sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Shosholoza

Por Arthur Dapieve
Jornal O Globo, 13 de dezembro

Miriam Makeba

Miriam Makeba não conseguira passar o som e hesitava antes de subir ao palco no Centro Internacional de Convenções da Cidade do Cabo. A produção até tentara esvaziar a sala, mas parte do público do show anterior não arredara a bunda dali com medo de não conseguir recuperar um dos 1.500 assentos. Era o meu caso.

Miriam Makeba não era apenas uma das maiores — talvez a maior — cantoras da África do Sul. Era também um símbolo da luta contra o racismo. Em 1960, o regime branco cancelara seu passaporte, impedindo-a de voltar de uma longa excursão para assistir ao funeral da mãe. Crime? Ter aparecido num documentário anti-apartheid.

Miriam Makeba não voltara a residir no país nem quando seu banimento fora suspenso, em 1990, e nem mesmo quando outro perseguido político, Nelson Mandela, havia sido eleito presidente, em 1994. Cada vez que ela retornava à África do Sul, portanto, havia uma comoção elétrica. Esta era uma dessas ocasiões, em abril de 2004.

Miriam Makeba demorava para aparecer, o que só multiplicava a ansiedade. Então, do fundo do auditório, uma voz masculina começou a entoar uma canção. Logo, todos os negros presentes — aproximadamente 75% da plateia, como na população — se juntaram num coro de pergunta e resposta. Eu estava sendo apresentado a “Shosholoza”.


Perguntei que música era aquela. Uma mulher branca explicou que a canção era um hino não oficial da África do Sul negra. Depois apurei que se tratava originalmente de um canto de trabalho dos mineiros da etnia Ndebele, do Zimbábue, submetidos a terríveis condições no país vizinho. “Shosholoza” quer dizer algo como “vá em frente”.

Escutar o auditório cantando à capela, espontaneamente, aquele brado de solidariedade, como se a sua voz coletiva se erguesse da própria terra, foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Diante daquilo, o show de Miriam Makeba foi quase anticlimático. A apresentação era parte do North Sea Jazz Festival, sediado na Holanda, mas que mantém filial na África do Sul. Se apresentavam naquela edição, entre outros, Cassandra Wilson, Al di Meola, Femi Kuti, Lou Donaldson e o nosso Azymuth, além de outra lenda sul-africana, o pianista Abdullah Ibrahim.

No “maior encontro da África”, comemoravam-se dez anos da eleição de Mandela à presidência e antecipava-se a iminente reeleição de seu sucessor, Thabo Mbeki, dali a dias. Mbeki renunciaria nove meses antes do final do mandato, em 2008, depois que seu próprio partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), retirou-lhe o apoio por abuso de poder. Makeba morreria também em 2008, aos 76 anos, do coração, na Itália, após um concerto em benefício do jornalista Roberto Saviano, autor de “Gomorra”.

Naquele momento, porém, tudo era festa na Cidade do Cabo. Eu viajara a convite do escritório de turismo sul-africano e da South African Airways, para cobrir o festival para o GLOBO e para o finado site NoMínimo (versão modesta e autoirônica do ainda mais finado NoPonto). Fazia parte do pacote um guia turístico à minha disposição nos três dias e meio de Cidade do Cabo. Para minha surpresa, era um argentino.

Depois de concluir o doutorado em Micropaleontologia em Londres, em 1976, Hugo Valicenti optara por um emprego no setor petrolífero da África do Sul. As opções eram ou retornar à Argentina dos militares ou vir trabalhar na Petrobras, de onde, temia, a Operação Condor poderia arrancá-lo. Instalado na Cidade do Cabo, jurara combater o apartheid. Adotara um garoto negro com problemas mentais. Servira como motorista ao CNA, que já criticava pesadamente, pelo hoje notório festim de corrupção. Ele me sacaneava, perguntando aos garçons se eu não era um negativo de Jacob Zuma.

