sábado, 25 de agosto de 2007

25

Vinte e cinco mortos em uma cela... Apenas uma pergunta: Existe correção neste sistema carcerário ou jogamos "humanos indesejados" em um cela para o abate?
Gostaria de ser mais abrangente, mas o grande Meneau já disse tudo no seu blog:
Meneau cita Drummond, eu também. Ele por causa de Chaplin, eu por Martin L. King e porque preciso acreditar.
O Morto de Mênfis

A arma branca
e o alvo prêto
Não cabem
no sonêto.

A mão
que move o fuzil
destrói o til
da canção.

Fica no ar
o som
do verbo matar.

Na varanda, sem côr,
os restos
do amor.

Nos vergéis da justiça
o sol faísca sôbre
carniça.

O ódio e seu ôlho
telescópico
formam um demônio
ubíquo.

Seu nome, Legião.
Não
perdoa a vida.

Onde a vida brota
seu talo verde,
êle vai e corta.

Onde a vida fala
sua esperança,
êle crava a lança,

borda o epitáfio:
Aqui jaz,
desossada, a paz.

Na linha de côr,
na linha de dor,
na linha de horror

da calçada,
a mata é basculante
de banheiro; mais nada.

(Ou janela debruçada
sôbre o carro
Caça ou curra?)

O homem não se reconhece
no semelhante.
O homem anoitece.

O que mais o assusta,
o que mais o ofende
é a luz vasta.

O homem ignora
tudo que já sabe.
E não chora.

Sua intenção
é matar-se na morte
do irmão?

É negar o irmão
e seguir sozinho,
sêco, surdo, torto
espinho?

As artes, os sonhos
dissipam-se no projeto
medonho.

Mas renascem. De lágrimas,
pânico, tortura,
emerge a vida pura,

em sua fraqueza
mais forte que a fôrça,
mais fôrça que a morte.

A raiz do homem
vai tentar de nôvo
o ato de amar.

Vai recomeçar,
Vai continuar.
Continuar.

O morto de Mênfis
continua a amar.
Ninguém mais o pode
matar.

Carlos Drummond de Andrade

8 comentários:

Moacy Cirne disse...

Uma boa postagem. Na medida certa: da indignação à montagem dos versos. Abraços.

o refúgio disse...

Um poema forte.

Ah, Marcelo com relação ao aeu comentário na postagem do zeppelin: o orgulho que eu falo é sobre o fato de Recife ter sido a primeira cidade da América do Sul a receber os dirigíveis. Quanto a eles acho formidáveis, apesar de não terem vingado.
Beijos.

Fernanda Passos disse...

Um por Chaplin, você por M. L. King e eu por acreditar(também) sempre e sempre, mas sobretudo pela própria humanidade. Essa precisa, acreditar.
Humanidade não no sentido de um conceito totalizante, universalizante, mas no sentido de pessoas que convivem e que precisam fazer dessa convivência algo melhor, algo mais justo. Uma humanidade, mais humana.
Lindo Marcelo.
Grande beijo.

AB disse...

Como disse o Cronista, lá no Banalidades, MARCELO, apenas uma notação em alguns blogs.. Que sirvam de epitáfio aos anônimos "ninguém"...

Meneau (o insuportável) disse...

Marcelo, agradeço por me citar aqui no seu blog e, principalmente, por citar Drummond. Como escreveu a Acantha aí em cima, talvez estes versos sejam os únicos epitáfios dessas pessoas. Um abraço.

Fernanda Passos disse...

Marcelo, por vc ter sido o primeiro a postar algo meu a minha consideração por ti é imensa. Assim, resolvi PRESENTEAR vc. Tá lá no POESIA NA VEIA. Passa lá. Vê se aceita. Um beijo grande.

Jens disse...

É um tempo de guerra, Marcelo. Os bárbaros estão vencendo.

Ro Druhens disse...

Que bom que a Fernanda Passos guiou meus passos até aqui. Parabéns!