quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O Moço da Bicicleta Encantada

Tudo que essa mulher semi-tudo toca, vira...Literatura! É sempre bom conhecer pessoas que mergulham no talento e dele produzem múltiplas asas para vôos mais rasantes. Este é o caso da Sandra ( http://www.dimensaosalvadora.blogspot.com/ ).
Bom prazer:


O Moço da Bicicleta Encantada


Quando eu tinha por volta dos meus 14/15 anos, tocava violão, tocava não, arranhava. Não que fosse destituída de talento, modéstia à parte, tenho bom ouvido e sou afinada. Mas não tinha determinação, nem disciplina para me dedicar ao estudo do instrumento. Cheguei a tocar algumas pequenas peças, lendo partitura. Mas hoje, vendo um pentagrama musical, só identifico a clave de sol.Foi mais ou menos nessa época que também tive a minha primeira desilusão amorosa, uma paixão platônica, diga-se de passagem. Ele, o tal “Moço”, era o cara mais bonito da escola, pelo menos aos meus olhos... Mas o que mais me encantava nele, não era seu corpo, nem seu rosto, nem seus olhos... O que realmente me impressionava era a maneira como ele andava de bicicleta. Vocês precisavam ver a maneira como aquele Moço chegava à escola. Sua bicicleta era uma caloi azul, linda! Nem sei qual dos dois era mais bonito, o Moço ou sua caloi. Até porque parecia que a bicicleta era uma extensão do corpo dele, tamanho era seu domínio sobre o veículo de duas rodas. O Moço fazia o diabo a quatro com a bicicleta, o que me fazia lembrar o filme Butch Cassidy & Sundance Kid, naquela cena em que Paul Newman anda de bicicleta se mostrando para Katharine Ross. Quem viu o filme deve se lembrar... “Raindrops Keep Fallin' on My Head...” . E eu, uma adolescente muito tímida, ficava olhando, toda boba e pensando: Que tipo de música ele deve gostar de ouvir? Será que gosta de Caetano, Gil , Chico?. Eu já sabia tocar no violão João e Maria, de Sivuca e Chico Buarque... “Agora eu era o herói e o meu cavalo só falava inglês/ a noiva do caubói era você além das outras três...”. Ou será que ele preferia rock? Bem, eu estava determinada a aprender os primeiros acordes de Stairway to Heaven do Led Zeppelin. Mas talvez ele preferisse o romantismo malemolente do Jorge Ben... "A minha teimosia é uma arma/ pra te conquistar/ eu vou vencer pelo cansaço até você gostar de mim...”. Com a ginga toda que ele tinha em cima da bicicleta é provável que ele gostasse sim, do Jorge Ben. E eu suspirava calada... Até que certo dia o Moço chegou à escola dirigindo um carrão preto, desceu cheio de pose e as garotas mais bonitas da escola ficaram ao seu redor, provavelmente o bajulando um bocado. Vocês não imaginam a minha raiva e decepção: "Como?! Como ele foi capaz de trocar a poesia por um carro?!". Sim, poesia, porque vê-lo em sua caloi azul era como ler um belo poema, ou admirar um belo quadro, um belo filme... "Como?! Como?!" Questionava-me, inconformada. Naquele dia descobri que, além de bonito, aquele Moço era o cara mais idiota da escola. E que todo o encantamento estava em sua linda caloi azul. A bicicleta era encantada, só podia ser. Sem ela, ele perdera toda a beleza e poesia, pelo menos aos meus olhos...
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Produção textual e artes plásticas : Sandra Camurça

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O rolo do Rolex

Garimpei este texto no jornal Folha de S. Paulo, Tendências/Debates, Opinião (A3). Excelente posicionamento do músico Zeca Baleiro (na minha opinião). A questão é essa mesmo: o jornal foi democrático ao colocar Huck, Ferréz e Reinaldo no espaço opinativo do jornal, porém, o tema em questão (apesar das conotações e entrelinhas) não merecia destaque no espaço reservado à textos de complexidade política e humana maior.
Vamos a ele:

