quarta-feira, 29 de julho de 2015

Quando montanhas de livros forem queimadas nas ruas, você sentirá remorso?


http://rabi-rabix.blogspot.com.br/2012/01/o-saber-na-fogueira.html
Antes, se alguém me mostrasse uma imagem de pessoas enlouquecidas em torno de montanhas de livros em chamas, eu me lembraria de “Fahrenheit 451″, de François Truffaut (1966), baseado na obra de Ray Bradbury.

No filme, livros são proibidos, sob o argumento de que tornam as pessoas infelizes e improdutivas. Quem lê é preso e “reeducado''. Se uma casa tinha livros, “bombeiros'' eram chamados para queimar tudo.

Hoje, se me mostrassem uma imagem assim, logo me perguntaria: onde desta vez? Algum grupo fundamentalista islâmico, cristão ou judeu? Interior dos Estados Unidos? Neonazistas europeus? África? Coreia do Norte? China? São Paulo, Rio ou uma grande cidade brasileira?

Um casal de amigos conta que circulou na lista de WhatsApp de seus filhos mensagens sugerindo que jogassem fora os livros “comunistas'' de seus pais. Relatos de pessoas que foram assediadas por carregarem livros de Marx e, principalmente, Gramsci não são raros na rede.

No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões impostos. Centenas de milhares queimaram até as cinzas.

Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos por ousarem pensar diferente da maioria. A Alemanha “purificou pelo fogo'' as ideias imundas deles, da mesma forma que, durante a Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram discordar.

A opinião pública e parte dos intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu nazista, levado a cabo por estudantes que apoiavam o regime. Hannah Arendt explica. Deu no que deu. E hoje vemos muitos se acovardarem diante de ondas intolerantes frente à difusão do conhecimento humano.

Colegas da imprensa me contaram histórias de membros de igrejas e templos do interior que pediram a seus fieis – após a polêmica envolvendo a divulgação do 3o Programa Nacional de Direitos Humanos – que destruíssem publicações que tratassem do tema.

Passamos tanto tempo nos preocupando em garantir que os mais jovens decorassem datas de “descobrimentos'' e locais de batalhas que não fomentamos o pensamento crítico. Muito menos mostrar a eles por que é tão fundamental aprender História.

E que História não se absorve através de apenas uma única fonte de informação, mas de várias, e que ela mesma vai mudando à medida em que temos mais elementos para reafirmar ou contrapor as antigas certezas. E de preferência, fontes que tenham passado pelo crivo de discussões acadêmicas e sociais.

Um amigo te disse que o Hocausto judeu na Segunda Grande Guerra nunca existiu? Na minha opinião, isso é um um erro grave, porque há milhões de corpos para mostrar o contrario. Mas se informe por outras fontes antes de tirar uma conclusão – livros, documentários, reportagens.

Pois verá que nem tudo é uma questão de opinião.

De acordo com o sociólogo Bernard Charlot, um saber só tem valor e sentido por conta da relação que ele produz com o mundo. Não é o livro que tem valor em si, mas o que a pessoa fará dele. Ou seja, muitos leem mal e porcamente um livro de História porque acham que não precisam dele para poder seguir sua vida. Se o debate público for mais qualificado, a pessoa se sentirá mais motivada.

Um jovem leitor (ou um perfil fake com foto de jovem leitor) postou “livros mentem, informe-se em sites''. Como se a credibilidade de um conteúdo se desse pelo veículo que o transporta e não pelas evidências que ele apresenta.

Outro escreveu “não confio na história pois a história é contada de forma parcial pelos esquerdistas (…) Lembro que a história de que comunista come criancinha é porque Lenin tomou as colheitas dos camponeses e eles passavam tanta fome que comiam suas crianças. É isso que você quer para o Brasil?‬‬‬''

Não, meu amigo. Primeiro, que apesar de algumas publicações bizarras circulando na rede com erros infantis, a história é, na maioria das vezes contada pelo vencedor. Particularmente quero que o Brasil estude História e leia, leia muito. Leia o que concorda e com o que não concorda também, mas leia fontes de informação que não sejam anônimas e que baseiem seus relatos em provas e não em suposições ou teorias da conspiração. Que são gostosas, mas burras.

Caso contrário os ETs de Roswell e de Varginha vão vir puxar seu pé à noite.

