quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Ele percebeu, ela sempre soube

Não foi quando ela sorriu um sorriso carnudo e cheio de tudo e de brilho que ele percebeu que aquilo que latejava pelos poros dos dois como vibração mística era a deixa para o desarme. Não, não foi ali que ele percebeu.

Não foi quando ela cagou para o dinheiro do outro e fez amor com ele com toda a vontade de gozar do mundo e rangeu os dentes e disse que o amava como quem olha a luz e vê demônios e santos no mesmo barco. Nem gozando e sendo molhado dessa maneira ele conseguiu perceber.

Não foi quando ela disse a verdade, quando se mostrou digna, quando chorou um tanto de Gilgamesh ou quando secou as nuvens, trilhou o sol e virou a página sem olhar para trás ou jogar uma palavra fora sequer, sem fazer doer ou odiar. Não, ele não foi capaz de entender que templos são destruídos e erguidos todo santo dia, independente do tempo de luto, eles sempre se erguem, tudo sempre renasce e vira outra coisa, melhor e mais forte.

Não foi vendo um filme ou ouvindo uma música, nem vestindo ou calçando algo que chamam de retrô, mas é só a moda atual faturando o que faz desde o século passado: quando encher o saco, repita o desenho de 20 anos atrás até saturar e o retrô passar a ser o de 10, o de 05 ou o passado do hoje e que nunca foi e só é o será.

Ele só percebeu quando se encontraram, casualmente, num bar-temático, desses em que a mesa e a luminária são lindas, mas a comida e a acústica são péssimas, e ela apresentou o seu filho mais velho e o marido bem arrumado com os óculos que ele procurava para usar na viagem que nunca fez. Ele só percebeu quando mordeu aquele sanduíche de merda no meio daquele barulho adolescente e histérico e viu-se sozinho, sem filhos ou companheira. Ele era quase um daqueles jovens escandalosos num corpo velho fazendo barulho; ela era uma daquelas tantas mulheres que continuam bonitas e que sabem andar, sem pressa quanto ao destino, com os olhos de quem sabe o que tem e o que quer.

Percebeu e sorriu. De alguma forma ela encontrou o pensamento dele flutuando naquele ambiente muito cool e pouco útil e sorriu de volta, como que entendendo completamente o que tinha ganho e perdido da vida; ele alisou o queixo, mostrou os dentes e pediu a conta com uma ponta de inveja do homem com os óculos que ele tanto procurou. Ela tirou alguma coisa do rosto do filho e segurou a mão do companheiro. Hoje ele ia comer todas; ela só ia comer um.

Ele percebeu, finalmente, que era feliz na solidão.

Ela sempre soube que era feliz.



segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Chama o síndico!


Moacyr Franco estava no Bate-Bola da ESPN Brasil, segunda edição, desta segunda-feira, e contou que, nos shows que ele faz pelo Brasil afora, sempre que o assunto futebol vem à tona, ele chuta esse balde: “O Beckham ganha por dia o que o nosso Garrincha não ganhou a vida inteira; em compensação, vai passar a vida toda para jogar o que o nosso Mané jogou em uma tarde.”

Caríssimos amigos, não consigo imaginar definição melhor para ilustrar a injustiça e a sacanagem nossa de cada dia.

Eu adoro futebol e, como já revelei, sou rubro-negro de etnia e de afinidade, sou negro na pele e vermelho no coração. Claro que, nascido no Rio, gosto de boteco, Mangueira, Flamengo e chapéu Panamá – não necessariamente nessa ordem, mas com igual sentimento. Aprecio um papo reto, a justiça e o churrasco. Simples assim. Se estou de ressaca, sinto que o antes foi bom, então, não tenho que reclamar do durante.

Portanto, vamos ao papo-reto: ingressos a R$ 100,00 (o mais barato!) para assistir a um jogo de futebol no Maracanã é injusto e sacana. Injusto porque isso deixa os verdadeiros torcedores fora do espetáculo, sacana porque realiza o branqueamento do velho Maraca; aliás, do novo Maracutaia (que esta belíssimo, mas cheio de irregularidades torpes e invernais). Pena. Maracanã sem torcedores de verdade é como dinheiro na conta da Paris Hilton: não serve pra nada. Aliás, Maracanã, boteco, Flamengo e Mangueira têm que ter negro, senão é música do Latino: parece festa no apê, mas é só bunda-lelê.

