quinta-feira, 30 de agosto de 2007

E viva o X-man !

Comentário sobre tal foto foi encontrado primeiramente no
Blog do Meneau/Halem:

Gente, aqui não vai nenhuma crítica a religião (no verdadeiro sentido da palavra) de ninguém. tenho amigos e membros da família cristãos. Porém, como religião (mercadologicamente falando) é um assunto sempre envolto em "mistérios", sejam do espírito, ou da corrupção, vira e mexe, alguém sai com uma nova salvação (que seria somente uma grande anedota, se o povo brasileiro tivesse o mínimo de instrução, instrução essa negada pelos sucessivos governos que por aqui cagaram).
Agora, debrucemo-nos sobre a propaganda "outdóorica" aí de cima e façamos a seguinte pergunta (a nós mesmos, se possível): existe pecado abaixo da linha do Equador?

A palavra

O que vale são as formas estáticas e utópicas daquilo que se apresenta como “o certo”? O que vale são as palavras loucas e locomotivas que transcorrem de forma etérea na vida comum? O que vale para o julgamento humano? Quais são as matrizes daquilo que denominamos prudente? O ser humano possui a chave para abrir o seu sentimento mais oculto? O homem entende que o que está escrito e é fundamental por hora pode ser a inutilidade de amanhã? O caminho é tão complicado a ponto de só restar pistas no que já foi escrito ou dissecado? As formas estáticas combinam com a afronta inconfundível do vento, do tempo, do ser? O que está parado não pára porque já foi, existe e existiu, será, é, já era. Escrever é um modo de eternizar a palavra pretendida, prendida, isolada, mas ocorre também o exercício do escrever, encontrar outras palavras e sobrepô-las às frases que viraram passado logo que outras linhas são preenchidas. Exercício paradoxo esse de escrever. Frases indo e vindo como a vida, mostradas e retomadas e esquecidas e afirmadas e negadas, num delicioso arbítrio, uma mutação. Palavras juntas, casadas, formando e dando um outro sentido, tanto para o absoluto quanto para a inutilidade. Espero por algum momento escolher a mais adequada oração, o mais lógico período, mas nem tudo é debruçamento, há o instante do vômito, das letras casando velozmente em milésimos de segundos, brotando do inconsciente e vazando para a tela do computador, do caderno, do bloquinho de anotações. Há o instante do assombramento, do não pensar criativo; há o instante do Eu, que rompe e arromba àquela existência dolorida que vai nascer de qualquer forma, vai tomar corpo, vai virar outra coisa e situar-se no limiar da eternidade. A mística da palavra está por trás dela, esperando pacientemente uma reflexão, o silêncio da leitura. A mística da palavra é um mistério.

sábado, 25 de agosto de 2007

25

Vinte e cinco mortos em uma cela... Apenas uma pergunta: Existe correção neste sistema carcerário ou jogamos "humanos indesejados" em um cela para o abate?
Gostaria de ser mais abrangente, mas o grande Meneau já disse tudo no seu blog:
Meneau cita Drummond, eu também. Ele por causa de Chaplin, eu por Martin L. King e porque preciso acreditar.
O Morto de Mênfis

A arma branca
e o alvo prêto
Não cabem
no sonêto.

A mão
que move o fuzil
destrói o til
da canção.

Fica no ar
o som
do verbo matar.

Na varanda, sem côr,
os restos
do amor.

Nos vergéis da justiça
o sol faísca sôbre
carniça.

O ódio e seu ôlho
telescópico
formam um demônio
ubíquo.

Seu nome, Legião.
Não
perdoa a vida.

Onde a vida brota
seu talo verde,
êle vai e corta.

Onde a vida fala
sua esperança,
êle crava a lança,

borda o epitáfio:
Aqui jaz,
desossada, a paz.

Na linha de côr,
na linha de dor,
na linha de horror

da calçada,
a mata é basculante
de banheiro; mais nada.

(Ou janela debruçada
sôbre o carro
Caça ou curra?)

O homem não se reconhece
no semelhante.
O homem anoitece.

O que mais o assusta,
o que mais o ofende
é a luz vasta.

O homem ignora
tudo que já sabe.
E não chora.

Sua intenção
é matar-se na morte
do irmão?

É negar o irmão
e seguir sozinho,
sêco, surdo, torto
espinho?

As artes, os sonhos
dissipam-se no projeto
medonho.

