Ele pediu para ela o encontrar
naquele cantinho que há tempos era só deles. Desde o começo do namoro, 07 anos
atrás, era ali, naquela mesinha que eles tomavam o chope, pediam os petiscos e
sugeriam uma música para eles. Aliás, sugeriam não, ele sugeria, pois ela
achava que aquilo não era muito elegante com o músico.
Mas, enfim, ela estava sentada
naquele cantinho, com uma caneca de chope na mão e uma isca de peixe sobre a
mesa e aquele som bem tirado do violonista e da percussão que o acompanhava. Se um dia a gente se encontrar e eu
confessar que vi um filme tantas vezes pra desvendar os olhos teus.
E ela deixou-se levar por tão
mágica melodia e lembrou do primeiro encontro deles ali, naquele cantinho, a
maravilhosa penumbra iluminando todos os gestos dele, a mão no queixo, os
lábios no chope, a boca no beijo. Ela ficara maravilhada com a decoração e o acolhimento:
as antigas máquinas de costurar transformadas em mesas com granito preto sobre
elas, o balcão rústico e as fotos em preto e branco emolduradas e espalhadas
pela parede, além, é claro, dos dois músicos que ora descolavam um Milton, um
Chico, ora Beatles, Lou Reed; nos intervalos, Parker, Miles, Monk, Coltrane,
salpicados pelo mp3 do dono. Ela já admitiu que trepara com ele na primeira vez
porque o lugar torporizava mais que a cevada? Já. Depois de um bom sexo e um
chuveiro quente.
Estava com um meio sorriso nos
lábios quando ele chegou e disse alguma coisa sem a menor importância diante da
música executada com todo o carinho pela dupla. Ele perguntou se estava tudo
bem e ela fez que sim com a cabeça, a voz saiu quase sofrida, tirando-a do
Éden: “tudo bem, sim, e com você”? E ele levou uns dois minutos para filosofar
dentro de um tema que apenas servia como prato de entrada. A dupla pediu vinte
minutos de descanso, as caixas de som acopladas no forro do teto deram os
primeiros acordes. Long Way Home, do Waits.
E ela meio que fechou os olhos e melodiou com a cabeça. O lugar embriagava.
Depois de muito falar e nada
dizer, ele parou e ficou longos segundos observando a mulher que, independente
dele e do mundo, ziguezagueava a cabeça a medida que a rouquidão do Tom
deslizava pela atmosfera. Ficou excitado. Como não queria ficar com hálito de
peixe, bebeu e pensou naquelas longas pernas entrelaçadas na sua cintura. Pediu
caneta e papel ao garçom e ela fez cara feia. “Não quer pedir nada para eles”? “Nem
que você peça também” foi a afirmação definitiva dela.
A música foi acabando e ela
perguntou se ele não queria comer nada. Ele levantou a cabeça e mostrou os
dentes. Pensava no longo caminho que faria para casa com ela. Ela pensava no
curto caminho que faria se dissolvesse logo aquilo e mandasse ele à merda. Ela
pediu outro chope, ele disse dois. Ele procurou a sua mão e encontrou as coxas.
“Tudo bem, mas qualquer dia eu vou embora”. “Eu sei, benzinho”. E beberam mais
outros tantos chopes e tomaram outros tantos banhos quentes até que um dia
aquele cantinho passou a outros tantos com tantos outros amores e dissabores e
já escutavam a Norah ao invés do Tom.
Let's go out past the
party lights
We can finally be alone
Come with me and we can take the long way home
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