A verdade é que tem muito Beckham dirigindo e ganhando dinheiro com futebol, muito dinheiro, e tem pouco Garrincha na jogada, pouquíssimo, enfim.

É gente com charuto tentando a ressurreição, dentro do futebol carioca, mesmo depois de ter falido um time e ser roubado com o dinheiro da arrecadação de um jogo dentro do próprio carro. É gentinha que assinou embaixo das assinaturas dos coronéis e dos torturadores e hoje posa de chefe das cartolagens, repetindo palavras dentro de frases banais, feito um gagá. É cartola que faz contratos estapafúrdios com jogadores de mais de milhões e se diz falida, perseguida, tadinha. Gentinha! Estádio que é do time, mas só vai ser, mesmo, de fato, depois do pagamento de quase bilhão deReais... Por falar em Garrincha, o estádio que leva o seu nome, lá em Brasília, custou mais de 1 bi e não pega wi-fi, não tem água quente no vestiário. Há, há. Agnelo Beckham! Eu vou chamar o síndico!

E os pobres moradores que estão sendo expulsos das suas casas para a construção do “entorno” dos estádios? Já chegam a 200 mil? Pois é.

E o conserto das ferragens do João Havelange (homenagem melhor não houve!), que não tem 10 anos e vai ficar por 18 meses de cadeado a porta e ninguém é responsabilizado? Minto, o Botafogo foi responsabilizado e, parece, começa a se desfazer de jogadores para regularizar salários.

Bem, eu poderia escrever mais umas 03 ou 30 parágrafos sobre isso, mas a minha reflexão continua lá com o bom Moacyr Franco: eu trocaria a vida inteira desses Beckhans que temos por uma tarde ensolarada com Garrincha entortando o cartola e endireitando o nosso futebol.

Só no futebol? Chama o síndico! Beckham que se foda!



terça-feira, 20 de agosto de 2013

O preto, o branco e o arco-íris

Por Diego Sartorato
Revista Carta Capital

Tornei-me corinthiano para discordar da família: do lado paterno, como o sobrenome italiano denuncia, a tradição é torcer para o Palmeiras; do lado materno, a grande maioria é são-paulina. Eu ainda não sabia o que significava status quo, mas o conceito nunca me serviu, e o Timão nunca decepcionou nesse sentido. Minha geração não é a da fila de 23 anos, mas a dos títulos inéditos, de expressão. A cada vitória suada dos “favelados”, dos “bandidos”, era como se o mundo tivesse virado de ponta cabeça e, por pelo menos 90 e poucos minutos, nada estivesse fora de alcance. Era como se todos os sonhos valessem a pena. Um sentimento difuso que ganhou conteúdo quando ouvi falar pela primeira vez da Democracia Corinthiana de Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon – descobri com orgulho e alegria que meu time de coração não afrontava apenas os preconceitos pequeno-burgueses, mas também havia desafiado o autoritarismo careta e violento dos militares.

O momento é oportuno para relembrar o vanguardismo que está no DNA alvinegro. Não importa se a foto polêmica de Emerson Sheik dando um selinho em um amigo foi protesto legítimo, mera irreverência ou publicidade para o restaurante onde a imagem foi registrada e do qual o camisa 11 é sócio. O gesto chamou a atenção para uma das questões mais sérias do futebol e da nossa sociedade: a homofobia que viceja dentro e fora dos estádios. Infelizmente, ofensas baseadas na sexualidade são comuns no embate entre torcidas há muito (e, não raramente, evoluem para a violência física), mas, na segunda-feira 19, as fileiras corinthianas viraram-se contra o próprio elenco.

A campanha #ForaSheik ganhou corpo rápido nas redes sociais, seguindo à risca o espírito de uma época em que o conservadorismo moral acua governos e impede o avanço de direitos, e pastores-parlamentares pregam a segregação nas ruas, nos templos, pela televisão e até nos consultórios médicos, tentando reverter a constatação científica de que não há nada de patológico na grande variedade de identidades sexuais conhecidas.

