quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Jogo de Poder

Assisti, ontem, a um filme mediano, mas que recomendo por ter um tema que precisa ser discutido. O Filme é Jogo de Poder (Fair Game). Não vou entrar na questão (vou entrar em alguma?) da batalha de Davi e Golias, de governo vs. cidadão. A questão é: até que ponto a verdade aparece na mídia? Até que ponto há verdade no que nos é exposto? A minha cutucada (eu hein, coisa de feicebuqui) é porque o mundo e a imprensa brasileira (com mais gravidade) andam me fazendo rir e enojar ao mesmo tempo.

Outro filme, este acima da média, que poderia citar é O Informante (The Insider). Quase o mesmo tema, com um agravante: a manipulação da (in)verdade, mesmo quando todos já sabem o que seria correto fazer.

Quero entrar na mídia informativa para tentar entender o que se passou no Campus da USP. Por que, apesar de ir contra os critérios jornalísticos, a TV Globo de hoje de manhã (09 de novembro) não dedicou uma única câmera e um mísero microfone aos estudantes que fazem o “estardalhaço” no campus e são contra a presença da PM na área da instituição. Uma única pergunta: “por quê?”; Por que não foi perguntada aos opositores? Zilhões de estudantes falaram sobre a não representação deles no manifesto e sobre como eles são contra a invasão. Quanto deles apóiam? Sei lá, não foram entrevistados. Não quiseram? Sei lá, a Globo não disse.

Por que de fato não se quer a presença dos policiais no campus? Há assaltos? Sim, mas, então, por quê? Como já escreveu o jornalista Roy Frenkiel, citando outra matéria “Só não tem medo de polícia quem nunca se manifestou contra o estado” e o Juca Kfouri já postou isso: http://blogdojuca.uol.com.br/2011/11/usp-autonomia-seletiva/, penso que há algum motivo, mas a mídia informativa de massa (que porra é essa?) informou, discerniu, contribuiu? Nada. Um só lado, uma só voz.

Particularmente, não sou a favor, contra ou muito-pelo-contrário aos estudantes da USP, não tenho uma boa opinião a respeito, apenas quero cutucar (eita, feicebuqui!). E atentar para dois filmes. Assistam.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Feiticeira Vais, Sandrix e um som

e outros

http://aosabordotoque.blogspot.com/

sem datas, talvez de 97 ou 98.


Desire
Tudo fala, vestido, travestido.
Palavras não ditas exalam, articuladas em lábios mudos.
O cheiro dos gestos, e a dança do corpo em movimentos assimétricos.

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E eram vários anos espalhados pelo terreno verde. Em cada um, um escrito diferente. Num sonho contei-lhe o sonho. A realidade era os anos roubados cheios de poemas. A fantasia estava nas casas sobre a encosta da grama viva, reluzente... E o sentido? E o sentido?

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Tudo é um jogo: nada se perde, nada se ganha, tudo se devora.
Panteras com olhos de marfim...
Que estariam fazendo? – Apenas refletindo o quadro!

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As baixas neblinas das noites de inverno, um enigma a ser desvendado:
Sob a parca luz, senta-se no banco.
O túnel se faz de câmara, deserto. A praça em volta, deserta.
Vindo pelas pedras, iluminada espera.


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Esta é a nova página da Sandra Camurça, Dona Moça do Refúgio:
http://almanaque68.tumblr.com/ Bem, acho que o novo blog vai ser mais uma misturança... (com o nome "almanaque", nem poderia ser diferente).

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O Som!!!!!!!!!!!!!!!!








terça-feira, 18 de outubro de 2011

Um artista

Achei esta preciosidade no ótimo blogue do Renato Couto

Vale a clicada no vídeo e a olhada no portal.

Um homem que não se vendeu



Tomei conhecimento do cidadão acima (e artista abaixo), pelo blog do meu confrade e xaráRenato Fialho. Ele, o xará, não fez nenhuma introdução ao tema, mas confiante em seus ideais, cliquei no triângulo e assisti embasbacado quase 10 minutos de vídeo. Como definirEduardo Marinho? É melhor não tentar, pois tenho a sincera convicção que ele não gostaria de ser definido, pois de alguma forma, ele sempre procurou fugir aos padrões e cárceres da vida e defini-lo, seria de alguma forma aprisioná-lo. Mas ao assisti-lo, aumentou um pouco minha tão baixa esperança no ser humano, sim, quer conhecer mais o cidadão? Clica também em seu espaço (fugi da palavras blog ou site) Observar e Absorver me permitindo a conclusão que é o título da postagem: Um homem que não se vendeu.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A educação longe da mídia

O que são escolas exclusivas (de exclusão)? Não posso citar ou exemplificar todas, primeiro porque não conheço todas, segundo porque não sou capaz de exemplificar todas as que conheço. Portanto, fico com um exemplo, apenas um.

Uma escola exclusiva, geralmente, trata-se de uma escola particular de “boa qualidade”. Por que exclusiva? Porque parte do princípio de que o aluno precisa necessariamente atingir o nível da instituição, adequar-se aos “desafios” pedagógicos propostos; é a escola dita “tradicional” (e o termo ‘tradição’ aqui carrega um status quo reverencial), em toda a sua pompa e circunstância severa. A escola tradicional é o sonho de todo pai que adoraria ver o filho numa ótima universidade.

A escola exclusiva quer apenas os melhores, os que tiram as maiores notas nas suas avaliações tradicionais, quer os “meninos outdoors”, aqueles que infestam a cidade fazendo propaganda da instituição com os seus belíssimos primeiros lugares em Engenharia ou Medicina. Desconfio que existam os que pagam meninos para realizarem os vestibulares públicos pelo colégio.

O Prof. Dr. Vitor Henrique Paro, da USP, proferiu uma excelente palestra sobre avaliação no meu município (Mesquita/RJ) e disse, em dado momento, algo como: “enganam-se os pais achando que escolhem os colégios para os seus meninos, pois são os colégios (particulares) que escolhem os seus filhos, a partir do momento em que estabelecem as normas para a permanência do aluno na empresa.” E não é isso, mesmo?

Então, qual escola é inclusiva? Ora, aquela que aceita a todos, sem pré-conceitos ou pragmatismos educacionais; é aquela que pensa em uma evolução qualitativa, mas tal evolução precisa carregar a todos, ninguém pode ficar pelo caminho. É aquela que não se importa com outdoors, indoors, mas com o aluno, pois foi feita para ele. A escola inclusiva é uma instituição que foge da conta-bancária-cerebral, ou seja, o aluno (sem luz) não é um simples depósito onde o professor (magister) coloca conhecimento (Paulo Freire escreveu melhor, mas era quase isso). Onde está a escola inclusiva? A maioria? Nas redes públicas de ensino, principalmente nas redes municipais, pois trabalham com o Ensino Fundamental e, muitas, Educação Infantil (na minha opinião, fundamental).