Mas renascem. De lágrimas,
pânico, tortura,
emerge a vida pura,

em sua fraqueza
mais forte que a fôrça,
mais fôrça que a morte.

A raiz do homem
vai tentar de nôvo
o ato de amar.

Vai recomeçar,
Vai continuar.
Continuar.

O morto de Mênfis
continua a amar.
Ninguém mais o pode
matar.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O salário

Ele acordou, mas preferia estar dormindo, movimentando rapidamente os olhos. Sua mulher não estava no melhor dia e ele, por sua vez, não queria entrar em conflito com ela. Estava sufocado até os ossos, tamanho nervosismo. Olhava a sua filha e sabia que o leite estava para acabar, as fraudas descartáveis também; só quem não sabia era o seu patrão, atrasando o seu salário havia quinze dias. O mês estava quase para acabar, mas o salário não saía. Salário... No rosto suado, no desespero da mente, a palavra salário significava o que deveria ser há dois mil anos. Vender mão-de-obra e não receber por isso é de uma sensação que beira a impotência. Estar casado e sem dinheiro não é fácil para ninguém. Acordou, mas quem disse que queria? Abriu a porta do quarto devagar, jogou a roupa no corpo de qualquer maneira, calçou o primeiro sapato que viu na frente e, vendo que não havia ninguém na sala, disparou imediatamente para o serviço, sem café, sem nada. Foi a pé, apesar dos cinco quilômetros de distância da sua casa ao trabalho. No caminho, seus pensamentos divagavam entre a inevitável separação, o gosto amargo do que tivera que ouvir na noite anterior – o semblante da filha sempre surgia em intervalos de dois minutos – e a triste constatação de que andara para trás de um ano para cá. Sem o dinheiro da passagem, do cigarro, do jornal que gostava, do leite em pó, da frauda. Foda, sufocante, angustiante. Era como estar submerso e sem ar, no limbo dos pensamentos obscuros, chuvosos. Não podia nem pagar uma bebida para si mesmo. Mas o que pesava o ar de maneira avassaladora era a certeza de que estava sozinho, a certeza de que não havia apoio onde deveria encontrar, não havia alicerce com profundidade necessária. Adentrou o serviço com tais pensamentos quando sua chefe o abordou entes do galpão que dava para o maquinário: “Seu salário saiu.” A voz entrou como Flor de Kenzo, sentiu o meio sorriso da sua chefe surgir como gotas de orvalho, um livro fresco aberto depois de um bom vinho, tudo em câmera lenta. Simulou uma dor terrível de garganta e quase sussurrou as últimas palavras para o soldador ao lado. Saiu atabalhoado do serviço direto para a farmácia mais próxima: tudo podia esperar, menos o leite em pó e as fraudas da sua menina. Chegou a casa como quem chega da revolução. E, à noite, trepou com a sua mulher.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Boicote

Peguei a foto e sua explícita mensagem lá no refúgio da Sandra (http://www.dimensaosalvadora.blogspot.com/).

Posto aqui porque concordo e digo mais:

Uma empresa como a Philips não pode ser comandada ou

ter, em seu quadro de presidentes, qualquer um.


sábado, 18 de agosto de 2007

Cansados e deslumbrados

Publico esta magnífica reflexão/indagação de um grande jornalista: Mauro Santayana. Saiu no Jornal do Brasil, no espaço "Coisas da Política"(País - A2). Publico também para complementar a reflexão iniciada por Acantha em seu blog Banalidades Raras.

