sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sem ação


o tema ao ar bolhas. os dois juntos. a faca na cena. um chão, duas partes. o primeiro estátua. o sonho. hermético. irmãos. corpo. e muito tempo a palavra bolhas, mas sabão e água. outras e mais outras. um tempo para a memória, e nada ao primeiro sentido. portas paredes objetos nas mãos e o fim bolhas, fumaça ou sabão ao ar. uma cadeira uma casa. uma espada de plástico, gestos. um leque na estante, prateleira tábua de restos de madeira juntos muito juntos. a música. o ritmo. os gestos. os cabelos. o corpo na dança. o lápis no papel.
sem ação.


**** a Júnia quis digitar e digitou, escolheu a letra e o colorido.
**** eu ditei.

sábado, 23 de julho de 2011

O pôr-do-sol

Era um canteiro de sol empoeirado onde ela vivia e que, por algum motivo, não saía dos seus olhos cinzentos. A casa era quase uma montagem dos erros e acertos de qualquer ser humano, o que talvez explicasse o eterno fascínio e contemplação do pôr-do-sol – sempre assistido, por eles, à janela da sala. Passavam momentos saborosamente preguiçosos diante do café com leite-em-pó que ela servia junto às torradas amanteigadas todo o final de tarde. Os móveis rústicos junto aos livros amontoados davam uma cor nobre ao jogo de luz e sombras que brotavam tão casalmente das cortinas que valsavam com o vento da tarde. Ela adorava o seu toca-discos antigo e aquela Billie Holiday escorrendo pelo chão de madeira laminada, o cheiro do café e os olhos acinzentados do homem que, sentado, olhava fixamente o pôr-do-sol como que visualizando uma parte que escapou da lembrança. “Por que não compra um cd player?”, ele perguntou certa vez; ela, ao que parece, sorriu sem responder. Queria dizer que era pura influência do marido, músico, que adorava o som grave do vinil e que nenhuma outra tecnologia conseguira reproduzir de forma fidedigna, mas mencionar o finado marido poderia preencher a cena com aquele ar sisudo e broxante do respeito culposo. Não! Ela ainda tinha maravilhosos e fartos seios para atirar nas ventas daquele homem de olhos cinzentos. E ele, olhava o sol porque também tentava tirar dele a força-vital, a energia e coragem para dizer que já se passara muito tempo da morte do músico, e ele queria manchar o lençol dela com ela e dentro dela. E entre o desejo, a coragem e os espaços vazios e empoeirados, passaram anos e anos contemplando juntos o pôr-do-sol, o café, as torradas e a Billie Holiday que, não raro, dava lugar à Bessie Smith no toca-discos antigo. Uma vez apenas, ela se virou para ele e perguntou se apesar da idade, ela ainda era uma mulher bonita. Ele sentiu o coração disparar e disse algo extremamente poético sobre os seus seios, suas ancas e sobre como ele gostaria de morrer afogado nos seus braços. Ela chorou. Ele deu o seu lenço. O silêncio que imperou não era o mesmo silêncio preguiçoso de outrora, antes os sacudiu. Eles levantaram-se como que por um chamado de dentro e, mãos dadas, foram para cama. E entre a valsa, o samba e o flamenco, a noite ditou o cansaço de ambos. E nunca mais acordaram.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Surpresa

Foi lá que aconteceu, o instante zero que fez chover durante muito tempo em terra que ninguém pisa. Foi a surpresa aterradora que o fez desistir da velha esperança que sempre vinha junto com a decisão pouco definitiva. Foi a surpresa substancial que deu a guinada de 180 graus no caminho. A surpresa, imprópria, canalha, incômoda. E ele sempre foi um sujeito de poucas surpresas, de pouco sol e sombra; sempre foi um amante inveterado das coisas dentro da ordem, do linguajar claro. Nunca imaginou que outono fizesse casa no seu sorriso. Ele era todo folhas secas perambulando no ar frio e incerto. A surpresa, simples, direta, absoluta, tomou conta do poço e escancarou a porta entreaberta como se fosse o arrombo do ego, o big bang da alma. De repente ele implodiu e, como uma aranha que se fecha no momento da morte, retraiu-se, perscrutando o que talvez fosse um grito de cólera, de fúria; implodiu como fazem os que, ao tentar matar, enfartam antes. Pensou no Leblon, pensou muito no Leblon e naquela mureta da Urca tão tipicamente carioca, pensou em correr rumo ao desfiladeiro das reticências, do não-sentir, mas não conseguia deixar de sufocar. A surpresa estava presa no seu pescoço, no coração que batida desordenadamente, na agonia do choro que não vinha. Foi lá que aconteceu, debaixo daquela árvore que lembrava a brisa do Leblon. Foi lá que o encontraram. Encolhido, fechado, morto.