terça-feira, 22 de setembro de 2015

Faltava apenas uma faísca

Leonardo Sakamoto
Blog do Sakamoto


Faltava apenas uma faísca.

Por certo, os moradores mais ricos da cidade tinham motivo para reclamar. Ninguém quer ir à praia, com sua família e amigos, para correr o risco de ser assaltado, apanhar ou coisa pior. Sentiam que o Estado que, fazendo pouco para combater a impunidade, dava de ombros não só para a sua segurança, como também para a estabilidade das coisas.

Então o que era medo começou a se transformar em algo maior, mais viscoso e mal cheiroso nas conversas de bar, nos jantares de família, nas redes sociais. “Precisamos fazer algo'', “Como está não pode ficar'', “Cidadãos de bem não podem sofrer assim'', “São eles ou nós''.

São eles ou nós.

E, naquele domingo, o WhatsApp foi usado para convocar não para o vôlei na praia, mas para caçar aqueles que eram, a seu modo de ver, a origem de toda a violência. Se a polícia não faz nada, então eles iriam fazer. Em bando, tal como aqueles que promovem arrastões, atacaram ônibus com pessoas que consideravam suspeitas, espancaram jovens, construíram um novo conceito de Justiça para preencher o vazio. Ao final, comemoraram no Facebook.

E, sentindo-se empoderados, prometeram mais.

Para resolver o problema posto, o Estado fez o que está acostumado a fazer. Ao invés de atuar de incluir mais gente no pacote de dignidade, resolveu apartar ainda mais, passando a parar os ônibus que faziam o trajeto entre a periferia e a praia. Verificavam sacolas e antecedentes, não raro com a rispidez de algumas certezas não explicitadas – mas que todos sabem quais são. Em alguns casos, até proibiram jovens de descer da comunidade. O rancor foi decantando, lá no fundo.

Pois a periferia é resistente. Desde a senzala, aprendeu a aguentar mais tempo de chicotada. Até porque, na maioria das vezes, quem reclama perde o emprego, é humilhado, taxado de subversivo ou morre.

Com o tempo, o caldo de ressentimento entornou em algo mais escuro e indecifrável. Na porta dos bares, na saída das igrejas, nas redes sociais questionavam “Por que tratam a gente como bandido?'' , “Se o cara roubou, por que não leva ele preso? Pra quê tentar matar?'', “Lá eles têm vida de qualidade. Quem é daqui tem que ser tratado como bicho?''

Até que, num domingo, dois jovens negros, fazendo algazarra em uma esquina bonita após terem deixado a praia, estavam tão distraídos que nem perceberam quando um grupo se aproximou com tacos de baseball. Um deles ainda teve tempo de correr e, de soslaio, viu o amigo ser espancado no chão.

No depoimento à polícia antes de serem liberados pela ausência de flagrante, os envolvidos teriam dito que confundiram o rapaz inocente com outro que participara de um arrastão naquela tarde.

Só não revelaram que, durante o linchamento, ocorreu algo estranho. Deixaram de enxergar nele um menino de 14 anos. Viam em seu rosto a correria dos que fazem assaltos na areia e do medo de sair à noite sem sem incomodado. Mas também a crise econômica que fez com que trocassem os filhos de escola, toda aquela corrupção que passa na TV com o dinheiro dos seus impostos e uma série de frustrações do dia a dia – da namorada que o acha um inútil, passando pelo emprego bizarro ao time de futebol que estava para cair de divisão. Um dos agressores até viu até o rosto da ingrata Maria, que era “quase da família'' mas, de repente, resolveu ir embora para, segundo ela, ir trabalhar em algo que pagasse melhor. A verdade é que, em determinado momento, não sabiam mais porque estavam batendo, mas todo aquele ódio irracional fazia mais sentido do que o mundo que nunca conseguiram, de fato, compreender.

Aquela imagem do pouco que restou do menino correu as mesmas redes sociais que foram usadas para organizar a caça naquela tarde, registrada por um curioso que passava por lá – sempre há um celular com câmera por perto. Ganhou o mundo com a mesma rapidez que a de um garoto refugiado que morre em uma praia.

Principalmente, ganhou a periferia. E, por lá, estalou algo que nunca havia estalado antes. Não daquele jeito, não daquela forma.

Faltava apenas uma faísca.

E, no dia seguinte, não houve trânsito, não houve criança na escola, não houve praia, não houve loja aberta ou banco funcionando, não houve engravatado ou engraxate, não houve empregada doméstica ou motorista, não houve transporte público ou avião decolando, não houve polícia, não houve governo, não houve segunda-feira.