As notas do ENEM, na minha modestíssima opinião, refletem isso. Uma escola inclusiva comporta a todos e isso, inevitavelmente, reverbera no sistema de avaliação em voga (e que apoio, diga-se de passagem). É fácil ter a nota máxima sendo exclusivo, quero ver ter este desempenho e pensando a educação, a qualidade da educação e a inclusão educacional. A meu ver, a escola pública, só por isso, já merece um crédito imenso. E nem vou tocar no ponto do péssimo salário, dos governos omissos e, muitas vezes, criminosos, na estrutura física incompatível com o ritmo de trabalho, etc.

Por que toquei neste assunto?

Porque já estou enojado de ler e assistir esta mídia muquirana passando um ar de conhecimento sobre o assunto e, na verdade, discorrendo de forma absurda e medíocre em relação à educação. Impressionante como os canais de televisão não se preocupam em esclarecer nada, vomitando, de maneira irresponsável, a sua visão neoliberal e distorcida sobre o tema.

Há casos e casos, assim como profissionais e profissionais, instituições e instituições, há de tudo neste mundo de ninguém, mas precisamos refletir, antes de cuspir.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Agatha Christie, uma brasileira

Vamos falar primeiro de um assunto muito, mas muito engraçado, que descontração é a razão da nação política e biscateira, sem admoestação.

A deputada Jaqueline Roriz foi absolvida do processo de cassação de mandato por 265 votos contra 166. A nobre e singela deputada é filha do sapiente e responsável Joaquim Roriz, ex-governador do Distrito Federal por 04 mandatos e atual renunciante do posto de senador por acusações, vejam o disparate (!), falsas e cataclísmicas de corrupção. Jaqueline foi filmada, flagrada, congelada diante todo o país recebendo dinheiro do, intitulado, mensalão dos democratas. Claro que foi um dinheirinho à toa e ela nem era deputada na época (!), portanto, a sua absolvição já estava garantida antes mesmo de começar. Ignóbil são os outros, assim como o inferno! “Ele (o procurador-geral da República) apontou crime de peculato. Mas ela nunca foi servidora. Na época não era deputada”, disse o advogado da elegante deputada. Certíssimo! Como podem pedir a cassação de ilustríssima Jaqueline por uma ladroagem anterior ao emprego de deputada! Céus, mas que absurdo!


Viremos a página, pois. Tenho um medo danado de tentar entender o porquê de 265 deputados...


Agora, neste agora, uma notícia séria e comovente: o maquinista é o verdadeiro culpado pelo acinte-acidente com o bondinho de Santa Tereza. Tão culpado quanto o mordomo dos livros de Agatha Christie. De acordo com o Jornal do Brasil, "o bonde que sofreu um acidente no último sábado esteve 13 vezes na manutenção em agosto, sendo 05 delas para consertar o freio." Ou seja, este bondinho deliciosamente seguro ficou, só em agosto, metade deste mês em conserto. Lindo, não? Acharam, inclusive, arame no lugar de parafuso, mas, claro, isso são coisas pequenas. O maquinista-maniqueista, para o bem do governo carioca (que estava prestes a renovar a concessão da empresa), será o único e derradeiro culpado, pois insistia em colocar a própria vida em risco por receio de perder o emprego e passar fome. Culpado!

Viremos a página, pois. Tenho quase certeza que ainda vomito até o final do dia.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O querer e o quereres

Surge da pura necessidade pseudo-social o clamor público-artístico-empresarial que a mídia intitula de movimento de combate à corrupção no governo federal. “Eu apoio!” é a logomarca do resfriado, como se fosse mais uma propaganda do Rock in Rio. E é, claro.

Aliás, antes do jornal O Globo surgir com a logomarca, o Noblat, o Pereira, a Leitão (quando crescer quero ser eles ao contrário!) falavam que a limpeza proclamada pelo planalto era uma grave crise no governo. Ninguém, além dos que odeiam a Dilma, o Lula e o PT, engoliram isso; e choveu apoio à presidenta e ao seu já conhecido culhão. E com números não se briga, nem por uma marmelada. Com 70% de aprovação é preciso, antes de tudo, acabar com a imagem para depois vir com a dita “crise”.

A sociedade deturpou-se e este é o atestado da mediocridade social. Afinal, quem, além dos corruptos, é a favor da corrupção? Logo, apoiar movimentos do tipo “cansei”, feito por órgãos que transformaram o “cansei” num movimento, é o que devemos refletir. O que quer a mídia com o borburinho? Tenhamos cuidado. Tenho quase certeza de que a metralhadora está atirando nos ladrões, mas quer, mesmo, é acertar a presidenta.

Aliás, nada me tira da cabeça o porquê do jornal ter comprado a idéia falaciosa e a atitude criminosa da revista Veja em relação ao José Dirceu. O que eu tenho a favor do Dirceu? Nada. O Dirceu é coisa pro STJ, mas nenhuma mídia quer o Dirceu. O que eles querem é associá-lo aos Illuminati, ao PII, à Tribo de Napoleão, ao funk carioca e, depois de demonizado, à Dilma.

Na verdade, gostaria mesmo é de estar errado. Redondamente errado.

domingo, 21 de agosto de 2011

À Janusz Korczak

De repente a mão pesada soviética descia como um machado que mais matava pelo impacto do grosso ferro medieval e bárbaro do que pela lâmina afiada da ideologia. E o machado de Stalin estava suado e sedento, insistentemente sedento. E as crianças continuavam crianças e neste estado perfeito de luz, sombras e pavor, como o choro de mil blues às margens do Mississippi, eis que uma canção sobre o amor incondicional foi cantada. Veio de perto, do coração de um velho pediatra ou escritor ou lindo, veio como a brisa soprada pelos lados do leste, onde o sol nasce, assim como a teoria de Ubuntu, das sacadas dos prédios destruídos, mas que conservavam janelas e camas; veio da fonte primeira e irradiante, de dentro dos setenta e dois nomes do verbo, do Fiat lux. Foi neste impreciso tempo adiante que o machado deu lugar ao sanatório de Hitler e ao tornado nazista e o pediatra optou por ser maior e virou gigante, deixando a pequenez dos homens do lado de fora e o amor às crianças do lado de dentro; e de dentro regeu a sinfonia polonesa mais conhecida do mundo moderno. O pediatra não conheceu Irena Sendler, contudo previu que também havia deus do lado de fora, previu que havia de ser pseudônimo de algo e, abraçado às crianças na morte, deu origem à árvore da vida.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Em Londres, o novo BlackBerry

Por Pedro Doria

O Globo - Digital e Mídia


Em 2005, quando os jovens filhos e netos de imigrantes tomaram as ruas de Paris e lançaram fogo em veículos, tinham celulares à mão. Se comunicavam e combinavam o jogo via SMS. Torpedos. Em 2008, no Irã, a relação foi via Twitter. No Egito, no início deste ano, o Facebook foi a ferramenta escolhida. Agora, em Londres, os jovens revoltados, desempregados, têm BlackBerries. É um longo e inesperado caminho para o aparelho que foi criado para altos executivos.

