Passou
a mão na chave, deteve-se por alguns segundos como que esperando o milagre da
tecla “esc” ou coisa parecida, mas nada voltou ao lugar de outrora; a chave
pulou para o seu bolso e a maçaneta rodou. Queria estar mordendo àquelas ancas
em forma de coração, suadas e morenas, queria observar os seios fartos que
preguiçosamente se movimentam quando ela esta por cima, queria poder dizer que
morder e suar com ela era a coisa mais profunda e filosófica que ele já
experimentara em vida.
Mesmo querendo
uma coisa, fez outra e, com passos imprecisos, idiotamente atravessou a rua
para nunca mais voltar. Quando ligou o carro percebeu que precisava caminhar
até se perder na penumbra e, como um homem de verdade, chorar. Dirigiu por
intermináveis dois quilômetros e largou o carro em um desses estacionamentos
sem cobertura próximos à orla. Caminhou sem conseguir chorar, mas estava
destruído, estilhaçado, um fuxico sem costura. Os pés na areia e a cabeça
encharcada, era um turista dentro de si.
Claro que,
assim como as rochas e montanhas mais altas, o gelo polar e as curvas poderosas
de Niemeyer, nada é tão devastador e dolorido quanto o tempo. O tempo acaba com
qualquer valor qualitativo e quantitativo para a dor. O tempo, infelizmente,
pinga felicidade no “Trocando em Miúdos”, do Chico, faz troça com o sofrimento
e é tremendamente indelicado com a miséria da alma alheia. O tempo, senhores, é
um anti-romântico inveterado!
Portanto, como
qualquer mortal que sofre e chora por amor, um dia ele acordou com uma leve
sensação de virulenta alegria e descambou, com uma taça e um espumante para as
areias de Copacabana aguardar o ritual de ano novo. Os belíssimos fogos e os
humanos de branco lembravam algo indígena, levemente adocicado. E aqueles
fogos, aquela gente, aquela noite, aqueles sorrisos, aquelas garrafas
enterradas na areia...
Acordou com
alguma dor de cabeça e uma linda negra ao seu lado. Como chegara ao seu
apartamento? Não fazia a mínima ideia, apenas tomou um banho, um café rápido e
uma aspirina americana, pensou no tempo e nas músicas de Vinícius, pensou na felicidade
como uma gota de orvalho numa pétala de flor e voltou pra cama com café e
torradas.
- Já acordou? Feliz
ano novo!
- Posso morder
a sua bunda?
Um comentário:
Marcelão, perdoe o trocadilho, mas este conto está desbundante! Feliz Novo Ano, com várias a serem mordidas...
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