ZECA BALEIRO

NO INÍCIO do mês, o apresentador Luciano Huck escreveu um texto sobre o roubo de seu Rolex. O artigo gerou uma avalanche de cartas ao jornal, entre as quais uma escrita por mim. Não me considero um polemista, pelo menos não no sentido espetaculoso da palavra. Temo, por ser público, parecer alguém em busca de autopromoção, algo que abomino. Por outro lado, não arredo pé de uma boa discussão, o que sempre me parece salutar. Por isso resolvi aceitar o convite a expor minha opinião, já distorcida desde então. Reconheço que minha carta, curta, grossa e escrita num instante emocionado, num impulso, não é um primor de clareza e sabia que corria o risco de interpretações toscas. Mas há momentos em que me parece necessário botar a boca no trombone, nem que seja para não poluir o fígado com rancores inúteis. Como uma provocação. Foi o que fiz. Foi o que fez Huck, revoltado ao ver lesado seu patrimônio, sentimento, aliás, legítimo. Eu também reclamaria caso roubassem algo comprado com o suor do rosto. Reclamaria na mesa de bar, em família, na roda de amigos. Nunca num jornal. Esse argumento, apesar de prosaico, é pra mim o xis da questão. Por que um cidadão vem a público mostrar sua revolta com a situação do país, alardeando senso de justiça social, só quando é roubado? Lançando mão de privilégio dado a personalidades, utiliza um espaço de debates políticos e adultos para reclamações pessoais (sim, não fez mais que isso), escorado em argumentos quase infantis, como "sou cidadão, pago meus impostos". Dias depois, Ferréz, um porta-voz da periferia, escreveu texto no mesmo espaço, "romanceando" o ocorrido. Foi acusado de glamourizar o roubo e de fazer apologia do crime. Antes que me acusem de ressentido ou revanchista, friso que lamento a violência sofrida por Huck. Não tenho nada pessoalmente contra ele, de quem não sei muito. Considero-o um bom profissional, alguém dotado de certa sensibilidade para lidar com o grande público, o que por si só me parece admirável. À distância, sei de sua rápida ascensão na TV. É, portanto, o que os mitificadores gostam de chamar de "vencedor". Alguém que conquista seu espaço à custa de trabalho me parece digno de admiração. E-mails de leitores que chegaram até mim (os mais brandos me chamavam de "marxista babaca" e "comunista de museu") revelam uma confusão terrível de conceitos (e preconceitos) e idéias mal formuladas (há raras exceções) e me fizeram reafirmar minha triste tese de botequim de que o pensamento do nosso tempo está embotado, e as pessoas, desarticuladas. Vi dois pobres estereótipos serem fortemente reiterados. Os que espinafraram Huck eram "comunistas", "petistas", "fascistas". Os que o apoiavam eram "burgueses", "elite", palavra que desafortunadamente usei em minha carta. Elite é palavra perigosa e, de tão levianamente usada, esquecemos seu real sentido. Recorro ao "Houaiss": "Elite - 1. o que há de mais valorizado e de melhor qualidade, especialmente em um grupo social [este sentido não se aplica à grande maioria dos ricos brasileiros]; 2. minoria que detém o prestígio e o domínio sobre o grupo social [este, sim]". A surpreendente repercussão do fato revela que a disparidade social é um calo no pé de nossa sociedade, para o qual não parece haver remédio -desfilaram intolerância e ódio à flor da pele, a destacar o espantoso texto de Reinaldo Azevedo, colunista da revista "Veja", notório reduto da ultradireita caricata, mas nem por isso menos perigosa. Amparado em uma hipócrita "consciência democrática", propõe vetar o direito à expressão (represália a Ferréz), uma das maiores conquistas do nosso ralo processo democrático. Não cabendo em si, dispara esta pérola: "Sem ela [a propriedade privada], estaríamos de tacape na mão, puxando as moças pelos cabelos". Confesso que me peguei a imaginar esse sr. de tacape em mãos, lutando por seu lugar à sombra sem o escudo de uma revista fascistóide. Os idiotas devem ter direito à expressão, sim, sr. Reinaldo. Seu texto é prova disso. Igual direito de expressão foi dado a Huck e Ferréz. Do imbróglio, sobram-me duas parcas conclusões. A exclusão social não justifica a delinqüência ou o pendor ao crime, mas ninguém poderá negar que alguém sem direito à escola, que cresce num cenário de miséria e abandono, está mais vulnerável aos apelos da vida bandida. Por seu turno, pessoas públicas não são blindadas (seus carros podem ser) e estão sujeitas a roubos, violências ou à desaprovação de leitores, especialmente se cometem textos fúteis sobre questões tão críticas como essa ora em debate. Por fim, devo dizer que sempre pensei a existência como algo muito mais complexo do que um mero embate entre ricos e pobres, esquerda e direita, conservadores e progressistas, excluídos e privilegiados. O tosco debate em torno do desabafo nervoso de Huck pôs novas pulgas na minha orelha. Ao que parece, desde as priscas eras, o problema do mundo é mesmo um só -uma luta de classes cruel e sem fim.

JOSÉ DE RIBAMAR COELHO SANTOS, 41, o Zeca Baleiro, é cantor e compositor maranhense. Tem sete discos lançados, entre eles, "Pet Shop Mundo Cão".

domingo, 28 de outubro de 2007

Crematório de cérebros

O simples e óbvio, na maioria das vezes, demora a se mostrar por motivos toscos: como vivemos ocupados com a correria e debruçados em assuntos ditos complexos, deixamos o que está "na cara" de lado. Contudo, quando já não é possível tal rejeição ou desconhecimento, a verdade nos vem como um tapa. Foi isso que tomei lendo o belíssimo texto de Cristovam Buarque publicado em O Globo neste Sábado, 27 de Outubro, caderno de Opinião (Página 7). Vamos a uma parte deste que, para mim, é o que se pode chamar de óbvio-magnífico:
Crematório de cérebros
"É comum o horror diante da brutalidade de dirigentes que queimam livros e prendem ou matam intelectuais como o imperador chinês Shih Huang Ti, que, 210 anos antes de Cristo, decidiu queimar todos os livros e matar todos os estudiosos do seu império. Até hoje, a inquisição horroriza o imaginário da humanidade pelo crime de destruir livros e matar intelectuais durante a Idade Média. Em Berlim, no campus da universidade Humboldt, há um local de reverência indignada no lugar onde Hitler queimou milhares de livros.
Mas não nos horrorizamos quando os livros são impedidos de ser escritos e os jovens de se transformarem em escritores. Indignamo-nos com a queima de livros e a prisão de escritores, mas não com a incineração de cérebros como se faz no Brasil, ao negarmos educação ao povo. Pior do que queimadores de livros, somos incineradores de cérebros que escreveriam livros se tivessem a chance de estudar. A História do Brasil é a história do impedimento de que livros sejam escritos e de que cientistas e intelectuais floresçam.
Quando os livros são queimados, alguns se salvam. Mas, se eles não são escritos, não há o que salvar. Quando escritores se salvam, eles escrevem outros livros, mas, quando não aprendem a ler, queimam-se todos os livros que poderiam escrever.
O Brasil é um crematório de cérebros.
Ao nascer, cada ser humano traz o imenso potencial de um cérebro vivo e virgem. Como um poço de energia a ser ainda construído: pela educação. No Brasil, 13% dos adultos são analfabetos, apenas 35% concluem o ensino médio; destes, só a metade tem uma educação básica com qualidade acima da média. Portanto, oitenta e dois por cento ficam impedidos de escrever e todos os livros que escreveriam são queimados antes de escritos. Como se o Brasil fosse um imenso crematório de inteligência.
As conseqüências são perfeitamente perceptíveis: basta olhar a cara da escola pública no presente para ver a cara do país no futuro. Apesar dos nossos quase 200 milhões de cérebros, o quinto maior potencial intelectual do mundo, o Brasil continuará a ser um país periférico na produção de conhecimento. Da mesma forma como a China regrediu intelectualmente depois de Shih Huang Ti; a Alemanha, com Hitler; a Península Ibérica, com a Inquisição; o Brasil está perdendo o potencial de seus cérebros interrompidos. O resultado já é visível: ineficiência, atraso, violência, desemprego, desigualdade, tolerância com a corrupção e a contravenção. Um país dividido por um muro da desigualdade que separa pobres e ricos - e separado das nações desenvolvidas (...)"
Cristovam Buarque é Professor e Senador