O primeiro celular BlackBerry chegou ao mercado em 2003. O conceito de um smartphone era novo, mas ele já tinha tudo: e-mail, web e os serviços móveis padrão, como telefonia e SMS. Era também muito caro e, por isso mesmo, tinha como público alvo executivos. Havia resistência a usar e-mail no celular. Parecia fácil de vazar, qualquer hacker poderia fazê-lo. A Research in Motion (RIM), empresa canadense que o criou, fez um sistema seguro, com rede própria. Fazia parte do atrativo. A um tempo, smartphone e BlackBerry eram sinônimos.

Tecnologia é produto de consumo e, portanto, a decisão de compra é complexa. As necessidades fazem parte da escolha. Mas marcas são construídas para ter apelo emocional. Quem gosta de Apple quer passar uma imagem de sofisticação descolada. Quem prefere Android, de certa forma, transmite um espírito independente. BlackBerry, durante um bom tempo, quis transmitir a ideia de seriedade, sisudez.

A Apple chegou tarde ao jogo dos celulares com o iPhone, em junho de 2007. O aparelho era lento, tinha uma câmera ruim, mas era uma beleza de usar. Fácil e elegante. Só em 2009, quando a terceira geração foi lançada, é que o hardware chegou ao patamar de qualidade do software. Mas, desde o início, o iPhone vendeu bem. Quando os primeiros celulares Android chegaram, no fim de 2008, eles seguiam a mesma lógica do modelo Apple.

A princípio, o BlackBerry manteve a imagem de celular do homem sério. Nos últimos dois anos isso tem mudado rapidamente. A RIM não conseguiu acompanhar o ritmo de inovação de Apple e Google. Foi uma empresa inovadora, tropeçou. E é aí que as forças de mercado desmontaram a estratégia de marketing do BlackBerry para transformá-lo no veículo de propagação da revolta da juventude pobre de Londres.

Celular que vende muito custa caro, o que vende pouco ganha descontos. Comprar iPhone exige enfrentar fila no Brasil, nos EUA ou na Europa. E o aparelho é caro. A diversidade de aparelhos rodando Android faz com que sua oferta seja maior, mas ainda assim os descontos são modestos. Não é preciso: os aparelhos vendem. O que as operadoras empurram com grandes descontos para conquistar novos clientes de smartphones são BlackBerries. Ainda assim, em todo o mundo, a RIM perde margem de mercado. É a escolha de cada vez menos pessoas.

Cresce, porém, entre adolescentes. É que o aparelho tem dois atrativos. Está barato e tem uma rede de troca de mensagens gratuita. Não custa dinheiro enviar uma mensagem de um BlackBerry para outro. Nas escolas da classe média carioca ou paulistana, o BlackBerry é o aparelho favorito. O mesmo se dá nos EUA. Uma pesquisa anunciada no início do mês pela Anatel britânica revelou que um terço dos usuários adultos de smartphones usam iPhones. É o mais popular nessa faixa. Entre adolescentes, 40% preferem BlackBerries.

Quando a turba ganhou as ruas londrinas na noite de sábado, a polícia foi para as redes sociais. Grudou no Twitter e Facebook, os suspeitos de sempre. Encontrou alguma coisa lá, mas não o principal. Demorou para perceber que o principal da conversa ocorria numa rede privada. Construída para executivos, segura.

A RIM tem um problema nas mãos. A polícia pede cooperação. Mas, se abrir a conversa dos vândalos britânicos, os executivos que ainda compõem sua clientela prioritária ficarão preocupados. Quem viola a privacidade de um, viola a do outro. O mundo dos celulares está mudando rápido.




sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sem ação


o tema ao ar bolhas. os dois juntos. a faca na cena. um chão, duas partes. o primeiro estátua. o sonho. hermético. irmãos. corpo. e muito tempo a palavra bolhas, mas sabão e água. outras e mais outras. um tempo para a memória, e nada ao primeiro sentido. portas paredes objetos nas mãos e o fim bolhas, fumaça ou sabão ao ar. uma cadeira uma casa. uma espada de plástico, gestos. um leque na estante, prateleira tábua de restos de madeira juntos muito juntos. a música. o ritmo. os gestos. os cabelos. o corpo na dança. o lápis no papel.
sem ação.


**** a Júnia quis digitar e digitou, escolheu a letra e o colorido.
**** eu ditei.

sábado, 23 de julho de 2011

O pôr-do-sol

Era um canteiro de sol empoeirado onde ela vivia e que, por algum motivo, não saía dos seus olhos cinzentos. A casa era quase uma montagem dos erros e acertos de qualquer ser humano, o que talvez explicasse o eterno fascínio e contemplação do pôr-do-sol – sempre assistido, por eles, à janela da sala. Passavam momentos saborosamente preguiçosos diante do café com leite-em-pó que ela servia junto às torradas amanteigadas todo o final de tarde. Os móveis rústicos junto aos livros amontoados davam uma cor nobre ao jogo de luz e sombras que brotavam tão casalmente das cortinas que valsavam com o vento da tarde. Ela adorava o seu toca-discos antigo e aquela Billie Holiday escorrendo pelo chão de madeira laminada, o cheiro do café e os olhos acinzentados do homem que, sentado, olhava fixamente o pôr-do-sol como que visualizando uma parte que escapou da lembrança. “Por que não compra um cd player?”, ele perguntou certa vez; ela, ao que parece, sorriu sem responder. Queria dizer que era pura influência do marido, músico, que adorava o som grave do vinil e que nenhuma outra tecnologia conseguira reproduzir de forma fidedigna, mas mencionar o finado marido poderia preencher a cena com aquele ar sisudo e broxante do respeito culposo. Não! Ela ainda tinha maravilhosos e fartos seios para atirar nas ventas daquele homem de olhos cinzentos. E ele, olhava o sol porque também tentava tirar dele a força-vital, a energia e coragem para dizer que já se passara muito tempo da morte do músico, e ele queria manchar o lençol dela com ela e dentro dela. E entre o desejo, a coragem e os espaços vazios e empoeirados, passaram anos e anos contemplando juntos o pôr-do-sol, o café, as torradas e a Billie Holiday que, não raro, dava lugar à Bessie Smith no toca-discos antigo. Uma vez apenas, ela se virou para ele e perguntou se apesar da idade, ela ainda era uma mulher bonita. Ele sentiu o coração disparar e disse algo extremamente poético sobre os seus seios, suas ancas e sobre como ele gostaria de morrer afogado nos seus braços. Ela chorou. Ele deu o seu lenço. O silêncio que imperou não era o mesmo silêncio preguiçoso de outrora, antes os sacudiu. Eles levantaram-se como que por um chamado de dentro e, mãos dadas, foram para cama. E entre a valsa, o samba e o flamenco, a noite ditou o cansaço de ambos. E nunca mais acordaram.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Surpresa

