sexta-feira, 20 de abril de 2007

A opinião é um direito de todos

No dia 19 deste mês, no Jornal do Brasil, um Olavo de Carvalho inspiradíssimo – aqui não vai nenhuma observação positiva ou negativa quanto a sua posição, a forma de escrever e o tema em si eram importantes – suscitou a elaboração da seguinte produção textual em uma turma de Ensino Médio: “você é contra ou a favor do aborto?” A maioria absoluta reagiu de forma veemente contra a legalização do aborto, assim como reagiu toda a “torcida do Flamengo”, de acordo com pesquisas recentes.
Talvez o grande paradoxo esteja no fato de que, hoje, dia 20 de abril, o mesmo J.B. noticiou que a população apóia a pena de morte (Folha de S. Paulo já havia publicado algo a respeito semana retrasada). A pergunta que não quer calar, neste momento é: qual a avaliação da vida e, por conseqüência, dos seres humanos? A vida de um “excluído” tem menos valor? O aborto é mais abominável no nosso imaginário porque toca na “sacrossanta” figura materna, na moral da família? Pode ser. Talvez as pessoas sejam contra o aborto (tirando a questão religiosa) porque a própria violência do mundo moderno e a falência do Estado tenham, de certo modo, gerado uma valorização à vida, a consciência da preservação, a “dignidade”.
Mas se assim o é, então como explicar a aceitação da pena de morte? Paradoxo ou julgamento pendular?
A pena de morte para sentenciados pela lei dos homens não é o mérito da reflexão aqui, mas a aparente contradição merece radicalização (de raiz) e aprofundamento. Deixo tal exercício para comentários posteriores.
A aluna Adriana Ferreira escreveu que “ao comentar sobre o aborto, lembro-me bruscamente de gravidez precoce, e quando me lembro de gravidez precoce, recordo que tal termo está relacionado à falta de informação. Mas será que no meio de tanta tecnologia e avanços em áreas importantes, ainda existe falta de informação?” Pois é, está aí palavras chaves para uma boa reflexão sobre o tema: falta de informação aliada à gravidez precoce. Em sua defesa contra o aborto, Adriana ainda diz com sabedoria: “nem a ciência nem a religião, apenas a vida”.
A aluna Giselle da Conceição levanta a bandeira contra o aborto e parte do seguinte princípio: “muitas mulheres têm o sonho de ser mãe e não podem (esterilidade, etc.), logo àquelas que podem vão matar os seus sendo, ainda, gerados em seus ventres”.
Outra aluna, Maria Alice, atenta para o perigo de se tomar remédios dito “abortivos” e, ao invés de causar um aborto, ter como causa a própria morte (suicídio?) pois a fragilidade do corpo e, talvez, da mente são uma constante nessa decisão.
Enfim, a opinião é um direito de todos e todos, enquanto inseridos na sociedade, precisam e devem exercer seu poder de cidadania.

Não abortemos a discussão!

Quando um dia perguntaram sobre o que achávamos da venda de armas, a maioria votou "sim", concordávamos com a venda de armas. Devo admitir aqui que votei pela não proibição e ouvi muitos discursos acalorados sobre como pessoas como eu são ignorantes, violentas (por sermos ignorantes), enfim, descobri que o Governo, ao contrário do que se falou, não havia gasto o seu dinheiro à toa, descobri que valia a pena jogar ao povo tal "sim/não" opinativo; talvez o errado estivesse na simplicidade dada ao tema e na exclusão de temas até mais profundos que esse, mas que nunca são jogados à sociedade, vivem às escondidas, no porão das decisões opacas do Governo. Votei pela permissão porque, apesar de não possuir arma de fogo e ser totalmente contra o seu manuseio por pessoas "comuns", civis (como eu), sou a favor do meu próximo e preciso, enquanto seu "próximo", confiar na sua decisão, no seu senso de escolha e na liberdade que a Constituição lhe dá para decidir o que é melhor para a sua segurança e para a segurança dos seus. Tal escolha pode inevitavelmente resultar em um cataclismo? Sim. Ao achar que a defesa parte ou se resume em ter uma arma de fogo, tal pessoa pode estar colocando gravemente a própria vida em perigo, ou a minha, se por uma ironia do destino eu cruzar o seu caminho em hora e lugar errado, mas esse é o preço de vivermos (o não-controle da morte) e de sermos (talvez) livres. Votei porque acho que o meu vizinho e todo homem são merece o direito da escolha, por mais absurda que seja, e porque espero respeito e compreensão quando chegar a minha vez. Isto é democracia. Englobar a todos, inclusive àqueles que nela (a democracia) não acreditam. Todo este recheio de palavras é apenas para dizer o quanto me parece justo a atitude do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao convidar toda a sociedade para uma reflexão sobre o aborto. Aí está um tema que precisa ser discutido, refletido e decidido pelo voto popular. Em um país democrático faz-se absolutamente necessário chamarmos a todos para a inclusão, independente da religião ou da falta dela. Os que acham pecado, os que não acreditam em pecado, os que acham criminoso, os que não acreditam na negatividade moral, enfim, os que são ou não a favor. Vamos fazer a roda agora, celebrar a lucidez de um ministro (será o único?) e devolver às mãos da sociedade o que escapou-nos por pura preguiça ou medo de opinar. Aliás, jamais descartei a possibilidade de ter votado como um ignorante em todas as eleições e plebiscito. Mas, cá entre nós, não somos todos?

