segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A verdade

Era a primeira vez que absorvia tudo. Por algum tempo achou que os desencontros eram acidentais, que as palavras ríspidas jogadas no ar eram momentos de pressão externa, algo de nuvem cinza que carbonizaria com a passagem da chuva; pensou em problemas com a família, na rede em que todos estamos inclusos, no impacto da vida na transposição entre a adolescência e a “adultice”. Lamentou algumas contas do destino, nas noites em claro de cigarros e amplos cinzeiros. Viajou por entre a vida, desbravou florestas densas, mergulhou no trânsito diário e no trabalho nosso de cada dia, nos ventos que sopram e nos levam para esquinas incertas, fez escola em alguns corações, reformou a casa e o suspiro de alguém, mas a resposta que queria não estava nos olhos das mulheres que, por vezes, marejou. O cigarro aceso, as horas que passam e levam um pouco de todos, inclusive a vida; ao longe uma estrela vermelha dava sinais de supernova, observou o nada e todos os seus preenchimentos essenciais, entrou no vácuo da verdade, na gravidade zero das emoções inesperadas. Sim, era a primeira vez que absorvia tudo, a primeira certeza é sempre infalível. A tristeza de dentro é sempre senhora de si. Uma parte dele se despedia com franqueza. As pausas em sua respiração vinham do doce sofrimento do “estar iludido”. Precisava compartilhar a verdade com alguém, sentia que sozinho não daria conta, sentia que a verdade era maior que ele, precisava de um ombro amigo, soltar o ar sufocante de seus pulmões e doar um pedaço, mínimo que fosse. A verdade era cabível no espaço-tempo da bomba atômica, a verdade era, agora, incontestável: ela não o amava.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Uma das coisas bonitas dessa vida é ler coisas como a história que reproduzo do Jens. Sou suspeito ao falar de muitos dos blogues que posto por aqui (freqüento diariamente e adoro muitos deles). Com a Toca do Jens não é diferente.
Vamos ao texto:
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MEU PRIMEIRO AMOR
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Adolescência é época de mudanças e descobertas. Os hormônios se assanham, produzindo alterações físicas; os neurônios encenam um bailado insano, nos relevando aspectos até então desconhecidos sobre nós mesmos e o mundo que nos rodeia.
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Foi nessa época que conheci a Naira, a filha do seu Antonio e da dona Leonor – vizinhos de frente da nossa nova casa (sempre em Ipanema). Eu tinha doze ou treze anos. A paixão foi à primeira vista. Fulminante. Ela tinha a minha idade. Era baixinha com cabelos pretos, crespos e abundantes, corpo sinuoso, coxas roliças, seios miúdos, bumbum saliente. O sorriso solar era um convite permanente às peraltices de menina. O olhar disparava faíscas de vida e alegria. A mulher mais bonita e gostosa do universo, na minha opinião juvenil. E era morena – branca, para os padrões nacionais. Na verdade, sua mãe era um pouco mais clara do que eu (portanto, de novo, branca).
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Como se diz hoje, rolou uma química entre nós. De maneira mais simples: gostei dela e ela de mim. Eu escrevia algumas bobagens que chamava de poemas e dava pra ela ler. Ela fazia o mesmo. Sentávamos lado a lado e conversávamos na área da frente da minha casa sobre as coisas do mundo (o nosso mundinho adolescente e o mundo grande e cruel). Nestas ocasiões eu ficava inquieto, espicaçado violentamente pelos sintomas do desejo. Disfarçadamente lançava olhares atormentados e gulosos para suas coxas, sempre à mostra em shorts justíssimos. Vez que outra ela tocava meu braço para enfatizar um comentário que julgava mais judicioso. Em outras, sua perna tocava a minha. Profundamente perturbado eu gaguejava, não conseguia pensar direito. Ela percebia e se divertia (as mulheres sempre dominam melhor estas situações). Mas a excitação também a dominava, era o que revelava o brilho dos seus olhos escuros.
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Namorava o Jorginho. Um mulato claro (branco, para os padrões de então). O pai dele era proprietário de uns dos poucos carros da vizinhança (uma caminhonete DKW), o que lhe clareava ainda mais a pele.
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Eu dançava (danço) muito mal. Eu disse muito. E pouco. Era o único negro de uma turma de mais de 10 guris e gurias. Nunca me discriminaram (com exceção do Jorginho. Certamente por ciúme e por ver em mim um igual). Mas havia os outros, os adultos. E, como disse Sartre, o inferno são os outros e, neste inferno, não eram bem vistas pessoas brancas que namoravam pessoas negras, ainda mais aquelas que, como eu, aderiram ao black power. Dona Leonor, especialmente, compartilhava desta visão. Não a culpo. Queria o melhor para a filha, economicamente falando, e, neste sentido, eu não era uma promessa alvissareira (além de negro, sonhador, “metido a poeta”, sem nenhum senso prático. Ela tinha razão).
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Eu e a Naira não dançamos juntos uma única vez nas inúmeras reuniões a que fomos com o resto do pessoal. Se isto tivesse acontecido, tenho certeza de que estaríamos juntos até hoje. Uma simples dança, um simples envolver-se em um abraço desencadearia uma revolução que nos faria ver a maravilha que seria viver juntos. Acho que não abriríamos mão dessa oferta. Mas faltou coragem. Faltou seguir o conselho do poeta “não dar bola pro perigo, deixar o barco correr”. Faltou viver a literatura. Mas éramos muitos jovens e os ventos rebeldes que açoitavam a juventude de outras plagas ainda sopravam timidamente nas ruas, esquinas e vielas de Ipanema.
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Como disse, não aconteceu. Quando ela fez 15 anos, participou do Baile de Debutantes do Grêmio Náutico Gaúcho. Um capricho da mãe, já que aquela não era a sua grei. A maioria da turma foi. Eu não. Na época, negros não podiam entrar no clube. E eu jamais faria como uma amiga da minha mana (que, sensatamente, era de outra turma composta por negros, na maioria, e brancos), que passou em todo o corpo um creme que as demais mulheres só usavam no rosto, a fim de embranquecer a pele e ir no famigerado clube. Não entrou. E, além do vexame, foi execrada por suas iguais.
Engraçado: nos últimos tempos tenho ido ao GNG com freqüência, por conta de eventos organizados ou com a presença do Chefe Simon. Alguma coisa mudou para melhor.
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Quando comecei a trabalhar num escritório de representação comercial, onde ficava longos períodos como o único responsável (seu Domingos, o português que era o dono do negócio, fazia longas viagens pelo interior do estado no meio e no final do ano) ela me visitava freqüentemente. Eram adoráveis aquelas conversas vespertinas.
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Concluindo: eu e a Naira nunca dançamos, nunca namoramos, nunca nos abraçamos, nunca nos beijamos e nunca deixamos de nos gostar. Soube depois, por uma amiga comum, que, estando eu casado e ela também, ambos com filhos, ao responder à indagação se era feliz, disse que não. Que a sua chance de felicidade era ter ficado comigo, como obviamente todos sabiam.
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Esta foi a primeira vez que fui assassinado. Como o poeta, então perdi um certo jeito de sorrir que eu tinha e passei a andar assim meio de banda.
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Apesar disso, na minha lembrança estes dias eram sempre ensolarados.
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Naira is dead.
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quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Um relato de horror