Foi lá que aconteceu, o instante zero que fez chover durante muito tempo em terra que ninguém pisa. Foi a surpresa aterradora que o fez desistir da velha esperança que sempre vinha junto com a decisão pouco definitiva. Foi a surpresa substancial que deu a guinada de 180 graus no caminho. A surpresa, imprópria, canalha, incômoda. E ele sempre foi um sujeito de poucas surpresas, de pouco sol e sombra; sempre foi um amante inveterado das coisas dentro da ordem, do linguajar claro. Nunca imaginou que outono fizesse casa no seu sorriso. Ele era todo folhas secas perambulando no ar frio e incerto. A surpresa, simples, direta, absoluta, tomou conta do poço e escancarou a porta entreaberta como se fosse o arrombo do ego, o big bang da alma. De repente ele implodiu e, como uma aranha que se fecha no momento da morte, retraiu-se, perscrutando o que talvez fosse um grito de cólera, de fúria; implodiu como fazem os que, ao tentar matar, enfartam antes. Pensou no Leblon, pensou muito no Leblon e naquela mureta da Urca tão tipicamente carioca, pensou em correr rumo ao desfiladeiro das reticências, do não-sentir, mas não conseguia deixar de sufocar. A surpresa estava presa no seu pescoço, no coração que batida desordenadamente, na agonia do choro que não vinha. Foi lá que aconteceu, debaixo daquela árvore que lembrava a brisa do Leblon. Foi lá que o encontraram. Encolhido, fechado, morto.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O COLOCADOR DE PRONOMES - Monteiro Lobato


O COLOCADOR DE PRONOMES - Monteiro Lobato


Já expliquei anteriormente que a série Nocautes foi pensada há algum tempo, mas só agora está sendo levada adiante. As dez narrativas foram listadas pela primeira vez em outubro/2009. Porém, o conto ora discutido (O colocador de pronomes*) tem tudo a ver com recente falsa polêmica - mais uma! - envolvendo o uso da língua portuguesa, graças à celeuma criada em torno de um único trecho do livro Por uma vida melhor.

Como se sabe, Monteiro Lobato irritava-se frequentemente com os "ignaríssimos ' alhos ' gramaticais" - a expressão é dele - empenhados em fiscalizar e determinar o modo "correto" das pessoas se expressarem por meio do idioma. Para o criador do Sítio do Picapau Amarelo:

"Não há lei humana que dirija uma língua, porque língua é um fenômeno natural, como a oferta e a procura, como o crescimento das crianças, como a senilidade, etc. Se uma lei institui a obrigatoriedade dos acentos, essa lei vai fazer companhia às leis idiotas que tentam regular preços e mais coisas. Leis assim nascem mortas e é um dever cívico ignorá-las, sejam lá quais forem os paspalhões que as assinem. A lei fica aí e nós, os donos da língua, nós, o povo, vamos fazendo o que a lei natural da simplificação manda [...]" **

Em O colocador de pronomes, o protagonista, Aldrovando Cantagalo (que nome!), representa um desses sujeitos pelos quais Lobato tinha horror. O conto começa com uma anedota e termina com outra (mas não vou contá-las), ambas relacionadas ao emprego de pronomes pessoais:

"Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática.
Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática.
E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática".

Contaminado por uma "incurável sarna filológica", o personagem, obcecado pelos"alfarrábios freiráticos do quinhentismo", não possuía nenhum espírito científico; apenas se aferrava às normas fixadas por autores portugueses falecidos muitos, muitos anos atrás: "Aldrovando nada sabia do mundo atual. Desprezava a natureza, negava o presente. Passarinho, conhecia um só: o rouxinol de Bernardim Ribeiro".

Para o professor Cantagalo, o idioma era "um tabu sagrado" e os brasileiros não sabiam utilizá-lo:

"E não lhe objetassem que a língua é organismo vivo, e que a temos a evoluir na boca do povo.
- Língua? Chama você língua à garabulha bordulenga que estampam periódicos? Cá está um desses galicígrafos. Deletreemo-lo ao acaso.
E, baixando as cangalhas, lia:
- Teve lugar ontem... É língua esta espurcícia negral? Ó meu seráfico, como te conspurcam o divino idioma estes sarrafaçais da moxinifada!"

O bom humor da narrativa vem justamente daí: é resultado das palavras e frases rebuscadas (e anacrônicas, arcaicas até), ditas por Aldrovando (e algumas vezes também usadas pelo narrador, em tom irônico). A acumulação e exageração destas acabam por gerar ótimo efeito cômico.

E os pronomes?

"Os pronomes, ai! eram a tortura permanente do professor Aldrovando. Doía-lhe como pauladas vê-los por aí pré ou pospostos contra regras elementares do dizer castiço. E sua representação alargou-se nesse pormenor, flagelante, concitando os pais da pátria à criação dum Santo Ofício gramatical".

E por causa de uma ênclise, ao invés de uma próclise - alguém aí se lembra das nem sempre agradáveis aulas de sintaxe? -, Aldrovando acabou morrendo...

É melhor, entretanto, que você mesmo procure e leia este divertidíssimo conto.

Na próxima postagem, Missa do Galo (Machado de Assis)


* Essas declarações do autor foram extraídas de uma Ligeira nota sobre a ortografia de Monteiro Lobato, publicada na edição do livro abaixo referenciado.

** LOBATO, Monteiro. O colocador de pronomes. In: ___________. Negrinha. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.113-127

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Parabéns!

A vitória do Vasco da Gama, ontem, em plena Curitiba, foi, antes de tudo, uma vitória de muitas andanças e sonhos. Foi quase uma vitória juvenil, fruto dos manifestos e passeatas que povoam as nossas memórias como um desvirginar da alma.

Sim, a conquista, merecida, do meu arqui-rival, do meu oposto, foi, sobretudo, uma conquista celebrada por uma parte de mim que ainda vive escondida neste corpo gasto e desiludido.

O Vasco ganhou um título, mas o que ele representou foi muito maior. Foi a defesa de uma tese cujo título seria assim: “Não é preciso ser bandido para liderar – regras de como administrar sem ser um filho-da-puta.”

Este Flamenguista rubro (e Mangueirense roxo!), humildemente, saúda a família vascaína e ao Sr. Roberto Dinamite pela belíssima prova de humanidade.

Atenciosamente,

Marcelo.

terça-feira, 31 de maio de 2011

A quem interessa o juro?


Chega de hipocrisia! Quando volta e meia, surge na mídia (sinhá-mídia, como gosta o Pirata - cadê você?) um novo trailer sobre o filme: Inflação, o retorno – uma penca de economistas (às vezes nem o são) de plantão televisivo (adiciona-se aí a Sra. Leitão) e políticos hidrofóbicos ululam favoráveis ao aumento da taxa de juros, como única e salvadora forma de conter a sanha consumista. Será (a única) verdade?

Quem me lê, já desconfia que não.

Primeiro, vamos entender como funciona o mecanismo do aumento e redução dos juros.