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O sacolejo

O ônibus sacolejava bastante e o humor do motorista não era dos melhores. Apesar da passagem ser R$1,90 era praticamente impossível você conseguir os dez centavos de troco quando a sua nota de dois reais caía no caixa dos trocadores. Ônibus lotado, sacolejando, com motorista indisposto e calor. Química perfeita para um dia desgastante, arrastado. De repente, barulhos de tiros irromperam no cruzamento à frente, correria vinda da esquina, dobrando e desaparecendo em curto espaço de tempo. Ônibus parado, dessa vez não era questão de pegar passageiros. Homens de preto armados com fuzis bradavam alguma ordem incompreensível, o motorista desligou o motor, agora, somente os barulhos nítidos e inconfundíveis dos projéteis sendo disparados em direções “x,y”. Os homens de preto também respondiam disparando tiros e ordens outras. Talvez, numa súbita briga com a gramática, desconsiderando o fato de não existir “eu” no imperativo, as ordens eram dadas a eles por eles mesmos, como que injetando uma força reserva, uma ode à motivação para vencer o medo, o susto e a lógica aristotélica que impede qualquer policial de trocar tiros de igual para igual com um bandido, haja vista o péssimo soldo recebido. A cadência do samba torto continuou por alguns minutos e bruscamente parou por eternos instantes. A porta do ônibus abriu e um policial pediu para que todos saíssem. Alguns começaram a chorar (medo de descer, óbvio), outros começaram a chorar (não conseguiam descer, algo dentro da alma psicológica os impedia) e outros começaram a chorar (de alívio por poderem descer), ainda outros desceram apenas, sem muito atabalhoamento. Um senhor, na altura dos seus sessenta anos, observava o policial atrás do poste de luz: óculos escuros, disparando seu fuzil sem mirar, na suposta direção do confronto. Pensou o senhor que aquele era o retrato típico da segurança pública no Rio de Janeiro. O “evento” (que não teve a participação de políticos e suas promessas) durou duas horas ou algo parecido (no inferno o tempo não existe, mas o sofrimento é eterno) com um saldo espetacular de doze mortos. Infelizmente, uma criança fazia parte do número. O senhor que chegou a casa e assistiu a tudo pelo noticiário tendencioso das vinte horas lamentou o fato e seguiu a sua vida indo à cozinha jantar. É rezar para que não entrem mais crianças na linha de tiro, é rezar para que humanos, seja de qualquer idade, não entrem na linha de tiro (porque os tiros continuarão, promete a vida carioca).

Ele

"Mire e veja" o que Acantha publicou no blogue: ControVersos - http://deazeredo.blogspot.com/! Simplesmente fantástico, vale a deliciosa leitura e uma visita demorada no blogue que reúne o que há de bom circulando por aí (Adelaide, Fernanda, Alex, Mariza, Druhens, Tereza e Acantha, claro).
Vamos à musa:
Ele

sou desse homem.
desse homem que me come pontualmente
nos dias em que me permito esquecer a mesmice
do sexo manso e monótono e abro as pernas
para a rapidez do ato eleemcimaeudequatroacabou.
para o sexo que ele sabe não bastar, desde o dia em que
esqueci de gemer.
sou desse homem que me mantém na suave petulância da
classe média, super às terças, pizza no sábado, fantástico
domingo...
desse homem que desconhece as tardes mornas
em mãos estranhas nas minhas entranhas,
nos meus labirintos de se perder de medo.
desse homem que só vê o rosto que lhe mostro,
o corpo que lhe empresto no cotidiano insosso e áspero.
o corpo forqueado que sente tanto e tantos,
que interroga e duvida e declara e pede e exclama - mas não.
desse homem, senhor dos meus hábitos – mesmo olhar
mesma roupagem – carro novo, flor em datas
eu sorrindo, alma falsa.
mas sou desse homem.
tão e tanto.
Acantha Sirte

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O Calibre

Muitos vão e vêm, a vida é assim, jeito não há; ou fecha os olhos e mergulha, ou vai à superfície esperar a primeira chuva (sente-se chover mesmo estando molhado). Em tempos como esse, nada mais justo que a animalização fique aflorada, mas para tudo há limites suportáveis.
Professores que ganham menos de R$400,00 por mês não podem estar felizes com a profissão que escolheram (e muitos brasileiros ganham muito menos que isso); trabalhadores escravizados em fazendas em Terras brasilis são anomalias impensáveis em pleno século XXI, contudo, não há descrição para senadores que, muitos dias depois visitam a bendita fazenda (no singular porque assim "eles" querem, pois são plurais, sabemos todos) e nada acham (qual partido? quem são?); Governistas ou base aliada caindo quase que literalmente na porrada por uma vaga em algum "puteiro federal" para que a "bendita" CPMF seja aprovada (com o apoio deles, é claro); polícia invadindo favelas e (agora, sim, literalmente) exterminando supostos bandidos e, por acidente, deixando crianças inocentes na linha de tiro; jornais e revistas tendenciosos, descumprindo o papel essencial da imprensa: informar (a matéria sobre Che, publicada em Veja, foi um exemplo lamentável); a saúde continua, como diz o nosso Presidente, a melhor do mundo (talvez no Camboja ou em Luanda...) com pacientes pelo corredor e falta de medicamentos nas prateleiras...
Gente, queria dizer que estou torcendo ardorosamente para que o estandarte do Sanatório Geral passe rápido, mas a verdade nua e crua é que eu não sei o calibre do perigo.


O Calibre
Os Paralamas Do Sucesso



Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo

Sem saber o calibre do perigo

Eu não sei, da onde vem o tiro





Por que caminhos você vai e volta?

aonde você nunca vai

e que esquinas você nunca pára?

à que horas você nunca sai?

Há quanto tempo você sente medo?

Quantos amigos você já perdeu?