Um relato de horror
*Publicado em O Globo - 08/12/2007 - Opinião
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Em 1729, o escritor Jonathan Swift apresentou o que chamou de “modesta proposta” para resolver o problema da infância abandonada no seu país. Na abertura, ele diz que sua “ ‘modesta proposta’ é para evitar que as crianças dos pobres da Irlanda se tornem um fardo para seus pais ou para seu país, e para torná-las benéficas ao público”. O livro com a proposta foi recentemente publicado no Brasil pela prestigiosa Editora UNESP, com ótimo prefácio de R. Morais.
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A proposta é um relato de terror: o famoso satírico recomenda que as famílias pobres vendam seus filhos para serem degustados como refinada iguaria pelas famílias ricas. Segundo ele, na sua sátira-terror, sua “modesta proposta” daria renda aos pobres e uma nova delícia gastronômica à nobreza, criaria empregos na rede hoteleira e tiraria da rua a infância abandonada. Além disso, segundo o Dr. Swift, reduziria o roubo, a mendicância, o complexo de culpa dos ricos e, sobretudo, o sofrimento das crianças e de suas famílias. Eliminaria a angústia das mães que não sabem onde os filhos estão ou que riscos eles correm perambulando pelas ruas. Pela “modesta proposta” de horror, as mães saberiam do destino do filho. E dormiriam tristes, mas tranqüilas. Além disso, obteriam uma renda, ao vender seus filhos.
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Felizmente, a proposta não foi aceita, por causa do tabu contra o canibalismo. A sociedade que abandona suas crianças defende a vida delas, por maior que seja seu sofrimento.
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Swift morreu em 1745. Tivesse vivido até o século XX, veria sua idéia adaptada e adotada em diversos países, sob formas diferentes, disfarçadas para serem aceitas, driblando os tabus religiosos contra o canibalismo.
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Em alguns países, a “modesta proposta” de Swift condena as crianças pobres ao trabalho infantil, fabricando sapatos que serão usados pelas crianças ricas de outros países. O tempo roubado de suas vidas infantis é transformado em sapatos. Em vez de servi-las à mesa, pisa-se nas suas infâncias.
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No Brasil, a idéia de Swift também foi adaptada e adotada. O tabu da antropofagia, trazido pelos portugueses, criou uma solução ainda mais sofisticada. Em vez de comer as crianças, como sugeria a “modesta proposta” de Swift, adotamos a opção de bebê-las na forma do suco das laranjas que elas colhem, com as mãos que deveriam usar lápis quando deviam estar na escola. Transforma-se em suco e toma-se a infância.
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Aqui também preferimos outra vertente da “modesta proposta” de Swift: a prostituição infantil. Os banquetes nas mesas dos castelos são substituídos pelas camas dos motéis. As crianças não são assassinadas para servirem ao paladar, mas seus corpos são usados em vida para servirem à luxúria.
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Swift ficaria impressionado com outra solução brasileira: a de comprar as crianças dos pobres pagando um valor mensal às suas mães para que as crianças continuem vivas. Sem escola, sem futuro, crescendo para ter filhos que viverão como elas vivem hoje, às custas de uma bolsa mensal para cada família.
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A “modesta proposta” foi adaptada para evitar o horror ao canibalismo explícito proibido pelo cristianismo, mas adotada com requintes às vezes mais cruéis, embora menos horrorosos. Porque, na sátira horripilante de Swift, a morte de criança seria um gesto simples, instantâneo e quase indolor, tal qual fazemos com bois, frangos, porcos. Na forma adaptada e adotada no Brasil, a criança é submetida a uma morte lenta, que dura toda sua infância - corpos vivos, cérebros abortados, vidas tristes.
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Há algo de errado na lógica da civilização adotada pelos seres humanos. Enquanto as sociedades antropofágicas cuidavam bem de suas crianças, nas sociedades que abandonam e exploram suas crianças, o canibalismo é tabu, é um ato abominável. Para respeitarem o horror à antropofagia, as perversas sociedades modernas abandonam suas crianças ao horror de um neocanibalismo. Muitas vezes, sem nem sequer perceberem.
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Tudo isto por falta de outra “modesta proposta”: em vez do neocanibalismo atual, escola igual para todos.
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Escrito por: Cristovam Buarque - cristovam@senador.gov.br

