Claro
que as coisas na Baixada Fluminense não aconteciam como no resto do mundo, tudo
demorava uma eternidade para chegar por aqui, inclusive (e principalmente) a
música nas casas noturnas e clubes com pista de dança. Portanto, os anos 80
duraram até a metade dos 90, quando aqueles garotos depressivos da chuvosa
Seattle com camisa flanelada botaram para foder e mudaram tudo.
Claro
também que nada no mundo é como se apresenta nos livros didáticos de História,
de Literatura ou Filosofia, a coisa nunca é um isolamento de época onde o
Barroco se estende até acabar e dar lugar ao Neoclassicismo, o Romântico ao
Realismo e assim por diante. Não, a coisa é Barroca-Neoclássica, Romântico-Realístico,
tudo-ao-mesmo-tempo-agora, portanto, os 80 misturavam-se com os 90 e houve
muita curtição entre as guitarras do Slash e os teclados do Depache Mode. O
Guns e o The Cult estavam lá, entrelaçados por mechas de cabelo e laquê, o
Faith no More fantasiado de Cyndi Lauper Muito 70 também nas guitarras do David
Gilmour e Pink Floyd, o Genesis e o Phil, o Peter, Os Stones sempre, Hendrix,
Beatles forever. Mas a maioria dos que lá estavam eram “oitentistas”
espirituais, sem as ombreiras. Ira, Titãs, Legião, Capital, Plebe, Barão,
Engenheiros, Paralamas, Biquini e mais trocentas
outras internacionais como REM, Cure, Pixies, Talking, Siouxsie, Pretenders,
Clash, Bangles, B-52`s, sem contar as coisas bizarras ou legais que não
passaram de uma música apenas, um sussurro na esplendorosa e vibrante supernova
de exageros, cores e modismos estratosféricos. Enfim, o auge de uma era fadada
ao próximo passo: os anos 90 e toda a sua dor, ausência de glamourização,
absorção pós-modernista. E Seattle choveu em todos nós como uma ressaca depois de
muito pró-seco, muita putaria e muito colar barato feito globo de vidro
misturado à luz negra, deixando todos os dentes neons.
Claro
novamente que não há a intenção de ser preciso quando se tenta afunilar uma
gama de informações. O cenário musical da Baixada não foi apenas isso, mas “isso”
também foi o cenário musical da Baixada, num quesito específico que nem abrange
todo um estilo musical. A coisa aqui tende a parcialidade, a tendenciosidade sem cerimônias. Senos e
Cossenos são em outros blogs, aqui o papo é sobre empirismo, gosto doce nos
lábios causado pelo cravo no cigarro, defeitos e chuva (o resumo dela).
Talvez,
o mais impressionante é ter gasto toneladas de palavras como prefácio para
escrever sobre coisas como: a lembrança de um comercial de marca de roupa surf
wear com uma música específica que era transmitida por uma rádio. “A Rádio”.
Sim,
ouvia-se o comercial em outras rádios, óbvio, e tinha coisas boas vindo delas.
Tinha a Transamérica com programas maravilhosos, show no estúdio, clube da
insônia, etc; a Rádio Cidade, que era o lado adolescente do Jornal do Brasil, e
mais tarde, para quem gostava de ritmos mais dançantes, a RPC, todas na
frequencia FM.
Mas
não, não falo delas. Falo daquela rádio mitológica chamada, carinhosamente, de Maldita. A Fluminense.
O
comercial era de uma marca que eu não usava, mas juntava coisas bem minhas,
pois falava de surfe (que não pratico há séculos depois de todo o álcool,
cigarro e 95 quilos socados em 1,70m), com uma música dos Smiths (banda que eu
escuto até hoje!) e era anunciada na minha rádio Maldita. Percebo, hoje, que nunca fui muito de me deixar
influenciar por comercial, mesmo por esse que tanto me marcou pela música,
esporte e divulgação. As marcas de surf wear estavam para os 80 como a manteiga
para o pão. Os campeonatos de surfe Alternativa aconteciam na Barra, saquarema
despontava, os acampamentos na Macumba e o Pepê era o cara da vez. A Barra
formigava.
Eu
assinava a Fluir, gostava do Pedro Müler, Jojó de Olivença, Teco Padaratz, Dadá
Figueiredo (que tinha uma banda louca chamada Tubarões Voadores) e consumia
duas revistas de música: Bizz (bastante razoável até virar Show Bizz e ficar
uma merda) e International Magazine (ótima). E meu sonho era ter uma BZ, mas ainda
tenho uma Mash 7.7 (surfe de preguiçoso, diziam os parafinas) em perfeito estado que, hoje, serve para eu apoiar a
garrafa de cerveja e o copo sempre cheio quando estou dentro da piscina de
plástico; minha filha também gosta daquele pedaço de espuma amarelo e cor de
abóbora.
E
sempre entrava esse comercial com a música Girl Afraid, dos Smiths, e a voz da
Moniquinha ao fundo. Monika Venenerabile era uma sensacional locutora e apresentava
o programa Classic Rock, sempre às 18 horas, e, vez em quando, ia aos clubes em
eventos que tinham patrocínio da Fluminense FM. Foi a Maldita que lançou o
Paralamas ao tocar a demo com Vital e sua
Moto, tocou Legião, Plebe, a Fluminense tinha público fiel e era
essencialmente roqueira, mas também abria espaço para o Reggae de Peter Tosh,
Bob, Shabba, tinha um programa semanal para a galera do Rasta. Acabou como
acabam todos os empreendimentos mal planejados: esmagada pela concorrência e
pela falta de estrutura. Pena. Depois dela não apareceu ninguém. Fez legado.
Daqui há 20 anos, quando toda a nossa memória sobre ela for mais ficção prazerosa
do que realidade convincente, virará lenda.
E
tinha esse comercial com essa música dos Smiths... Qual era a marca de roupa,
mesmo?
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