Nem Vampeta e Dinei, que posaram nus para uma revista gay, ou Ronaldo Fenômeno, envolvido em uma confusão com travestis, enfrentaram uma onda de difamação tão rápida e virulenta por parte da torcida corinthiana.

De minha parte, preferi um outro tipo de campanha: postei, em um grupo do Facebook dedicado ao clube, o logo da Democracia Corinthiana com as cores do arco-íris, sugerindo que o Timão voltasse à luta, desta vez, a favor da diversidade.

Os comentários reproduzidos abaixo são uma amostra pequena da dose cavalar de ódio contida em quase 200 postagens, que incluem ainda um chamamento para denunciar meu perfil como falso (o objetivo da minha proposta seria “prejudicar” a imagem do Corinthians associando-o à causa gay). Também encontrei apoiadores, mas, mesmo entre eles, havia os que se declaravam simpáticos às liberdades individuais, mas condenavam a atitude de Sheik porque a foto seria motivo para galhofa nas rodas de conversa – um temor que deveria pertencer a algum lugar entre a quarta e a quinta séries do Ensino Fundamental, mas que é cultivado entre marmanjos de todas as torcidas.

Dessa experiência, saí convencido de que o clube não pode ignorar, calar e consentir.

O Corinthians, de fato, não é partido político ou movimento social, e seu objetivo principal não é empreender nenhum tipo de campanha que não seja desempenhada em campo, disputando títulos. Nos últimos anos, aliás, tem se saído cada vez melhor como empresa privada dedicada ao lucro, e nada mais. Mas é insensato ignorar o peso dos símbolos. Independentemente de seu recente sucesso financeiro, o Corinthians é indissociável das lutas por igualdade e liberdade que o acompanham desde que foi fundado como time de operários que teve de cavar à força um espaço na elite do futebol. É, também, voz que fala direto à paixão de 30 milhões de pessoas, e responsável pela forma como utiliza (ou omite) essa influência sobre as massas.

Dirigentes, estejam atentos à oportunidade histórica que está posta para o clube, que tem potencial para fazer deste episódio o início de uma grande reflexão sobre a maturidade da nossa democracia e o respeito aos direitos humanos no Brasil.

Não desperdicem esta chance de posicionar o Corinthians mais uma vez ao lado dos que anseiam por justiça: cedam espaço do uniforme para mensagens de combate à homofobia; produzam campanhas de marketing para as redes sociais; levem faixas de apoio à luta GLBTT para o gramado; incentivem os atletas homossexuais a assumirem-se publicamente e ofereçam a eles o amparo para lidar com o preconceito que, aos poucos, podemos fazer sumir das arquibancadas e das ruas.

Se formos fiéis à grandeza da nossa história, com certeza não vamos deixar de contribuir com um serviço público essencial: a construção de uma sociedade mais pacífica, solidária e unida.

domingo, 11 de agosto de 2013

Feliz dia dos Babões!



Já estava no décimo cigarro, o porteiro-armário-da-porta-da-maternidade sorria para mim como que cúmplice do momento. Eu sorria de volta, mas tinha a impressão de que a boca estava petrificada. Todo o semblante era um misto de terror e ansiedade. Coisa estranha essa ficha ir caindo tão devagar.

Subi e fiquei no quarto esperando, mãe e sogra estavam lá, dando apoio e igualmente ansiosas. Minha sogra ficou no corredor enquanto eu tentava lavar as mãos, sentar no sofá e controlar a vontade de acender outro tubo cancerígeno. De repente, minha mãe, antes baixinha, entra no quarto enorme, felicidade de não conter nos lábios e nos olhos. “Que meninona, Marcelo! Você é pai de uma meninona!”

Eu, pai? Impossível! Que comédia! E os meus finais de semana de álcool e hotéis? E a minha vidinha organizada, cheia livros, roupas e Pink Floyd? Eu? Eu era The Smiths, cerveja e churrasco; eu? Eu era de Chico a Nirvana, destilados. Como? Pois é, mesmo planejada, calculada, querida, bateu aquele acovardamento, aquela dúvida sobre capacidade financeira, psicológica. Senti medo. Medo de dar errado, de não saber criar, de ficar “duro”, de não “chegar junto”, enfim, medo.

