Em 2005, quando os jovens filhos e netos de imigrantes tomaram as ruas de Paris e lançaram fogo em veículos, tinham celulares à mão. Se comunicavam e combinavam o jogo via SMS. Torpedos. Em 2008, no Irã, a relação foi via Twitter. No Egito, no início deste ano, o Facebook foi a ferramenta escolhida. Agora, em Londres, os jovens revoltados, desempregados, têm BlackBerries. É um longo e inesperado caminho para o aparelho que foi criado para altos executivos.
O primeiro celular BlackBerry chegou ao mercado em 2003. O conceito de um smartphone era novo, mas ele já tinha tudo: e-mail, web e os serviços móveis padrão, como telefonia e SMS. Era também muito caro e, por isso mesmo, tinha como público alvo executivos. Havia resistência a usar e-mail no celular. Parecia fácil de vazar, qualquer hacker poderia fazê-lo. A Research in Motion (RIM), empresa canadense que o criou, fez um sistema seguro, com rede própria. Fazia parte do atrativo. A um tempo, smartphone e BlackBerry eram sinônimos.
Tecnologia é produto de consumo e, portanto, a decisão de compra é complexa. As necessidades fazem parte da escolha. Mas marcas são construídas para ter apelo emocional. Quem gosta de Apple quer passar uma imagem de sofisticação descolada. Quem prefere Android, de certa forma, transmite um espírito independente. BlackBerry, durante um bom tempo, quis transmitir a ideia de seriedade, sisudez.
A Apple chegou tarde ao jogo dos celulares com o iPhone, em junho de 2007. O aparelho era lento, tinha uma câmera ruim, mas era uma beleza de usar. Fácil e elegante. Só em 2009, quando a terceira geração foi lançada, é que o hardware chegou ao patamar de qualidade do software. Mas, desde o início, o iPhone vendeu bem. Quando os primeiros celulares Android chegaram, no fim de 2008, eles seguiam a mesma lógica do modelo Apple.
A princípio, o BlackBerry manteve a imagem de celular do homem sério. Nos últimos dois anos isso tem mudado rapidamente. A RIM não conseguiu acompanhar o ritmo de inovação de Apple e Google. Foi uma empresa inovadora, tropeçou. E é aí que as forças de mercado desmontaram a estratégia de marketing do BlackBerry para transformá-lo no veículo de propagação da revolta da juventude pobre de Londres.
Celular que vende muito custa caro, o que vende pouco ganha descontos. Comprar iPhone exige enfrentar fila no Brasil, nos EUA ou na Europa. E o aparelho é caro. A diversidade de aparelhos rodando Android faz com que sua oferta seja maior, mas ainda assim os descontos são modestos. Não é preciso: os aparelhos vendem. O que as operadoras empurram com grandes descontos para conquistar novos clientes de smartphones são BlackBerries. Ainda assim, em todo o mundo, a RIM perde margem de mercado. É a escolha de cada vez menos pessoas.
Cresce, porém, entre adolescentes. É que o aparelho tem dois atrativos. Está barato e tem uma rede de troca de mensagens gratuita. Não custa dinheiro enviar uma mensagem de um BlackBerry para outro. Nas escolas da classe média carioca ou paulistana, o BlackBerry é o aparelho favorito. O mesmo se dá nos EUA. Uma pesquisa anunciada no início do mês pela Anatel britânica revelou que um terço dos usuários adultos de smartphones usam iPhones. É o mais popular nessa faixa. Entre adolescentes, 40% preferem BlackBerries.
Quando a turba ganhou as ruas londrinas na noite de sábado, a polícia foi para as redes sociais. Grudou no Twitter e Facebook, os suspeitos de sempre. Encontrou alguma coisa lá, mas não o principal. Demorou para perceber que o principal da conversa ocorria numa rede privada. Construída para executivos, segura.
A RIM tem um problema nas mãos. A polícia pede cooperação. Mas, se abrir a conversa dos vândalos britânicos, os executivos que ainda compõem sua clientela prioritária ficarão preocupados. Quem viola a privacidade de um, viola a do outro. O mundo dos celulares está mudando rápido.
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