Certa manhã chuvosa, impedidos de subir pelo teleférico até a Table Mountain, Hugo começou a inventar programas. Perguntou-me se eu topava ir a uma favela, Langa, conhecer um amigo músico dele. Calhou de eu conhecê-lo de nome: Dizu Plaatjies, fundador do grupo Amampondo, então em carreira solo. Ele estava na lista de CDs a comprar que eu levara. Conversamos sobre música sul-africana e brasileira na construção de alvenaria que Hugo chamava de “Casa Rosada”. Em Langa, cruzamos com meia-dúzia de procissões fúnebres. “Aids”, garantiu-me o guia, tristemente.

Algumas experiências são decisivas na vida. A viagem à África do Sul foi uma delas. Tudo me era estranho, mas ao mesmo tempo tudo me era familiar. Como escrevi na época, lá do outro lado do oceano eu enxerguei melhor o Brasil. Diante de um país que, com toda a simpatia do mundo, pelejava para esquecer e para fazer os visitantes esquecerem o apartheid, afinal entendi o quão nós somos racistas, de maneira diversa, “cordial”, mas ainda assim racistas — e entendi que é preciso lutar contra isso. Esta é minha dívida pessoal com a África do Sul de Nelson Mandela. “Shosholoza” veio-me imediatamente ao peito quando soube que ele não estava mais entre nós.



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sobrevida ao absurdo

Por Rafael Gregório
Revista Carta Capital, 11 de dezembro

Está nos jornais: o suposto intérprete que, na terça-feira 10, passou quatro horas traduzindo para a linguagem dos sinais dos surdos a cerimônia do funeral de Nelson Mandela, morto no último dia 5 aos 95 anos, era um “fake”.

O governo da África do Sul ainda não explicou se o incidente se deve a uma escolha errada, a uma elaborada e fraudulenta trama ou a um mero trote, prosaico como a piada do carro de gelo. Ainda assim, o assunto teve fôlego para abastecer a máquina da zombaria virtual.

Bem-humorados louvaram o aventuroso e ainda não identificado intérprete, cujos sinais pareciam infantis e bizarramente improvisados. Naturalistas de plantão não hesitaram em associar a gafe ao subdesenvolvimento e à “africanidade”. Austeros, por sua vez, foram rápidos em condenar o ocorrido.

Não sem legitimidade, diga-se. Surdos sul-africanos ficaram indignados por terem sido tolhidos do direito à compreensão dos discursos e ritos da cerimônia de despedida de seu ídolo. Durante o evento, Wilma Newhoudt-Druchen, a primeira mulher surda eleita para o Parlamento Sul-Africano, publicou em sua conta no Twitter que “O intérprete do CNA (Congresso Nacional Africano, partido da situação) no palco está gesticulando lixo. Ele não pode interpretar. Por favor, o tirem”.

Também escapou da compreensão dessa parcela da população a sonora vaia do público presente no estádio ao presidente Jacob Zuma, que em poucos meses enfrentará delicada campanha pela reeleição.

David Buxton, CEO da Associação dos Surdos Britânicos, afirmou que o homem, que deveria sinalizar a linguagem de sinais sul africana (fixada para abarcar todas as 11 línguas oficiais do país e mais uma miríade de dialetos), estava “balançando as mãos, mas sem nenhum sentido”. Segundo ele, eram meros “sinais de mão infantis e de bater palmas, como se ele nunca tivesse aprendido uma palavra sequer na linguagem de sinais”.

A despeito das críticas, porém, e seguros de que o fato será devidamente escrutinado pelas vias oficiais e pela sempre vigilante e vociferante “opinião pública”, muitos viram no ocorrido motivos para celebrar. Entre eles, este humilde escriba.

Afinal, são tempos difíceis para a espontaneidade. Além de marombados e plurais seguranças para garantir privacidade e integridade física, artistas, políticos e celebridades em geral há tempos desfilam cercados por um séquito de “guarda-costas morais”.

Salvo exceções cada vez mais raras, não se obtém uma palavra – quanto mais um amontoado conjugado delas em frases e declarações – de uma pessoa pública, ou nem tanto, sem que cada vogal seja antes dissecada por um exército de patrulheiros do politicamente correto.