Andei por aquele corredor e vi minha sogra bailando ritmicamente, para lá e para cá, com uma manta verde-escuro balançando nos braços. Era ela!  Cabeluda, inocente, em movimentos desconexos. Fiquei com receio de pegar, de colocar no meu colo e de dizer alguma coisa. Não sei, bateu uma impotência, uma certeza elementar, um aperto; era a minha pequenez diante da grandiosidade, do milagre. Foi lindo. “Como ela vai se chamar, papai?”, perguntou uma das enfermeiras do hospital. “Clarice”, disse-lhe, a voz quase invertendo o objetivo e entrando novamente pela garganta. Enfim, solucei o nome, tinha que ser assim, vindo do coração. “Clarice com C no final, não SS”, disse à enfermeira. Não tinha o Lispector, mas carregava o Carvalho, árvore cultuada pelos saxões, árvore forte.

Passei aquele milagre para os braços da minha mãe que, assim como minha sogra, tocou-a com jeito e malabarismo seguros, ao contrário de mim. Esparramei-me no sofá como se houvesse batido concreto e virado uma laje. Ela estava ali, seu cheiro estava em todo lugar, sua aura esbarrando na minha. Eu estava me sentindo confuso, cansado e a mil por hora. Coisa linda de se sentir. Completo, intenso, nitroglicerínico. Eu tremia e o cheiro dela me dizia alguma coisa do tipo: Sê forte, a vida é fantástica!

Hoje, 07 anos depois, consigo entender outras coisas muitas sobre essa coisa de paternidade. Ainda me sinto inseguro vez em quando, mas percebo que os passos melhoram pelo caminho que nós dois escolhemos a cada dia. Ela pega automaticamente a minha mão para atravessar a rua, eu olho para os dois lados e sigo em frente – se ela confia em mim, então eu não posso decepcionar, tenho que manter o prumo, equilibrar a vida. Ela diz que me ama, assim, do nada, e eu tento não chorar, tomado por uma emoção sem igual, uma vontade de abraçar até não poder mais, digo num sussurro que também a amo. É isso. Às vezes ela diz que eu sou um chato, mas ela tem que escovar os dentes, estudar para a prova, colocar o pijama. Fazer o quê? Sou chato mesmo. Mas só com quem eu amo. Bem, então, com ela, devo ser chato à beça.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Medicina oferecida por Cuba ao mundo e dedicada aos pobres

do (ótimo) blogue Observar e Absorver


Esse é um filme feito por estudantes de medicina. Nâo se pode esperar qualidade técnica. Apenas cansaram de passar por mentirosos, quando falavam da medicina cubana, e resolveram documentar a parada. Essa é a medicina do futuro, uma medicina humana, solidária, sem condições pra atender além da necessidade de qualquer pessoa. Qualquer um que precise, sem distinção, recebe o melhor atendimento possível, com todos os recursos disponíveis. Em Cuba, não existe medicina particular - tremam, gananciosos. Não há laboratório farmacêutico privado, nem planos de saúde.

O ódio à medicina cubana tem essa raiz. A ganância, o egoísmo, a indiferença com o sofrimento de milhões. Por isso a repulsa a essa medicina humanitária. Mas o trabalho da mídia, profundo, constante, faz a maioria rejeitar essa realidade e acreditar que a ilha é um presídio dominado pelos milionários irmãos Castro, ditadores sangüinários que escravizam o povo cubano. 

Na verdade é um Estado não dominado por interesses empresariais, como o nosso, e que se coloca a serviço de sua população. Daí a fúria da mídia empresarial, porta voz dos interesses daqueles que são o pior que a humanidade tem, os vampiros da humanidade, mega-banqueiros e empresários das transnacionais. Esses impérios dependem da existência da miséria, da pobreza, do conflito, da competição desenfreada, da desunião, da angústia e do sofrimento, da exploração e do controle de parcelas imensas da humanidade. 

