domingo, 11 de agosto de 2013

Feliz dia dos Babões!



Já estava no décimo cigarro, o porteiro-armário-da-porta-da-maternidade sorria para mim como que cúmplice do momento. Eu sorria de volta, mas tinha a impressão de que a boca estava petrificada. Todo o semblante era um misto de terror e ansiedade. Coisa estranha essa ficha ir caindo tão devagar.

Subi e fiquei no quarto esperando, mãe e sogra estavam lá, dando apoio e igualmente ansiosas. Minha sogra ficou no corredor enquanto eu tentava lavar as mãos, sentar no sofá e controlar a vontade de acender outro tubo cancerígeno. De repente, minha mãe, antes baixinha, entra no quarto enorme, felicidade de não conter nos lábios e nos olhos. “Que meninona, Marcelo! Você é pai de uma meninona!”

Eu, pai? Impossível! Que comédia! E os meus finais de semana de álcool e hotéis? E a minha vidinha organizada, cheia livros, roupas e Pink Floyd? Eu? Eu era The Smiths, cerveja e churrasco; eu? Eu era de Chico a Nirvana, destilados. Como? Pois é, mesmo planejada, calculada, querida, bateu aquele acovardamento, aquela dúvida sobre capacidade financeira, psicológica. Senti medo. Medo de dar errado, de não saber criar, de ficar “duro”, de não “chegar junto”, enfim, medo.

Andei por aquele corredor e vi minha sogra bailando ritmicamente, para lá e para cá, com uma manta verde-escuro balançando nos braços. Era ela!  Cabeluda, inocente, em movimentos desconexos. Fiquei com receio de pegar, de colocar no meu colo e de dizer alguma coisa. Não sei, bateu uma impotência, uma certeza elementar, um aperto; era a minha pequenez diante da grandiosidade, do milagre. Foi lindo. “Como ela vai se chamar, papai?”, perguntou uma das enfermeiras do hospital. “Clarice”, disse-lhe, a voz quase invertendo o objetivo e entrando novamente pela garganta. Enfim, solucei o nome, tinha que ser assim, vindo do coração. “Clarice com C no final, não SS”, disse à enfermeira. Não tinha o Lispector, mas carregava o Carvalho, árvore cultuada pelos saxões, árvore forte.

Passei aquele milagre para os braços da minha mãe que, assim como minha sogra, tocou-a com jeito e malabarismo seguros, ao contrário de mim. Esparramei-me no sofá como se houvesse batido concreto e virado uma laje. Ela estava ali, seu cheiro estava em todo lugar, sua aura esbarrando na minha. Eu estava me sentindo confuso, cansado e a mil por hora. Coisa linda de se sentir. Completo, intenso, nitroglicerínico. Eu tremia e o cheiro dela me dizia alguma coisa do tipo: Sê forte, a vida é fantástica!

Hoje, 07 anos depois, consigo entender outras coisas muitas sobre essa coisa de paternidade. Ainda me sinto inseguro vez em quando, mas percebo que os passos melhoram pelo caminho que nós dois escolhemos a cada dia. Ela pega automaticamente a minha mão para atravessar a rua, eu olho para os dois lados e sigo em frente – se ela confia em mim, então eu não posso decepcionar, tenho que manter o prumo, equilibrar a vida. Ela diz que me ama, assim, do nada, e eu tento não chorar, tomado por uma emoção sem igual, uma vontade de abraçar até não poder mais, digo num sussurro que também a amo. É isso. Às vezes ela diz que eu sou um chato, mas ela tem que escovar os dentes, estudar para a prova, colocar o pijama. Fazer o quê? Sou chato mesmo. Mas só com quem eu amo. Bem, então, com ela, devo ser chato à beça.


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