sábado, 11 de maio de 2013

Sobre helicópteros e metralhadoras


Um helicóptero sobrevoa o telhado da casa do primo Gustavo, fica dando voltas à procura, nitidamente, de alguém, todos sabem e, apesar dos convidados ainda não terem chegado, não todos, digo para ninguém ir ao portão, pois o bicho iria pegar e não seria prudente meter as caras para além do quintal.
Churrasco rolando, cerveja gelada, aquela carne meio de segunda que o açougueiro amigo deu um trato melhorado no corte e ficou quase tão boa quanto uma alcatra mediana. A música que estava num volume médio pulou para o baixo – atenção redobrada no ar – já que era absolutamente necessário não deixar as crianças sumirem dos nossos ouvidos.
De repente, não mais que de repente, uma rajada de metralhadora é ouvida a poucos metros de distância. As cápsulas caem do céu como chuva com sol – casamento de espanhol. O som para definitivamente e o motivo da correria das mães ao encontro das crianças é o que originou a comemoração do seu dia. A metralhadora dava a batucada sem cadência ao longo de cinquenta metros de rua, dessas que passam todos os humanos, inclusive e com maior frequência, os inocentes. Claro, ninguém se importa muito com isso – eram pobres moradores de uma comunidade miserável, então, fodam-se.
A metralhadora rasgou o som de uma esquina a outra, o objetivo era atingir um carro. Um carro apenas. Mais de cem cápsulas de projéteis no chão para a morte de um traficante. Deu certo. Apesar do perigo irresponsável e da imprudência absurda, a operação foi um sucesso. Bandido bom é bandido morto, dizem; só não fazem esse tipo de campanha quando o bandido vive na Zona Sul do Rio de Janeiro, assim como a discussão da maioridade penal nunca acontece quando os delinquentes são filhos de algo (fidalgos) colocando fogo em mendigos, índios, espancando prostitutas e gays ou mesmo atropelando, bêbados, sóbrios cidadãos – sem falar nos Jet-skis da vida. Enfim, o pobre que se foda. Sempre e ininterruptamente.
Alguns minutos depois da morte do não-cidadão e pseudo não-humano, o churrasco voltou a brasar, a cerveja continuou a sair gelada do freezer e a música foi colocada em som baixo, mas dava para distinguir a voz de João Bosco cantando De Frente pro Crime.
Será que estamos, todos, virando o tenente-coronel Bill Kilgore, de Apocalipse Now?
Em vez de reza, uma praga de alguém.


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