terça-feira, 23 de abril de 2013

O Paradoxo da Euforia



“Vamos falar de pesticidas e de tragédias radioativas, de doenças incuráveis, vamos falar de sua vida.”
           Assim Renato Russo começa a ótima Natália, primeira música do álbum A Tempestade ou O Livro dos Dias. Falava ele, suponho, da angústia que precede o final, o sofrimento que vem da certeza de que tudo irá acabar (A escuridão ainda é pior que essa luz cinza). Claro, o velho Manfredini estava falando dele e da AIDS, mas é inegável que a música, depois de jogada ao vento, torna-se um organismo vivo, transformador e interpretativo de qualquer pessoa, não importando mais o que o autor primeiro quis dizer.
           Acho que, por isso, Natália vai me servir como mote para uma pergunta: o paradoxo das olimpíadas de 2016 foi finalmente metamorfoseado em Arthur Zanetti?
          Não é fácil acreditar que um medalhista como Arthur pretenda defender outra bandeira, outro país, justamente no ano em que a pira olímpica estará no coração do Rio de Janeiro. Por quê?
         Porque, meu caros e poucos leitores, enquanto os nossos estádios despejam milhões de Reais em concreto e ferro, em lobby e conchavo, os atletas, como Arthur, precisam dividir o seu treinamento, em ambiente precário e absurdo, com outras crianças e iniciantes de um esporte mal amado e sombrio aos olhos dos nossos governantes. Nem a medalha conquistada pelo jovem Zanetti melhorou o desempenho do governo da sua cidade; a comida ainda é trazida em quentinhas e a estrutura de treino é ridícula.  Depois da conquista, mais crianças procuraram, óbvio, inscrever-se para treinar e aprender a modalidade laureada por Arthur. Conseguiram? Não, não havia como suportar a demanda em ambiente tão hostil.
           Enquanto isso, os ótimos e perfumados idealizadores do novo Maracanã (O José Trajano acha que deveria ser reinaugurado sob um novo nome: Maracutaia), com a ajuda do (des)governo do Rio, que continua lindo somente para os seres mitológicos e nórdicos que compram tudo e não realizam nada, constroem o concreto gigante na “feia fumaça que sobe apagando as estrelas”, derrubando museus, expulsando índios, acabando com escolas, a fim de que tudo vire uma imensa Disneylândia. Trajano esta certo, é preciso que se tire a estátua do Luiz Bellini dali e coloquem uma do Thor... Ou do seu pai.
             “Preste atenção ao que eles dizem: ter esperança é hipocrisia, a felicidade é uma mentira e a mentira é salvação.”
          Claro que o velho Maraca ficará de pé, mas a sua pista de atletismo e os encantos do entorno... Aliás, alguém conseguiria me explicar como tantos milhões públicos foram gastos para, no final de tudo, ser dado à iniciativa privada? “A escuridão ainda é pior do que essa luz cinza”? Depois de tudo e de todos, tudo o que se gastou com todos os milhões saídos dos cofres públicos, ou seja, nosso dinheiro, haverá uma licitação (cartas marcadas? Sempre) para que empresas acopladas usufrua do estádio e do que construirão no entorno por 35 anos. Sim, eu disse 35 anos! 35 e um investimento de 600 milhões de Reais. Isso dá aproximadamente 17 milhões por ano. É muito? Achei uma pechincha... Salve Jorge! Salve Odin! Salve Thor!
             Enquanto isso, a estrutura para os nossos atletas treinarem é praticamente risível.
           “É preciso acreditar num novo dia, na nossa grande geração perdida, nos meninos e meninas, nos trevos de quatro folhas.”
           Tenho a séria impressão de que passaremos a maior vergonha nessas olimpíadas. Mas quando foi diferente em se tratando de investimento esportivo? Vai sim, Zanetti! Vai ganhar o seu pão com alguma dignidade. Vai amar quem te ama!
              “Quem sabe um dia eu escrevo uma canção pra você?”





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