Coisas da Política

Mauro Santayana

O direito de reunir-se, sem armas, para manifestar coletivamente sua opinião, é assegurado a todos. Os tempos modernos têm sido bem mais tolerantes no que se refere às minorias. Sendo assim, os desfiles de homossexuais se tornaram comuns, muitas vezes com o apoio de pessoas de conduta social conservadora. Por que não aceitar que certa minoria de brasileiros, privilegiados pelo talento em ganhar muito dinheiro, possa expor seu inconformismo com o governo? São pessoas que se dizem cansadas. As faces das quatro grandes musas do movimento, expostas nos anúncios divulgados, mostram, mesmo sob sorrisos, o tédio dos que vivem sans souci. Algumas são veteranas no ofício do entretenimento, como a apresentadora Hebe Camargo e a atriz Regina Duarte, outras, recém chegadas à ribalta, como a cantora Ivete Sangalo e a senhora Ana Maria Braga. Uma coisa é certa: elas podem não gostar do governo, mas não se queixam de sua excepcional situação na distribuição da renda na sociedade brasileira. Estão todas muito bem de vida. Ganharam honradamente seu dinheiro, divertindo as massas, fazendo-as esquecer as agruras do cotidiano. São, com todo o respeito, como os jogadores de futebol, que encantam o nosso povo com sua particular inteligência do espaço retangular em que atuam. É certo que levam, sobre eles, uma grande vantagem, a de durar no ofício, como é o caso exemplar da senhora Camargo.
Ninguém gosta plenamente do governo - nem mesmo os seus membros. A disputa interna pelo poder, que as conveniências escondem, revela esse mal-estar. O próprio presidente não pode estar satisfeito com o desempenho geral da equipe. Piove, governo ládro, diz o provérbio italiano, para debitar aos governos até as chuvas indesejáveis. Mas, convenhamos, é difícil identificar - a não ser se aceitarmos a vigência do preconceito - a razão do cansaço dessas senhoras e desses senhores que organizaram a manifestação marcada para hoje. De uma só delas, da senhora Braga, pelo que se conhece de sua biografia, temos notícias de vicissitudes, antes e depois da oportunidade do estrelato. O seu êxito na televisão se deve, sobretudo, ao low profile, que a identifica com as mais simples donas-de-casa, o que talvez explique o seu recrutamento. Lamente-se que se tenha deixado envolver pelo movimento.
Os especialistas em sondagens de opinião sabem que os cidadãos pobres, mais do que os da classe média, sabem distinguir entre o mundo do espetáculo e o mundo da realidade. A vida é colorida pelo efeito da técnica de tratamento da imagem transmitida. Fora do pequeno retábulo, o mundo é outro. Os cidadãos pobres sabem que, com todos os seus penosos sacrifícios, a vida está melhor hoje, para eles, do que nos governos passados. Mas não são apenas os trabalhadores pobres. Os homens de negócio - que protestam, com suas razões, contra a prorrogação da CMPF - estão ganhando muito, e disso é prova o aumento de bilionários e multimilionários no Brasil.
O cansaço das dondocas (a expressão não é minha, é do conservador Cláudio Lembo) é o de ver um operário governando o país, na sucessão a elegante e cultivado scholar. Vivendo no mundo do faz-de-conta, essas senhoras raciocinam com o esprit de corps: querem um ator na Presidência - como foi o seu ídolo. Um ator capaz de memorizar os scripts, simular emoções, mudar rapidamente de papel, seduzir as platéias e interpretar a arrogância dos caubóis, como faziam John Wayne e Gary Cooper.
Quanto ao senhor Dória, ele está no seu papel de agente promotor de eventos. O que não se entende é a posição da OAB de São Paulo - a não ser que seu Conselho esteja a serviço de ainda não identificados interesses.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

De Itabira para as estrelas: Carlos!

17/08 - Jamais comemorei (?) ou fiz questão de lembrar ano de morte, mas este poeta anda me visitando com muita persistência ultimamente. Ao contrário da capa do meu querido JB, a luz jamais apagará; quem desce do palco somos nós, os mortais, gente como Drummond carrega o mundo nos ombros, fura o asfalto, faz o mundo parar (ou o automóvel). Como escreveu outro poeta: só está morto quem nunca nasceu.


A Mão


Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos .
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domícilio do homem.




Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.
Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.


Carlos Drummond de Andrade

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Mão. In: ______. Carlos Drummond de Andrade: poesia e prosa. Introdução Afrânio Coutinho. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 323-324.

Parlamentares donos de rádio e TV sob pressão

Esta matéria está no Observatório da imprensa desta semana e vale a leitura. Isto nos afeta e muito, e para melhor, o que não deixa de ser raro.

CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO
Por: Lúcio Lambranho em 17/8/2007