Não é à toa que os jornalistas e comentaristas repetem com tremor de indignação palavras pra causarem sentimentos ruins, terroristas, comunistas, ditadura, guerrilheiros, anarquia, violência, decadência, estamos perdidos, estamos fritos, o mundo vai desabar, vai faltar comida, seremos todos escravizados pela ideologia esquerdista neo pentecostal e é o apocalipse.

O pânico e o ódio lhes tira o senso de ridículo e eu acho ótimo. São muitas máscaras pra cair.


A solidariedade irrestrita é uma potência revolucionária. Há outras. E o trabalho interno, profundo, sincero e humilde é a primeira de todas as potências revolucionárias que possamos ter.



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O que quer dizer o que a reportagem não disse?



Li uma péssima reportagem sobre um assunto bastante relevante: até que ponto os críticos literários (ou de cinema, música, dança, teatro) deixam o seu ego e a sua pré-concepção no quarto ao lado e mergulham na obra criticada com nudez e – o mais desejado, pois são pagos para isso – profissionalismo?

J. K. Rowling lançou o seu segundo livro com temática “adulta”. O primeiro recebeu críticas péssimas e a sua capacidade em escrever obras mais sérias foi contestada. Neste segundo, lançado sob um pseudônimo (Robert Galbraith), foi elogiada por críticos e escritores do gênero do livro em questão.

Os críticos estariam lendo a obra de Rowling ou escrevendo o que não leram (ou leram com desdém) só para ficar naquele ambiente confortável dos intelectualóides: se vende muito, logo, é uma merda.

Um aviso aos partidários desse costume tão vivo e sagaz neste pequeno círculo: Umberto Eco já desmistificou a cretinice com o ótimo, vendável e celebrado O Nome da Rosa. Antes, F. Scott Fitzgerald com o seu Gatsby.

A crítica de O Código Da Vinci também passou por isso. Falaram dos livros (ruins, é verdade) que o antecederam e a incansável busca do autor para chegar à mistura perfeita dO Código. Pois bem, o Dan conseguiu... E a crítica não o perdoou por isso. Não importa o quanto o seu livro com a Mona Lisa na capa seja bem amarrado, os livros anteriores o jogaram no inferno de Dante. Simples assim.

Como reclama (com razão) o (questionável) Paulo Coelho, é o “não li e não gostei” que diz o quanto a crítica é acrítica.

E a minha pergunta: quantos autores consagrados foram laureados pelos fumadores de cachimbo por terem escrito verdadeiras subliteraturas? Pois é.

A reportagem é ruim porque não levanta esses questionamentos. Poderia ter rendido muito, mas ficou só na amostragem. Pena. Vamos a ela:

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A nova bruxaria de J.K. Rowling

Fingindo ser um escritor estreante, a autora de Harry Potter lançou um romance policial em abril. Ganhou elogios da crítica antes de ser descoberta

Revista Época
22 de julho de 2013 - Página 28

Ele já é o maior fenômeno do mercado editorial no ano. Estreante, desconhecido do público e da crítica, é descrito em seus breves dados biográficos como um ex-policial que hoje se dedica à segurança particular. O escritor britânico Robert Galbraith lançou em abril o romance de mistério The cuckoo’s calling (O chamado do cuco), sobre um detetive que investiga o assassinato de uma supermodelo. O livro recebeu críticas positivas em publicações respeitadas no mercado, como a revista Publishers Weekly, onde foi descrito como “uma estreia brilhante”. Autores famosos também elogiaram o trabalho de Galbraith, que parecia usar toda sua experiência no combate ao crime em sua trama ficcional. Entre eles, VaI McDermid, uma das escritoras mais populares no gênero. Os elogios ajudaram The cuckoo’s calling a vender cerca de 1.500 cópias em três meses. Apesar de irrisória, se comparada aos grandes best-sellers internacionais, ainda é uma marca respeitável. Parabéns ao estreante Robert Galbraith.

