segunda-feira, 11 de junho de 2007

Pensamentos deslizantes e outras perturbações

Este blog foi achado por acaso (o acaso é tudo!) e fascinou-me a forma certeira das palavras dispostas, esparramadas como o nosso cotidiano. Muito bom. Roubei mesmo, estou postando aqui porque, simplesmente, vale a pena. A autora: Adelaide Amorim. O blog: O bem, o mal e a coluna do meio (http://obemomaleacolunadomeio.blogspot.com/).


I

Paula Mastroberti. Mendigo Quix.








Fulano usa terno e gravata.


Beltrano usa camiseta e sandália de dedo.


F é sério e trabalha dia e noite.


Até o lazer de F existe em função dos negócios.


B solta pipa o dia todo e à noite toma cerveja fiado.


F tem bens de família.B nunca teve família.


F estudou em Londres e na Alemanha, é PhD em economia e ciências políticas.


B estudou até o meio da segunda série e foi avião do tráfico.


F é politicamente correto em palavras e ações.


B é objeto de políticas sociais e come na Central a R$ 1,00.


F é cidadão exemplar e zela pela higiene e segurança nas áreas públicas.


B mija na rua.


F passa as férias em Paris e Angra.


B foi ao piscinão um fim de semana aí.


F tem passagens aéreas e estadia paga em hotéis cinco estrelas quando viaja a serviço.


B dorme embaixo da marquise do supermercado quando bebe demais.


F deu um rombo de 200 milhões há dois anos, mas ninguém ficou sabendo.


B foi em cana porque bateu a carteira de um gringo no calçadão.



II

Encontrou-a assistindo à sessão da tarde com um saco de amendoins na mão.

— Ah, é você (olhar de desdém). Então, pensou no que eu te disse?

— Não.

— E veio aqui fazer o quê? Buscar o carro?

— Não. Estou de moto.Curto silêncio.— Vim olhar de novo essa casa. Vim...

— Você nunca se preocupou com a casa. Vivia dizendo que era apertada, que...

— Não exatamente – ele diz, voltando-se para ela. Não é pela casa.

— Então é o quê? Os móveis? Vai querer ficar com algum?

— Não. Por que não vamos ao cinema? Está passando um filme do Almodóvar ali no Estação.

— Já vi. Nem é tão bom assim – ela respondeu, mastigando sem tirar os olhos da TV.

Ele deu meia-volta e saiu sem fazer barulho. Nunca mais voltou.

2 comentários:

o refúgio disse...

Muito bom. E esse último desenho, é seu? Gostei muito.
Grande abraço.

Marcelo F. Carvalho disse...

Não, os desenhos estão juntos com os textos que roubei (hehehe) e são da Paula Mastroberti, acredito eu.
Abraço forte!