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

O que ele queria dizer


O que ele queria dizer era simples, contudo, fatos externos complexavam e dinamitavam a vontade, calavam a boca entreaberta e o suspiro da frustração era a única coisa realmente concreta que emitia. Era sempre assim: na hora “h”, alguma coisa antiga retornava à lembrança como um sopro já muito deixado, mas que ganhava força, impacto ao chegar à margem; uma onda de pensamentos que simplesmente entorpeciam a subjetividade e priorizavam a lógica sem graça e sem vida que era o seu cotidiano. A receita, todos tinham, como não poderia deixar de ser. Todos sempre têm a receita infalível para a resolução dos problemas do mundo, menos os de si próprios (é clichê, sabe-se, mas não é verdade?). O que ele queria dizer ficou boiando em algum mar distante, rumo a lugar nenhum; uma garrafa atirada sem certeza de um leitor, um e-mail que nunca sai do rascunho. Os olhos d’água que possuía nada revelavam, não amanheciam, não significavam; vez em quando adquiriam o hábito de ofuscar, viajar por climas áridos, inundando a alma invernal de areia e vento. O invólucro que carregava adquiria constantes paradoxos, resquícios de samba e quarta-feira de cinzas. Um dia ele tomou coragem, caminhou pela floresta incendiada que era o seu coração. Palpitando, transbordando em sentimentos confusos, desnorteados, respirou o ar mais poluído da grande metrópole, absorveu a expiração das pessoas que o cercavam e encheu-se de azedume, uma murrinha saliente quase escapou pelos cantos da boca, mas ele conteve, como se aquilo fosse um gás milagroso que pressionaria as cordas vocais. Não podia perder a oportunidade. Abriu a boca! Foi quando pensou em Drummond, em Clarice, nele mesmo. Não quis lutar com as palavras e nem com a força que doía em seu estômago. O que ele queria dizer era simples, mas nunca disse.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Balaio Vermelho