Se terminasse aí, a história de Galbraith seria apenas mais uma estreia promissora. Ganhou, porém, as manchetes em todo o mundo depois que o grande segredo desse romance policial foi revelado: Robert Galbraith não existe. Ele é um pseudônimo de J.K. Rowling, a criadora da série Harry Potter. Sua identidade foi revelada no domingo, dia 14, pelo jornal britânico The Sunday Times, em circunstâncias um pouco misteriosas. Na semana passada, um editor recebeu uma mensagem anônima pelo Twitter, dizendo que The cuckoo’s calling era obra de J.K. Rowling. O perfil que enviou a mensagem desapareceu logo em seguida, sem dar mais informações. Ao investigar a denúncia, o jornal deparou com várias semelhanças entre Rowling e Galbraith. Os dois tinham o mesmo agente literário e o mesmo editor – algo inusitado, dada a enorme diferença de prestígio entre a autora de Harry Potter e um iniciante. O indício mais forte surgiu quando uma equipe de linguistas analisou as obras de Rowling e Galbraith. Com a ajuda de programas de computador, descobriram que os dois escritores tinham estilos muito parecidos. O texto de Galbraith parecia- se pouco com outros romances policiais – e muito com Harry Potter. Pressionada a dar respostas sobre a suspeita, J.K. Rowling decidiu encerrar o mistério. Admitiu que é Galbraith.

“Esperava manter esse segredo por mais tempo, porque ser Robert Galbraith foi uma experiência libertadora”, disse Rowling, por intermédio de um porta-voz. “Foi maravilhoso publicar um livro sem alarde e expectativas, e um prazer receber comentários sob um nome diferente”.

Publicar livros sob pseudônimos é algo comum na literatura. A best-seller Nora Roberts e o cultuado autor irlandês John Banville são, respectivamente, J.D. Robb e Benjamin Black quando escrevem histórias de suspense. Mas, não há segredo nisso. Banville nunca escondeu ser Benjamin Black. Em alguns livros de J.D. Robb, o nome de Roberts também aparece na capa. Como Roberts e Banville são mais conhecidos por livros de outros gêneros, o uso dos pseudônimos em seus romances policiais serve apenas para que o leitor saiba, de antemão, que encontrará um estilo diferente daquele consagrado em outras obras.

Esconder propositalmente a identidade de um autor famoso como J.K. Rowling é mais raro. Há um precedente célebre. Entre 1977 e 1984, o escritor americano Stephen King, já consagrado por seus livros de suspense, lançou cinco romances como Richard Bachman. Para tornar a farsa mais verossímil, convenceu um amigo de seu agente literário a posar para uma foto, fingindo ser o autor fictício. Seu plano era tentar descobrir se seu sucesso era fruto do talento para i escrita ou apenas da sorte. Bachman chegou a vender 28 mil exemplares do último livro que lançou, antes de sua identidade ser descoberta. Depois que um fã notou semelhanças com o estilo de King e desmascarou o pseudônimo, os livros assinados por Bachman venderam dez vezes o que vendiam.

A estreia de Robert Galbraith teve o mesmo destino. No dia seguinte à admissão de Rowling, o livro chegou ao topo da lista dos mais vendidos da Amazon. Tem tudo para repetir o sucesso de Morte súbita, obra anterior de Rowling para adultos. Com uma diferença: embora sucesso de vendas, Morte súbita foi recebido sem entusiasmo pela crítica, que questionou o talento de Rowling fora do ambiente da literatura infanto-juvenil. Os elogios sinceros a The cuckoo’s calling mostram que seus romances policiais merecem ser levados a sério. Em 2014, quando Galbraith lançar a continuação de seu romance, todos saberão quem está por trás da trama. O misterioso ex-policial já terá cumprido sua mais importante missão.


sábado, 3 de agosto de 2013

Qual era o nome da marca?


Claro que as coisas na Baixada Fluminense não aconteciam como no resto do mundo, tudo demorava uma eternidade para chegar por aqui, inclusive (e principalmente) a música nas casas noturnas e clubes com pista de dança. Portanto, os anos 80 duraram até a metade dos 90, quando aqueles garotos depressivos da chuvosa Seattle com camisa flanelada botaram para foder e mudaram tudo.