Reproduzido do Congresso em Foco, 15/8/2007

Se depender dos próximos passos planejados pela Subcomissão de Radiodifusão da Câmara, deputados e senadores não poderão mais ser donos ou sócios de rádios e TVs em todo o país. A presidente da subcomissão, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), confirmou ao Congresso em Foco que vai propor uma emenda constitucional ou até mesmo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer valer o que prevê a Constituição de 1988.
De acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não podem ter participação nesse tipo de empresa, concessionária da administração pública. Na prática, até mesmo colegas da deputada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), à qual a Subcomissão de Radiodifusão está subordinada, descumprem a Constituição. Como revelou o Congresso em Foco em março deste ano (ver "Como a raposa vigia o galinheiro"), um em cada cinco deputados da CCTCI tem ligações com emissoras de rádio ou TV. Dos 76 membros (titulares e suplentes) do colegiado, que tem o poder de analisar e aprovar projetos de outorga e renovação das concessões dos serviços de radiodifusão, 16 mantêm relações diretas ou indiretas com veículos de comunicação.
Junto com a relatora da subcomissão, deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), Erundina quer acabar com as discussões sobre a legalidade das concessões dos parlamentares e as interpretações sobre o artigo 54. Para conseguir organizar as mais de 100 propostas sobre a regulação do setor que tramitam na Câmara, a deputada também já decidiu pedir nova prorrogação dos trabalhos até o fim do ano legislativo.
Margem para desvio
"Há dúvidas na interpretação do artigo. E é isso que dá margem a esses desvios. Temos que criar essa vontade política. E essa vontade política precisa ser criada de fora para dentro e não aqui dentro", avalia a deputada do PSB ao ser questionada sobre a viabilidade da proposta diante do corporativismo e do interesse direto de seus colegas concessionários. "Eu acho que o artigo precisa ser cumprido. Esse será um ponto muito importante do meu relatório", avisa Maria do Carmo Lara.
E enquanto não dão a cartada final sobre o fim do apadrinhamento político na radiodifusão nacional, as deputadas pretendem tomar duas medidas nunca antes vistas na Câmara. A primeira delas é um pedido de auditoria, que deve ser entregue nos próximos dias ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o processo de concessão e renovação de outorgas de rádios e TVs na própria Câmara.
"Já estivemos com os auditores que devem mapear a rede de rádios comunitárias, todas as denúncias de irregularidades, ilegalidades e apadrinhamento político. O Tribunal já disse que vai acolher nosso pedido e dentro dos limites do prazo para ser aproveitado no relatório final da subcomissão", explica Erundina.
Em junho deste ano, a CCTCI aprovou o Ato Normativo nº 1, que promete reformular o processo de concessão na Câmara. Segundo a presidente da subcomissão, a medida ainda não mudou o modo como o Ministério das Comunicações envia os processos ao Legislativo. O artigo 7º da norma interna prevê que essa auditoria do TCU seja realizada anualmente.
"O poder Executivo não incorporou as sugestões do ato normativo, mas nós fizemos indicações claras do que dever ser feito. Talvez o tempo ainda seja curto e vamos dar um voto de confiança. Mas vai depender também de se fazer uma pressão para que essas inovações, que não são tão grandes, comecem a engrenar e dar maior transparência ao processo", afirma Erundina.
Controle social
Para aumentar o controle social sobre o processo, o artigo 8º do ato normativo prevê a criação de um sistema público de informações. Segundo o texto, o mecanismo deve permitir "acesso facilitado a dados sobre processos de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização submetidos à apreciação da Câmara dos Deputados".
De acordo com a presidente da Subcomissão de Radiodifusão, o departamento de informática da Câmara está na fase final de criação de um software para dar transparência na tramitação dos processos e instalar a consulta na página da CCTCI na internet.
O Ministério das Comunicações retirou de seu site a base de dados que possibilitava a consulta ao Relatório de Sócios e Dirigentes das Entidades de Radiodifusão. Oficialmente o ministério informa que a busca deverá "ser realizada através do link ANATEL (http://sistemas.anatel.gov.br/siacco/), onde os dados são atualizados periodicamente".
O novo sistema, segundo entidades do setor ouvidas pelo site, diminuiu a transparência, pois a pesquisa só pode ser feita a partir do nome da emissora ou do seu número de cadastro na Receita Federal. O Congresso em Foco entrou em contato com o Ministério das Comunicações, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição sobre a mudança no processo de consulta na internet e as declarações da deputada Luiza Erundina.
Mas, mesmo com um longo caminho pela frente e a resistência dos parlamentares concessionários de rádio e TV, há quem acredite na viabilidade das mudanças propostas pela subcomissão. "A eficiência das medidas têm sido supreendentemente positiva do ponto de vista político, o que era inimaginável antes da criação da subcomissão", acredita Venício A. de Lima, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília (UnB).
Estudo realizado por Venício no Projor, a entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, mostrou que na legislatura passada integrantes da CCTCI donos de emissoras de rádio votaram na renovação das suas próprias concessões. O caso gerou, recentemente, uma representação ao Ministério Público Federal que ajuizou cinco ações civis públicas contra quatro ex-parlamentares e um deputado licenciado.
Suspeita de favorecimento
O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF), que propôs as ações no último dia 23 de julho, argumenta que "houve favorecimento pessoal nas concessões, uma vez que os parlamentares – sócios das empresas – participaram das votações em que foram analisados e deferidos os pedidos de concessão e renovação dessas outorgas".
Os processos tramitam na Justiça Federal no Distrito Federal. Os procuradores da República pedem, em caráter liminar, a suspensão imediata das concessões. No mérito, o pedido pretende anular definitivamente as outorgas. As empresas, segundo o MPF, podem ser condenadas a pagar multa por dano moral e os ex-parlamentares podem ainda ser processados por improbidade administrativa.
Os ex-deputados denunciados são: João Mendes de Jesus (sem partido-AL), apontado como sócio-diretor da Alagoas Rádio e Televisão (Maceió); Wanderval Santos (PL-SP), identificado como sócio da Rádio Continental FM (Campinas), Corauci Sobrinho (PFL-SP), sócio da Rádio Renascença (Ribeirão Preto), e João Batista (PP-SP), associado à Sociedade Rádio Atalaia de Londrina. A denúncia também se estende ao deputado licenciado Nelson Proença (PPS-RS). O atual Secretário de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do Estado do Rio do Grande do Sul é relacionado pelo MPF como sócio da Emissoras Reunidas, de Caxias do Sul.
O levantamento feito pelo professor Venício A. de Lima, publicado pelo Congresso em Foco ainda em 2005 (ver aqui), também mostrou que 49 deputados da legislatura passada eram concessionários diretos de emissoras de rádio e TV, conforme dados oficiais do Ministério das Comunicações. Dos 81 senadores, 28 controlavam emissoras de rádio ou TV, em nome próprio ou de terceiros, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) (ver aqui). Ainda não há dados atualizados sobre a atual legislatura