E ninguém sabe se ainda haveria Olimpíadas. Ou mesmo um Rio de Janeiro.


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A catilinária aguda de Paulo Henrique

por Mino Carta e Sergio Lírio
revista Carta Capital


Paulo Henrique Amorim, jornalista de longo curso aos 73 anos, provou seu farto talento no vídeo e no papel impresso. Primeiro correspondente de Veja em Nova York em 1968, editor de Economia da semanal anos depois, diretor de redação na Examequando ainda na Editora Abril, enfim diretor do Jornal do Brasil em tempos de vento favorável a bafejar a baronesa e seu genro Nascimento Brito. No vídeo, como diretor do escritório nova-iorquino da Globo, passou também pela Bandeirantes e agora surge na Record, enquanto produz o blog Conversa Afiada, de grande êxito. No momento, cuida do lançamento do seu último livro, O Quarto Poder – Uma outra história. E é desta história que se fala na entrevista a seguir.

CartaCapital: Do alto da sua larga experiência, selecione as cinco figuras mais daninhas para o País, as mais negativas na história que você viveu, à parte ditadores, torturadores, políticos coniventes etc.

Paulo Henrique Amorim: A mais daninha, levando em consideração também a minha experiência pessoal, é Daniel Dantas. Porque ele conseguiu disseminar o câncer, ele contaminou o tecido de todo o sistema brasileiro, Judiciário, Legislativo e Executivo. Levando também uma boa parte dessa doença, dessa malignidade, ao jornalismo. Outro que eu elegeria é Fernando Henrique Cardoso, porque ele é um caso exemplar de hipocrisia, de tartufismo.

Ele tem o desplante de se transformar em um Catão, a despeito de sua biografia totalmente maculada. Ele saiu da Presidência da República sendo professor aposentado e funcionário público, dono de uma fazenda em Minas Gerais, e tem um imóvel em Higienópolis incompatível com a renda dele. Essa história de que se tornou um palestrante para cobrar 50 mil dólares por conferência, fora o jatinho da secretaria, do segurança, isso tudo pode ser uma boa maneira de lavar dinheiro.

Outra figura que considero nefanda é José Serra. Ele tem mais de 50 anos de vida pública e nunca teve uma ideia original. Não é engenheiro, não é economista, não é nada, é produto única e exclusivamente da poderosa blindagem que a mídia em São Paulo garantiu aos tucanos. Serra fugiu enquanto muitos outros ficaram por aqui para resistir e alguns foram para a luta armada. Do Chile, onde se asilou na Embaixada da Itália, casou-se com uma Allende, e acabou, por mecanismos que a gente não sabe até hoje, por parar na Universidade Cornell nos Estados Unidos.

CC: Serra teve alguma relação com Daniel Dantas?

PHA: Teve no processo da Privataria Tucana. A irmã de Daniel Dantas é, ou foi, sócia da filha de Serra em Miami, em uma empresa de lobby. Serra está envolvido em todas as atividades suspeitas realizadas pelo tucanato. Segundo depoimento do próprio FHC, foi quem levou o governo tucano a vender a Vale por um valor inferior ao que a empresa tinha em caixa. Agora reeleito senador, a primeira coisa que ele faz é propor a entrega da Petrobras.

CC: Vamos à quarta figura.

PHA: Roberto Marinho. Orgulho-me ao dizer que este é o primeiro livro capaz de tratar Roberto Marinho como ele há de ser tratado. Até agora, só houve livros que foram bajulação rasteira. Meu livro conta que a certa altura da minha carreira na Globo eu denunciei uma roubalheira perpetrada no Instituto Brasileiro do Café (IBC), reduto, aliás, de bandalheiras variadas. E denunciei uma delas, chamada Operação Patricia. Foi uma operação em que o IBC bancava uma cotação do café, e, se essa cotação caísse, os operadores de café não pagavam nada, era o IBC que pagava para eles. Uma safadeza descomunal.

Fiz a denúncia na minha coluna no Jornal da Globo. Uma vez eu disse a Roberto Marinho que tinha uma coluna no Jornal da Globo e ele retrucou: “A coluna não é sua, é do Globo”. Aquela foi apresentada por um repórter que fez a passagem de bloco da seguinte forma: “Paulo Henrique Amorim denuncia um roubo no IBC”. Eu havia escrito rombo. Roberto Marinho mandou me chamar e pelo telefone me demitiu, porque eu não estava “adaptado ao jornalismo da Globo”. Depois eu soube que ele e um dos seus principais mentores, o Jorge Serpa, tinham interesse no IBC. Mais tarde, averiguei que Roberto Marinho recorrera ao SNI para saber quem tinha sido a minha fonte.

