Por Diego Sartorato
Revista Carta Capital
Tornei-me corinthiano para discordar da família: do lado paterno, como o sobrenome italiano denuncia, a tradição é torcer para o Palmeiras; do lado materno, a grande maioria é são-paulina. Eu ainda não sabia o que significava status quo, mas o conceito nunca me serviu, e o Timão nunca decepcionou nesse sentido. Minha geração não é a da fila de 23 anos, mas a dos títulos inéditos, de expressão. A cada vitória suada dos “favelados”, dos “bandidos”, era como se o mundo tivesse virado de ponta cabeça e, por pelo menos 90 e poucos minutos, nada estivesse fora de alcance. Era como se todos os sonhos valessem a pena. Um sentimento difuso que ganhou conteúdo quando ouvi falar pela primeira vez da Democracia Corinthiana de Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon – descobri com orgulho e alegria que meu time de coração não afrontava apenas os preconceitos pequeno-burgueses, mas também havia desafiado o autoritarismo careta e violento dos militares.
O momento é oportuno para relembrar o vanguardismo que está no DNA alvinegro. Não importa se a foto polêmica de Emerson Sheik dando um selinho em um amigo foi protesto legítimo, mera irreverência ou publicidade para o restaurante onde a imagem foi registrada e do qual o camisa 11 é sócio. O gesto chamou a atenção para uma das questões mais sérias do futebol e da nossa sociedade: a homofobia que viceja dentro e fora dos estádios. Infelizmente, ofensas baseadas na sexualidade são comuns no embate entre torcidas há muito (e, não raramente, evoluem para a violência física), mas, na segunda-feira 19, as fileiras corinthianas viraram-se contra o próprio elenco.
A campanha #ForaSheik ganhou corpo rápido nas redes sociais, seguindo à risca o espírito de uma época em que o conservadorismo moral acua governos e impede o avanço de direitos, e pastores-parlamentares pregam a segregação nas ruas, nos templos, pela televisão e até nos consultórios médicos, tentando reverter a constatação científica de que não há nada de patológico na grande variedade de identidades sexuais conhecidas.
Nem Vampeta e Dinei, que posaram nus para uma revista gay, ou Ronaldo Fenômeno, envolvido em uma confusão com travestis, enfrentaram uma onda de difamação tão rápida e virulenta por parte da torcida corinthiana.
De minha parte, preferi um outro tipo de campanha: postei, em um grupo do Facebook dedicado ao clube, o logo da Democracia Corinthiana com as cores do arco-íris, sugerindo que o Timão voltasse à luta, desta vez, a favor da diversidade.
Os comentários reproduzidos abaixo são uma amostra pequena da dose cavalar de ódio contida em quase 200 postagens, que incluem ainda um chamamento para denunciar meu perfil como falso (o objetivo da minha proposta seria “prejudicar” a imagem do Corinthians associando-o à causa gay). Também encontrei apoiadores, mas, mesmo entre eles, havia os que se declaravam simpáticos às liberdades individuais, mas condenavam a atitude de Sheik porque a foto seria motivo para galhofa nas rodas de conversa – um temor que deveria pertencer a algum lugar entre a quarta e a quinta séries do Ensino Fundamental, mas que é cultivado entre marmanjos de todas as torcidas.
Dessa experiência, saí convencido de que o clube não pode ignorar, calar e consentir.
O Corinthians, de fato, não é partido político ou movimento social, e seu objetivo principal não é empreender nenhum tipo de campanha que não seja desempenhada em campo, disputando títulos. Nos últimos anos, aliás, tem se saído cada vez melhor como empresa privada dedicada ao lucro, e nada mais. Mas é insensato ignorar o peso dos símbolos. Independentemente de seu recente sucesso financeiro, o Corinthians é indissociável das lutas por igualdade e liberdade que o acompanham desde que foi fundado como time de operários que teve de cavar à força um espaço na elite do futebol. É, também, voz que fala direto à paixão de 30 milhões de pessoas, e responsável pela forma como utiliza (ou omite) essa influência sobre as massas.
Dirigentes, estejam atentos à oportunidade histórica que está posta para o clube, que tem potencial para fazer deste episódio o início de uma grande reflexão sobre a maturidade da nossa democracia e o respeito aos direitos humanos no Brasil.
Não desperdicem esta chance de posicionar o Corinthians mais uma vez ao lado dos que anseiam por justiça: cedam espaço do uniforme para mensagens de combate à homofobia; produzam campanhas de marketing para as redes sociais; levem faixas de apoio à luta GLBTT para o gramado; incentivem os atletas homossexuais a assumirem-se publicamente e ofereçam a eles o amparo para lidar com o preconceito que, aos poucos, podemos fazer sumir das arquibancadas e das ruas.
Se formos fiéis à grandeza da nossa história, com certeza não vamos deixar de contribuir com um serviço público essencial: a construção de uma sociedade mais pacífica, solidária e unida.
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