Por fim, há versões digitais das pilhas de fogo de Fahrenheit 451 e daquele maio de 1933 que têm sido verificadas por mim e por alguns colegas jornalistas dos mais diferentes matizes ideológicos. Um exemplo: “você não perde por esperar, você não vai ter mais lugar para escrever, vamos apagar tudo o que você já escreveu, não vai poder mais fazer a cabeça de ninguém''.

“Vamos apagar o que já escreveu.''

Então, tá. Enquanto isso, só nos restam duas coisas: Lutar contra a ignorância. E fazer um bom backup.


terça-feira, 28 de julho de 2015

Clarice e o presente



Em geral considerada uma escritora mística e avessa às coisas do mundo, Clarice Lispector (1920-1977) _ a voz mais singular que a literatura brasileira produziu nas últimas décadas _ foi, na verdade, uma sensível intérprete do real. Quase 40 anos após sua morte, sua obra se conserva como um poderoso instrumento de interpretação e de interrogação da realidade. Clarice escrevia para chegar “atrás de detrás do pensamento”. Desconfiava das idéias feitas, dos lugares comuns e dos consensos. Não confiava na primeira leitura, exaltada e apressada, que costumamos fazer da realidade. Também não praticava a ficção com o propósito de espelhar o mundo, mas, ao contrário, de interrogá-lo. As perguntas que nos deixou valem muito mais do que a maior parte das respostas impacientes que ainda hoje formulamos para tentar viver.

São muitas as provas de seu engajamento. Escreveu certa vez: “O escritor não é um ser passivo que se limita a recolher dados da realidade, mas deve estar no mundo como uma presença ativa, em comunicação com o que o cerca”. A literatura teria como função promover um desnudamento do real. Um desmascaramento das crenças e superstições que o encobrem e o desfiguram. A ficção de Clarice se torna muito útil em um mundo atordoado por um grande falatório, um mundo excessivo, inquieto e superficial, que se limita a deslizar _ e a tirar proveito _ sobre a face da verdade. O mundo das pessoas “cheias de si”, que simulam a posse da verdade. Nele, é útil ouvir as palavras perplexas da escritora: “Sem me surpreender, não consigo escrever. E também porque para mim escrever é procurar”. Em vez de achar (de “acreditar”), simplesmente buscar.

Não aceitar rapidamente a verdade _ eis um ensinamento insistente de Clarice. Em um mundo enfático e retórico, regido pelos consensos e pela verdade gritada, apostar nas nuanças, na dúvida, na força da interrogação. Postar-se diante do real com as mãos vazias e a mente disponível para o encontro de novos caminhos e de novas perspectivas. Saber esperar que a verdade – pequena e discreta – finalmente apareça. Clarice chegou a se interessar intensamente pelo jornalismo. Em uma crônica de 1972, ela escreveu: “Hemingway e Camus foram bons jornalistas, sem prejuízo de sua literatura. Guardadas as devidas e significativas proporções, era isso o que eu ambicionaria para mim também, se tivesse fôlego”. Unir verdade e delicadeza. Arrancar os segredos sutis que se escondem atrás da brutalidade dos fatos.

Sua obstinação em chegar ao coração das coisas levou-a a destinos longínquos. Em uma entrevista ao “Correio da Manhã”, no ano de 1972, quando a repórter lhe perguntou por que escrevia, respondeu: “Eu fiz essa pergunta a Alain Robbe-Grillet quando ele veio ao Brasil. Ele me respondeu: _ Escrevo para saber por que escrevo. Minha resposta é diferente: eu escrevo para entender melhor o mundo. É uma lucidez meio nebulosa, porque a gente não tem direito consciência dela”. Mas talvez só essa “consciência nebulosa” nos sirva para interpretar um mundo igualmente complexo e nevoento, que parece avançar muito mais rápido do que nós. 