terça-feira, 14 de agosto de 2007

As crianças na praça

Entre o bilhete da passagem e a cavaca (massa dura e doce vendida em padaria), preferiu voltar a pé, ou, como diria seu filho mais velho, de “viação canela”. O caminho era relativamente longo, mas o que fazer? A fome depois do trabalho falou alto.
Atravessou a passarela que dava para a praça principal, eram dez horas da noite e as crianças ainda brincavam na gangorra e no escorrego posto na praça pela prefeitura. Aliás, uma das poucas realizações da atual administração que desde o começo mostrou-se preocupada em decorar praças públicas e criar portais nas entradas da cidade. Olhou um longo tempo para as crianças brincando, sujas de areia. Dez horas da noite... Areia que o sol lascou, que os cachorros urinaram, que o mendigo escarrou; areia que fazia sentido e trazia doenças. Olhou um longo tempo, mas não pode perceber o que estava por trás das horas no relógio digital da praça, nem o que ainda faziam as crianças sujas na gangorra. Olhou mas não viu muito, talvez o sorriso de um e a briga de outro, o furo essencial em uma das camisas, o indício de sarna em beltrano.
A sua cavaca estava quase no fim, a caminhada quase no meio e a praça começando a feiúra noturna de sempre: mendigos, marginais, pivetes, drogados. Chegavam, um a um, como que obedecendo a um chamado ou ao grito de uma sirene indicando começo de turno. Vinham das incertezas da vida, das tortuosas estradas, das protetoras marquises.
Olhou e quase não viu. Passou batido pelos problemas alheios que não o interessavam, não viu o real motivo das crianças brincarem na praça suja, e eles sujos também, às dez horas da noite. Não se importou, a cavaca era mais importante, o caminho até sua casa muito mais importante. Será?
Olhou e não viu nada. Será?
Talvez fingia não ver, com medo de lembrar dos filhos, medo do futuro, medo de falhar. Talvez a estrutura política tenha feito isso com ele, uma vítima dele próprio e de toda uma sociedade que se movimenta sobre mortos e humilhados. Entre a vida e a aniquilação.
O que fazem crianças brincando às dez da noite na praça suja? Não sabe ele, talvez nunca saiba. Por que a prefeitura gastou e gasta tanto com praças e portais? Talvez a resposta esteja aí, mas o medo é maior que a justiça. O medo da aniquilação é maior. E ele passa batido.