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Os sem-voz

Tudo no nosso país surreal anda em nuvens densas e incompreensíveis. Às vezes chove, é verdade, mas na maioria dos casos o que acontece é puro dia cinzento, sem chuva ou sol, cinza até a alma.
O Governador do Rio, Sérgio Inho (seria o diminutivo um bom sobrenome para homenagear outros Inhos que foram (des)governadores?), disse para quem quisesse ouvir que gostaria da ajuda do exército nas ruas do seu Estado; disse isso ao ver sepultado um dos seus muitos seguranças, vítima do descaso e da incompetência que virou o poder público no que diz respeito à segurança no Rio de Janeiro.
Andava de táxi esta semana e constatei algo alarmante: são muitas as profissões de risco no nosso país surreal e no nosso Estado de ficção. Ganha disparado, em primeiríssimo lugar, a Polícia Militar (PM), profissão do cinqüenta-cinqüenta (de chegar vivo ou morto a casa). Outros trabalhos lindamente perigosos? Professor (ameaçado quase todo santo dia por “alunos marginais” nas vastas escolas públicas ou mesmo espancado, como foi o caso em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense; isso quando não é morto de fato por uma nota vermelha no boletim do “estudante errado”), taxista, entre outros tantos. Perguntei ao motorista do táxi se a “coisa” anda ruim há muito tempo. Ele disse que não. “O problema é essa nova geração que está nas favelas, dos jovens de agora”, no seu relato, antes se entrava em qualquer reduto no Rio, hoje subir uma favela é “coisa” muito aventureira. Digo que talvez se os batalhões fossem dentro das favelas o problema poderia ser para os traficantes, não para a gente (penso que falei besteira), ele me olha e pergunta sem malícia: “e onde ficariam os bandidos? No asfalto? Junto à elite? Não senhor”. De repente entendo o que não deveria, visualizo o que não me é permitido e fico constrangido diante da terrível conclusão: “perdemos o controle”. Meu taxista dá um leve sorriso de tristeza: “nunca tivemos controle sobre isso. Empurramos com a barriga até onde deu, agora é a vez dos sem-voz”. Nada mais lúcido.
Saio do carro, pago a rodada, entro em casa, nos jornais a decisão extraordinária dos meus nobres deputados: não trabalharão mais às segundas-feiras. Perfeito! Nunca trabalharam mesmo. Aliás, vou dizer para o meu chefe que não trabalharei mais às segundas, afinal, se o meu representante não trabalha, por que eu, o “patrão”, terei que trabalhar? “Por que você é também um sem-voz, só que mais passivo, jamais gritará; liga tanto e batalha tanto para estar dentro da sociedade que nunca compreenderá de fato os que estão à margem”. Chefe sábio o meu.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Surrealismo

