Começo
com esta música aí de cima para, vez em quando, lembrar que certas coisas já
foram muito, mas muito comuns numa época recente. Negros pendurados em árvores,
balançando ao bel-prazer do vento do sul, como uns pêndulos. Em árvores ou em
cruzes, iluminadas pelas chamas dos homens encapuzados, clamando pela “ira de
deus”, degenerados brancos e sulistas malditos; queriam a volta da sua
supremacia ou da idiotice de se sentirem superiores, donos dos navios
negreiros. Tempos comuns, com brisas, roupas brancas de puro linho, campos de
algodão, mulheres sorrindo.
Você sabe que
tem gente que, por não entender o ouroboros da história humana, o seu eterno
retorno, acredita que certas mudanças são verdadeiras heresias, pois tira da
ordem o que esta em voga, desintegra o que, até aquele momento, era tradicional
e “imutável”. Pois bem, nada é imutável e aquilo que parecia ser o certo e
comum, como o Strange Fruit da nossa
Billie, cinquenta anos atrás, pode ser transformado, modificado, aniquilado. E
é possível que fique muito, muito melhor depois da transformação. Pode ser que
cause estranheza no início, mas tudo volta ao normal e, o que era a aberração,
vira o comum, o óbvio.
Tem umas figuraças que defendem o retorno de
leis escritas há milênios. Tem gente que defende o retorno dos valores dos
nossos bisavós, tem gente que quer ficar rico sem saber o porquê ou como, tem
gente que se opõe a isso, tem gente que nem a gente.
Tem gente que
adoraria a volta da ditadura porque essa coisa de democracia é muito complexa e
fresca, pois permite a voz dos opositores e faz debruçamentos absurdos sobre
esse tal de direitos humanos. Direitos humanos... Esse sofredor. Tudo é culpa
dele, como se a sociedade não fosse moldada exatamente sobre o nosso cadáver e
caráter. Ou a falta dele. Tem gente que diz que na ditadura não havia essa
roubalheira toda. Bem, acho que não vai dar para saber... Numa ditadura a voz é
silenciada, os documentos são perdidos ou selados e os roubos... Que roubos?
Você que ir para o pau-de-arara, quer?
Tem gente para
tudo nesse mundo – graças aos deuses! Ou a nenhum deles.
E essa voz da
Billie, e essa música triste e esse vento do sul... Corpos pendurados e pastores sendo mortos por
mira telescópica. Foi em Mênfis como poderia ser na Baixada Fluminense ou
Bogotá, Gaza, Soweto.
Não, nada foi
conquistado por completo. É preciso luta. Dizer que só existe a raça humana é
muito bonito, mas é perigoso, pois coloca a flor nas mãos de quem porta o
fuzil, coloca o amor na boca de quem só vende o ódio. Um dia seremos uma só
raça. Por enquanto é preciso, primeiro, que as oportunidades sejam iguais, que
a partilha seja melhor. Quando um negro juiz vira assunto de revista, é porque
só há brancos no recinto. Quando um homem consegue emprego porque devolveu o
dinheiro de alguém, é porque precisamos parar e repensar a sociedade.
E essa Billie
com essa voz... E o vento do sul balançando o pêndulo... Só faltou o conhaque
pr`eu ficar todo sul, todo Billie, todo lá, todo triste!
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