A tecnologia dá saltos. O desenrolar dos acontecimentos é atordoante. Nossas mentes parecem pequenas demais para conter o real. Ele nos perturba e nos oprime com sua estridência. Não se enganem: a literatura de Clarice não nos oferecerá respostas prontas e imediatas. Tampouco nos trará afirmações. Estas são, em geral, enganosas e arriscadas. Pouco antes de morrer, o roqueiro Cazuza declarou ter lido Água viva, um de seus mais densos romances, 111 vezes _ e ainda não tinha chegado ao coração do livro. As respostas que Clarice oferece _ se é que podemos chamá-las assim _ são muito diferentes de soluções. Elas se limitam a lançar novas luzes, dissonantes e desconcertantes, sobre um mundo cada vez mais tenso e contraditório. Daí, provavelmente, a marginalidade de Clarice Lispector dentro de nosso sistema literário. Uns a vêem como uma filósofa. Outros, como uma bruxa. Clarice se tornou, na verdade, uma escritora inclassificável. É difícil aceitar as respostas que Clarice nos dá. Ela nos ensina que mundo é muito mais difuso, imperfeito e insano do que em geral consideramos. E que, por isso, devemos sempre pisá-lo com muito cuidado.

“A vida se me é e eu não entendo o que digo”, se lamenta, em certo momento, sua personagem G. H. Não aceita as ilusões do Eu – cheio de certezas, de empáfia, de insolência. Acredita que a humanidade está “ensopada de humanização” _ gêneros, modas, tendências, griffes _ , e isso impede o homem de chegar a si. A humanidade é risco _ e não retórica. É delicadeza _ e não intolerância. O homem não pode tudo e, por isso, deve considerar os limites estreitos de seu saber. Contudo, vivemos em um mundo repleto de “donos do saber”. Temos um grande temor à imperfeição e à limitação. A literatura de Clarice nos devolve, assim, o que perdemos em matéria de humildade e de brandura.

A aceitação da ignorância pode ser muito útil em um mundo no qual os saberes (e os poderes) se chocam, em busca de uma supremacia absoluta, na qual todas as divergências seriam anuladas. Diante dessa zoeira, Clarice propunha, é bem melhor calar-se. A amiga Olga Borelli, em um livro delicado de memórias, escreveu: “Ela possuía a dignidade do silêncio”. Calar-se, esperar, escutar _ eis a lição simples, mas dolorosa, que a ficção de Clarice nos transmite. Atitudes que parecem quase impossíveis em um mundo de falatório interminável. 

Em nosso mundo de prepotência e de violência _ sobretudo verbal _, cabe pensar na inesquecível Macabea, a protagonista de A hora da estrela, seu romance de despedida. Uma mulher não só afastada da língua, a que tem um acesso precário e turbulento, mas, sobretudo, do mundo dos significados enfáticos e das fórmulas prontas. Das verdades tempestuosas. Seu romance evoca um antigo provérbio chinês: “Diga-me e esquecerei. Mostre-me e talvez em lembre. Envolve-me e entenderei”. No lugar da palavra usada como faca, para rasgar e sangrar, a escuta silenciosa. No lugar do escândalo, a espera. Em um mundo que tende cada vez mais aos saberes pétreos e aos fundamentalismos, a leitura de Clarice se torna uma forma salvadora de respiração.


sexta-feira, 17 de julho de 2015

trituradordemundo


E demorou quase nada para os ingênuos descobrirem e os mal intencionados admitirem que o cunha é tão cunha que chega dar dó de quem falava de deus e citava o cunha ao lado de tão ilustre significância. Tem gente que merece alfafa, mas, vamos combinar?, a maioria merece aquilo que o silas continua a procurar satisfeitíssimo.
Demorou pouco, mas o estrago foi grande e, ao que tudo indica, continuará. Como já não-dizia a minha vovó: cada cachorro que chupe o seu picolé e quem tem rabo-preso que esconda o orifício na parede. Como todos tem um rabo do tamanho do viaduto que caiu em Sampa e foi tema do Aldir Blanc, esse cunha ainda vai respirar um pouco de jesus, uma raspinha de aliança e, como todos os outros abutres antes dele, será defenestrado na solidão implacável do (des)poder.
Menos uma merda? Que nada! Morre um abestado, nascem dois! E Brasília continuará viva, pois o dinheiro é muito, a seriedade é pouca e o povo ainda acha bonito chamar bandido de coronel.
Mas, olha, eu pensei que essa substância cancerígena iria durar mais. Nem os cigarros acabam assim. E quem cunhou o ladrão foi outro ladrão. O mundo não tá fácil pra ninguém ou o homem é o lobo do próprio homem.
E pra não ficar com esse papo de cunhado, cunharei outro tema: essa semana, o fazendeiro do avô, vulgo menino do rio, o cheirador mor da polícia aeroportuária, não se manifestou sobre nada relacionado à golpe algum. Estranho. Será que ele deu o golpe em si próprio? Planeja ele dar um golpe na constituição e assumir o lugar do cunha?
Não, não vou falar do menino do avô, vou falar do...

