segunda-feira, 29 de junho de 2009

As Cidades


As cidades estão vazias, não há mais fuga possível dentro-fora delas. Todas se foram, estão imersas em pó e escombros do que, um dia, foi a Criação. Talvez seja o destino de todos nós descobrir, embora tardiamente, que o que sobra, depois do vento, são as palavras guardadas na parte de dentro, aquelas que não foram pronunciadas, jogadas no limbo. Talvez só importe o que sobrou da janela aberta à procura do sol, à procura de algo sólido e perspicaz. As cidades estão vazias dentro de mim, agora. Todas deixaram para trás um resquício de mágoa, de vaga esperança, uma estrela que trouxe bilhões de anos consigo, mas que nunca brilhou de fato, nunca serviu de guia para os deuses que ficaram. Talvez o sossego tão querido estivesse em outro lugar, para além do trânsito, dos governos, dos mistérios. Talvez o que importasse fosse outra coisa, uma visita repentina, um abraço apertado, um sorriso no Éter. Talvez Deus seja outra coisa, outra matemática, menos personificado nos dogmas e mais divinizado na figura daquele meu próximo que passa fome e que nem entende muito sobre essa coisa de deus. A alegria seria dar comida ao meu amigo ou deixar que ele sacie a minha outra fome? As cidades estão vazias. É preciso recomeçar? Sim. Como num eterno retorno. É preciso recomeçar sempre. Enganam-se os que pensam que o ódio preenche outras lacunas, as cidades estão cheias de ódio. Eu sou uma cidade e as cidades estão vazias. É preciso recomeçar. Do pó. Buscar o átomo de cada coisa e juntá-los no maravilhoso e complexo paradoxo das cidades. Dos alicerces ao vegetal. Deixemos as janelas em paz! Comecemos por construir o caminho que nos leva a casa. Deixemos as janelas abertas!

2 comentários:

AB disse...

Tão bom poder recomeçar por textos tão especiais quanto os seus, Marcelo querido!!! Saudades!

Acantha

Jens disse...

Excelente reflexão, Marcelo. Recomeçar é preciso, antes que só restem, nas cidades, as baratas.

Um abraço.