O juro não aumenta ao bel prazer do governo. O juro é determinado pelo mercado, visto que podemos traduzi-lo como o “preço do dinheiro”, ou seja, só existe juro se existir empréstimo, assim, o juro é o “aluguel” do dinheiro, dado pelo poupador ao tomador, intermediado pelos bancos. O problema (ou solução, dependendo do ponto de vista), é que o poupador recebe 1%, o tomador paga 10% e o banco fica com a diferença de 9%, a qual chama singelamente de spread.

Seja no Brasil ou qualquer lugar do mundo, a taxa de juros média, dependerá se existem mais poupadores ou tomadores no mercado.

Vamos ao nosso caso: No Brasil, existem mais tomadores, sendo o Governo um grande cliente, assim, quando ouvimos na televisão sobre SELIC, a mesma não é determinada pelo Governo, o mesmo apenas aponta o quanto (de juro) está sendo praticado no mercado interbancário. E o que é este mercado interbancário? Diariamente, os bancos são obrigados (pelo BACEN) a fechar suas posições zeradas (para frear a alavancagem), assim, uns emprestam aos outros todo santo dia. Tudo bem, a coisa é mais complexa, mas isso aqui é um post e não uma aula de economia...

Segundo, quem ganha e quem perde com o juro alto? Se a taxa de juros é um mau negócio para a maioria que vive da produção (empresários e trabalhadores), por outro lado, ela é um excelente negócio para aqueles que vivem da especulação. O aumento da taxa de juros se traduz em transferir riquezas dos que produzem para os que atuam nos mercados financeiros.

Esta defesa do aumento da taxa de juros, se a mesma acaba não se realizando (nos percentuais que a especulação sonha), acaba ao menos, dando para realizar alguns trocados, seja numa arbitragem de câmbio ou movimento de bolsa de valores, após uma notícia especulativa ou diria até mesmo terrorista.

Qual seria o estágio final de uma expansão (a qual o aumento do juro tentaria frear)? Uma retração! Nada é mais certo, que ao fim de um período de expansão, haverá uma contração na economia, sempre foi assim, não?

Quase concluindo com as palavras de Keynes em TGEJM (p.250): “(...) a elevação da taxa de juros como antídoto para a situação (...) pertence à categoria dos remédios que curam a doença matando o paciente.”

Desta forma, se o perigo é o pico, ou o boom, deve-se tentar manter a economia (a produção, o consumo e tudo que orbita na mesma) numa situação de “quasi-boom” (p.249). Sei que seu carro pode chegar a 200km/h, mas se basta 120km/h para concluir a viagem, por que fundir o motor? Ou como diriam alguns banqueiros na crise mexicana de 95: “Não é a velocidade que mata, mas sim a freada brusca.”

Mas como não aumentar o juro, se como dito, ele obedece à lei da oferta e procura (uma lei tão poderosa quanto à gravidade) e o Governo talvez seja o maior responsável pelo lado da procura? Quase que austriacamente (ave Hayek e Von Mises!) seria óbvio recomendar contenção nos gastos deste e equilibrar suas receitas com suas despesas. Mas aí, quem seria o indutor do multiplicador de trabalho (ave Keynes!), responsável por nosso irrefutável crescimento e inexorável competência em enfrentar a última das crises financeiras mundiais?

Não existe resposta simples. Por fim, o post era apenas para expor a quem (muito) interessa o aumento dos juros...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O caso de Bastos, e a censura midiática, em três atos


Ato 1: Stand-Up Comedy Internacional

O Brasil, há poucos anos, comprou a arte do stand-up, onde o comediante não sobe ao palco para interpretar personagens, nem criar cenas cômicas, mas apenas discursar, como se estivesse conversando entre amigos, em um ambiente descontraído, sobre qualquer assunto, tornando-o engraçado se bem sucedido. Para mim, há três níveis de comediantes desse estilo: Os que falam de assuntos engraçados; os que se comportam de modo diferente (picuinha, excêntrico, depressivo etc); e aqueles que usam da ironia e do sarcasmo, falando de coisas sérias, e extráem disso o humor. O gênio – George Carlin, Lewis Black, Robin Williams, para o autor, entre outros –é aquele que engloba os três estilos em um.

Antes de voltar ao Brasil, façamos um breve percurso pela história recente do humor internacional. Os cartúns adultos ganharam asas nos anos noventa, com uma das séries mais longas da televisão, Os Simpsons. Outros países já usavam o humor ríspido, fugaz e violento que depois se acirrou com a chegada de Beavis and Butthead, logo South Park, e por fim Family Guy, American Dad e The Cleveland Show, entre outros. No Japão, por exemplo, o estilo dos curtas violentíssimos exibidos pela MTV em meados dos anos 2000, Happy-Tree-Friends, já era apreciado e venerado pela juventude. Todos esses desenhos tem em comum o fato de que “empurram o envelope”, ou seja, no Português mais claro, criam polêmica, e competem entre si para ver quem cria maiores polêmicas. Nem todas tem causa ou objetivo social ou politicamente viáveis, mas todos representam alguma ordem ou desordem sócio-política criticada por segmentos da sociedade.

Cena de The Family Guy – Dumpster Prom-Night Baby

O filme The Aristocrats reúne muitos dos melhores comediantes nos Estados Unidos para contar sua versão da piada mais suja do mundo*. Esse estilo, pois, de criar polêmicas, de sujar a boca, de perturbar os censores, é moda nos Estados Unidos desde antes da chegada de Richard Pryor, que usou o humor judaico de se auto-difamar e falar de seus piores fantasmas, com sucesso estrondoso, pela primeira vez. É costume desde que George Carlin criou a lista das palavras censuradas pelos censores da mídia colossal, e que percorre o caminho de criar a comédia de maior “mal-gosto” possível. Nesse percurso, os sustos, os gáses e outros componentes orgânicos fisiológicos como fonte de risos, e o estilo Jackass de se arrebentar para sacar risos, como fazemos com os bebês, perdem lugar e ganham outra audiência.

Casos que ocorreram em South Park, Family Guy etc, inclúem uma criança assassinando os pais da outra e dando de comer a seu rival escolar, ironização de abortos súbitos de meninas em noite de formatura do Ensino Primário intermediário, exploração de prostitutas, uso de drogas por crianças e adultos, abuso sexual e físico de crianças e adolescentes, e por aí vai e nem termina. Há quem goste, e há quem desgoste. Eu gosto. A maioria de meus amigos e parentes da mesma faixa etária gostam também. Outros, mais velhos e maduros, gostam. Conheço quem não goste, mas poucos, mesmo, que se ofendam pelo nível humorístico.**

Ato 2: Rafinha Bastos, do CQC, e o Stand-Up no Brasil

No Brasil, esse estilo é ainda infante e engatinha. Rafa Bastos, como seus comparsas de CQC, até fazem algumas performances engraçadas, mas é difícil adaptar o modelo e o estilo de humor, e não é possível empurrá-lo goela abaixo dos brasileiros. O que criou o fusuê nas últimas semanas foi uma de suas piadas em seu stand-up, falando de estupro de mulheres feias.

“Mulher feia não pode reclamar de estupro,” disse algo similar o Bastos, “ tem mais é que agradecer.”

