sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Surpresa

Foi lá que aconteceu, o instante zero que fez chover durante muito tempo em terra que ninguém pisa. Foi a surpresa aterradora que o fez desistir da velha esperança que sempre vinha junto com a decisão pouco definitiva. Foi a surpresa substancial que deu a guinada de 180 graus no caminho. A surpresa, imprópria, canalha, incômoda. E ele sempre foi um sujeito de poucas surpresas, de pouco sol e sombra; sempre foi um amante inveterado das coisas dentro da ordem, do linguajar claro. Nunca imaginou que outono fizesse casa no seu sorriso. Ele era todo folhas secas perambulando no ar frio e incerto. A surpresa, simples, direta, absoluta, tomou conta do poço e escancarou a porta entreaberta como se fosse o arrombo do ego, o big bang da alma. De repente ele implodiu e, como uma aranha que se fecha no momento da morte, retraiu-se, perscrutando o que talvez fosse um grito de cólera, de fúria; implodiu como fazem os que, ao tentar matar, enfartam antes. Pensou no Leblon, pensou muito no Leblon e naquela mureta da Urca tão tipicamente carioca, pensou em correr rumo ao desfiladeiro das reticências, do não-sentir, mas não conseguia deixar de sufocar. A surpresa estava presa no seu pescoço, no coração que batida desordenadamente, na agonia do choro que não vinha. Foi lá que aconteceu, debaixo daquela árvore que lembrava a brisa do Leblon. Foi lá que o encontraram. Encolhido, fechado, morto.

2 comentários:

o refúgio disse...

Mais uma beleza de texto, Marcelo. Um texto forte com a típica melancolia que se faz presente em muitos textos seus.

Mas o Leblon e o frio me fez lembrar uma música do Antônio Cícero na voz de Adriana Calcanhoto:"...e o inverno no Leblon é quase glacial..."

Beijos

Anônimo disse...

Fantastico texto... O ambiente gera os sentimentos, que criam e enxergam a metafora... Faz frio mesmo, Marcelo.

Abrax

Roy