Entrincheirado vivendo em segredo

e ainda diz que não é problema seu





E a vida já não é mais vida

no caos ninguém é cidadão

as promessas foram esquecidas

Não há estado, não há mais nação

perdido em números de guerra

rezando por dias de paz

não vê que a sua vida aqui se encerra

com uma nota curta nos jornais





Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo

Sem saber o calibre do perigo

Eu não sei, da onde vem o tiro





Por que caminhos você vai e volta?

aonde você nunca vai

e que esquinas você nunca pára?

a que horas você nunca sai?

Há quanto tempo você sente medo?

Quantos amigos você já perdeu?

Entrincheirado vivendo em segredo

e ainda diz que não é problema seu





A vida já não é mais vida

no caos ninguém é cidadão

as promessas foram esquecidas

Não há estado, não há mais nação

perdido em números de guerra

rezando por dias de paz

não vê que a sua vida aqui se encerra

com uma nota curta nos jornais





Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo

Sem saber o calibre do perigo

Eu não sei, da onde vem o tiro





eu vivo sem saber...

até quando ainda estou vivo

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Eu vou acessar!

Esta eu achei no blogue do Leone (http://brancoleone.wordpress.com/).
Vale a pena ler, acessar e, definitivamente, parar de ler a futilidade de uma revista que já foi grande e, hoje, só nos faz vergonha. Triste fim para quem, anos atrás, gabava-se ser a melhor do Brasil (e era)...
Vamos ao Branco Leone:


(Abre aspas)
Esta simpática senhora de 80 anos é a jornalista Helle Alves, única brasileira a ter presenciado a chegada do corpo de Che Guevara em Valle Grande, na Bolívia, há 40 anos. Acompanhada do fotógrafo Antonio Moura, dos Diários Associados, furou a imprensa mundial (que estava reunida a 200 km dali, em Camiri, para acompanhar o julgamento de Regis Debray) noticiando a morte de Che para o mundo inteiro.
Revoltada com as distorções feitas pela revista Veja, esta semana, ela escreveu uma carta à redação da revista. Foi entrevistada por 1 hora e meia, e só saiu um pequeno box, insinuando que era uma “mistificadora”.
Fui conversar com ela, e fiz uma entrevista para o programa ABCD Maior em Revista. Quem quiser ouvir o relato dessa grande mulher, assista ao programa no domingo, 14/out, na Rede TV!, às 10 horas da manhã.
Daniel Brazil (fecha aspas)

Quanto mais o tempo passa, mais percebo que ser espinafrado pela Veja é pré-requisito para eu gostar da pessoa. Rede TV!, 10 da manhã. Eu vou.

+ Aos estranjas e atrasados: o programa fica disponível no site, em janela pequena (bem pequena), durante a semana seguinte à exibição na tv.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O que dizer deste artigo do professor Halem (Quelemém)? A sua análise vai onde as reflexões deveriam estar. Fundamental leitura essa que posto aqui, neste blogue, como que compartilhando das indagações do professor e dando continuidade ao texto postado no dia 15.
Professor Halem é facilmente encontrado aqui:
http://racaodasletras.blogspot.com/

Professores ainda são necessários? - Parte I

Dos muitos mitos gregos, o que mais aprecio é o do titã Prometeu. Como se sabe, Prometeu "rouba" o fogo, segredo dos deuses, e cede-o aos mortais, permitindo-lhes vida mais confortável e com menos temor. Zeus então castiga Prometeu, prendendo-o num monte (o Cáucaso), com correntes forjadas por Hefestos. Uma ave - que, em algumas variantes, é um corvo, em outras, um abutre, nalgumas fala-se em águia - vem todos os dias para comer o fígado do titã. Tempos depois, ele é salvo por Hércules.

Costumo (como centenas de outras pessoas) utilizar esse mito para tentar explicar o que ainda move os trabalhadores da educação, pelo menos, a mais admirável parte deles. Prometeu apanha o fogo (obviamente, uma representação do conhecimento) e simplesmente entrega-o aos outros seres, sabendo que corria riscos e sem esperar nada em troca, nenhuma recompensa. O ato de dividir conhecimento ou ajudar a construí-lo (como preferem os pedagogos modernosos) é, portanto, um ato de generosidade, antes de qualquer outra coisa.

Infelizmente, porém, essa interpretação também faz com que surjam idéias, a meu ver totalmente equivocadas e ainda bastante difundidas, de que a profissão docente é uma "questão de dom", ou que "o magistério equivale ao sacerdócio" ou, ainda, que "a escola é uma extensão do lar" (daí a presença da "tia"). No outro extremo, existem também opiniões altamente agressivas e desrespeitosas: "fulano é professor porque não foi bom o suficiente para arrumar coisa melhor"; ou "escola é lugar de gente incompetente e que não precisa de muita coisa". Dessas duas visões, a primeira, ingenuamente enaltecedora e a segunda, em que há cruel depreciação, nascem as justificativas para a desvalorização salarial e o desprestígio social dos professores.

A postagem iniciada hoje, claro está, foi motivada pela data de ontem (15 de outubro), dia dos professores. Seria difícil não falar sobre essa profissão: parentes, amigos, eu próprio militamos faz tempo na educação pública. Mas não vou aqui discutir as baixas remunerações, assunto mais do que sabido. Basta, por exemplo, ler matéria publicada na Folha de S. Paulo (15/10/2007 - Caderno Cotidiano) na qual se compara o valor médio da hora trabalhada nos diversos estados brasileiros. Pernambuco paga R$ 3,03; ou seja, para uma jornada de 30 horas semanais, um professor com licenciatura plena recebe menos de R$ 400,00. O estado que oferece o melhor salário, Acre, paga algo em torno de R$ 1. 580,00. Acho ainda assim injusto; mas o resultado é que nos últimos dois exames do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) o Acre foi o estado com melhor desempenho e crescimento proporcionais. Só que não discutirei isso nesta postagem.

Quando perguntei lá no título se professores ainda são necessários, pensava em outras coisas. Pensava, por exemplo, na quantidade de informação disponível hoje em dia. Qualquer cidadão no mundo, devidamente alfabetizado, tem acesso a mais informação do que qualquer cientista nascido até 1950! Tornamo-nos, por isso, pessoas mais sábias? Bastaria então apenas um imenso esforço de alfabetização e a "batalha" educacional estaria ganha? Dispensar-se-iam todos os outros professores? Fora Geografia, História e Biologia?