CC: E como se deu o desastre da TV Montecarlo?

PHA: Outra história do livro. Passo por uma entrevista que fiz com Bettino Craxi,
líder do socialismo italiano, que mais tarde seria abatido pela Operação Mãos Limpas. Craxi havia arrumado uma sinecura, passara a formulador da política da ONU para os países endividados, e eu estava fazendo um documentário sobre a dívida externa dos países emergentes. E lá fui, e o Bettino Craxi: “Ahhhh! Você trabalha na Globo! Ahhhh, aqueles meninos queriam enganar o Berlusconi, ma che ingenuità”. Acredita-se que Marinho perdeu ali 100 milhões de dólares...

CC: Falou-se, então, em 120 milhões...

PHA: É, por aí. Alguns dos principais assessores do ministro Dilson Funaro, tempo de Sarney, me contaram que o Roberto Marinho conseguiu do Banco do Brasil um empréstimo vultoso para cobrir a dívida contraída na aventura da Tele Montecarlo, de sorte a descontar os recursos correspondentes pelo dólar paralelo. A Tele Montecarlo saiu de graça para ele, por obra de governo Sarney.

CC: Mas o BNDES já fez coisas parecidas no tempo de FHC...

PHA: Vamos ver o quinto. Um dos maiores cretinos com quem tropecei ao longo da minha breve carreira é um senhor chamado Roberto Civita. O livro documenta o papel de Roberto Civita na construção de um grande império que militou e milita até hoje contra o Brasil. Não é à toa que Brizola dizia: “Quantos passaportes tem o senhor Civita...” Ciro Gomes me contou, recentemente, que, depois de deixar o governo do Ceará, foi para Harvard por um ano sabático, na companhia do professor Mangabeira Unger.

Aí ele foi se candidatar à Presidência da República, estava muito bem nas pesquisas, até que o Serra o detonou. Enquanto ainda estava bem, Roberto Civita o chamou para jantar na casa dele. Logo a luz foi reduzida, Ciro conta que lhe pareceu ter aportado a uma boate, era para ter um clima mais íntimo. E Civita perguntou: “Você estudou em Harvard, não é isso?” Ciro respondeu que sim. “Então podemos falar em inglês?”, disse o anfitrião.

CC: Fale de Carlos Lacerda, com quem você conviveu em alguns momentos da sua vida.

PHA: Abri o escritório da Veja em Nova York, em 1968, coincidiu com a eleição à sucessão do Lyndon Johnson. Foi uma luta feroz entre Richard Nixon, que já tinha perdido para John Kennedy, e Hubert Humphrey, líder trabalhista democrata vice-presidente de Johnson, candidato de muito boas qualidades. E aí a revista Realidade contratou Carlos Lacerda para cobrir a eleição como enviado especial. Então, convivemos durante um mês. Àquela altura, a Abril estava nadando em dinheiro e eu pude me deslocar pelos Estados Unidos com Lacerda, e com Alfredo Machado, fundador da Editora Record, amicíssimo do ex-governador.

Conversamos muito, íamos a livrarias juntos, ele dizia que a melhor coisa do mundo era comprar livros, e me contou várias histórias. E aí no fim da campanha, mais ou menos quando já se sabia que Nixon ia ganhar, o quartel-general do republicano era no Waldorf-Astoria, onde outros momentos históricos se deram, como quando Fernando Henrique ganhou o prêmio de personalidade do ano, escolhido por brasileiros que ganham dinheiro a rodo em Nova York e uma vez por ano elegem o homem do ano. E aí os brasileiros vão para lá de smoking, todos eles falando português. Surge então um pequeno problema. Eles alugam o smoking, mas pensam que não é preciso alugar os sapatos. E aí o calçado destoa miseravelmente e denuncia o smoking alugado.

CC: Como foi a cerimônia do anúncio da vitória de Nixon?

PHA: Bem, fomos para uma grande sala do Waldorf, a Ballroom. De repente chega o assessor de imprensa de Nixon, um jovem chamado Ron Ziegler, e diz: “Mister Lacerda, o presidente quer vê-lo”. E aí leva Lacerda lá para cima, para que assista ao anúncio da vitória na suíte presidencial.

CC: E que tal o repórter Carlos Lacerda?

PHA: Incansável. Ótimo faro, ele tinha um fôlego igual ao meu, e àquela altura eu tinha 25 anos.

CC: Paulo Henrique, o que os aspirantes a Carlos Lacerda no Brasil atual
não entenderam de Carlos Lacerda? O que falta para eles?