Todos sabemos que há gente nesse mundo, na América Latina ou do Norte, na Europa, na Ásia, África e Oriente Médio, que pensa assim. Para compreender o mecanismo do stand-up, só uma nota: Se não houvesse gente que pensa assim, qual a ironia e, logo, qual a graça do comentário? Entretando, a ofensa de muitas comunidades foi imediata, e o causo pegou fogo nas redes sociais. Grupos, feministas ou não, já exigiram que Bastos se desculpasse. Outros debateram o direito dessa espécie de humor no Brasil. Outra nota: Mesmo que ostand-up seja escasso, aposto que há gente fazendo piada pior e não levando lenha, e mesmo se não houvesse, o Brasil tem acesso integral às séries estadunidenses acima mencionadas. Ainda assim, a ofensa foi geral e, comprou um, como fizeram com o metrô de Higienópolis, como fizeram com a comparação dos crimes de Dominique Strauss ao affair de Bill Clinton e Nicolas Sarkozi, compraram todos.

Lola Aronovitch também deu sua opinião, e o debate em seu blogue correu solto. Sim, há considerações e um debate sério na rede social, e em outras redes, eletrônicas ou não. Não haveria, contudo, se toda vez que alguém se ofendesse, procurasse a censura como solução do problema. No caso de Bastos, pixaram seu clube e compararam seus ditos aos atos, concretos, de um estuprador. Para muitos nas redes sociais, Bastos é, para todos os efeitos, um criminoso do ódio. Outros disseram que Bastos “atacou as vítimas de estupro”. Há ainda quem diga que em um país com tantos crimes dessa natureza depredável, esse tipo de piada não tem graça. Lembrete da nota acima: Não teria piada, logo graça, se não fosse tão comum.

Bastos falhou como humorista, ao meu ver. Falo sem ter visto o show na íntegra, mas conhecendo outras de suas apresentações, afirmo que falhou. A ironia mal contada parece uma opinião. Reconhecimento de plateia, e tato, são também essenciais para o funcionamento dessas apresentações. Ainda assim, interessante seria saber o que todos da plateia, em todas as suas divergentes percepções, entenderam desse trecho. Depois disso, criou-se a “lei do bando”, onde o grupo, geralmente majoritário, espanca os julgados criminosos em conjunto. Falando em democracia, é essa “lei do bando” a temida por Aristóteles, que preferia a aristocracia consciente à democracia inconsciente das necessidades de todos, e não só de grupos, grandes ou pequenos. Portanto, seja qual for a falha ou a falta de tato, hoje a percepção de sua “piada” está totalmente contaminada.

Ato 3: Protestos nos Anos 90, EUA

Há uma música bacana da banda Sublime, em que o vocalista, Bradley Nowell, narra sua participação (não sei se fictícia ou não) nos protestos dos anos 90, na Califórnia. Vale a pena ouvir e traduzir a letra para entender o caso. Foram protestos de cunho civil e social, em que as minorias, sentindo-se ignoradas pelos governos crescentemente corporativistas, especialmente os afro-descendentes, desorganizados e estimulados por casos isolados de violência, iniciaram dias de saqueamento de lojas e violência urbana quase sem precedentes na história moderna do país. Negros atacaram negros, lojas e estabelecimentos e casas de negros, e bairros vizinhos, salientando os bairros chineses, sofreram a inconsequência da raiva dos negros contra o “homem branco”. Quase nenhum estabelecimento branco, em realidade, foi atingido, visto que os bairros mais abastados estavam bem armados e preparados para iminentes invasões.

Não há nada de errado em se ofender por uma piada. Quando vocês, leitores, ouvem ou leem alguma piada, a escolha é sua se aceitam a ofensa da piada e do piadista, ou se riem dela. Há piadas, claro, e há propaganda política, racismo, anti-semitismo e sexismo disfarçado de humor. A diferença é, geralmente, sutil, e depende geralmente de todos os elos de comunicação: Do emissor da mensagem, do método de emissão, da forma de emissão e dos receptores, como recebem, onde recebem, quando recebem e quem recebe. Muitas vezes, o comentário “humorístico”, fora de contexto, torna-se, realmente, ataque social. Em outras, como no caso de Bolsonaro, também popular nas redes sociais, a opinião não deve ser confundida com a ironia.


Na imagem, o Clube da Comedia, onde Rafael Bastos se apresenta

Em todos os casos acima, recorrer à censura e à violência me parece inconcebível, e tão errado quanto qualquer outra espécie de censura e proibição social. Forçar Bastos a se desculpar e modelar seu humor de acordo com o gosto popular, mesmo majoritário, não é diferente, ao meu ver, do que fizeram as grandes gravadoras e organizações éticas e religiosas nos Estados Unidos (e em casos mais sérios, na Alemanha Nazista), que diluíram a essência étnica do rock and roll no fim dos anos cinquenta e início dos sessenta. Pixar o clube que hospedou a apresentação de Bastos é idêntico a negros saqueando negócios de negros em prol da causa negra.

Independente de Bastos, o humor irônico serve, na grande maioria dos casos, para expôr o absurdo do pensamento humano, e os absurdos políticos, sociais e culturais, incluindo “leis de bando”, que se perpetuam em nossas sociedades. Sem esse humor, todo assunto é potencialmente tabú, e quando um tema é tabú, mesmo que banal, limita o pensamento de uma dada civilização. Se Bastos é machista e estuprador, ou ao menos se apoia o estupro de mulheres feias, e assim disser seriamente em qualquer entrevista, ainda assim sua piada só serviu para alertar que pessoas como Bastos existem. Eu não acredito, e assumo essa responsabilidade, que isso seja remotamente coincidente ao caso. Bastos é um humorista. Se bom ou mal, é questão do mercado do humor. Se seguem indo a seus shows, ele é eleito, novamente, comediante, como Bolsonaro, que censurado jamais exporia seu racismo e homofobia, e que, ao invés da censura, deveria ser derrotada em eleição.

O Brasil sofre com a censura midiática direta e indireta como sofrem muitos outros países, desenvolvidos e em desenvolvimento. Quando o jornalista torna-se quase sempre o culpado, quase sempre sem “juízo justo”, em cortes federais, municipais e civis, e assim qualquer outro macaco de mídia, e a censura é quase sempre a solução, de Sarneys a feministas, é mais fácil conceber a censura em primeiro lugar sempre. Talvez, em um país mais livre, apresentar material satirizando Bastos, e simplesmente deixar de comprar seu produto, seria mais inteligente e eficiente. Tenho dúvidas quanto ao Brasil. Dúvidas , creio eu, que em um país que quer mover-se em direção aos direitos humanos e à evolução cultural, que deve cessar a cultura da censura imediatamente, são cruéis e perfidiosas.

R.Frenkiel.


NDA: Caso acreditasse, ou venha a acreditar, que Bastos incitou o estupro a mulheres feias, pediria que desconsiderassem qualquer defesa a Bastos desse texto em meu nome. Não acredito. Abráx.