sábado, 11 de agosto de 2007

Carlos, de Itabira

Acordei ontem com ele na cabeça e eis que, como um sonho, ele apareceu de novo na manhã de hoje. Carlos Drummond é o meu poeta. Gosto de muitos poetas, mas esse é o meu grande guia. Através de suas palavras consigo compreender (e suportar) melhor a angústia do mundo. Onde encontrei o poema em estado sólido? Simples:
Posto um dos poemas que martelaram a minha mente durante esses dois últimos dias. Apesar do velho Drummond não seguí-lo à risca, sua construção e mensagem é uma das coisas mais relevantes praticadas por ele.
Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavrae seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada umatem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A idéia

Tomava um vinho chileno e lia algo sobre Sartre. Sartre sempre o interessou assim como um bom vinho francês ou, no caso de estar desprovido financeiramente, chileno. E estava nesta condição celibatária de vegetação: um vinho e alguém escrevendo sobre o seu maior filósofo. Para falar a verdade, ele não entendia muito de “filosofia normativa” nem sobre o debruçamento acadêmico e a complexa reflexão do ser. Para usar de completa sinceridade, ele não entendia Sartre tão bem assim e nem era um sofisticado apreciador de vinhos. Ignorava completamente a safra, os gostos intrínsecos e a disciplina do paladar. Entendia era de gostar de um bom vinho e de Sartre que, na medida da existência, sempre foi de uma ótima safra. E estava nesse estado de completa felicidade quando algo o interrompeu – um pensamento daqueles que acontecem como um relâmpago e paradoxalmente são tão preguiçosos em cair na sua cabeça. Pulou da cadeira como se houvesse levado uma picada, um tiro de sal grosso; a cadeira virou, a taça de (e com) vinho virou e o jornal só não virou porque voou em delírio quase que para o Éter, mas acabou mesmo é no chão, afirmando a posição de Newton. Um pensamento genuíno, uma idéia daquelas raras e adjetivas! Porém, e como todo “porém” vem “pós” definindo uma situação contrária a anterior, imitando o substantivo trovão, adjetivamente verbalizou na frase: “trovejou um esquecimento raro e de muita simplicidade”. Ele, talvez na euforia de o ter e por praguejar inconscientemente o seu acontecimento em hora tão inapropriada, esqueceu a idéia deslumbrante e incomum. Esqueceu-se da formidável idéia cândida e profunda. Restou a incompreensão e a difícil resposta para o fato. Talvez esses lampejos não fossem para ele e, percebendo o erro, tal idéia saiu a procura do verdadeiro dono.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

As rosas e o cimento

Este texto foi extraído com a delicadeza de quem tem medo de quebrar palavras tão perfumadas e concretas. Queria mostrá-lo ainda fresco para melhor apreciação. A evasão do texto remete-nos a beleza de um passado que gostaríamos, todos, de ter. Com jardins também.

Quem o escreveu? Adelaide Amorim, excelente ensaísta que sempre nos presenteia com a boa escrita.

Onde a encontro? simples: http://obemomaleacolunadomeio.blogspot.com/

Vamos ao texto:

Toda vez que passo na esquina arcangélica das ruas são Miguel e são Rafael meu coração ensaia um pequeno vôo e meus pés querem tomar a direção da casa de varanda e jardim, hoje protegida por um muro áspero de cimento cinza. Tenho que fazer um esforço para desviar daquele portão e seguir meu caminho. Agora moram lá outras pessoas, a casa está meio decadente e perdeu o charme, seria doloroso vê-la de novo por dentro sem as flores, o cheiro bom daquele tempo e a luz que o riso de tia Anita parecia irradiar. Nem se justificaria entrar na casa dos outros, na certa iam desconfiar de assalto e eu ia parar na décima nona depê.Tia Anita morava naquela casa com o marido, meu amado tio Marcelo, e o filho mais novo, por quem fui absolutamente tresloucada até os quinze anos, e que acabou casando com a vizinha, depois de se desiludir com uma menina que foi sua grande paixão. Mas isso é outra história. Tia Anita e tio Marcelo eram considerados pessoas abastadas. Não eram, hoje sei. Mas naquele tempo a medida para avaliar os bens de alguém não passava pelo que esse alguém efetivamente possuísse, mas por seu modo de viver, e a casa deles era uma delícia de conforto e bom gosto.

