sábado, 21 de julho de 2007

Foi Deus

Há fortes indícios de problema mecânico, há fortes indícios de problema na pista, há fortes indícios de problema político, há fortes indícios de falha humana, mas podem ficar despreocupados, no final das contas, o único responsável pela tragédia em Congonhas é Deus, Ele poderia resolver todos esses problemas e indícios, mas preferiu não se meter. Taca pedra na Geni, mas não nos esqueçamos de processar Deus.

Aldir Blanc, sempre profundo e polêmico, assim como o grande Fausto Wolff, escreveu em sua coluna de ontem (sexta) no Jornal do Brasil:

“(...)testemunhar uma catástrofe, que todos já chamam de anunciada, e não sentir revolta, nojo, vergonha, aí é covardia. Um aeroporto é reformado (se duvidar, em nossas costumeiras obras superfaturadas) e a pista não resiste às chuvas? O final do percurso de pousar coincide, praticamente de frente, com um posto de gasolina. As tais ranhuras que facilitam a frenagem não foram feitas a tempo da inauguração, e a pista foi dada como pronta?(...)”[Grifo meu].

Acima desta coluna do Aldir, Fausto já prenuncia sua maravilhosa crônica com o título “O inferno de outro planeta”:

“Há muito a classe dominante enlouqueceu e seus robôs, a classe média e o proletariado, perderam as identidades. Diante dessa certeza, eu diria que o inferno são alguns homens e aqueles que os obedecem. Por isso o avião explodiu em Congonhas, embora saibam que vão morrer, como todos os outros, insistem em acumular fortunas que usam em bobagens quando poderiam usá-las para fazer desta Terra o paraíso. Eram 200 vidas que na terça se transformaram em 200 mortes. Quanto está custando uma vida humana no mercado hoje? Muito pouco. E isso nossa justiça e o dinheiro se encarregarão de provar em breve.” [Grifo meu]

Sem sair do J.B, outrora grande, mas que ainda possui excelentes colunistas, pulo para a sobriedade inteligente e elucidativa de Mauro Santayana:

“Gastaram-se, nas estações de passageiros, em Congonhas e em outros aeroportos nacionais, centenas de milhões de reais. Enfim, houve a inversão do bom senso. Se se pensasse que a prioridade é a vida – no caso, a vida dos tripulantes e passageiros – e não os lucros, o Aeroporto de Congonhas deveria ser desativado totalmente, ou, em qualquer caso, destinado apenas a aviões menores. E não é necessário que as estações de passageiros sejam elegantes centros comerciais. O mais importante são pistas longas, bem construídas, de acordo com a melhor engenharia, para que os dois momentos mais tensos – os pousos e as decolagens – sejam seguros.”

É simples assim, gente, se fizermos tudo certinho, as coisas acontecem positivamente. Obviamente que a culpa também é nossa. Uma grande escritora chamada Acantha, postou um recado no meu blog perguntando o seguinte: “Meu querido Marcelo, e a culpa por nosso silêncio, onde entra?” Ela está certa e é muito vergonhoso admitir que a culpa também é de uma sociedade que, mesmo sabendo que o país é empurrado com a barriga, prefere a digestão em seu amado lar a ter que sair às ruas lutando por alguma coisa que não seja apenas o dinheiro. Talvez a resposta para esta pergunta esteja no parágrafo citado da coluna do Fausto: viramos robôs. E isso é triste.

Luis Garcia, em sua coluna também de sexta-feira, nO Globo, escreveu:

“(...)O que importa é insistir no essencial: a segunda tragédia na aviação civil em menos de um ano criou clima favorável a políticas e medidas – radicais, se necessário – que devolvam segurança e competência à gestão da aviação comercial.
E o ponto de partida tem de ser descobrir a verdade sobre a tragédia de Congonhas. Tanto as causas imediatas como as remotas. A opinião pública não vai engolir um apressado e simplificador indiciamento do temporal.”

A opinião pública não vai engolir muita coisa durante muito tempo, principalmente as trapalhadas desculpas de quem não deveria ocupar o cargo que ocupa (no Brasil isso é enorme, estatisticamente) e não faz a menor idéia do que dizer. Indiciamento do temporal é pouco, triste se começarem a achar que Deus, talvez...

3 comentários:

Fernanda Passos disse...

Hannah Arendt fala da banalização do mal. Isso envolve a banalização da própria vida e a incapacidade de pensamento, consequentemente de julgamento.Também fala do isolamento como uma das características das sociedades modernas.
Isso que ela afirma pode se relacionar ao que você diz no texto da seguinte forma:
De fato, a maioria não se envolve com as questões públicas;
Não somos capazes de analisar criticamente a tragédia, bem como não somos capazes de julgar suas consequências. Tampouco somos capazes de responsabilzar a nós e às autoridades(todos por omissão, de uma forma ou de outra);
A vida, banalizada, perdeu o seu valor para o mercado - que virou humano(aqui, lembro de Marx mesmo).
O que resta, portanto, são essas "tragédias anunciadas". cruel isso, não?
Diante de tudo, só resta responsabilizar a Deus mesmo. Até quando?

Fernanda Passos disse...

Uma boa semana caro amigo. Bjs.

Jens disse...

Marcelo:
E pensar que a vida poderia ser maravilhosa... Por estas e outras a deprê está custando a me abandonar. Mas vai passar, espero.
Um abraço.