PHA: Ele era muito sofisticado, leu muito, falava um inglês americano muito bom mesmo. Não sei como, pois nunca morou nos Estados Unidos, era um dom que ele tinha. Nasceu comunista, depois se tornou um líder de direita, um golpista, mas àquela altura ele estava na Frente Ampla, com Jango e Juscelino.

CC: Foi por isso que o Estadão acabou censurado, seguiu o Lacerda até o fim.

PHA: Eu evoco no livro um jantar com Lacerda no restaurante de um hotel suíço. No meio da conversa, eu disse que Jango mancava por causa de um tiro. Aí Lacerda falou: “Não, aquilo ali foi uma gonorreia mal curada”. Aí eu disse: “Mas como, governador?” E ele: “Eu sei, hoje sou amigo do homem”. E aí, emocionado, disse ter passado a admirar Jango, que o recebera em sua casa de Montevidéu, depois de tudo o que ele, Lacerda, fizera para desmoralizá-lo.

Toda essa cortesia exigia um caráter excepcional. Lacerda contou que, durante a visita, Jango chamou os filhos, João Vicente e Denise, para cumprimentar “o governador”. Lacerda já tinha cumprimentado dona Maria Teresa. Aí Jango disse aos filhos para ir lá dentro buscar os cadernos para mostrá-los a Lacerda, e disse: “Veja, governador, meus filhos estão aprendendo a ler em espanhol”. Bom, não é? Muito bom.

CC: Voltemos a Daniel Dantas. Por que continua impune?

PHA: Ele foi capaz de corromper todos os partidos. Acho que Dantas é a prova provada de que a democracia no Brasil é de fachada. Mas ainda ouviremos falar dele.

CC: Por quê?

PHA: Porque ele participou da Privataria Tucana, está comprovado. O livro de Rubens Valente demonstra de forma insofismável que ele tem uma participação decisiva nas decisões do ministro Gilmar Mendes, e que ele chantageou Fernando Henrique Cardoso, quando presidente. Ele manobrou Serra, como esclarece Valente. E chegou ao PT.

No livro de Rubens Valente surge também João Vaccari, na compra da Brasil Telecom pela Oi, e isso vai explodir. Porque a BrOi vai quebrar, e vai ter uma intervenção e o podre vai aparecer. E foi o PT que mudou a lei para a Brasil Telecom poder ser comprada pela Oi. Esses são os documentos da história. Lula mudou a composição da Anatel, Sarney indicou uma pessoa de sua confiança para a diretoria, e com isso mudou a jurisprudência da Anatel que permitiu a BrOi.

CC: E na verdade já era para DD ter aparecido no chamado “mensalão”.

PHA: Pois apareceu. Mas o ministro Barbosa sumiu com Dantas! Ele está no “mensalão” tucano, ele está no “mensalão” do PT, ele está em todos os mensalões, e continua operando.

CC: E o disco rígido do Opportunity, apreendido pela PF por ocasião da Operação Chacal?

PHA: Sim, durante a Operação Chacal. E teve uma decisão histórica da ministra Ellen Gracie, aquela de lábios delgados, que não deixou abrir o disco rígido, porque Daniel Dantas não é Daniel Dantas, mas Daniel Dantas. Isso, mais do que tudo, é um haicai, é um poema. E Gilmar Mendes entrou para a história da magistratura universal porque ele deu em 48 horas dois HC cangurus para Dantas depois da Operação Satiagraha. 

O Dantas não é nada, é um pseudobanqueiro, porque o Opportunity não e um banco, Opportunity é um nome fantasia, começa por aí. Então, em 48 horas ele foi direto ao Supremo, passou por todas as instâncias inferiores e conseguiu dois HC. Já o ministro Joaquim Barbosa foi duríssimo com o biliardário Genoino, mas com o Dantas ele foi muito gentil. O Dantas está em toda parte. Uma capa histórica de CartaCapital disse tudo. E ele é ainda o dono do Brasil, mas isso estará em meu próximo livro. Este que estou publicando termina no dia da segunda eleição de Lula, quando o eleito me telefona para dar os parabéns por ter desvendado a maracutaia da edição do Jornal Nacional, foi uma vingança, disse ele, que depois João Santana me explicaria melhor. Assunto: a democratização da mídia. Essa conversa com João Santana jamais ocorreu.

CC: E o próximo livro?

PHA: Estou começando a escrever outro, chama-se Não me Calaram. É a história das minhas batalhas judiciais, porque fui processado tantas vezes, qual é a origem de cada um dos processos.

CC: Ali se falará também do colega Attuch?

