“Vamos falar de pesticidas e de
tragédias radioativas, de doenças incuráveis, vamos falar de sua vida.”
Assim
Renato Russo começa a ótima Natália,
primeira música do álbum A Tempestade ou
O Livro dos Dias. Falava ele, suponho, da angústia que precede o final, o
sofrimento que vem da certeza de que tudo irá acabar (A escuridão ainda é pior que essa luz cinza). Claro, o velho
Manfredini estava falando dele e da AIDS, mas é inegável que a música, depois
de jogada ao vento, torna-se um organismo vivo, transformador e interpretativo
de qualquer pessoa, não importando mais o que o autor primeiro quis dizer.
Acho
que, por isso, Natália vai me servir
como mote para uma pergunta: o paradoxo das olimpíadas de 2016 foi finalmente
metamorfoseado em Arthur Zanetti?
Não
é fácil acreditar que um medalhista como Arthur pretenda defender outra
bandeira, outro país, justamente no ano em que a pira olímpica estará no
coração do Rio de Janeiro. Por quê?
Porque,
meu caros e poucos leitores, enquanto os nossos estádios despejam milhões de
Reais em concreto e ferro, em lobby e conchavo, os atletas, como Arthur,
precisam dividir o seu treinamento, em ambiente precário e absurdo, com outras
crianças e iniciantes de um esporte mal amado e sombrio aos olhos dos nossos
governantes. Nem a medalha conquistada pelo jovem Zanetti melhorou o desempenho
do governo da sua cidade; a comida ainda é trazida em quentinhas e a estrutura
de treino é ridícula. Depois da
conquista, mais crianças procuraram, óbvio, inscrever-se para treinar e aprender
a modalidade laureada por Arthur. Conseguiram? Não, não havia como suportar a
demanda em ambiente tão hostil.
Enquanto
isso, os ótimos e perfumados idealizadores do novo Maracanã (O José Trajano
acha que deveria ser reinaugurado sob um novo nome: Maracutaia), com a ajuda do
(des)governo do Rio, que continua lindo somente para os seres mitológicos e
nórdicos que compram tudo e não realizam nada, constroem o concreto gigante na
“feia fumaça que sobe apagando as estrelas”, derrubando museus, expulsando
índios, acabando com escolas, a fim de que tudo vire uma imensa Disneylândia.
Trajano esta certo, é preciso que se tire a estátua do Luiz Bellini dali e coloquem
uma do Thor... Ou do seu pai.
“Preste
atenção ao que eles dizem: ter esperança é hipocrisia, a felicidade é uma
mentira e a mentira é salvação.”
Claro
que o velho Maraca ficará de pé, mas a sua pista de atletismo e os encantos do
entorno... Aliás, alguém conseguiria me explicar como tantos milhões públicos
foram gastos para, no final de tudo, ser dado à iniciativa privada? “A
escuridão ainda é pior do que essa luz cinza”? Depois de tudo e de todos, tudo
o que se gastou com todos os milhões saídos dos cofres públicos, ou seja, nosso
dinheiro, haverá uma licitação (cartas marcadas? Sempre) para que empresas
acopladas usufrua do estádio e do que construirão no entorno por 35 anos. Sim,
eu disse 35 anos! 35 e um investimento de 600 milhões de Reais. Isso dá
aproximadamente 17 milhões por ano. É muito? Achei uma pechincha... Salve
Jorge! Salve Odin! Salve Thor!
Enquanto
isso, a estrutura para os nossos atletas treinarem é praticamente risível.
“É
preciso acreditar num novo dia, na nossa grande geração perdida, nos meninos e
meninas, nos trevos de quatro folhas.”
Tenho
a séria impressão de que passaremos a maior vergonha nessas olimpíadas. Mas
quando foi diferente em se tratando de investimento esportivo? Vai sim,
Zanetti! Vai ganhar o seu pão com alguma dignidade. Vai amar quem te ama!
“Quem
sabe um dia eu escrevo uma canção pra você?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário