sábado, 13 de abril de 2013

Billie e o pêndulo




                Começo com esta música aí de cima para, vez em quando, lembrar que certas coisas já foram muito, mas muito comuns numa época recente. Negros pendurados em árvores, balançando ao bel-prazer do vento do sul, como uns pêndulos. Em árvores ou em cruzes, iluminadas pelas chamas dos homens encapuzados, clamando pela “ira de deus”, degenerados brancos e sulistas malditos; queriam a volta da sua supremacia ou da idiotice de se sentirem superiores, donos dos navios negreiros. Tempos comuns, com brisas, roupas brancas de puro linho, campos de algodão, mulheres sorrindo.
Você sabe que tem gente que, por não entender o ouroboros da história humana, o seu eterno retorno, acredita que certas mudanças são verdadeiras heresias, pois tira da ordem o que esta em voga, desintegra o que, até aquele momento, era tradicional e “imutável”. Pois bem, nada é imutável e aquilo que parecia ser o certo e comum, como o Strange Fruit da nossa Billie, cinquenta anos atrás, pode ser transformado, modificado, aniquilado. E é possível que fique muito, muito melhor depois da transformação. Pode ser que cause estranheza no início, mas tudo volta ao normal e, o que era a aberração, vira o comum, o óbvio.
 Tem umas figuraças que defendem o retorno de leis escritas há milênios. Tem gente que defende o retorno dos valores dos nossos bisavós, tem gente que quer ficar rico sem saber o porquê ou como, tem gente que se opõe a isso, tem gente que nem a gente.
Tem gente que adoraria a volta da ditadura porque essa coisa de democracia é muito complexa e fresca, pois permite a voz dos opositores e faz debruçamentos absurdos sobre esse tal de direitos humanos. Direitos humanos... Esse sofredor. Tudo é culpa dele, como se a sociedade não fosse moldada exatamente sobre o nosso cadáver e caráter. Ou a falta dele. Tem gente que diz que na ditadura não havia essa roubalheira toda. Bem, acho que não vai dar para saber... Numa ditadura a voz é silenciada, os documentos são perdidos ou selados e os roubos... Que roubos? Você que ir para o pau-de-arara, quer?
Tem gente para tudo nesse mundo – graças aos deuses! Ou a nenhum deles.
E essa voz da Billie, e essa música triste e esse vento do sul...  Corpos pendurados e pastores sendo mortos por mira telescópica. Foi em Mênfis como poderia ser na Baixada Fluminense ou Bogotá, Gaza, Soweto.
Não, nada foi conquistado por completo. É preciso luta. Dizer que só existe a raça humana é muito bonito, mas é perigoso, pois coloca a flor nas mãos de quem porta o fuzil, coloca o amor na boca de quem só vende o ódio. Um dia seremos uma só raça. Por enquanto é preciso, primeiro, que as oportunidades sejam iguais, que a partilha seja melhor. Quando um negro juiz vira assunto de revista, é porque só há brancos no recinto. Quando um homem consegue emprego porque devolveu o dinheiro de alguém, é porque precisamos parar e repensar a sociedade.
E essa Billie com essa voz... E o vento do sul balançando o pêndulo... Só faltou o conhaque pr`eu ficar todo sul, todo Billie, todo lá, todo triste!

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