PHA: Eu acho que esse rapaz fugiu do Brasil, depois de aparecer na Lava Jato, em uma situação muito complicada. Então talvez esteja velejando entre a Córsega e a Sardenha, que é o roteiro agora da preferência do Fernando Henrique Cardoso.

CC: Com o iate de quem?

PHA: Suspeito que seja de um brasileiro chamado Jovelino. Ele tem um apartamento na Avenue Foch, em Paris, que o Fernando Henrique usa com muita frequência. Jovelino Mineiro, que foi quem ficou com a fazenda do Fernando Henrique em Minas Gerais.

CC: No livro, você fala muito de outro colega, Paulo Francis.

PHA: Ele foi meu colega na TV Globo, em Nova York. Naquela época colunista da Folha de S.Paulo, cobria a negociação da dívida externa. E a Folha dava seguidas manchetes graças a ele. Dizia Francis: “Eu estive com um banqueiro, banqueiro!” O banqueiro com quem ele conversava, eu revelo no livro, é outro colega, o Pimenta Neves, o que matou a namorada. O Pimenta era um personagem subalterno do departamento de imprensa do Banco Mundial, onde militava contra o Brasil. O banqueiro do Francis era o Pimenta. Ou então o Régis, um produtor no escritório da Globo que entendia muito de futebol americano.

Ele ia às coletivas dos comitês dos bancos e ouvia aqueles negócios de subprime e CAP, aquela linguagem de banqueiros, e de volta cuspia aquilo tudo de uma forma desorganizada. E o Francis: “Estive hoje nos comitês dos bancos credores”. Mas falo de mais colegas. No livro apresento o que chamo de lista de Schindler ao contrário. É o seguinte: no dia 2 de abril de 1964, Roberto Marinho fez um editorial no Globo, dizendo: Ressurge a Democracia. Poucos dias depois, ele publica a lista de Schindler ao contrário. É a relação dos intelectuais que tinham acabado de assinar um manifesto a favor de Jango e Roberto Marinho pede a ação da polícia para impedir a propagação das ideias daqueles homens. Ali estavam Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Paulo Francis etc. etc. Iam ser cremados na Auschwitz de Roberto Marinho.

CC: Alberto Dines não figurava?

PHA: Alberto Dines escreveu um livro memorável que ilustra a literatura política brasileira, enaltecendo o golpe de 64: Os Idos de Março. Título de uma originalidade acachapante.

CC: E agora, como anda o Brasil?

PHA: O Brasil vai viver mais três anos e meio deste governo alquebrado, desfigurado, e a direita vai perder de novo em 2018. Ou é Lula, ou quem ele apoiar. Lula é o árbitro.

CC: Dá para extrair algumas lições importantes dessas marchas todas, sobretudo a do dia 16?

PHA: Olha, Mino, um político carioca, aliás, eu não concordo muito com as ideias dele, mas que teve uma frase muito boa: “O PT tirou a direita do armário”. A direita ficava escondida no armário, não se assumia, era feio dizer que se era de direita, e agora é isso aí. Então, essa última marcha é igual a todas as outras.

CC: Você disse que teve muita dificuldade para publicar este livro, foi isso?

PHA: Eu fiz uma primeira versão, ofereci a seis editores, que não gostaram da ideia, porque provavelmente mexe com Roberto Marinho, e aqui no Brasil só há quatro ou cinco cidadãos que peitam Roberto Marinho. Eu sou do tempo em que a gente anotava à mão. Há anotações muito interessantes. Uma a respeito de Fernando Henrique em visita oficial aos EUA. No último dia, no saguão principal da sala de convenções do hotel em que se hospedava, ele deu uma entrevista coletiva.

Ao centro da mesa, à sua direita, Antonio Carlos Magalhães, presidente das Comissões de Relações Exteriores do Senado, à sua esquerda Franco Montoro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. E aí Eliane Cantanhêde pediu que FHC comentasse a declaração de seu ministro Sérgio Motta, divulgada naquele dia na imprensa brasileira , sobre o Programa Comunidade Solidária, de dona Ruth Cardoso, a primeira-dama.

Sérgio Motta havia dito: “Essa masturbação sociológica me irrita”. Fernando Henrique rodou, rodou, rodou, não disse nada, e a coletiva acabou. A caminho da saída, aproximei-me de ACM e comentei: “Ele não defendeu a mulher”. Aí o ACM, em tom mais elevado para que os jornalistas ouvissem: “Quem é do governo não pode criticar o governo”. Puxou-me pelo braço e me levou em direção à limusine. Já na porta ele recua e diz no meu ouvido: “Você sabe qual é a relação do Serjão com ele, não? É de cafetão”.