"Barragem" (Perto de Itapororoca) - João Pessoa
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Preciso comentar algo sobre Moacy Cirne? Acho que não. Quem gosta de Literatura e conhece poema/processo sabe quem é o moço. Não sei fazer textos para ele, contento-me, apenas, em tirar o chapéu.




n° 2208Rio, 18 de janeiro de 2008
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POEMA
de Ronaldo Santos[ in 14 Bis. Rio, 1979 ]
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um lance de dados jamais abolirá os doidos
um lance de doidos jamais abolirá os dados
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AOS IMIGRANDES
de Lara de Lemos[ in Dividendos do tempo. Porto Alegre, 1995 ]
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Meus mortos estão guardadosem mim mesma.
Por isso não os procuroem sepulturas.
Encontro-osno labirinto dos sonho
sem longas noitesescuras.
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POÉTICA
de Cassiano Ricardo[ in Jeremias Sem-Chorar. Rio, 1964 ]
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1
Que é a Poesia?
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uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados
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2
Que é o Poeta?
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um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
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A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS




Jeremias Sem-Chorar, de Cassiano Ricardo. Rio de Janeiro : José Olympio, 1964, 160p. [Adquirido em Natal, na Universitária, em agosto de 1964] Quem ainda lê o paulista Cassiano Ricardo nos dias atuais? Talvez seja a hora de se voltar para os seus inspirados versos; aqui, em alguns textos, francamente marcados pela influência da poesia concreta, em poemas como 'Translação', 'Gagarin' e 'A máquina e seus prefixos', quando o próprio verso é abolido. Na última página, algo me chama a atenção - algum amigo natalense escreveu em letras bem acabadas, sem especificação de data: "O melhor livro da poesia moderna do Brasil!" Parece ser a letra de Nei Leandro de Castro; preciso confirmar com ele. (Mas talvez seja a letra de Luís Carlos Guimarães, não sei.) E a opinião dada, pensando na produção poética brasileira até 1964, permanece inalterada? Talvez sim, talvez não. De qualquer maneira, trata-se de um belo livro, cujo autor se revela em versos como "Manhã fêmea, manhã gêmea./ Fruto para a minha fome/ que está na tua boca; pois/ na tua é que a minha come" ('Vidro duplo', p.70).



Moacy Cirne

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A sensação

...às vezes é na rua mesmo, dentro de um ônibus, passeando pelo calçadão, assobiando – mãos nos bolsos – ou olhando o nada; uma coisa estranha começa a apertar o estômago, parece que vou enjoar, mas nada vem à boca, nem o molhado extremo e salgado, nem a sensação de vazio; do estômago vai para o peito e beira à agonia fina e descomprometida, uma vontade de abandonar o barco, descer do ônibus e pegar um avião, sem rumo, sem lenço, sem nada; de repente é tudo ao mesmo tempo, as sensações beiram aos sentidos ativados. É quando sei que não adianta muita coisa, olhar para os lados, para o céu ou teto, contar postes, controlar o pensamento: você vai surgir de algum lugar e eu vou ficar quase paralisado, embriagado com a sua forte presença, seu sorriso suave, quase em câmera lenta, seu dentes alvos que não fumam (ao contrário dos meus), seus olhos que, por vezes, ficam esverdeados ao sol, revelam um castanho misterioso e macio. Faço sinal no próximo ponto e não consigo descer, um sujeito que não entende nada de amor pigarreia nas minhas costas para que eu desça ou dê passagem. Desço. Ouço Chopin em algum lugar, preciso de um café, engolir o cigarro, preciso sumir. A sensação diminui aos poucos e percebo que você se distancia e isso é bom porque poderei andar outra vez, poderei procurar você, poderei ir à sua casa e não tocar a campainha, sentir um vento distante e triste, mas assumir o controle, imaginar o que poderia ter dito, feito, tudo dentro da insanidade sã dos “subterfúgios” pensamentos. Não lhe encontrar é a minha forma de continuar amando e no controle.