Pensava também no fim de algumas profissões e ocupações ou, pelo menos, na drástica diminuição de seus praticantes. Seria o caso dos profissionais do ensino, tal como sempre os concebemos, desde a progressiva massificação da educação escolar, em escala mundial, a partir do fim da 2ª Guerra Mundial?

Mas pensava principalmente num pequeno artigo que li *, meses atrás, assinado pelo escritor britânico Christopher Hitchens.

Sei, sei... Vão me dizer que Hitchens tem algumas opiniões consideradas reacionárias e que ele defendeu a invasão do Iraque. Mas faz parte de um esforço pessoal que venho realizando a tentativa de compreender o argumento alheio antes de qualquer desqualificação ad hominem (e, geralmente, esse tipo de desqualificação é acompanhada de adjetivações simplistas). Mas voltemos ao artigo.

Em Criticar o Islã é fundamentalismo?, Christopher Hitchens utiliza-se dos ataques recebidos pela escritora somali Ayann Hirsi Ali para, mais uma vez, bater-se contra as religiões, já que o autor é ateu - e, nesse ponto, partilhamos a mesma (des)crença. Mas é no início do texto que se encontra o trecho mais adequado ao que estamos discutindo nessa postagem. Escreve ele:

"O poeta inglês W. H. Auden tinha uma capacidade extraordinária de resumir o desespero. Mas de uma forma que, ao mesmo tempo, inspira resistência ao fatalismo. Seu poema mais adorado é provavelmente 1º de setembro de 1939, em que vê a Europa precipitando-se em um abismo de escuridão. Ao refletir sobre essa catástrofe, escreveu o verso: O Iluminismo jogado fora."

Ao indagar (-me) sobre a necessidade da existência dos professores, faço isso porque não tenho dúvidas de que vivemos numa época desesperadora. E precisamos resistir, se não apontando soluções definitivas (se é que essas existem), pelo menos não jogando no lixo os modelos explicativos da Razão, a Literatura de alto nível e o conhecimento formal e científicamente elaborado.

É aí que entram os professores. Volto ao assunto depois.

Prof.: Halem Souza

*Revista Época, 19/03/2007 - (p. 99)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Sobre exames e concursos

Em homenagem aos professores (sofridos todos) deste país com vergonha de ser grande e comprar dicionário, posto esta maravilhosa coluna de Roberto da Matta, publicada no Estado de S. Paulo (10/10, Caderno2).
Por: Roberto DaMatta,10 de Outubro de 2007.
Sobre exames e concursos

Quando em 1947, virginal e inocente, fiz o exame de admissão ao ginásio, imaginei que aquele seria o primeiro e último teste da minha vida. Lembro-me do nervosismo de mamãe e da apreensão muda de papai, sempre sentado numa silenciosa cadeira de balanço. Minhas mãos suadas testemunharam a insegurança diante de dona Olívia, uma professora alta e magra que administrou as provas e, dias depois, congratulou meu sorridente pai pelo sucesso do filho mais velho que 'entrava no ginásio'.Valia muito ser 'ginasiano' naqueles tempos de pós-guerra, quando o Brasil era feito por uma esmagadora maioria que não sabia ler e escrever.Ler, escrever e contar era a trinca de verbos que minha geração ouvia quando os mais velhos falavam de educação e 'cabedal' - respeito e reverência. Os colégios eram conhecidos pelos nomes de suas professoras-diretoras, cuja fama se ligava às exigências a que submetiam seus alunos, 'puxados' para aprender. A escola de dona Olívia, embora modesta, pertencia a essa estirpe. Ali havia apenas o enorme e aterrador quadro negro e, como complemento, a heróica professora que declarara guerra à ignorância. A despeito da heterogeneidade, não se falava em pobres e ricos ou em negros ou brancos, mas em adiantados ou atrasados, estudiosos e vadios (eis palavra sem uso num mundo que odeia o limite e paga seu preço por isso).Quando dona Olívia queria tirar alguém da 'vadiagem', ela usava - para deleite dos pais e, entendo melhor agora, também dos filhos - uma imensa régua de alumínio. As reguadas não doíam muito fisicamente, mas feriam fundo os que tinham vergonha na cara. Por isso, envergonhavam mais o aluno do que a professora e, agora eu tenho certeza, porque também tento ser professor, pesavam mais na mestra do que no aluno. Canhoto, passei rapidinho a escrever com a direita, com medo de levar uma dessas famosas pancadas nos dedos da 'mão sinistra'.Dias depois do exame, papai me presenteou com uma caneta Parker. Naquele tempo, a caneta-tinteiro, o relógio de pulso, o sapato sem laço (estilo mocassim) e o terno azul-marinho eram itens básicos, senão estruturais, a marcar o trajeto de quem deixava a infância para a adolescência. O rito de passagem oficial, entretanto, era a entrada no ginásio. A primeira porta para o famoso diploma de 'doutor' que tanto vale no Brasil.Depois desse exame, submeti-me a muitos outros concursos. A maioria deles fazia parte dos testes regulares do curso ginasial e científico, nos quais eu sempre tinha notas insuficientes em latim, matemática, física e química; e ficava dependendo de um famigerado exame oral que tinha o mesmo gosto seco das apostas arriscadas.Vivi essas mesmas emoções novamente quando fiz meu serviço militar e, no curso de oficiais da reserva do Exército, deparei-me novamente com minha velha incapacidade para os cálculos matemáticos e voltei a suar frio quando enfrentava as provas de topografia.Só fui me tranqüilizar quando fiz o vestibular para o curso de história e obtive boas notas em todas as disciplinas situadas do lado oposto das tais 'ciências exatas'. Daí em diante, fazer exames era um prazer e um desafio intelectual: estava sempre bem preparado e, muitas vezes, sabia mais do que alguns dos meus professores.Um teste vital foi o exame para curso de teoria e pesquisa em antropologia social do Museu Nacional, em 1960. Tratava-se de uma experiência pioneira e seu inventor, o meu então professor, mentor e amigo saudoso Roberto Cardoso de Oliveira, inaugurava um curso rigorosíssimo, no qual os alunos aprovados trabalhariam com bolsa e em tempo integral. Foi nessa ocasião que acasalei para sempre estudo e trabalho.O mesmo aconteceu na Universidade de Harvard, quando fui submetido (e aprovado) aos exames orais com o fito de qualificação para o doutorado em 'antropologia', num concurso repleto de folclore negativo, em que se dizia que os melhores alunos sucumbiam a perguntas impossíveis, feitas por bancas cruéis e implacáveis.Depois de ter sido agraciado pela Universidade de Notre Dame com uma cátedra, ainda me dispus a fazer um outro concurso. Desta feita, para professor titular da Universidade Federal Fluminense. Apresentei memorial, tese e fui devidamente examinado e aprovado.Na semana passada, revivi tudo isso ao fazer o concurso para professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Passei no exame do memorial e me preparo para a chamada 'aula magna' que vai finalizar essa rito de passagem.Registro essa trajetória com dois intuitos. O primeiro, é agradecer, do fundo do coração, aos meus examinadores, administradores e colegas pelas boas palavras que recebi na PUC. O segundo, é mostrar de que é feita a vida dos professores: dos que 'não sabem e, por isso, ensinam'. Os que sabem, como diz esse ofensivo e imbecil ditado brasileiro, ficam muito ricos e se consagram como políticos e empresários. Já os que ensinam, estão - sempre em curso e concurso, mesmo quando vão dar uma aula humilde.

