O homem estava, agora, fumando calmamente, dando tragadas reflexivas; parou em frente a estante repleta de livros que havia em seu próprio quarto. A estante era pequena e podia-se dizer que acomodava mais ou menos uns seiscentos exemplares, desde livros de Literatura, da qual era formado, até os grandes romances – coisas que não podiam faltar, essenciais. O cinzeiro na beirada estava repleto de guimbas, não as de hoje, mas as acumuladas, esquecidas. Ao lado do cinzeiro, a marca de um copo fazia um círculo familiar, prova de quem toma café e esquece de pôr um porta-copos ou guardanapo enquanto desfolha um surrado livro, talvez um novo exemplar comprado há pouco. Um porta-retratos também fazia parte daquele mundo, meio empoeirado, amassado nas pontas – certamente o deixara cair em algum momento de sua frágil existência. Havia, é verdade, umas três corujas de porcelana que mediam não mais que dez centímetros cada uma; para este senhor, o símbolo máximo do Literato – as que vêem nas trevas! Mas as personagens principais dessa estante eram, sem dúvida, os livros. Novos, velhos, organizados de um lado, amontoados na prateleira de baixo, cópias de monografias, revistas com algum assunto importante, os livros! O cheiro da sabedoria ou da amálgama. E o homem estava lá, fumando o seu cigarro calmamente, olhando para o que ele achava ser o seu bem mais precioso, não que gostasse de reter o conhecimento, que se importasse em emprestar alguns dos seus “entes”, mas era como se olhar para aqueles corpos de papel fosse o mesmo que olhar para si. Sim, estava encarando a si próprio, mas não porque fosse um sábio, longe disso, porém, o seu amor, não apenas pelo conteúdo mas pela forma, àqueles corpos dispostos em sua estante eram gritantes demais. Ele era o Guardião daquela chave. Estaria retendo, camuflando a ponte do saber? Impedindo o acesso a outros? Por que então o quarto, recinto tão reservado? Não era isso – como já foi dito anteriormente – e era ao mesmo tempo. Ele contemplava calmamente aquelas formas. Esticou um dos braços e pegou um exemplar que se encontrava na terceira prateleira de cima, era “A Caverna”, de Saramago, abriu-o em uma página onde se via nitidamente algumas frases grifadas com caneta pilot amarela. Deu uma última tragada em seu elemento cancerígeno e apagou-o no cinzeiro já lotado. Colocou o belo livro de volta, tomou o cuidado de deixá-lo cômodo e paralelo aos que estavam ao lado. Olhou mais uma vez para a estante magnífica e vivificante, calada e sonora, morta e pulsante. Olhou para a cama vazia, a janela aberta, precisava dormir um pouco, não adiantava nada aquela metafórica ansiedade, o prêmio máximo já alcançara, não precisava de mais nada e ainda tinha que corrigir as provas pendentes. Deitou-se com uma alegria dolorida e incômoda. Mas não estava sozinho naquele quarto.
2 comentários:
Olá Professor,
Cá estou eu e aproveito...
Li A Esfinge e me perguntei, o que seria a verdade absoluta? Há quem use, também, que 'a verdade liberta'.
Com quem ou aonde a encontraríamos? Dentro de nós? No Senso Comum da Sandrinha?(Salve moça!) Nos livros? Nos causos que se irão por falta de registros?
Ou a verdade estaria nisto tudo?
E só prá soltar fumaça, rs...
o que é o tudo, né?
Vamos à caverna.
Olha, aquele homem me espanta as coisa que ele escreve. O tempo, o obrigado, ainda não terminei.
O inicinho me fez lembrar de um escrito:
Um Vaso
Quebrou-se um vaso
dos pedaços faremos um novo
Quem disse que não se pode juntar cacos?
Colá-lo-emos todos
nem por isso deixará de ter suas características de vaso
Cheio de cicatrizes e pequeninas partes faltando, ficará
Nada de, ‘pobre vaso’!
Vaso foi, é e será – até segunda imaginação
Cuidados redobrados,
talvez desnecessários
Se cair novamente, tentaremos erguê-lo...
-Até o dia em que serás jogado à origem:
Vaso... até terceira imaginação
Abraço e inté
É verdade, Vais, há mais perguntas que talvez nunca respondamos e acho que isso tambémnos faz crescer. Estar sempre certo não é o caminho (acredito eu). Viver é mais importante.
Abraço forte!
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