Os heróis do surrealismo são usineiros, ministros e, em conseqüência disso, banqueiros. Nada mais justo que assim seja. Em um país onde a educação carece de sintaxe e leitura, o Governo, que nunca soube morfologia e anda ignorando as aulas de ética, deita e rola sem precisar dizer uma palavra coerente (o país não sabe ler entrelinhas mesmo...).
Um Governo que acredita piamente na ignorância do seu povo é uma fraude em qualquer circunstância. É tolo, corrupto e perigoso. Um povo que "engole" silenciosamente (talvez soltando leves gemidos) as tolices e corrupções de um Governo perigoso é igualmente perigoso porque tende a aceitar tudo, talvez até a ditadura.
Ao ver o representante máximo do meu país surreal dizer que usineiros são heróis, volto minha visão distorcida, pela maldade da minha época e pela falta de amor que assola o mundo contemporâneo, para os que trabalham na "lida", os que ganham R$ 2,40 por tonelada de cana-de-açúcar cortada. Os semi-deuses da minha terra dalilense. Tento, em vão, entender o que leva uma pessoa que já foi povo e hoje é vassalo dos que realmente poder possuem (G8... ou 7, como queiram) se orgulhar da eficiência(?) dos seus ministros que, apesar de receberem a "miséria" de R$ 8.000,00 continuam em seus cargos, por vezes pagando do próprio bolso para exercer tão heróica atividade.
Meu surrealismo há muito deixou de ser literário. Meu surrealismo tem graves dados denotativos. Somos um país estranho, mas somos, sobretudo, um país contrastante. Nossa desigualdade não está nos índices oficiais, está na retina de qualquer um. Se alguém estiver andando pela zona sul, dê uma olhada nas coberturas de milhões de reais e mire em suas calçadas. Há mendigos? Há pivetes? Pois é, a desigualdade social está há cinqüenta metros, entre a cobertura e a marquise. A desigualdade está por cinco minutos de passeio na orla. Entre a Central do Brasil e a Glória. O "feio" e o "belo" andam como o sangue do leiteiro no poema do Drummond: entrelaçados, nem branco nem vermelho... Aurora.
Usineiros e ministros. O surrealismo matou minha pureza, meu leiteiro, nossa virgindade, nossa religião. O surrealismo matou o homem que ajudei a colocar na presidência através do voto, através da esperança (hoje morta), através da brisa de uma realidade muito sonhada. O surrealista sou eu?

Minha mídia

Já estamos no sábado e tenho a nítida e incômoda impressão de que este ano vai voar sem, entretanto, alcançar às alturas da igualdade tão sonhada. Sou daqueles que reserva sempre um sorriso para àqueles que ousam sonhar em asfalto tão medíocre, que ainda têm a coragem de acreditar na luz humana, mesmo que tudo leve à lógica do "apagão". Posso estar triste, amputado, mas sou incapaz de assistir complacente a tristeza alheia sem correr com alguma seringa de motivação.
Vou para casa já tarde, acompanho um amigo à casa de seus pais e, no caminho, a discussão é sobre o mundo de uma maneira geral (se é que podemos nos permitir tal heresia). Meu amigo é um otimista e um místico daqueles que instigam a gente a acreditar no possível; quer entrar para a política e fico imaginando alguém falar sobre "possibilidades possíveis que não dão votos" dentro de um partido político sem ser cortado ou tomar um tapinha nas costas do tipo "vai à merda". Falamos sobre o papel dos bons jornais e, dia seguinte, apesar dos chopes bebidos, resolvo não mudar a minha rotina por causa de uma dor de cabeça: compro a Folha de S. Paulo e espero o motoqueiro arremessar meu Jornal do Brasil.
Estendo-nos (eu, café, jornais) ao chão da sala, mas o café e os jornais parecem-me "exagerados na medida certa". O café, as notícias e minha ressaca são igualmente pretas, como tudo no Brasil ultimamente.
Sistema carcerário, extermínio de cidadãos por policiais (?), milícias, corrupção em larga escala, prostituição infantil... Por onde eu começo? Por nenhum lugar, o beco é sem luz no fim dos escombros (já que o túnel desabou por ter sido construído pelo Sérgio Naya).
Ligo a TV e o Show de Truman vai começar! Começo a perceber que os participantes desses "shows de realidade" (?) nunca me dizem nada exatamente porque não são humanos, são projetos daquilo que muitos querem que eu acredite ser a "realidade", são modelos de plástico (silicone?) mostrados na vitrine em frente aos nossos sofás; são a estética pós-modernista do que precisamos ser, pensar e vestir, ou seja, são tudo aquilo que não podemos nos espelhar se ainda quisermos pensar. Herói, mocinho, bandido, vilão... Existe um ser humano na face desta tão amada e destruída Terra que seja só mocinho ou só vilão?
Existe alguém, com todas as características terráqueas que, se bonzinho, nem fala palavrão, mas, se maléfico, não consegue dizer uma palavra gentil? Se as características pseudo-psicológicas de padaria da TV, além dos seus castos exemplos filosóficos de botequim, revelam a realidade, certamente sou alienígena!
Ao lidar e veicular (principalmente via TV, pois veículo de massa) temas tão complexos de modo tão superficial, o que posso esperar é uma incompleta interpretação dos assuntos abordados ou a perigosa deturpação dos temas. O que se quer para a sociedade? Monstrinhos sarados fisicamente e atrofiados mentalmente? Alguém que não consiga sustentar uma tese por exatos cinco minutos? Estou de ressaca porque o mundo anda muito bêbado?
Desisto de tentar entender certas coisas e mudo de mídia (ou continuo de certa forma nela) e vejo-me na internet – lugar onde só existem pessoas bonitas, brancas, abdômen definido, classe média alta – sem saber o que fazer depois de checar a minha caixa de e-mail. O mundo da internet possui um grande potencial para o deslumbramento do Ego, a supervalorização do que gostamos, mas não revelamos enquanto seres reais. A virtualidade, ao me deixar no anonimato, realiza o trabalho de lavagem egocêntrica perfeita. Os humanos continuam demasiadamente humanos.
Aqui entra o paradoxo do texto e a falta de coerência necessária para uma boa reflexão: o parágrafo quarto e o parágrafo sexto se negam? Há paradoxismo no que está exposto? O que é o homem? Somos vítimas da nossa própria fragilidade ética? Estamos ou somos corruptos?
Meu amigo dormiu e sonhou com as "possibilidades do possível", enquanto eu definhei nas divagações que sequer podem ajudar meu vizinho, meu irmão, minha sociedade. A reflexão precisa possuir luz, senão será apenas um meio de fuga, uma válvula de escape. Prefiro conversar com aquele que tenta, ébrio de discursos prudentes a ter que encarar mais uma sobriedade uniforme dos ditadores da moda ou da política social de mentirinha.
Quero poder escolher meu canal (começo da igualdade) e sintonizar meu cérebro no mundo (recuperação do vôo). Quero poder, inclusive, ter a liberdade de escrever com incoerência. Se bebi, que seja no rio de Platão, e se der ressaca, que seja a primeira de milhões.