*É uma piada da época dourada pré-Broadway de Vaudeville, em que uma família se apresenta a um agente de talentos e produtor teatral contando que tem um ato brilhante que precisa ser produzido. O agente então pede que lhe mostrem, e a família, variando de acordo com quem conta a piada, faz as coisas mais bizarras e vulgares possíveis, desde incesto a bestialidade e abuso sexual de menores e, no fim, perante o agente chocado, que ainda consegue perguntar, “e o ato, como chamam?” respondem, “Os Aristocratas”.

**Aqui vale lembrar que quem expandiu esse humor nos EUA foram os sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Entre estes, meu avô, era um dos maiores e melhores piadistas de holocausto que já conheci e, eu, particularmente, ria muito de suas sacadas geniais sobre um dos episódios mais violentos da história contemporânea.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

GUEST POST: OS LIVRO ENSINA, NÓIS APRENDE

Por: LOLA ARONOVICH


Tadinho do aluno que tiver que escolher entre certo e errado na língua

Apesar de não acompanhar as polêmicas vazias que a mídia costuma criar, eu me dei conta da dimensão do novo “escândalo” quando, na aula de quarta, uma aluna emendou sua revolta com o Bolsa Família com sua mais profunda indignação ao governo querer que a escola ensine o aluno a falar errado! Perguntei o que é errado, e do ponto de vista de quem algo é errado, e se competêncialinguística não seria justamente se comunicar de forma diferente em diferentes contextos. Fiquei preocupada que meus alunos de Letras nunca tinham ouvido falar em Preconceito Linguístico, do Marcos Bagno, mas talvez eles só não tenham entendido a referência no calor da discussão. Espero.
Este “escândalo” todo é
um bom modelo de como a gente não deve aceitar as “verdades” da mídia sem refletir, sem pensar, sem correr atrás de informação. Porque o livro do MEC que os reaças parecem querer queimar na fogueira não fala nada dissoque dizem que ele disse. No YouTube há um exemplo brilhante do que acontece quando uma jornalista chama especialistas pra uma entrevista e eles se recusam a repetir as besteiras previamente estabelecidas pela mídia (veja a Monica Waldvogel sugerindo, injuriada, se não discriminar um aluno que fala “errado” não equivale a confundi-lo).
Bom, eu quis chamar alguém muito mais gabaritado do que eu pra discutir o assunto, e portanto pedi pro Diego Jiquilin, umfofo que conheci (ainda não pessoalmente) pelo Twitter, pra escrever um guest post. E ele atendeu prontamente. Diego tem um excelente blogsobre língua e atualmente é professor leitor no Paraguai. É formado em Linguística pela Unicamp, fez mestrado em Filologia Hispânica na Espanha, e cursa doutorado em Linguística, também na Unicamp. E olhem só, nem todas essas credenciais fazem com que o Diego (e, pra ser franca, nenhum outro linguista que li) tenha a arrogância de dizer para um aluno “Você não sabe falar sua própria língua materna, seu pobre”. Mas é essa mesma arrogância que tanta gente da classe média quer manter. E sem apresentar credencial nenhuma além do seu privilégio de classe.