Paulo

Este é um pedaço do artigo que Gerald Thomas escreveu hoje, 15/10, na Folha de S. Paulo, Ilustrada (E4). Singela homanagem ao ator Paulo Autran... Digo, ao imenso ator, que esses não têm nome, não, são como faróis a guiar nosso humilde barco.
Ator erudito

Ele era um ator e não um representador. Era um intérprete, alguém que vive em todas as épocas, especialmente no futuro e vê tudo no passado. Paulo é, ainda no presente, um educador, um erudito como poucos nesta classe teatral. Ao contrário de tantos que andam por aí, com ele as conversas podiam perambular entre as razões da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, os filósofos gregos, a queda do Império Romano, a divisão da China pós-Revolução Cultural de Mao... E seu registro de voz era estranhíssimo. Fora da língua portuguesa, digo, brasileira. Ele falava exatamente no mesmo registro ("pitch") que Laurence Olivier. E, assim como uma criança, tinha a curiosidade de olhar para o céu e observar estrelas. Mas no teatro transformava as estrelas em refletores e nos devolvia a luz de uma lâmpada que batia em sua pupila e nos fisgava, não importa em que ponto ou fundura do palco ele se encontrava. Truques de grandes mestres, já que carisma não se explica. Ele olhava a imensidão do universo com a mesma intensidade que o urdimento do teatro. Essa vivência é muito difícil de explicar. Mas Paulo será muito difícil de explicar porque, mesmo enfermo, ele não parava de ir ao teatro, de querer enxergar novos talentos, de querer estar no palco por eles, ou melhor, através deles. O ator morre todos os dias, no momento em que se veste de personagem. Morre de novo quando o personagem morre ou quando a cortina fecha ou quando o público o aplaude ou na solidão do seu camarim. Quem morreu na última sexta foi uma grandiosa criança chamada Paulo Autran, cujo legado não nos deixará nunca. Quem sabe ele está estudando um novo método qualquer pra poder nos surpreender novamente. Vai com Deus, meu querido. Fique em paz!

GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro

terça-feira, 9 de outubro de 2007

O valerioduto é mineiro ou tucano?

O Ombudsman da Folha de S. Paulo, Mário Magalhães, escreveu no domingo, 07/10, algo que preocupa as mentes partidárias ou com um mínimo de consciência democrática: até onde uma notícia pode tender para um lado e prejudicar outro, mesmo que tal fato viole o manual da redação que prega uma suposta "imparcialidade"? Existe imparcialidade nos grandes jornais? Aliás, existe essa tal de imparcialidade em algum lugar?
Vamos à coluna:
O valerioduto é mineiro ou tucano?

A RIGOR, é mineiro e é tucano.Mas a resposta depende de outra pergunta: o mensalão é nacional ou petista? Sem dúvida, é tanto nacional como petista.O que não pode é o mensalão ser nacional e, o valerioduto, tucano. Ou o valerioduto ser mineiro e, o mensalão, petista.Não se trata de joguete de adjetivos, mas do exercício de um dos pilares do projeto editorial da Folha, o apartidarismo.Foi o que faltou à Primeira Página do domingo passado, quando a manchete - "Valerioduto de MG pagou juiz eleitoral, afirma PF"- sintetizou uma boa reportagem.Na chamada, o texto curto que resume as informações das páginas internas, a expressão "mensalão do PT" contrastou com "valerioduto mineiro".Quem lê "mensalão petista" recebe uma informação correta: o esquema ilícito de pagamento a políticos de vários Estados e outros associados ao governo federal foi tocado a partir de 2003 por dirigentes do PT e próceres da administração -é a opinião do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.Já quem lê "valerioduto mineiro" se informa pela metade: o desvio de verbas públicas que alimentaram em 1998 a campanha de reeleição ao governo de Minas do hoje senador Eduardo Azeredo se concentrou no PSDB -conforme inquérito da Polícia Federal.Portanto, se o mensalão é do PT, o valerioduto é do PSDB. Sem equivalência de critério, empregam-se dois pesos e duas medidas -os petistas aparecem mal, e os tucanos são poupados.O esquema de repasses por meio de empresas do publicitário Marcos Valério de Souza conheceu seu ápice no primeiro mandato de Lula. Depois se soube de sua gênese na gestão estadual de Azeredo.O mensalão nacional favoreceu muitos partidos, mas seu núcleo foi petista. Se o valerioduto mineiro beneficiou legendas diversas, desenvolveu-se em torno do tucanato.Um exemplo de jornalismo crítico e equilibrado foi publicado pela própria Folha, também no último domingo: a reportagem que comparou o mensalão com o valerioduto.Uma contribuição inspirada ao debate sobre a cobertura é o artigo que o ombudsman do IG (e ex da Folha), Mario Vitor Santos, veiculou em seu blog, ancorado no portal.
Mário Magalhães é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2007

domingo, 7 de outubro de 2007

Estatística

O sopro que rasga os meus cornos está morno
E é inverno pleno no Rio de Janeiro
No ar, os pássaros que restam, rodopiam
Sem consciência do homem

