Ela brincava sozinha – gostava de brincar sozinha, sentia-se feliz assim, ou assim parecia para a sua mãe. Um dia, a mulher acabou de passar as roupas cedo e ficou sem nada mais para fazer. Guardou as peças passadas e decidiu dar uma olhada na filha que se encontrava na sala e sobre o que a criança brincava. Ao se aproximar do cômodo, notou que a prole falava alto, como que conversando e/ou discutindo com alguém. “Mas ela está sozinha!” Sim, a garota estava só e dialogava com “alguém”. Aproximou-se mais um pouco, mas agora fazia isso devagar, com os passos lentos, sem fazer ruído. Olhou ao redor – sim, ela encontrava-se sozinha. No entanto, parecia, pela cor avermelhada, aborrecida com alguma coisa. “O que está havendo?” A resposta veio de forma imediata e alterada: “A Carol quer brincar com a boneca da Júlia e eu estou tentando explicar que não pode porque a Júlia sempre chora quando ela tira a sua boneca...” Quem era Carol e quem era essa tal de Júlia? A mãe olhou para as bonecas em um canto da sala, notou que eram as que sua filha nunca usava, apenas as pegava e colocava-as em um canto da casa. “Mas eu não vejo nada, minha flor...”, disse a preocupada senhora. “É que elas só aparecem para mim.” A mãe não sabia o que dizer ou fazer, havia assistido a um filme sobre um rapaz esquizofrênico que via “amigos invisíveis” e, o filme, associado ao que acabara de presenciar, deixara-a em pânico. Disse qualquer coisa com a voz muito baixa e confusa e começou a andar pelo corredor; chegou à cozinha, bebeu um copo d’água e pensou seriamente no assunto. “Será que ela vê mesmo essas meninas? Será tudo isso fruto da sua imaginação fértil? Será que isso acontece com todas as crianças nessa fase?” Ouvira falar uma vez que as pessoas nessa idade possuíam uma pureza muito grande e eram, por isso, altamente receptivas ao contato com... “coisas assim”. Ouvira falar também que algumas crianças com até mais ou menos três anos de idade viam “amiguinhos invisíveis” ou, como era denominado, amiguinhos psíquicos e, como dizia uma reportagem, era extremamente normal. De qualquer forma, era preciso procurar ajuda, orientação psicológica e tudo mais, nunca se sabe. Voltou para a sala e observou atentamente a menina brincar com a sua boneca e com as suas “amigas”, estava(m) calma(s) agora e tudo parecia correr bem. De vez em quando, sua filha sorria ou gargalhava, a mulher olhava ao redor e não via nada além das paredes e móveis. Era estranho, mas... será mesmo?... “Será que os adultos estão tão corrompidos e sujos em seus corações que são incapazes de ver as coisas desse nível?” A mulher não tinha as respostas. Na verdade, a única coisa que latejava em sua mente era: será mesmo?...
4 comentários:
Adorei, Marcelo. Também brinquei muito sozinha quando criança e falava muito com meus amiguinhos imaginários. Moro com minha irmã e tenho uma sobrinha que também fala muito sozinha.`Nem me assusto, toda criança faz isso. E quer saber: eu ainda falo sozinha. Como diria Baudelaire: sei povoar minha solidão.
A propósito, gostei demais do teu comentário sobre os peixinhos. Quis dar a idéia de alegria e luminosidade mesmo na escuridão.
Beijo Grande!
A amiga Sandra, do Recife, recomendou-me o seu blogue. Ela acertou em cheio; os seus textos são atuais e densos, e merecem ser lidos com atenção. Voltarei outras vezes. (Na verdade, acho até que já estive aqui antes, de passagem.) Um abraço.
Marcelo, adorei encontrar amigos imaginários em seu texto. Na minha família eles são comuns e eu adorava ver minha irmã caçula e minha sobrinha brincando com Júnior e Hugo, respectivamente seus amiguinhos mais queridos. Gostei muito da forma como vc tratou o assunto.
Abraço e obrigada pela visita ao meu mar.
Sandra e Evelyne, eu próprio já tive alguns... E, sim, às vezes também falo sozinho (mas agora sem amigos, o que é mais preocupante, hehehe).
Moacy, a casa também é sua, entre quanto quiser ou puder. Quando der, visitarei sua casa também!
Abraço forte!
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