Algumas horas da tarde de sábado avançavam, mas ainda era dia. O forte calor nos subúrbios do Rio de janeiro já decretavam o que todos sabiam por osmose: o inverno falira. Nesse quadro encontramos a senhora de oitenta e dois anos que precisava de socorro urgente. Seu AVC era óbvio e sua saúde, outrora de ferro, esvaía-se de forma considerável. Como não havia vagas no hospital mais próximo, teve que ser “rolada” para o único posto de saúde vinte e quatro horas existente na cidade. Depois de muito “blá, blá, blá” sobre receber ou não, recebida foi, à força e à ameaça com o Estatuto do Idoso na cabeça. Os sinais do problema eram uma realidade nos exames feitos dias antes: diabetes e infecção nos rins. Remédio para neutralizar (ou apenas estabilizar) a infecção? Que nada. No posto, apenas vitaminas para manter uma sobrevida cambaleante, um rufar dos tambores antes da hora. Sem os remédios apropriados, os tambores rufariam certamente. Precisava-se de vaga em hospitais adequados para sanar a dor da paciente e confortar a dor espiritual dos parentes. Vagas? Só com algum conhecimento. O desemprego para os vivos pode ser grande, mas os moribundos não têm o direito de passar por uma transição de forma tão absurda. Vagas? E os tambores rufam. Não há remédios para doentes nos hospitais públicos, mas alguns prefeitos continuam realizando belas obras de embelezamento de praças e coisas visuais. É claro que morto não dá voto. Morto pobre, então... Mas como coisas inexplicáveis sempre acontecem em pindorama (porque a lógica sempre falha), através da Internet, uma vaga surgiu, pulou para fora do monitor e reacendeu a esperança de, pelo menos, uma internação digna, um acompanhamento relevante. E assim foi. Porém, muitos continuaram sem vagas. A senhora de oitenta e dois anos pode vir a falecer, sim, é um fato, mas uma coisa chamada saúde já morreu faz tempo. No Rio de Janeiro, saúde virou privilégio, como comer caviar, ou ser capaz de apreciar uma boa realização política. Nós já estamos mortos, só não nos demos conta. Ou ninguém falou, ou esquecemos de perguntar. Dá no mesmo.
3 comentários:
Esse privilégio não é só do Rio de Janeiro, MARCELO querido...
Ih, Marcelo, vou ser repetitivo, aproveitando o comentário da Acantha: o Rio tá maus mas BH não fica muito na frente. E mesmo pagando planos de saúde caríssimos (quem pode) a coisa não fica tão menos indigna e desumana. E onde é que a gente dá o sinal pra descer desse trem de loucuras? Um abraço.
Marcelo, também aqui em POA a saúde foi pras cucuias (pouco tempo atrás fecharam um posto de saúde; ontem o governo estadual encerrou um convênio com uma entidade beneficiente que fornecia óculos grátis para a população carente). Enquanto isto, os pulhas no Congresso só estão preocupados com o destino do RC (outro patife), como se isto fosse fundamental para a nação. A vontade é de quebrar tudo. A necessidade real é de uma revolução. Mas com que roupa?
Um abraço.
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