Os carburadores vomitam sem parar
A guerra pelo petróleo está a mil por hora
Por hora morrem centenas de milhares
Na tribo que se tornou o mundo

Jorra-se ouro e sangue
As rimas se perdem na fumaça
Os que matam, suicidam-se como o dia

E um dia sairemos da história
Como moscas, fazendo de Deus
A imagem e semelhança do homem.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Cabelo Frito

Meneau, um dos sujeitos mais fantásticos na escrita cômica blogueira, está fazendo as malas e acabando com o Cabelo Frito - La Republica. Uma pena, pois tanto Meneau quanto o outro colaborador (nada menos que o Prof. Halem, vulgo Quelemém) nos brindava com doses semanais de questionamentos sarcásticos e humor-humanísticos de primeira. Uma pena acabar com blogue tão interessante. Enfim.
Quem quiser visitar o Cabelo Frito para deixar um recado, um abraço virtual (ou mesmo uma gozação):

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Onde Bebel brilhou

Depois de deitar meus olhos sobre este texto que o Zuenir Ventura produziu e que está em O GLobo (03/10 - Opinião - Pág.7) , devo admitir que algo subiu pela garganta e desceu sem vontade, arranhando, azedo. Incrível a capacidade do Senado brasileiro de piorar as coisas. Cabe a nós, cidadãos, varrer a sujeira de uma vez por todas. E a vassoura, todo mundo conhece, se chama voto.
Vamos ao Zuenir:
Onde Bebel brilhou
O Senado parece incansável no esforço de piorar sua imagem junto à opinião pública. Pois se não bastasse tudo o que Renan Calheiros e sua tropa de elite vêm fazendo nesse sentido, eis que a casa onde Bebel brilhou na semana passada aprontou mais uma. Diante de um minucioso relatório denunciando trabalho escravo na Fazenda Pagrisa, no Pará, enviou ao local uma comissão de cinco senadores, que quase três meses depois do ocorrido não encontrou nada de anormal, claro, e encerrou a visita desqualificando as denúncias dos auditores-fiscais. A operação do Ministério do Trabalho resgatara mais de mil trabalhadores submetidos a degradantes condições de vida, análogas à escravidão.
Em 18 volumes de cinco mil páginas, o documento relata histórias como a de 45 operários cujo pagamento em dois meses seguidos foi de 0,00 de salário líquido. Em lugares com capacidade para 30 trabalhadores, estavam alojados 50. "Havia um esgoto a céu aberto que era despejado na represa utilizada pelos empregados para tomar banho e lavar roupa", diz outro trecho, acrescentando que a própria empresa admitiu que "o ambulatório médico registrou 38 casos de sintomas de diarréia que poderiam estar relacionados à alimentação". Quanto aos remédios, o relatório apurou que um medicamento que custava R$ 13 em Marabá era vendido na fazenda por R$ 23,20.
Os proprietários da fazenda reclamaram de excesso por parte dos fiscais e negaram maus-tratos a seus trabalhadores, como se esperava que fizessem. Estavam no papel deles. Estranha foi a atitude do Senado, a começar por ter escolhido, entre 520 ações que estão em curso, justamente essa da Pagrisa, só ela. O monistro Carlos Lupi ficou surpreso e não entendeu como e por que a empresa conseguiu "tantos apoios". Como partiu com um certo atraso, a comissão formada pelos senadores Flexa Ribeiro (PSDB - PA), Kátia Abreu (DEM - TO), Cícero Lucena (PSDB - PB), Romeu Tuma (DEM - SP) e Jarbas Vasconcelos (PMDB - PE) encontrou lá não mais os abusos denunciados, mas os "excessos" dos fiscais.
Um detalhe dá a medida do grau de independência dos enviados: Flexa Ribeiro, líder do grupo, viajou em avião da empresa que devia ser investigada. "Os empresários apenas viabilizaram minha ida ao local", justificou-se candidamente. E se indignou com a repercussão que o caso teve. "A polêmica denigre (sic) a imagem do Pará e do Brasil." Do Pará e do Brasil, não sei. Mas a do Senado certamente que sim. Não por acaso, 73% dos internautas que acabam de ser ouvidos numa pesquisa se manifestaram favoráveis ao seu fim. Na visão dos votantes, não importa que os (poucos) justos também paguem pelos (muitos) pecadores. O que eles querem é varrer a instituição da face do país. Trata-se de uma proposta muito radical. Basta varrer por dentro.
(Zuenir Ventura)

Confissão de um reles plagiário

Há alguns dias, mais precisamente Domingo, uma crônica publicada no Jornal do Brasil, pelo jornalista Fausto Wolff, foi objeto de muita "polêmica" entre os internautas (principalmente os "blogueiros"). Motivo? Tal crônica, creditada ao Fausto, era na verdade um plágio de uma obra do escritor Marconi Leal.
De acordo com o que foi publicado hoje (03/10), no J.B, o colunista explica que o plagiou porque pensava se tratar "de uma piada de domínio público ou de autoria de outrem." A coluna termina com Fausto prometendo se regenerar e afirmando sentir-se envergonhado.
Acreditar ou não acreditar em tal coluna-declaração é uma decisão pessoal e solitária. Cada um avalie à sua maneira. Como sou admirador de Fausto Wolff enquanto jornalista/escritor, prefiro escutar meu coração e acreditar, dando de certa forma, um beijo em mim mesmo.
Porém, não posso omitir um fato importante: meu querido Fausto é jornalista.
É função de todo o jornalista investigar, apurar, correr atrás da verdade. Obviamente, devido ao estado de saúde do colunista, certas "procuras" e checagens tornam-se mais difíceis, mas não impossíveis.
Não se pode querer que a parte lesada seja conivente com o "erro" ou que a vítima (no caso, o escritor Marconi Leal) seja obrigada a aceitar tal desculpa. Inúmeras justificativas e conclusões podem ser tiradas, contudo, a única contundente é esta: foi plágio.
Quem quiser acompanhar Marconi Leal, é só dar um pulo no seu delicioso blogue:
Confissão de um reles plagiário