Caos com voz

Em Mesquita, cidade da Baixada Fluminense (outrora "escrava" de Nova Iguaçu), alguns fogos "pipocam" no ar devido uma comemoração de futebol e alguém sai correndo aos gritos de: "ai, meu Deus!", pensando ser tiros. O Rio de Janeiro anda com muita dificuldade ultimamente. O nosso Governador descobriu só agora (?) que, apesar das boa intenções que tem, os (des)governadores que por aqui passaram confundiram (ou não?) tempo e espaço ao adotar para a nossa querida cidade a política romana do pão-e-circo.
A violência física e generalizada é puro reflexo do que fizemos (ou deixamos de fazer) com este Estado. Digo nós porque omissão também é envolvimento; ao deixar tais "representantes do povo" soltos e impunes para a realização do que lhes veio à cabeça (se não foi vômito, foi fezes) temos uma grande parcela de culpa na história do desenvolvimento para pior do Rio, caso cômico sobre crescimento de algo que todos querem pequeno e atrofia da felicidade social. Fundamos tantas ONGs (que só existem, em sua grande maioria, onde o Estado se ausentou) que já existem até as que, ao contrário da filosofia inicial, estão se prostituindo por um trocadinho a mais no "caixa 2" nosso de cada dia.
Outro exemplo do nosso caos? João Hélio foi arrastado por 15 minutos e quatro bairros - a brutalidade anda medieval nos tempos modernos. Os culpados estão encarcerados e nós também. Estamos sendo arrastados por uma eternidade não-temporal em milhares de bairros onde o crime está virando objeto de ficção.
Com todos os bons cidadãos se debruçando sobre um problema que parece crescer a cada 15 minutos, a lei continua debruçada e perplexa diante do grande facínora que é o caos. Estamos entregues à barbárie? Teremos meios de sobreviver ou conviver com o que nos foge do controle? Qual realidade queremos para os nossos filhos?
Enquanto não houver medidas drásticas (e sérias!) e pessoas competentes, interessadas em resolver a questão educacional (a longo prazo) e criminal (a curto prazo) seremos todos violentados, vítimas de um sistema falido e imbecil que prende o pai desesperado que rouba quatro bifes para dar de comer a seus filhos e liberta os que desviam milhões - os que cagam e vomitam em nós - dos cofres públicos (meu dinheiro, seu dinheiro, nosso dinheiro!).
Eu não precisaria ler jornais como o Montbläat (e ficar esperando ansioso pela sexta-feira) se todos os jornais diários fossem verdadeiramente comprometidos com a verdade (mesmo que isso significasse parcialidade escancarada), não teria admiração por Fritz Utzeri ou Fausto Wolff (porque todos teriam a implacabilidade dentro de si e seriam jornalistas) e não ficaria honrado em conhecer um brasileiro honesto (já que isso é pura obrigação minha, nossa, enquanto cidadãos, personagens de uma sociedade).
Se não resolvermos o problema do indivíduo que também é coletivo e acharmos um meio para nos tornarmos humanos (em todo sentido que isso acarreta), o nosso João continuará nas nossas lembranças mais dolorosas.
Aliás, enquanto somos corruptos (todos nós!), em Mesquita, Baixada Fluminense, uma senhora grita apavorada com os "tiros" para o alto, acordando os deuses, por mais um gol do Flamengo. "Paz sem voz não é paz, é medo".