Minha monografia de conclusão do
curso de Letras (Literatura), ano 2002, chama-se Uma Construção: alicerces,
tijolos e operários e traz a análise do poema Construção, de Chico Buarque. Claro que, para falar do poema, foi
preciso falar do autor e do momento histórico em que estava inserido enquanto
artista e cidadão.
Gostava do Chico, achava algumas
músicas totalmente maravilhosas e, essa (Construção), um dos muitos marcos zero
da música universal. Ela é brilhante em todos os aspectos estruturais,
rítmicos, desde o encaixe das proparoxítonas na última palavra de cada verso à
desconstrução das orações, da lógica, da humanização. Poema brutal, raro
diamante. E a música em pleno sexo com o poema, alimentando-o, elevando-o.
Evolui junto com o poema, acrescentando, crescendo em corpo junto aos versos. Quando
o operário morre, os metais dão vida às sirenes e buzinas de todos os tipos. É
o trânsito sendo atrapalhado pelo “pacote” flácido, tímido, náufrago. Coisa de
gênio.
Confesso que foi a partir desta
pesquisa que descobri o grande artista. Humano, bastante humano. Filho da classe
média intelectualizada, fora proibido pelo pai de sair à rua até completar a
maior idade, pois, ainda adolescente, tinha como passatempo “puxar carros” para
dar uma volta pelo bairro; depois os abandonava. Um gostoso delinquente, como
muitos dos nossos jovens.
Eu adoro os gênios humanizados,
portanto, virei um grande admirador das obras do Chico.
Isto responde, certamente, ao meu
completo desapego às religiões. São todos muito divinos para mim. O homem
Jesus, este marxista lindo, este quese-feminista glorioso, que quis dividir
igualmente, em irmandade, tanto corpo quanto alma, não importando se homem ou
mulher, intelectual ou bruto, rico ou pobre; o maior socialista daquelas terras
áridas, o grande humanista antes mesmo do ocidente europeu surgir. Enfim, deste
homem, que quis revolucionar a partir da justiça e da igualdade, eu tenho o
maior amor, a maior das emoções. Mas esse que anda sobre águas, ressuscita
mortos, esse misto de X-men bebendo red bull, esse que o status quo “divinou”;
esse não me diz muita coisa.
Eu adoro os deuses humanizados,
portanto, virei um fã do Jesus, aquele antes do cristo.
Faço esta singela revelação
porque o mundo anda com uma vontade enorme de consumir divindades. Nós
compramos, vestimos, comemos, multiplicamos o divino. O artista não precisa ter
talento. Hoje, basta ser famoso. “O que você faz”? “Nada, sou famoso”. Ser
celebridade virou profissão e, mais perigoso, o caminho para a felicidade. E
são muitos peitos e muitas bundas que nada dizem e nem querem dizer; são
músculos, sucos, dietas, em busca de um corpo e sorriso que nunca teremos
porque aqueles da revista e dos programas não passam de photoshop e maquiagem
pesada.
Quando as celebridades são pesos
pesados então... A assessoria de imprensa deles (sim, porque todos têm uma
assessoria de imprensa) quer fazer você acreditar que eles não peidam, não
cagam e nem ficam bêbados ou arrotam ou fabricam remela. São cristãos que
frequentam sinagogas e batem cabeça para Alá. São para todos os gostos e tentam
agradar a todos. Uma divindade, enfim.
Pena.
Então, quando alguém resolve
contar a vida desse deus, desse falo imprescindível, e revela que, aos cinco
anos, o pequeno sol urinava na cama ou, aos 15, cigarro só o de maconha, alguém
pula lá do vigésimo andar convocando os arcanjos! Heresia! Fogueira no escritor
ateu! Ele tem as duas pernas, por Júpter!
Procure saber se não é assim.
Pena.
Eu adoro o artista com defeitos,
a dedicação impregnada de suor, o trabalho honesto. Se os meus gênios cometem
erros, tanto melhor, sinal de que estão mais pertos de mim e valem o dinheiro
que gasto nos seus livros e discos.
Do contrário, é melhor beber um
red bull ou ir à igreja. Artista, para ter o meu respeito, tem que ser humano.
E peidar.
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