domingo, 13 de janeiro de 2008

APAGÃO DE MÃO-DE-OBRA

Posto essa belíssima entrevista publicada em novembro por O Globo. Tal opinião faz pensar em como será impossível uma educação de qualidade no país enquanto não mudarmos os valores políticos que rompem por aqui.
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O GLOBO – Economia (pág.: 36), 4/11/2007
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APAGÃO DE MÃO-DE-OBRA
‘As escolas hoje são um cemitério de idéias’

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Para futurólogo americano, atraso do Brasil em educação pode ser vantagem se país pular etapas rumo a novo modelo.
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Há 30 anos, o escritor Alvin Toffler previu no seu clássico “O Choque do Futuro” que o século XXI seria sacudido por um novo modelo produtivo, a sociedade “pós-industrial”, em que a tecnologia e a sobrecarga de informações ditariam as regras. No seu mais recente livro, “Riqueza Revolucionária”, escrito em dupla com sua mulher Heidi Toffler, o ensaísta assegura que o mundo já saiu do antigo modo de produção fabril para uma nova economia, baseada em conhecimento. Em entrevista ao GLOBO, Toffler diz que, agora, resta qualificar adequadamente as profissionais do futuro.

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Luciana Rodrigues
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O GLOBO: O senhor afirma que o conhecimento será o mais importante recurso econômico do futuro. A educação seria, então, o investimento mais importante a ser feito?

ALVIN TOFFLER: Sim. Mas a questão não é investimento, é diversiment (um trocadilho com as palavras em inglês investiment e diversity, ou diversidade). É preciso se livrar da educação em estilo industrial. As crianças hoje são treinadas num tipo de disciplina exigido nas indústrias. As escolas hoje seguem um modelo fabril, pré-moldado. Um exemplo é pontualidade. Numa economia agrícola, se uma criança se atrasa para trabalhar na lavoura, não há grandes problemas, seu pai ou seu tio começam o serviço antes. Mas, numa fábrica, o atraso de um funcionário compromete toda a linha de montagem. Então, nas escolas, as crianças aprendem desde os 5 ou 6 anos de idade que a pontualidade é muito importante. E, como numa linha de montagem, as mesmas tarefas são repetidas, dia após dia.

O GLOBO: A escola não atende, então, as necessidades da economia moderna?

TOFFLER: As escolas atendem as necessidades de uma economia industrial, e essa não é mais a realidade de hoje. Quando terminam os estudos, os jovens estão disciplinados para o trabalho em fábrica. E esse não é o tipo de emprego que necessariamente vai estar disponível. Precisamos de uma grande dose de inovação e criatividade. Numa economia pós-fabril, do conhecimento, será preciso mais variedade. E não todo mundo pensando do mesmo modo, agindo da mesma forma.

O GLOBO: No Brasil, grande parte dos jovens sequer estão nas escolas tradicionais. Na faixa etária entre 15 e 17 anos, 17,5% não estudam. A evasão escolar é grande nessa idade. O desafio do Brasil é maior?

TOFFLER: A evasão ocorre, em parte, porque a escola é como uma fábrica. Ninguém gosta de ir ao trabalho e repetir as mesmas tarefas todos os dias, de ter essa disciplina rígida. As crianças também não gostam de escolas desse tipo. Porém, eu até hesito um pouco em dizer isso, mas esses indicadores ruins podem ser uma vantagem para o Brasil. Vocês podem começar agora a criar um sistema educacional avançado e não precisarão retreinar milhares de professores, fazer grandes mudanças. É algo terrível de se dizer, porque, enquanto isso, há as crianças que ficarão no meio do caminho. Mas, do ponto de vista econômico, faz sentido pegar o dinheiro e construir um sistema absolutamente novo de educação. E o Brasil tem experiência em inovação nessa área. Paulo Freire (o educador brasileiro que morreu em 1997) é conhecido por suas inovações. Se o Brasil for investir mais em educação e optar por escolas do modelo fabril, vai desperdiçar dinheiro.

O GLOBO: Então, o Brasil poderia pular etapas? Ir direto para um novo modelo educacional?