Claro também que nada no mundo é como se apresenta nos livros didáticos de História, de Literatura ou Filosofia, a coisa nunca é um isolamento de época onde o Barroco se estende até acabar e dar lugar ao Neoclassicismo, o Romântico ao Realismo e assim por diante. Não, a coisa é Barroca-Neoclássica, Romântico-Realístico, tudo-ao-mesmo-tempo-agora, portanto, os 80 misturavam-se com os 90 e houve muita curtição entre as guitarras do Slash e os teclados do Depache Mode. O Guns e o The Cult estavam lá, entrelaçados por mechas de cabelo e laquê, o Faith no More fantasiado de Cyndi Lauper Muito 70 também nas guitarras do David Gilmour e Pink Floyd, o Genesis e o Phil, o Peter, Os Stones sempre, Hendrix, Beatles forever. Mas a maioria dos que lá estavam eram “oitentistas” espirituais, sem as ombreiras. Ira, Titãs, Legião, Capital, Plebe, Barão, Engenheiros, Paralamas, Biquini e mais trocentas outras internacionais como REM, Cure, Pixies, Talking, Siouxsie, Pretenders, Clash, Bangles, B-52`s, sem contar as coisas bizarras ou legais que não passaram de uma música apenas, um sussurro na esplendorosa e vibrante supernova de exageros, cores e modismos estratosféricos. Enfim, o auge de uma era fadada ao próximo passo: os anos 90 e toda a sua dor, ausência de glamourização, absorção pós-modernista. E Seattle choveu em todos nós como uma ressaca depois de muito pró-seco, muita putaria e muito colar barato feito globo de vidro misturado à luz negra, deixando todos os dentes neons.

Claro novamente que não há a intenção de ser preciso quando se tenta afunilar uma gama de informações. O cenário musical da Baixada não foi apenas isso, mas “isso” também foi o cenário musical da Baixada, num quesito específico que nem abrange todo um estilo musical. A coisa aqui tende a parcialidade, a tendenciosidade sem cerimônias. Senos e Cossenos são em outros blogs, aqui o papo é sobre empirismo, gosto doce nos lábios causado pelo cravo no cigarro, defeitos e chuva (o resumo dela).

Talvez, o mais impressionante é ter gasto toneladas de palavras como prefácio para escrever sobre coisas como: a lembrança de um comercial de marca de roupa surf wear com uma música específica que era transmitida por uma rádio. “A Rádio”.

Sim, ouvia-se o comercial em outras rádios, óbvio, e tinha coisas boas vindo delas. Tinha a Transamérica com programas maravilhosos, show no estúdio, clube da insônia, etc; a Rádio Cidade, que era o lado adolescente do Jornal do Brasil, e mais tarde, para quem gostava de ritmos mais dançantes, a RPC, todas na frequencia FM.

Mas não, não falo delas. Falo daquela rádio mitológica chamada, carinhosamente, de Maldita. A Fluminense.

O comercial era de uma marca que eu não usava, mas juntava coisas bem minhas, pois falava de surfe (que não pratico há séculos depois de todo o álcool, cigarro e 95 quilos socados em 1,70m), com uma música dos Smiths (banda que eu escuto até hoje!) e era anunciada na minha rádio Maldita. Percebo, hoje, que nunca fui muito de me deixar influenciar por comercial, mesmo por esse que tanto me marcou pela música, esporte e divulgação. As marcas de surf wear estavam para os 80 como a manteiga para o pão. Os campeonatos de surfe Alternativa aconteciam na Barra, saquarema despontava, os acampamentos na Macumba e o Pepê era o cara da vez. A Barra formigava.

Eu assinava a Fluir, gostava do Pedro Müler, Jojó de Olivença, Teco Padaratz, Dadá Figueiredo (que tinha uma banda louca chamada Tubarões Voadores) e consumia duas revistas de música: Bizz (bastante razoável até virar Show Bizz e ficar uma merda) e International Magazine (ótima). E meu sonho era ter uma BZ, mas ainda tenho uma Mash 7.7 (surfe de preguiçoso, diziam os parafinas) em perfeito estado que, hoje, serve para eu apoiar a garrafa de cerveja e o copo sempre cheio quando estou dentro da piscina de plástico; minha filha também gosta daquele pedaço de espuma amarelo e cor de abóbora.


