sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A procuração

A internação aconteceu justamente na hora em que seria agilizada a procuração. Pura falta de sorte. Ninguém sabia a gravidade do problema ou se ela, um dia, voltaria para casa. Sua filha mais velha precisava da procuração para agilizar, em nome da mãe, qualquer outra futura (quem sabe?) internação, só que agora, no hospital adequado já que a senhora era pensionista da Marinha e havia a possibilidade de transferência para o hospital naval Marcílio Dias. O cartório pediu três testemunhas que não fossem parentes e algumas pessoas foram sondadas. Apesar da explicação sincera e da tristeza devido ao quadro apresentado, a mente e a língua humanas não possuem sentimentos à altura do ser criado ou do Deus que se propaga. Horas depois já corria na rua o boato de que tal procuração era para assumir a pensão, roubar o dinheiro, vender a alma ao diabo e coisas do nível. Impressionante, mas nem tanto. Certas pessoas deveriam comer merda, mas, ao invés de serem agradecidas pelo privilégio de sentar à mesa com humanos, praguejam a própria sorte e camuflam a mediocridade (ou a falta de homem, tanto faz) no vento mundano que sempre rodeia a sarjeta. Alguns membros da família ficaram chocados com a notícia, menos um. Alguns membros quiseram mandar muitos à merda, menos um. Em determinado momento alguém pergunta para o elemento: “você não sente raiva?”. Ele responde: “eu sinto pena. Se Deus existe, fodeu pra eles.”

Um comentário:

Jens disse...

Como observou Ataulfo Alves: a maldade desta gente é uma arte.
Às vezes, Marcelo, observando o comportamento de certas gentes, penso que Millôr tem razão: o homem é um animal inviável. Não deu certo.
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Um abraço. Dias melhores na semana que começa.