sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O amor e a fadiga


Foi quando o mundo ficou nas trevas que ele evoluiu. Ele queria, mesmo, era estar em Sunset, pegando uma daquelas maravilhosas ondas que dropam na sua alma, mas ele estava longe de tudo e de North Shore. Estava dentro de outras águas, outros mares. Estava nas águas escuras de Maria que é Mar, emoção, volume de sentimentos, Pipeline bíblico. Foi quando o som parou que ele descobriu. Olhou ao seu redor, o vento batia sudoeste, a chuva chegaria numa questão de tempo, mas a verdade é que o som havia parado. Era como entrar num tubo e só sentir a pressão dos milhões de litros d’água, abraçando, sussurrando fantasmagórica, entorpecendo, como espumante em festa de ano novo. A evolução que acontece no silêncio tem as suas próprias características e trajetos. Ela vem aos poucos, galopando lentamente, certezas que não se encontram num instante, não têm zelo ou portam espadas; E o tempo, quando muito demorado, transforma-se em ar rarefeito, assim como a esperança, quando se demora demais, tende a virar mais veneno que bálsamo. A descoberta rápida é fruto da perspicácia. A descoberta demorada é corrupta e aniquiladora do espírito. O último a saber é sempre o babaca, nunca o herói. E foi nesta amálgama de fé e merda que ele evoluiu, como uma flor furando o tédio, o nojo e o ódio, rompendo o asfalto, os vasos emancipados de uma mulher querendo jorrar petróleo, como Drummond e Clarice, foi na dor irresistível e pulsante que ele evoluiu, compreendendo a mágica, o amor que vem com os nervos doloridos e cansados. Ele queria, mesmo, era estar com os pés na areia, o cheiro do mar entrando pelos poros, a bermuda emborrachada, a pele castigada pelo sol, os olhos centrados na imensidão do pêndulo de Foucault, a parafina dourando os cabelos. Contudo, às vezes, o amor brota do caos, da criação divina, vem na dor do espinho, na compreensão da fadiga. Foi quando o câncer venceu que ele percebeu estar vivo nos olhos da sua filha.