Tio Marcelo foi a ovelha negra de uma família tradicional de Botafogo, e os nomes de seus parentes estão gravados nas placas de muitas esquinas do bairro. Foi um boêmio incorrigível, os pais viviam sobressaltados por causa dele. Tantas aprontou que o puseram para fora de casa e ele teve que recomeçar a vida como funcionário dos correios, onde conheceu tia Anita, na flor dos dezoito, com os enormes olhos castanhos e os dentes perfeitos da família de mamãe – que eu, snif snif, não herdei –, ele, velho lobo mau de trinta e poucos anos, boêmio e pé-rapado. Fogo e pólvora não se encontram impunemente. Casaram em seis meses, literalmente babando um pelo outro. A mãe dele abençoou a nora, anjo salvador, e lhe declarou eterno amor de mãe. Herança, nem pensar: estava comprovado que o dinheiro estragava aquele estróina, e agora ele teria todas as razões do mundo para desunhar firme, ser homem útil à sociedade, comer o pão com suor – coisa que ele, um gourmet refinado, positivamente não faria. Mas enfim, se queria continuar com seus lagostins e torradinhas com caviar, que fizesse por onde.

Sem herança, eles eram a fome e a vontade de comer. Tio Marcelo, educado na Suíça, francês fluente, conhecedor de etiqueta e arte; tia Anita, educada aqui mesmo em colégio público de bom ensino, também traçava lá seu francês, lia muito e fazia versos românticos. Mas mãe é sempre mãe. A sogra lhes deu a mobília da sala, ébano e cristal bisotado, e o resto das duas famílias providenciou o que faltava, e não era pouco.Tio Marcelo plantou rosas no jardim, quando mudaram para a casa da esquina. A mesa era posta com castiçal, talheres de alpaca e porcelana. Claro, ao longo dos anos ele pulou a cerca algumas vezes, mas o casamento não se desfez: tia Anita segurou todas as barras. Pareciam feitos um para o outro, e nem nos piores momentos se falou em separação. Tia Anita se foi dois meses depois dele.

Foi pela mão de tio Marcelo que muito cedo conheci os museus de arte e o teatro. Era louco por Balzac, me emprestava seus livros de poesia francesa e me apresentou aos licores italianos e ao vinho branco. Me falava de Veneza, Paris, Londres e de uma cidadezinha suíça que fui conhecer muitos anos depois, e eu o escutava fascinada, porque ele era um ator e tanto. Incentivava minhas aulas de pintura como se eu fosse uma vangoga em potencial.

Quando passo por aquela esquina celestial, parece que estou ouvindo o riso de tia Anita. Evito olhar o horrendo muro de cimento cinza, que me dá uma tristeza dessas que choram no meio do esterno, e na memória me aparecem as rosas com cheiro e tudo. Nem quero conferir. Devem ter cimentado o jardim também.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Lula e o golpe que está por vir (será?)

Ultimamente, escritores e jornalistas (que também são escritores, ou não são, mas formam a opinião), alguns é claro, mobilizam-se para alardear o que parece ser uma conspiração da mídia para derrubar o nosso querido presidente da república. Ora, não é de hoje e nem é tão difícil aceitar que Lula está sentado na cadeira que sempre foi daqueles que “cansam” com muita facilidade. Muitos setores do poder fabricado ou tradicional vêem com olhos chapados e inconformados a bunda de um pobre semi-analfabeto esquentar o acento que sempre foi “deles”, desde o descobrimento.

Obviamente, a oposição, que jamais soube ser – ou foi de fato – oposição enquanto o Brasil foi Brasil, articula jogos de garoto birrento e indignações sofríveis por trás dos bastidores. Lançam campanha de segunda categoria e posam como os verdadeiros heróis da democracia e verdadeiros defensores da moral e dos bons costumes brasileiros, como se compra de votos, caixa dois e muita, mas muita safadeza fosse coisa apenas do Governo vigente. Quer saber, “cansei” desse tipo pereba vulgarmente conhecido como oposição.

Assim como cansa muito ficar assistindo ao presidente falar de golpe, rememorando 1964, entre outras coisas.

Cansa muito escutar que a mídia é golpista e faz tudo para derrubar o presidente Lula. Quer saber? Ela faz, sim, está revoltada e perdida ao mesmo tempo com um dado perigoso e nunca visto antes por aqui: apesar de tudo de positivo e infinitamente negativo que este governo já produziu, protegeu ou vomitou, os índices de aprovação do Sr. Silva não caem, continuam em patamares elevadíssimos. A mídia e a “elite” estão atônitas, não conseguem colocar ódio na cabeça do povo, incitando a sair às ruas contra o chefe maior. Ao contrário de Collor, é fato que tal desfecho está longe de ser colorido para certos setores do entretenimento, da manipulação. Parece mais que esta parte da elite está cansada, não do governo Lula, mas das próprias tentativas fracassadas de derrubar o pobre da cadeira dos ricos.