Esse condicionamento da verdade às conveniências afeta de maneira peculiar o campo da educação. Encontrar um parlamentar ou administrador público que não vomite frases feitas como “é preciso valorizar o professor”, “devemos aumentar os investimentos no ensino” ou a corrente e odiosa “por que não nos espelhamos na jornada integral e rigorosa da Coreia do Sul?” é tão fácil quanto presenciar um enterro de anão (sarcasmo espontâneo e alheio à correição detectado).

Quando troquei o Direito pelo Jornalismo, o fiz (também) sob a influência de certos textos magistrais. Um deles, uma entrevista da cantora Maysa a Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral, do lendário semanário Pasquim. Em três perguntas e respostas que abrem a conversa, um retrato de um tempo bom que se foi:

Jaguar – Você acha que valeria a pena vender o Piauí para trazer o Frank Sinatra ao Brasil?

MAYSA – Para falar a verdade, nem que vendesse o Piauí haveria dinheiro pra pagar o que ele pede. Acho que teria que vender Brasília com o lago e tudo dentro. E não compensaria.

Sérgio – Você concorda com a afirmação de que Frank Sinatra é o maior cantor de todos os tempos?

MAYSA – Eu acho que sim. Além de ser um mau-caráter genial.

Tarso – O que você achou da música Sabiá, vencedora do Festival da Canção do ano passado?

MAYSA – A melodia é daquele gênero que só poderia ser do Antônio Carlos Jobim que costuma plagiar a si mesmo. A letra não tem nada. Acho que o Chico poderia fazer coisa melhor.

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Isso, hoje, é impensável. Assessores de imprensa, relações públicas, secretários e aspones em geral trabalham 24 horas por dia para evitar vacilos de espontaneidade. Fixam, desta forma, relações limpas e frias, sempre filtradas de quaisquer das manifestações de amor e ódio a que se sujeitam, por definição psíquica e biológica, a alma e a mente humanas. Opiniões do calor do momento são reduzidas a manobras e apostas calculadas. Afinal, há muito em jogo: os contratos de publicidade, as relações com poderosos, os patrocínios públicos de cidades, estados, País.

Ao leitor, o pão velho da comunicação: discursos assépticos, frios e estéreis, migalhas simpáticas que nada dizem e a ninguém afetam.

Pelo respeito que nutro pela comunidade que depende da tradução para os sinais, lamento celebrar. Lamento o prejuízo a esse público, lamento o atentado à igualdade de condições e à democracia.

Não posso, contudo, deixar de celebrar o valor de uma imagem: Barack Obama, homem mais poderoso do mundo, capaz de ceifar ou salvar milhões de vidas com um “sim” ou um “não”, a proferir louros a Nelson Mandela – e, durante longos minutos, ladeado por uma farsa improvisada.

Algo saiu do roteiro.


*Rafael Gregorio é editor-assistente de Carta na Escola e Carta Fundamental


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Um colosso de caráter moral inatacável

Jornal O Globo, 09 de dezembro de 2013

Vocês poderiam imaginar o que teria acontecido a nós se Mandela tivesse saído da prisão em 1990 eriçado de ressentimento contra a grande injustiça que ocorreu no Julgamento de Rivonia? Vocês poderiam imaginar o que a África do Sul seria hoje, se ele tivesse sido consumido por um desejo de vingança, de querer ressarcimento por todas as humilhações e toda a agonia que ele e seu povo haviam sofrido nas mãos de seus opressores brancos?