TOFFLER: Sim. Porém, a questão é saber qual deve ser esse novo tipo de modelo educacional. Ninguém sabe a resposta, nem eu. É um novo território a explorar. Acredito que veremos experimentos surgindo em todas as partes do mundo, com diferentes abordagens. E depois de um certo tempo, descobriremos quais tentativas funcionaram bem e quais deram errado. Não há mágica, nem uma cura universal para esse problema.

O GLOBO: O Brasil tem uma população muito jovem. Isso tornaria mais fácil a transição para a economia do conhecimento?

TOFFLER: As economias emergentes poderão ser cada vez mais baseadas em conhecimento, mas há certas pré-condições. As populações têm que ser instruídas. Têm que saber ler, interpretar textos, pensar. E também têm que ser encorajadas a usarem a criatividade. As escolas de hoje – e eu imagino que a educação no Brasil siga um modelo semelhante ao americano e europeu – são um cemitério de idéias. A grande questão é como estimular a criatividade na população em geral. Eu acredito que os jovens, talvez por ainda não terem sido espremidos como os adultos, por não terem tido conceitos pré-definidos martelados em seus cérebros, talvez seja mais fácil formar uma força de trabalho criativa entre eles. Os jovens ainda não mergulharam tão fundo no pensamento fabril como os adultos.

O GLOBO: No Brasil, muitos economistas citam os países do Sudeste da Ásia como exemplo de investimentos bem-sucedidos em educação. O Brasil e a América Latina podem perder essa corrida?

TOFFLER: Eu conheço bom o sistema asiático, minha mulher e eu tivemos alguma experiência no Japão e na Coréia do Sul. Temos um grande amigo coreano, e a sua filha, que hoje está no Ensino Médio, passa 11 horas por dia na escola. Isso não é criatividade. O ensino lá é repetitivo. Assim como eles foram excelentes em adaptar sistemas industriais e produzir com mão-de-obra barata de forma muito eficiente, as escolas seguem esse padrão. E isso não é a maneira de gerar a imaginação que será necessária na economia do amanhã. No Japão, as crianças vão à escola pública pela manhã e, depois, seguem para cursos em escolas privadas. Vimos crianças estudando cálculo às 10h da noite. Isso não é uma solução criativa! É claro que Japão, Coréia do Sul e China tiveram até hoje resultados incríveis. Mas, por enquanto, só alcançaram os requisitos da economia industrial do passado. E não da economia criativa do amanhã.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Que venha 2008 !


Não é tão simples assim começar um ano. Não é tão simples começar. As notícias de ontem basicamente não deixam a roupa secar com rapidez, o branco nunca fica alvo, os sonhos acumulam-se de forma atabalhoada, viram pesadelos noturnos com imensa capacidade de absorção.
Portanto, saber que 2008 começa com a equipe do mensalão rindo as gargalhas sobre nossas cabeças, comemorando a falta de punição e vergonha na cara é, antes de tudo, uma afronta à honestidade e aos cidadãos que de fato trabalham neste país. A CPMF extinta, os impostos nem tanto. Sabe-se que o Governo planeja aumentar a taxa de qualquer sigla para reverter o torpor causado pela “oposição em oposição” à CPMF. A tal da oposição diz que rompe com o Governo porque o rosto do diabo não foi o mesmo que combinaram. O povo deveria pagar o pão do diabo, mas também precisava comê-lo, essa coisa de aumento nos impostos de quem ganha bem sempre cai mal. PSDB diz que rompe, o Governo finge que fica magoado e a única corda que arrebenta desaparece nos sertões dos que estão abaixo da linha de pobreza e do Equador. A saúde continua muito ruim só para quem depende do SUS ou possui plano de saúde, mas não tem o cartão top-top, com helicóptero 24 horas, dente de ouro ou código alfa.
No resto, tudo vai bem. O Brasil continua maravilhoso, tirando, obviamente, as balas perdidas que sempre acham inocentes, as estradas esburacadas e sem iluminação, a evasão escolar e o plano perfeito de certos administradores que, por terem filhos em colégios particulares caríssimos, acham certo a aprovação automática em todo o Ensino Fundamental público.
Enfim, continuamos aí, sobrevivendo, celebrando o que for possível, buscando o pão com o suor do nosso rosto. E indo à luta. Que venha 2008! A gente precisa continuar!