quinta-feira, 5 de julho de 2007

Um professor, certa vez


Pomba branca sobre gambiarra e urubu em teto de zinco quente
(Sandra Camurça)




Um professor uma vez, disse para seus alunos que não conseguia entender o brasileiro. Nem ele e nem a classe abastada econômico-social que insistia em matar o povo, subvertê-lo em máquina, “Construção Buarqueana”; reduzi-lo ao menor grau, intelectualmente falando, panfletariamente fazendo. Não entendia como essa gente não morria. Insistia em não morrer. Como dizia àquela letra do Milton: “uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas agüenta”.

Ao dirigir-se à turma e declarar sua enorme falta de entendimento sobre como sobre-vive o povo brasileiro, mirou ao longe, talvez avistando algo palpável na parece branca da sala, um ponto-de-fuga mental e metálico, e vocalizou algo do tipo: “o povo é como uma fênix, quando você pensa que morreu, ele renasce das cinzas”.

1350 policiais invadiram a favela do Alemão e há indícios de extermínio no ar. Isso fica evidente subtraindo o número de mortos (oficiais ou não-oficiais) pela quantidade de armas encontradas, como bem debruçou, de maneira sóbria e contundente, o jornalista Marcelo Salles no site do Observatório da Imprensa (O elogio do massacre):

Quem não se deixou levar pela irracionalidade, percebeu o seguinte (usando apenas os dados oficiais, reproduzidos pelas corporações de mídia): foram 19 mortos e 14 armas apreendidas. 19-14 = 5. Ou seja, se cada morto portasse pelo menos uma arma, temos que cinco pessoas estavam desarmadas. Há fortes indícios de que foram executadas.

A sociedade (ricos) exigiu tal atitude da polícia, quase a lançou à favela, por motivo simples: é melhor, para ela, a “barbárie fardada”, matando os “marginais” que a “barbárie de chinelos”, vomitando ódio às elites inoperantes. Portanto,há uma forte possibilidade de logo, logo termos notícias “normais” sobre abuso de poder, execução sumária, e coisas do tipo, mas tudo já estará cagado e bosta na praia de pobre não fede.

Mesmo assim, apesar da autoridade invertida, desrespeitosa, incompetente e desafiadora da paciência popular, o povo continua. Apesar de tudo ter começado com uma simples “caraca” na pele do poder, escondido pelas mangas compridas da corrupção e pelos acordos de “paz” entre chefes de Estado e traficantes, o povo continua; ganhando uma miséria de salário, uma miséria de governo. E a miséria é a miséria. Como já escreveu Renato Russo: “Não existe beleza na miséria, e não tem volta por aqui, vamos tentar outro caminho”.

Outro caminho sempre há, difícil é enxergá-lo depois da implosão cultural, educacional, explosão da saúde e dos transportes coletivos, depois de muitos relaxarem e gozarem (exatamente por que não precisam da caridade-esmola do Governo, mas se beneficiam com a generosidade infinita do poder) sem dar a mínima para os que realmente fazem e são a coluna e o alicerce do país. Mas outro dia sempre pode chegar.

É a fênix brasileira que, por ler muito Drummond, apesar dos pesares, resolve furar o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

10 comentários:

o refúgio disse...

Puxa, Marcelo, é uma honra ilustrar um texto seu. Quando fiz esse desenho pensei sim no caso da favela do Alemão. Mas pode ser qualquer favela desse nosso Brasil com tanta miséria.
Grata, muito grata!
Beijos.

Marcelo F. Carvalho disse...

Sandra, acredite, a honra é minha.
Abraço forte!

Moacy Cirne disse...

Meu caro: Você fez bem em ilustrar o seu texto com o belo desenho da Sandra. De resto, essa história da Favela do Alemão não está bem contada não. Um abraço.

Meneau (o insuportável) disse...

Foi oportuno você ter lembrado: "a sociedade (ricos) exigiu tal atitude da polícia..."

Sempre que ouço/vejo/leio notícias deste tipo, fico me perguntando: é pro bem da sociedade; mas qual setor da sociedade, cara-pálida?

Texto contundente. Parabéns.

Vais disse...

Olá Professor,

Como que não há outro caminho, né mesmo?

Sabe, a arte da Sandrinha, seu texto...

Se não acreditássemos, aí me incluo no meio daquelas e daqueles que acreditam, não haveria os movimentos sociais, não haveria pessoas, individualmente ou nos coletivos, que acreditam e fazem, praticam outras, novas, relações rompendo com as perversas.

parabéns professor e pra artista plástica também.

venha me visitar no blogue que criei www.recantodasformas.blogspot.com

beijo

Marcelo F. Carvalho disse...

Moacy, tremendo blog o seu! Tremenda história a sua! Gênio e generoso, dose rara hoje em dia.

Meneau, certos membros sociais, como a polícia, os hospitais, as escolas são puros reflexos do espelho maior. É uma pena que nossa elite se comporte como se ela, sem os pobres, fosse a única a transformar o Brasil (só se for pra pior!). Valeu pelas palavras!

Vais, assim que vi o seu recado no blog da Sandra (mesmo anônima), fui correndo visitar! Esqueci foi de acusar minhas pegadas por lá, mas volto infinitas vezes, certamente!

Abraço forte a todos!

Jens disse...

Marcelo: o Brasil é um país em guerra. Os que têm contra os que não têm (e não precisa ser rico. Estamos chegando a um estágio em que se o camarada tem um par de sapatos - ou tênis - e faz três refeições por dia já é considerado um privilegiado, passível de ser assaltado). A ação da polícia volta-se contra negros, preferencialmente, e pobres em geral. A imprensa, cada vez mais reaça, aplaude porque defende os interesses da sua classe, os abastados, que morrem de medo da explosão da choldra. Eu também tenho medo - ninguém está livre dos marginais de ambos os lados. Sinceramente, não sei onde esta merda vai acabar. Há dias em que penso que não existe solução. Mas deve (tem de) haver. O brasileiro é antes de tudo um forte.
***
Na segunda-feira reinicio os negócios lá na Toca. Um abraço e um bom findi.
***
Ah sim: a Sandrinha é tudo de bom. Ótima!!!

Marcelo F. Carvalho disse...

Concordo, Jens. E sim, a Sandrinha tem talento à beça!
Abraço forte!

Fernanda Passos disse...

Marcelo, voc� � um cara que vou sempre visitar. Tu � porrada mesmo!
Que cr�tica consistente. A tua vis�o � muito coerente.
Excelente.

Marcelo F. Carvalho disse...

Fernanda, tua visita e crítica sempre escontrarão porta aberta. O prazer é todo meu!
Abraço forte!