Nunca antes na História um ser humano foi tão universalmente reconhecido em vida como a personificação da magnanimidade e da reconciliação como Nelson Mandela foi.
Ele colocou de lado a amargura de suportar 27 anos em prisões do apartheid — e o peso de séculos de divisão colonial, subjugação e repressão — para personificar o espírito e a prática de ubuntu, ou bondade humana. Ele compreendeu perfeitamente que as pessoas dependem das outras para que os indivíduos e a sociedade prosperem.
Esse era o seu sonho para a África do Sul e a esperança que ele representava em todo o mundo. Se fosse possível na África do Sul, seria possível na Irlanda, seria possível na Bósnia e em Ruanda, seria possível na Colômbia, seria possível em Israel e na Palestina.
Claro que, no espírito de ubuntu, Madiba foi rápido em apontar que não poderia levar sozinho o crédito dos muitos elogios que surgiram em seu caminho e que estava cercado por pessoas íntegras que eram mais brilhantes e mais jovens do que ele.
Isso é apenas parcialmente verdadeiro.
A verdade é que os 27 anos em que Madiba, como era conhecido, passou no ventre da besta do apartheid aprofundaram sua compaixão e capacidade de empatia em relação aos outros. No topo das lições sobre liderança e cultura a que ele foi exposto, e de seu desenvolvimento de uma voz para os jovens na política anti-apartheid, a prisão parece acrescentar uma compreensão da condição humana.
Como o diamante mais precioso formado nas profundezas da Terra, o Madiba que emergiu da prisão em janeiro de 1990 era praticamente perfeito.
Em vez de querer o que lhe era devido, ele proclamou a mensagem de perdão e reconciliação, inspirando outros pelo seu exemplo de atos extraordinários de nobreza de espírito.
Ele personificou o que proclamou, colocou em prática o que disse. Ele convidou seu antigo carcereiro para participar de sua posse presidencial como convidado VIP, e chamou o homem que conduziu o caso do Estado contra ele no Julgamento de Rivonia, pedindo a pena de morte, para almoçar em seu escritório presidencial.
Ele visitou a viúva do sumo sacerdote do apartheid, Betsy Verwoerd, no enclave branco exclusivamente africâner de Orania. Ele tinha um talento único para atos espetaculares e simbólicos de grandeza humana que seriam acanhados se fossem realizados pela maioria dos outros. Quem vai esquecer o momento eletrizante da final da Copa do Mundo de rúgbi em 1995, quando ele entrou em campo no Ellis Park com o número 6 do capitão Francois Pienaar na camisa do Springbok que estava vestindo? Foi um gesto que fez mais pela construção e pela reconciliação da nação do que qualquer número de sermões de pregadores ou discursos de políticos.
Apesar de sempre um homem da equipe, Madiba também sempre esteve suficientemente confortável em sua própria pele, seguro em sua capacidade de discernir o certo do errado, que evidenciou algumas das inseguranças associadas a muitos políticos. Ele era capaz de aceitar críticas — e apto a pedir desculpas, quando sentia que um pedido de desculpas era devido.
Ele teve a coragem moral e ética, durante e depois de seu período na Presidência, para fazer e dizer coisas que nem sempre estavam de acordo com a política oficial de seu amado Congresso Nacional Africano (CNA).
Quando a Comissão da Verdade e da Reconciliação publicou seus resultados, contra alguns dos quais o CNA se opôs fortemente, Madiba teve o dom de aceitar publicamente o relatório.
Outro exemplo foi a criação do primeiro local rural de tratamento da Aids da África do Sul, por sua fundação, num momento em que o governo sul-africano foi hesitante e confuso em sua resposta à pandemia.
Quando um dos integrantes da Comissão da Verdade e da Reconciliação foi acusado numa audiência de anistia de estar envolvido no caso, Mandela nomeou uma comissão judicial para investigar. Mais tarde, recebi uma chamada da secretaria do presidente para obter os detalhes de contato do comissário. Eu percebi que o presidente queria colocá-lo à vontade, mas disse que, como presidente da comissão, eu deveria conhecer as conclusões da comissão judicial primeiro. Em poucos minutos, o próprio presidente estava na linha , dizendo: “Sim, Mpilo, você está totalmente certo. Sinto muito.”Os políticos acham quase impossível se desculpar. Somente pessoas verdadeiramente grandes pedem desculpas facilmente, elas não são inseguras.
Vocês poderiam imaginar o que teria acontecido a nós se Mandela tivesse saído da prisão em 1990 eriçado de ressentimento contra a grande injustiça que ocorreu no Julgamento de Rivonia? Vocês poderiam imaginar o que a África do Sul seria hoje, se ele tivesse sido consumido por um desejo de vingança, de querer ressarcimento por todas as humilhações e toda a agonia que ele e seu povo haviam sofrido nas mãos de seus opressores brancos?
Em vez disso, o mundo foi surpreendido, na verdade ficou admirado, pela inesperada transição pacífica em 1994, seguida não de uma orgia de vingança e retaliação, mas pela maravilha do perdão e da reconciliação sintetizados nos processos da Comissão da Verdade e da Reconciliação.
Foi sem surpresa que seu nome se ergueu acima de qualquer outro quando a BBC realizou uma pesquisa para determinar quem deveria dirigir um governo mundial para guiar os assuntos da nossa aldeia global conflituosa. Um colosso de integridade e caráter moral inatacáveis, ele era a figura pública mais admirada e mais venerada do mundo.
As pessoas sabiam, sentiam que ele se importava genuinamente. Ele se consumia por essa paixão em servir, porque acreditava que um líder existe para o benefício dos que são guiados, não para auto-engrandecimento ou autopromoção.
As pessoas sentem isso, você não pode enganá-las. Foi por isso que os trabalhadores da fábrica da Mercedes-Benz na Cidade do Cabo lhe presentearam com um carro especial que tinham feito com apreço. Foi por isso que, quando ele foi para a Grã-Bretanha em sua visita de Estado de despedida, a polícia teve de protegê-lo das multidões que poderiam esmagá-lo por amor. Normalmente, os chefes de Estado são protegidos em visitas do tipo para garantir a sua segurança contra quem pode ser hostil.
Sua paixão em servir o levou a continuar sua longa caminhada prodigamente, mesmo depois da aposentadoria. Assim, ele fez campanha vigorosa para os infectados pelo HIV e continuou a angariar fundos para crianças e outros projetos — tudo para os outros, não para si mesmo.
Ele tinha pontos fracos? Claro que sim. Sua principal fraqueza era a lealdade à sua organização e aos colegas. Ele manteve em seu gabinete ministros de baixo desempenho e incompetentes que deveriam ter sido demitidos. Esta tolerância com a mediocridade, sem dúvida, lançou as sementes para maiores níveis de mediocridade e corruptibilidade que estavam por vir.
Ele era um santo? Não se um santo é totalmente impecável. Creio que ele era santo porque ele inspirou outros poderosamente e revelou em seu caráter, de forma transparente, muitos dos atributos da bondade de Deus: a compaixão, a preocupação com os outros, o desejo de paz, perdão e reconciliação.
Dou graças a Deus por essa dádiva extraordinária para a África do Sul e o mundo.
Que ele descanse em paz e se eleve em glória.