E sempre entrava esse comercial com a música Girl Afraid, dos Smiths, e a voz da Moniquinha ao fundo. Monika Venenerabile era uma sensacional locutora e apresentava o programa Classic Rock, sempre às 18 horas, e, vez em quando, ia aos clubes em eventos que tinham patrocínio da Fluminense FM. Foi a Maldita que lançou o Paralamas ao tocar a demo com Vital e sua Moto, tocou Legião, Plebe, a Fluminense tinha público fiel e era essencialmente roqueira, mas também abria espaço para o Reggae de Peter Tosh, Bob, Shabba, tinha um programa semanal para a galera do Rasta. Acabou como acabam todos os empreendimentos mal planejados: esmagada pela concorrência e pela falta de estrutura. Pena. Depois dela não apareceu ninguém. Fez legado. Daqui há 20 anos, quando toda a nossa memória sobre ela for mais ficção prazerosa do que realidade convincente, virará lenda.

E tinha esse comercial com essa música dos Smiths... Qual era a marca de roupa, mesmo?



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O álcool, a gordura e o enjoo

Na verdade, nada é tão complexo que não se possa dar um jeito. Questão de boa vontade, de se perguntar se é possível e, se for mais alto que a capacidade, olhar nos olhos do outro e, espada em mãos, decretar: não vai acontecer. Simples. Mas só para quem tiver coragem. E coragem, meus caros, rateia e rareia, a cada dia e com mais força. Praxe é ficar esperando por respostas que nunca vêm, avistar sorrisos covardes e tapinhas nas costas e ser cozinhado em banho-maria. A sinceridade é produto limitado.

Não quer dizer que o mundo seja dos fracos. Não, não é isso. Ao contrário. Sem fortalezas, a máquina não avança e a lâmpada não acende. Não, milhares são esmagados diariamente, oprimidos pela força dos grandes. Não, não é disso que trato. Falo de covardia. E é ela, a covardia, que realiza o massacre dos indefesos, dos pequenos. É a covardia que assola e inunda a muralha. Só se criam fortalezas monetárias para o bel-prazer dos covardes que insistem em se proteger da verdade. São os covardes e os bandidos que controlam o dia e a noite, o céu e o inferno.

Contudo, vez em quando, a quantidade de gordura e o excesso de álcool nos afrontam, enjoam-nos, como uma parede infiltrada e mofada causando-nos alergia. É um incômodo complexo, pois obscuro, empurrado, esquecido. São os vultos e as sombras que nos apedrejam, nos xingam e clamam por algum tipo de verdade. E quando o montante fica impossível de se esconder, alguma coisa nos toca, impaciente nos invade, mistura-pura-de-escândalo. É a voz estridente e justa dos João Hélios, dos Galdinos, dos Amarildos. Identidades unicelulares que montam um coletivo sórdido de Marés, Candelárias, Belford Roxos, Carajás, Vigários. Tempestades de areia, monstros de lama.

E depois de fazermos bastante barulho, nas mídias e nas ruas, fotógrafos sedentos e cobertura vilipendiosa e parcial, discursos sobre segurança, mudança, andança, protestos do jurídico, discursos reticentes e inflamados do legislativo, depois de vir uma balofa condenação e um irrisório cumprimento da aplicação, satisfeitos pelo serviço bem feito, voltamos ao nosso mundinho medíocre de cegos e bonachões, vislumbrados e hipócritas.

E aí, àqueles covardes que mandam, que sorriem e marasmam-nos, voltam a acionar a máquina de sempre e a realizar as atrocidades de sempre, até a quantidade de gordura e álcool nos enjoar outra vez. Pior para todos, mas muito mais para o pobre, vítima, sempre, do poder dos covardes.

Pois aquele enjoo aconteceu e nós vomitamos, milhões de vômitos fizeram transbordar verdades e azedar a careta covarde de muito veículo midiático, mas os pobres continuam desassistidos e ainda há muita porcaria por aí. Visto bem de pertinho, fica quase impossível salvar alguém desse lodo que é a trindade do poder, pois se não faziam, pelos menos deixavam fluir ou, em nome de uma governabilidade, ofereceram um pedaço da torta para muito canalha na casa do povo.


Dizem que tudo começa na urna. Acho que tudo começa-termina lá. O durante é o que se esta fazendo. Também não podemos chamar isso de campanha política?