Qual é mesmo o nome do próximo escândalo que a mídia vai vomitar pra atingir o barbudo?
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Parodiando Vais, o som!




quarta-feira, 8 de julho de 2015

Do tronco ao Poste

"Jornalismo de verdade é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. 
Todo o resto é publicidade."

George Orwell


Não, não vejo necessidade de comentar.
Extraordinário trabalho do Jornal Extra de hoje, 08 de julho. 
Uma aula de sensibilidade, e reflexão.
Parabéns!
Ah!, só para maiores reflexões: de acordo com a apuração do Jornal, "dos 1.817 comentários no Facebook do EXTRA, 71% apoiaram os feitores contemporâneos". 



sexta-feira, 3 de julho de 2015

Hasta la vista, Constituição

Por Jandira Feghali*
Portal Forum


Rufem os tambores, o Brasil deu um salto tecnológico gigantesco e o mundo inteiro precisa saber. Num piscar de olhos, inventou-se a famigerada máquina do tempo. É com ela que a Câmara dos Deputados vota quantas vezes quiser o mesmo assunto. Basta as pautas conservadoras serem rejeitadas regimentalmente que “volta-se no tempo” e vota de novo. E de novo. Até ganhar. Um perfeito e certeiro tiro na democracia.

Se o Parlamento acionará mais vezes a máquina do tempo, esquecendo a tradição da Casa em respeito às minorias e decisões votadas em Plenário, só o futuro dirá. Aliás, resta saber qual futuro.

Para quem tem dúvida, lá vai: na terça-feira (30), a PEC 171, que trata da redução da maioridade penal, foi rejeitada por não conseguir o quórum qualificado de 308 votos a favor. Mas isso não foi problema para o grupo político que volta no tempo. Acionaram uma emenda aglutinativa inconstitucional e voi lá, puseram em votação de novo.

Diz nossa Carta Magna, em seu artigo 60, parágrafo quinto, que “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Ou seja, rasgaram a Constituição de forma natural e insensível. A lucidez do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, apontou essa inconstitucionalidade. “Matéria rejeitada, declarada prejudicada, só pode ser apresentada em sessão legislativa seguinte. Nessas 48 horas nós não tivemos duas sessões”, disse ele.

Mas engana-se quem pensa que a conquista da redução da imputabilidade penal foi a primeira viagem no tempo da Câmara. A tal máquina já foi acionada lá atrás, durante a PEC da reforma política. Bastou o financiamento empresarial ser derrotado pela maioria dos parlamentares para que a “inovação regimental” entrasse em ação. Bastou ligar a “máquina” para aprovar mais um descalabro. Os Jetsons de Hanna Barbera teriam inveja!

Em seis mandatos como deputada federal, jamais presenciei um desrespeito tão grande à decisão do Plenário para favorecer os derrotados na véspera. De uma madrugada a outra, em apenas 12 horas, o Brasil viu seu Parlamento pisotear uma votação democrática e dar um passo em direção ao que é mais retrógrado no atual debate.

Alguns parlamentares, alinhados a setores da grande mídia sensacionalista – outra máquina de vender ódio – criou uma opinião pública moldada ao medo e ao terror. Só que a redução que querem impor ao país não saciará essa fome por vingança, que beira mais de 90%. A criminalidade não diminuirá e toda uma geração será posta em risco, seus sonhos e potencialidades deixarão de existir.

Além disso, os filhos da classe média se tornarão os principais alvos da indústria da bebida e do fumo, a exploração sexual de adolescentes crescerá, o trabalho infantil será uma ameaça maior ainda e os presídios serão um rombo sustentado por governos futuros.

Um espaço nascido no seio da democracia brasileira se tornou alvo do “custe o que custar”. A máquina do tempo “inventada” pelo nosso Parlamento exterminará o futuro de milhões de brasileiros. Arnold Schwarzenegger fez escola.

* Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB