Um helicóptero
sobrevoa o telhado da casa do primo Gustavo, fica dando voltas à procura,
nitidamente, de alguém, todos sabem e, apesar dos convidados ainda não terem
chegado, não todos, digo para ninguém ir ao portão, pois o bicho iria pegar e não seria prudente meter as caras para além do
quintal.
Churrasco
rolando, cerveja gelada, aquela carne meio de segunda que o açougueiro amigo deu um trato melhorado no corte e ficou
quase tão boa quanto uma alcatra mediana. A música que estava num volume médio
pulou para o baixo – atenção redobrada no ar – já que era absolutamente
necessário não deixar as crianças sumirem dos nossos ouvidos.
De repente,
não mais que de repente, uma rajada de metralhadora é ouvida a poucos metros de
distância. As cápsulas caem do céu como chuva com sol – casamento de espanhol.
O som para definitivamente e o motivo da correria das mães ao encontro das
crianças é o que originou a comemoração do seu dia. A metralhadora dava a
batucada sem cadência ao longo de cinquenta metros de rua, dessas que passam
todos os humanos, inclusive e com maior frequência, os inocentes. Claro,
ninguém se importa muito com isso – eram pobres moradores de uma comunidade
miserável, então, fodam-se.
A metralhadora
rasgou o som de uma esquina a outra, o objetivo era atingir um carro. Um carro
apenas. Mais de cem cápsulas de projéteis no chão para a morte de um
traficante. Deu certo. Apesar do perigo irresponsável e da imprudência absurda,
a operação foi um sucesso. Bandido bom é bandido morto, dizem; só não fazem
esse tipo de campanha quando o bandido vive na Zona Sul do Rio de Janeiro,
assim como a discussão da maioridade penal nunca acontece quando os
delinquentes são filhos de algo (fidalgos) colocando fogo em mendigos, índios, espancando
prostitutas e gays ou mesmo atropelando, bêbados, sóbrios cidadãos – sem falar
nos Jet-skis da vida. Enfim, o pobre que se foda. Sempre e ininterruptamente.
Alguns minutos
depois da morte do não-cidadão e pseudo não-humano, o churrasco voltou a
brasar, a cerveja continuou a sair gelada do freezer e a música foi colocada em
som baixo, mas dava para distinguir a voz de João Bosco cantando De Frente pro Crime.
Será que estamos, todos, virando o tenente-coronel Bill Kilgore, de Apocalipse Now?
Em vez de
reza, uma praga de alguém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário