sábado, 26 de maio de 2007

O papiro

Não havia fila, não havia barulho, não havia ansiedade. Ele apenas escolheu continuar, sem pressões, perturbações, sermões. Apenas decidiu que já era hora de voltar. Passou algum tempo refletindo sobre ele próprio, pôde ver os erros claramente, os caminhos, os atos; teve um tempo para isso, se é que existiu, de fato, o tempo propriamente dito. Teve a oportunidade de trabalhar também. Trabalhar a ele mesmo, os rumos, a melhor maneira de se atingir os objetivos. “Pré-definiu-se”. Estudou com afinco o meio mais eficaz, lúdico, sensato. Olhou o seu papiro. Todos os itens que não estavam sublinhados eram dívidas a pagar, missão a cumprir, dever de casa não feito, ignorado, adiado, odiado, rejeitado e que, agora, precisava concluir. A lista era imensa, mas em seus olhos não havia nenhum sinal de preocupação ou revolta; seus olhos eram plácidos, de uma contagiante felicidade e paz, iluminado por uma energia arrebatadora e (paradoxo?) tranqüilizadora. Passou a vista em cada item, refletiu um pouco sobre cada um dos não-sublinhados. Levantou a cabeça e fez longas respirações, pausadas, relaxantes; era chegada a hora e estava tudo pronto para a grande viagem. Melhor: ele estava pronto. Certamente que não seria dessa vez que realizaria todos os deveres, não seria nessa viagem que regressaria com todas as respostas resolvidas ou compreendidas, mas isso não o constrangia ou desestimulava. Na verdade, o que queria mesmo era ter um bom desempenho, uma chance justa para cumprir, não todas, mas algumas tarefas da melhor maneira possível a fim de regressar logo para a sua casa. A verdadeira casa. Enrolou o papiro calmamente, carinhosamente. A sensação da brisa em seu rosto era o sinal que estava esperando, fora dado a ele o passe, a permissão. Fechou os olhos, respirou pausadamente outra vez, prolongadamente e, de repente, tudo o que sentiu foi muita dor e uma sensação de desconforto enorme ao mesmo tempo em que se sentia (paradoxo?) em êxtase, entorpecido. E, de repente, esqueceu-se de tudo... Começou a chorar – fora instigado a isso. Não havia mais estado em nenhum outro lugar. O papiro estava dentro dele agora, na sua consciência e em seu coração.

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