sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Os deuses devem peidar


Minha monografia de conclusão do curso de Letras (Literatura), ano 2002, chama-se Uma Construção: alicerces, tijolos e operários e traz a análise do poema Construção, de Chico Buarque. Claro que, para falar do poema, foi preciso falar do autor e do momento histórico em que estava inserido enquanto artista e cidadão.

Gostava do Chico, achava algumas músicas totalmente maravilhosas e, essa (Construção), um dos muitos marcos zero da música universal. Ela é brilhante em todos os aspectos estruturais, rítmicos, desde o encaixe das proparoxítonas na última palavra de cada verso à desconstrução das orações, da lógica, da humanização. Poema brutal, raro diamante. E a música em pleno sexo com o poema, alimentando-o, elevando-o. Evolui junto com o poema, acrescentando, crescendo em corpo junto aos versos. Quando o operário morre, os metais dão vida às sirenes e buzinas de todos os tipos. É o trânsito sendo atrapalhado pelo “pacote” flácido, tímido, náufrago. Coisa de gênio.

Confesso que foi a partir desta pesquisa que descobri o grande artista. Humano, bastante humano. Filho da classe média intelectualizada, fora proibido pelo pai de sair à rua até completar a maior idade, pois, ainda adolescente, tinha como passatempo “puxar carros” para dar uma volta pelo bairro; depois os abandonava. Um gostoso delinquente, como muitos dos nossos jovens.  

Eu adoro os gênios humanizados, portanto, virei um grande admirador das obras do Chico.

Isto responde, certamente, ao meu completo desapego às religiões. São todos muito divinos para mim. O homem Jesus, este marxista lindo, este quese-feminista glorioso, que quis dividir igualmente, em irmandade, tanto corpo quanto alma, não importando se homem ou mulher, intelectual ou bruto, rico ou pobre; o maior socialista daquelas terras áridas, o grande humanista antes mesmo do ocidente europeu surgir. Enfim, deste homem, que quis revolucionar a partir da justiça e da igualdade, eu tenho o maior amor, a maior das emoções. Mas esse que anda sobre águas, ressuscita mortos, esse misto de X-men bebendo red bull, esse que o status quo “divinou”; esse não me diz muita coisa.

Eu adoro os deuses humanizados, portanto, virei um fã do Jesus, aquele antes do cristo.

Faço esta singela revelação porque o mundo anda com uma vontade enorme de consumir divindades. Nós compramos, vestimos, comemos, multiplicamos o divino. O artista não precisa ter talento. Hoje, basta ser famoso. “O que você faz”? “Nada, sou famoso”. Ser celebridade virou profissão e, mais perigoso, o caminho para a felicidade. E são muitos peitos e muitas bundas que nada dizem e nem querem dizer; são músculos, sucos, dietas, em busca de um corpo e sorriso que nunca teremos porque aqueles da revista e dos programas não passam de photoshop e maquiagem pesada.

Quando as celebridades são pesos pesados então... A assessoria de imprensa deles (sim, porque todos têm uma assessoria de imprensa) quer fazer você acreditar que eles não peidam, não cagam e nem ficam bêbados ou arrotam ou fabricam remela. São cristãos que frequentam sinagogas e batem cabeça para Alá. São para todos os gostos e tentam agradar a todos. Uma divindade, enfim.

Pena.

Então, quando alguém resolve contar a vida desse deus, desse falo imprescindível, e revela que, aos cinco anos, o pequeno sol urinava na cama ou, aos 15, cigarro só o de maconha, alguém pula lá do vigésimo andar convocando os arcanjos! Heresia! Fogueira no escritor ateu! Ele tem as duas pernas, por Júpter!
Procure saber se não é assim.

 Pena.

Eu adoro o artista com defeitos, a dedicação impregnada de suor, o trabalho honesto. Se os meus gênios cometem erros, tanto melhor, sinal de que estão mais pertos de mim e valem o dinheiro que gasto nos seus livros e discos.

Do contrário, é melhor beber um red bull ou ir à igreja. Artista, para ter o meu respeito, tem que ser humano. E peidar.

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