terça-feira, 5 de junho de 2012

Poema sem métrica ou esperança



São quatro horas e nada foi dito (nem será!).
Eles estavam todos lá, tocando tambores e clamando pelas sete cornetas, anunciando o eclipse da bestidade e o levante dos inocentes! Que nada!
Tudo mentira! Eles queriam comover os servos, encantar as multidões sob os seus palanques, arrastar a massa para a complacência indecente; eles queriam a nossa alma e nós a demos, como carneiros hipnotizados pelo cajado, pela realização individual e egoísta, pelo poder de compra e pela casa própria da Caixa.
Eles sabiam que nós iríamos cair na armadilha. Eles só não sabiam que nós queríamos cair na armadilha e depois dizer que o inferno são os outros! Vendemos a fome, a morte e a ética por 30ml de Kenzo, por um terno Armani, uma noite com putas e Blue Label. Vendemos a esperança pelo status quo. Fodam-se a guerra na Síria, o conflito no Congo, o gueto palestino, a miséria da classe média de Brasília que queima os seus mendigos na impossibilidade de queimar o mundo e o espelho. Fodam-se os Saramagos e seus dedos apontados para Carajás, Nova Brasília, Belford Roxo, Vigário Geral, Favela Naval, Candelária, 174! Nós queremos cair na armadilha! Queremos o Grande Irmão! Queremos acordar em Acapulco!
São quatro horas e eu continuo no trabalho formidável. Falta pouco para eu comprar meu carro, ligar o ar-condicionado e fechar os vidros, colocar o ipod no volume médio e fingir que escuto Tom Zé e Beethoven. Vou para a casa de campo ser bucólico e esquecer que sou um covarde e que vou pra bienal ver bestas com seus egos de deuses declararem que lêem e que fazem a diferença. Diferença em quê? O mundo continua uma merda e a máquina continua esquartejando.
São quatro horas e o gosto de sangue e o cheiro da pólvora continuam. A cidade está iluminada e o palanque está montado. Um viva para a democracia que escraviza! Um viva para a nossa vidinha confortável! Viva! Viva!
E todos morreram de fome.
A carta do velho do restelo ao astronauta foi perdida
(ou está dentro de nós)

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