois veio o álbum V
que é aquela coisa sobrenatural e estupenda com capa de King Crimson e música
de 11 mininutos! Porra, aquilo era “O” disco! A Montanha Mágica, O Teatro dos Vampiros, Lage D`or, Metal Contra as
Nuvens. Todos duvidavam de que a banda fosse lançar algo relevante depois
do sucesso do quarto trabalho. Cara, o álbum V é foda. O último grande trabalho da Legião.
Meu vizinho torcia o nariz para o V. Para ele, a Legião acabara no Quatro Estações. Eu acho que era mais a perda da identidade de uma
geração inteira. Os anos 80 chegavam ao final, assim como a Company, a Alternativa, a Pier, o
surf na Barra, os ternos com ombreira, a rebeldia pós-ditadura. O pseudo-punk
de Brasília se transformava em outra coisa e o resto do país descobria outros
ritmos musicais.
Não,
eu já não estava mais com a garota do cabelo de James Dean e a turma começava a
casar, morrer, sumir, crescer.
E Eu, bem, eu entrei numa banda que gostava de Hootie and
the Blowfish... Mas, claro, isso fica pra depois. Por enquanto, "ouça no volume máximo"!