Fausto Wolff



Eu tinha 15 anos, era repórter policial do Jornal do Dia de Porto Alegre. Num baile conheci uma garota belíssima que soube ser filha do presidente da Sociedade Columbófila da cidade. O homem vivia para seus pombos e eu para a filha dele, que não me dava bola, o que não me impedia de visitá-los semanalmente com novas perguntas. Meu material não bastava para uma brilhante reportagem e encontrei alguma coisa no mesmo jornal de uns 10 anos atrás. O autor chamava-se Salomão Schwartzman, a quem aproveito para pedir desculpas meio século depois. Esse troço me atormentou tanto que nunca mais esqueci nem do Salomão nem da bela reportagem, que se chamava "Pombo-correio: herói na guerra, mensageiro na paz". Finalmente, a verdade foi esclarecida. A reportagem era plágio de outra muito melhor. Desde aquela época, 1954-55, prometi a mim mesmo que jamais usaria um texto de um autor sem citar-lhe o nome. E nunca mais o fiz.



Mudando de assunto, mas, de forma melíflua e sagaz, mantendo-me dentro dele, far-lhes-ei uma confissão. Odeio algumas outras coisas além do programa Manhattan Conection. Por exemplo, as roboas de telefone, que dão as boas-vindas e mandam você pressionar o botão que atenda a seus interesses. Em seguida, tocam musiquinha enquanto informam como a sua vida melhorará se você usar os produtos deles. E assim se passam cinco horas, ao fim das quais uma jovem diz que vai se informar na seção técnica sobre o problema que você ainda não conseguiu explicar. Você deve esperar até ouvir um clique seguido do sinal de discar. Muitos não ouvem este sinal de ligação interrompida, pois já foram carregados para o hospital.



Há tempos eu esperava uma oportunidade para denunciar este serviço responsável pela morte de milhares de anciãos. Foi quando vi na internet algo que se encaixava como uma luva de anão em bebê. Era o diálogo entre um usuário de banco e o ladrão do banco. Extremamente divertido. Fui procurar o autor, mas o texto não vinha assinado. Por via das dúvidas, disse que falava com AP Santos, um leitor amigo que enviara o texto e que eu, erroneamente, julgara ser de sua autoria. Antes de continuar, quero esclarecer que não publico piadas, pois estas são apenas a apresentação de uma situação pela qual se espera o punch line, ou seja, a linha que pegará o leitor de surpresa. De modo que prefiro contar anedoctes, ou seja, fatos engraçados mais ligados à realidade. Escrevi um livro com 1.002 delas sem plágio, aparentemente.



A crônica com o título Papo de velho, ladrão e intermediário saiu no domingo e, na segunda de manhã, o Jornal do Brasil já me telefonava para dizer que havia sinais de guerra civil, pois eu fora acusado de plágio. Levei algumas horas para conectar corpo e espírito.



Na internet, vi um e-mail do Jean Scharlau, o redator chefe do meu site, O Lobo, no momento substituído por outro excelente jornalista, Marcelo Carota, o Pirata. A mensagem: "Salve, Comandante! Parabéns pelo grande sucesso no lançamento do Olímpia. Estou numa correria braba atrás dos pilas, de forma que a revista ainda está a cargo do Pirata, que tem feito um belo trabalho. Não deixo, porém, de ler teus textos no JB. Grande parte do artigo de hoje já havia lido no http://marconileal.blogspot.com/2007/04/assalto.html, o blog do autor, que, aliás, é um dos colunistas da nossa revista O Lobo, Marconi Leal. Ele me escreveu, chateado por não ter sido citado. Que tudo esteja bem contigo e com os teus. Abraço do Scharlau. PS: Envio cópia desta ao Marconi e ao Pirata, que também foi informado pelo Marconi."



O segundo e-mail que recebi: "Você já deve saber, mas, se não, sua história sobre o banco assaltado já saiu na internet sem crédito. Ribeiro Lopes." Mas o que mais me sensibilizou foi a terceira mensagem, pelo tom árcade-primaveril e sua falta de rancor: "Assunto: Fausto Lobo-Bobo: puta plágio este texto


(http://quest1.jb.com.br/editorias/cultura/papel/2007/09/30/cultura20070930004.html) vergonhosamente assassinado pelo Fausto Wolff, hein? Está explicado o sobrenome do gatuno. Absurda cara-de-pau, merece dar o salário de um ano pro autor: http://marconileal.blogspot.com/2007/04/assalto.html. se liguem! Luiz Augusto S. N. Alayonarquiteto AO CUBO³ Projetos e obras. Av. Pacaembu, 1088 cep_01234-000 gugaalayon@terra.com.br tel: fax: mobile: (11) 3666 1427 idem 11 91354250."



O que posso fazer? Agradecer ao Ribeiro, de Teresópolis, que me alertou para o fato de o texto já estar rolando apocrifamente pela internet? Agradecer ao Jean Scharlau, por informar à minha editora do meu vergonhoso crime? Agradecimento especial ao Luiz Augusto S.N. Alayon, que teve seus 15 minutos de glória vaticinados pelo Andy Warhol, criador da filosofia da superficialidade a serviço do nada. Luiz Augusto S.N.Alayon é arquiteto e pode ser encontrado fugindo dos fãs no Pacaembu. Desculpas especialíssimas ao Marconi Leal, na esperança de não ter piorado muito a sua obra, mas, se o fiz, foi por crer que se tratasse de uma piada de domínio público ou de autoria de outrem. Aos pôsteres e aos impósteros, só posso dizer: o crime não compensa, prometo me regenerar, estou envergonhado, minhas mãos suam como as do James Cagney antes de ser mandado para a cadeira elétrica gritando: "Mommy!".