*Desmond Tutu é arcebispo emérito da Cidade do Cabo, África do Sul, e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1984

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Obrigado!

O Dia, 06 de dezembro
A democracia sempre foi e será um conceito caro a todos, pois coloca, dentro do mesmo saco, você, o seu excluído, os ricos que pisam, os miseráveis que chocam, o homicida e o zen budista. A democracia é para quem tem coragem e resignação, só serve aos racionais e aos buscadores da verdade.
Defender o ódio, a morte, a exclusão, a meritocracia é saciar uma vontade animalesca com pedras de crack: o prazer é tão catártico que a vontade nunca vai embora. Democracia é dar gotas de leite ao bebê faminto na Somália; é a longa espera e dedicação que o salva, e mesmo assim, às vezes, é preciso um pouco mais de alguma coisa.
Não, democracia não é para punir, é para fazer justiça, e a justiça quase sempre escorre por entre os dedos dos doutores e seus anéis maciços e teóricos.
Claro que o conceito, a teoria, a teogonia, todos conhecem.
Mas na prática eu só conheci você. Com seu olhar sorridente, sua dança Thembu, sua pele preta, seus cabelos brancos e sua vontade de ser. E você foi.
Você é um pouco de nós, agora, porque as idéias, quando arrebatadoras, entram em nossa estrutura como átomos em ligações moleculares e enraízam-se. Logo, toda vez que alguém levanta a voz na defesa do essencial, há um pouco do Madiba fervendo no sangue.
Portanto, diante da capa do jornal carioca O Dia, devo enxugar o choro e discordar: não estamos de luto. Somos, hoje, todas as cores, todas as formas, todos os tipos, todas as raças. Estamos dançando, trazendo o colorido para o mundo, abraçando o outro dentro de nós, ficando em paz com a nossa luz, querendo ser melhor.

E graças a você, somos.