Contudo, a questão é que, além da “mídia golpista”, um outro ser contribui assiduamente para que o sonho das “elites” vire realidade, este ser tem nome e sobrenome e se chama Governo Lula. Como bem apregoou Augusto Nunes (coluna Sete Dias) domingo, no Jornal do Brasil: “Um piloto não pode sumir, sobretudo a travessia de zonas de turbulência.” Na França, um ônibus com poloneses bateu e todos morreram. Em poucas horas estavam todos lá, o Primeiro-Ministro, o Ministro dos Transportes e quem mais pudesse chegar e consternar-se com tal tragédia. Aqui, nosso piloto maior demorou três dias para dar uma declaração bisonha sobre a tragédia envolvendo o Airbus da TAM, fingiu ser novidade o caos aéreo e saiu muito mal na foto quando disse, em tom de crítica e intolerância, ter dois ouvidos, sendo que um era para escutar vaias (referência às vaias que recebeu na abertura do Pan). As vaias são manifestações democráticas e, às vezes, nem possuem um caráter verdadeiro ou relevante. Não abrir os jogos como estava protocolado por causa das vaias é que desmentem a declaração torpe e sem noção da frase acima. Agora vem com L. Paulo Conde para cuidar da energia? Por quê? Queria um gestor e não um eletricista? Bem, então por que não nomear um gestor ao invés de um arquiteto ligado ao governo Garotinho?

Também vejo com muita desconfiança a relação da mídia, principalmente os grandes jornais e a disposição demasiada de falar mal do nosso presidente. Mas a questão que circunda minha mente maltratada é: e se ele, o nosso querido Lula, se desse ao respeito?

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Beatriz e suas lindas sensações





Extraído delicadamente do blog de uma grande escritora: Beatriz. Tais produções são sinônimo de beleza. Seu sítio? simples:

O primeiro trabalho se chama Carta aberta, o segundo texto, Terceira caixa.

Boa leitura e sensações!


Carta Aberta

Fernando,
Queria dizer que as passagens, abertas, ficaram mais claras, baratas e sem perigo - mas de avião não voa mais o meu pensamento.As nuvens, por sua vez, abrem espaço nas bocas e nos cigarros, que continuam acesos, queimando neurônios e iluminando idéias.E as noites? Sem garoas e cheias de frios silenciosos na madrugada, de uma ausência que se cala, logo ao raiar do dia… Você sabe: São Paulo desdenha o vazio.

E eu aqui, meu mui caro amigo, desenho ainda o futuro nosso, seja em Poa, seja dançando tango. Seja, ainda, escrevendo, mais e mais, os espaços-entre.

No vão das coisas, caminho bem. E o meu espaço, estou aprendendo a cultivar no cimento, no asfalto.Grito alto, de saudade e possibilidades. Quem sabe um dia a gente se reveja. Quem sabe um dia o Brasil seja menos-continente-mais-país. Quem sabe um dia a carta seja finalmente entregue. Em mãos.

Muitos beijos, com sol de fim-de-tarde.

Terceira Caixa

Por vezes, rasgava a pele, como se - mais vermelha - peregrinasse por sentidos desconhecidos.


“É preciso um caos interior para se parir uma estrela dançarina”, já dizia Nietzsche. E dançando era como se sentia quando lhe faltava o chão.


Trasvezes, era ele quem se fechava ao mundo, ignorava a órbita dos olhos, ignorava as meninas alheias. Ignorava, mesmo, era haver outras pupilas a perceber que, debaixo daquela carne macia de seu rosto, o sangue era mais quente a despeito do frio, da fome, a despeito de tudo o que lhe pudesse tocar.Ignorava, mas não por despeito. Por doçura.


(lágrima à noite é pimenta nos olhos, que arde e faz chorar.fecha córneas para luz do dia paridopartido ao meio pela divisão das horas)


Me faz um carinho? ela pediu. Mas se esqueceu de deitar para receber.Você cuida de mim? ele perguntou.
e deixaram a porta do quarto aberta


até amanhã