São quatro horas e nada foi dito
(nem será!).
Eles estavam todos lá, tocando tambores
e clamando pelas sete cornetas, anunciando o eclipse da bestidade e o levante
dos inocentes! Que nada!
Tudo mentira! Eles queriam
comover os servos, encantar as multidões sob os seus palanques, arrastar a
massa para a complacência indecente; eles queriam a nossa alma e nós a demos,
como carneiros hipnotizados pelo cajado, pela realização individual e egoísta,
pelo poder de compra e pela casa própria da Caixa.
Eles sabiam que nós iríamos cair
na armadilha. Eles só não sabiam que nós queríamos cair na armadilha e depois
dizer que o inferno são os outros! Vendemos a fome, a morte e a ética por 30ml
de Kenzo, por um terno Armani, uma noite com putas e Blue Label. Vendemos a esperança
pelo status quo. Fodam-se a guerra na Síria, o conflito no Congo, o gueto palestino,
a miséria da classe média de Brasília que queima os seus mendigos na
impossibilidade de queimar o mundo e o espelho. Fodam-se os Saramagos e seus
dedos apontados para Carajás, Nova Brasília, Belford Roxo, Vigário Geral,
Favela Naval, Candelária, 174! Nós queremos cair na armadilha! Queremos o
Grande Irmão! Queremos acordar em Acapulco!
São quatro horas e eu continuo no
trabalho formidável. Falta pouco para eu comprar meu carro, ligar o
ar-condicionado e fechar os vidros, colocar o ipod no volume médio e fingir que
escuto Tom Zé e Beethoven. Vou para a casa de campo ser bucólico e esquecer que
sou um covarde e que vou pra bienal ver bestas com seus egos de deuses declararem
que lêem e que fazem a diferença. Diferença em quê? O mundo continua uma merda
e a máquina continua esquartejando.
São quatro horas e o gosto de
sangue e o cheiro da pólvora continuam. A cidade está iluminada e o palanque
está montado. Um viva para a democracia que escraviza! Um viva para a nossa
vidinha confortável! Viva! Viva!
E todos morreram de fome.
A carta do velho do restelo ao
astronauta foi perdida
(ou está dentro de nós)
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