Na Idade Média (e por muito tempo depois dela), as pessoas validavam um conhecimento como verdadeiro se a igreja o confirmasse como sendo uma “verdade”. De lá pra cá, algumas coisas mudaram, porque trocamos a igreja pela universidade (bom, no caso da camisinha, a igreja ainda faz muita gente acreditar que usá-la é errado). E pudemos também relativizar cada vez mais essas verdades.
Mas, no resto, a universidade ganhou esse papel de abalizadora do conhecimento. Quantas vezes não escutamos: “segundo pesquisas da universidade X (e nesse X costuma vir o nome de alguma universidade poderosa dos EUA), a gordura TRANS faz Y (e nesse Y vem um monte de consequências ruins)”.
Por um lado, é bom que tenhamos substituído a igreja pela universidade, afinal existe todo um método científico para se desvendar o conhecimento. Mas, por outro lado, em muitos casos, apenas substituímos os velhos preconceitos por novos (ou o vestimos com uma nova roupagem). A academia também cria e legitima seus preconceitos, lembremos da psicologia evolucionista, por exemplo.
Se antes, qualquer um que contrariasse a ideologia da igreja, iria para a fogueira, hoje isso já não acontece (acho que porque já não fazemos fogueiras humanas). O que nos diferencia de forma capital de nosso passado é que a academia também combate esses preconceitos. E as polêmicas em torno desses problemas é que fazem as ciências e as sociedades caminharem.
No entanto, esse discurso da verdade é mais ou menos heterogêneo entre as distintas ciências. Aquelas que movimentam mais capital são “mais verdadeiras” que aquelas que movimentam pouco capital. Trata-se de uma equação muito simples. Na verdade, uma ciêncianão é mais verdadeira que outra, mas os seus discursos validam mais verdades que outras. E tudo isso tem uma relação com o poder político-econômico.
Com isso quero dizer que as ciências ditas humanas têm uma voz muito fraca na sociedade, enquanto que as ciências exatas e biológicas são as que geralmente respaldam as “verdades” do mundo.
A Linguística, que é a ciência de que me ocupo, é uma das que menos tem valor. Mas isso não se deve apenas ao fato de que ela faz circular pouco capital, como venho dizendo. Devo somar também dois outros fatores:
i) Quase ninguém sabe sobre a Linguística. O que ela é. O que ela estuda. Como ela estuda. Para que serve;
ii) A língua, que é seu objeto, está em toda parte. Todas as outras ciências são permeadas pela língua. A arte é perpassada pela língua. Tudo que é humano tem uma língua.
Então, nós, os linguistas, temos de lidar com nossa insignificância, porque não descobrimos petróleo, porque somos ignorados pela sociedade e porque qualquer um se sente apto a falar o que bem quer sobre as línguas.
E neste último ponto reside uma polêmica. Eu acredito que todo mundo deve discutir sobre as línguas, é um exercício saudável, como veremos no caso anedótico da vez. Mas opathos deve ficar guardado.
Toda vez que alguém fala de língua (geralmente da sua língua materna), ele evoca todo um sentimento ufanista, de proteção ao seu idioma etc.
Quase todo mundo é reacionário em matéria de língua! Quase ninguém sabe lidar com o fato de que a língua muda.
Mas por que as pessoas não conseguem ver o óbvio sobre a sua língua? De alguma forma, é porque a escola durante muito tempo as treinou para que elas não pensassem, não fossem criativas. A escola durante muito tempo só trabalhou com questões de memória. E memorizar uma gramática de normas (a gramática normativa) sempre foi, para a escola, mais fácil que observar a língua e seus usos. A gramática normativa sempre foi o escudo dos reacionários, o escudo das maiorias, o escudo do preconceito linguístico.
E agora que estamos diante de mais uma polêmica linguajeira fica evidente o quanto essa ideologia fascista, que não sabe conviver com as diferenças, é um sujeito oculto nas mentes brasileiras.
O livro didático de língua portuguesa adotado pelo MEC (Ministério da Educação) é quem traz a lebre dessa vez.
Armou-se o maior frisson, nos últimos dias, porque o MEC supostamente estaria propagando a mentalidade de que discutir a língua em uso é necessário. Já pensou?! Pobres das crianças, agora elas seriam obrigadas a pensar mais sobre a língua que elas usam!
Mas aí também há um equívoco: o livro, que se intitula Por uma Vida Melhor, não é destinado às crianças. Ele é adotado pelo programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O capítulo “Escrever é diferente de falar” deu pano pra manga, porque as autoras mostraram as regras de funcionamento de uma variedade coloquial falada do nosso português brasileiro. Ou seja, elas fizeram as vezes de um linguista!
Ao contrário do que se anda dizendo por aí, o livro não prega que não se deva ensinar a gramática normativa ou a norma culta; pelo contrário, por meio da discussão das outras variedades do português é que se contextualiza essa norma culta. Como também sou professor de português para estrangeiros, sempre faço isso nas minhas aulas. Já pensou um estrangeiro falando como um livro? Seria muito estranho, não?
O que chama mais atenção nesse alarde todo é que a reação começa na mídia.Vocês viram como fala bonito o tal de Alexandre Garcia?[Nota da Lola, que não pôde resistir: só agora vi o discurso revoltado do jornalista, e meu deus! Ele fala em "vencer na vida", no valor de "uma educação tradicional e rígida" e da meritocracia, e lamenta que no Brasil, este país não-civilizado, bandidos não sejam algemados. Todo o ideário da classe média resumido em poucos minutos!].
“Aboliu-se o mérito para não constranger”. Eu morro de rir com essas frases, porque é gostoso ver um reaça se afogando com a voz da ciência (esse é um dos casos em que a ciência combate um preconceito!)
Gente, se abolirem a meritocracia, o que será dos bem-nascidos? Eu tô morrendo de dó deles. Imaginem só, os negrosteriam maior acesso ao ensino superior. As mulheres poderiam ganhar um salário mais igualitário ao do homem. Os homossexuais poderiam adquirir direitos civis. E os pobres poderiam falar como falam!
Sendo assim, nada de ensinar as variedades coloquiais faladas pelo povo!
E você também poderia me refutar: ensinar um estrangeiro não é como ensinar o falante nativo. Claro que não. Não se trata de ensinar a variedade popular para o nativo. Aposto que essa variedade ele já aprendeu por aí! Gente, é só uma questão de inclusão, de reflexão, de contextualização da tão importante norma culta.
Lembro-me sempre nas épocas de campanha do Lula. A imprensa caía matando, porque o Lula falava “errado”: um presidente que não sabe nem falar, vai presidir o país como?
Realmente, a mídia é completamente ignorante quanto aos assuntos sobre língua. Nesse nosso caso, ela só deixa evidente qual é a sua ideologia: a das direitas conservadoras.
Para que fique claro de uma vez por todas, não existe certo e errado na língua. “Gramática” não é sinônimo de “gramática normativa”. Toda língua, toda variedade tem gramática. Toda língua, toda variedade se organiza em torno de regras. “Os menino foi” tem regras de concordâncias mais parcimoniosas que “os meninos foram”.
E onde uma é usada, onde a outra é usada? Quem as usa, em que contexto as usa? Estas seriam indagações muito mais interessantes para aquele que reflete sobre sua língua.
Pergunto novamente: por que as pessoas não conseguem entender essas obviedades todas? Eu já disse que a escola tem muito a ver com isso. Mas a sociedade também tem. Andei lendo muitas besteiras no twitter e no facebook.
Quase todo mundo compra a ideia de “certo/errado”. Quase todo mundo achou um disparate o MEC gastar a verba publica com um livro desses. Quando o Bolsonaro também gastou grana publica para fazer a sua cartilha anitgay, todo mundo também achou um disparate. Todos entenderam o seu conservadorismo. Mas é uma pena que ninguém consegue entender o conservadorismo quando se discute sobre a língua.
Até mesmo os outros cientistas, os que não são linguistas, não entendem os mecanismos da língua. Eu já vi muito intelectual falar asneiras sobre linguagem. Já presenciei muitos educadores, filósofos, cientistas políticos, sociólogos, antropólogos falarem burradas sobre as línguas. O que não tenho a dizer dos cientistas que mais movem a economia? Estes sim, estão completamente do lado da mídia ignorante.
Como o professor Sírio Possenti costuma dizer: nós, os linguistas, não nos atrevemos a fazer xampu ou a criar aviões ou a buscar a cura para o câncer. Simplesmente por que não fomos treinados para isso! Mas, por que todo físico, químico e biólogo, por exemplo, fica à vontade para arbitrar sobre línguas? Acho que eles estão acostumados com o poder. Só pode ser isso.
Mas o pior de tudo são os jornalistas, porque eles cumprem o papel de mediadores entre o senso comum e a ciência. Jornalistas não são só ignorantes, conservadores, direitoides, são mesmo incompetentes. Eles sim são os que erram no uso da gramática normativa (porque a gramática normativa é a ferramenta de trabalho deles), eles sim são os que não perdem a oportunidade do sensacionalismo, tudo a troco de ibope, de audiência e de vendagens.
Quando a linguística ganha um pouco de voz e consegue chegar numa sala de aula, de EJA que seja, toda essa velha mídia ressurge e tenta destruir um passo gigante na democratização da cultura e da educação. Trata-se dessa mesma mídia que falta com o respeito aos profissionais da linguagem, aos professores e aos educadores. Que faz sensacionalismo com um massacre como foi o de Realengo, que acoberta um regime militar odioso, que tenta destruir o popular. Aposto que denunciar as reais mazelas da educação a velha mídia não consegue (aliás, ela só tem abafado e ocultado as greves de professores).
O que você faz com a sua língua? Chegou a hora de você pensar o que você faz com a sua língua! Você faz tudo o que gostaria? Ou faz aquilo que a mídia manda vocêfazer? Repete opressões? Repete o preconceito (linguístico)?
A lição, em tom de clichê, é antiga: não acredite em tudo o que você lê nos jornais. Nem acredite em tudo o que você vê na televisão. Nem acredite em tudo o que você ouve nos rádios. A opinião, o achismo dos jornalistas, no caso do livro didático do MEC, falou mais alto que o fato verdadeiro. E você o que fez? O que fez com sua língua?
Ao destruir os pressupostos de um argumento, destruímos o argumento. Se a Linguística diz que não há certo e errado, como pode ser verdadeira uma notícia assim, “Livro usado pelo MEC ensina aluno a falar errado”?
Quando todo mundo começar a entender que “escrever é diferente de falar”, e entender que a língua varia e se transforma, entenderemos porque a elite reclama que sua norma já não é a única prestigiada. Tampouco precisaremos mais escrever livros que já exprimem em seus títulos um desejo do povo, na variedade do povo, num engasgo próprio do povo, que é a de uma luta “Por uma vida melhor”.