quinta-feira, 18 de julho de 2013

O homem que não estava lá



Perdido no meio de um parágrafo, embalsamado na sua própria confusão. Ele digitava um ponto e o final aparecia definitivo. Passar as mãos pelos cabelos oleosos não ajudaria, logo, correu para a copa, onde era certo beber um copo enorme de café, daqueles de cerâmica com desenhos de temática carinhosa, e tentaria parar de pensar nela. Mas ela estava na porra do copo de café com um coração desenhado, assoprando a quentura e retendo o sabor com aqueles lábios carnudos e delicadamente pintados; ela estava no nó de gravata dele, na escolha das suas camisas. Ela estava até na marca de cigarro que ele passou a gostar.

Dia seguinte, depois de acordar sozinho naquela cama enorme e imbecil, voltou ao texto como quem resolve mudar a vida, mas a covardia resolveu alterar o esquema e satisfez-se em adicionar outros novos parágrafos, dessa vez conclusivos e lindamente claros e enxutos. Entregou a encomenda, recebeu o dinheiro que o deixaria confortável por mais duas semanas. Ele precisava visitar a casa de praia, tomar um chope olhando o mar, enfim, pegou as chaves da casa e procurou por cinco minutos as chaves do carro até lembrar que o carro havia ficado com ela – a única coisa que ela afirmou fazer questão –, colocou o molhe das casas no bolso, disse um “até mais” ao porteiro e sumiu por entre certezas absolutas e certezas convenientes.

E foi uma semana bastante proveitosa. Estava há exatos sete dias sem fumar, havia caminhado pela orla todas as manhãs e tardes, comido saladas, engrenado conversas deliciosas com os vizinhos de veraneio – coisa que nunca fez! – e bebido à noite com outros novos amigos (e amigas). Ao retornar, era novo em folha e tinha um caminho promissor no terreno sentimental.

Acho que isso durou apenas o tempo para descobrir que ela estava trepando desesperadamente com um carinha do serviço que ele sempre via nas festas com um meio sorriso bem filho da puta direcionado a ele. Ficou arrasado, voltou a fumar, a beber com ignorância. Descobriu que era mais fraco do que pensava e que ali não era mais o seu habitat; precisava urgentemente sair ou sufocaria na dor, na vontade de sair por aí matando todo mundo, dizendo que era tudo uma besteira, uma merda só.

Voltou para a casa de praia, estreitou a amizade com os de lá, abandonou o antigo emprego por questões puramente geográficas e foi ganhar a vida num quiosque adquirido a preço de banana e com uma licitação sem sacanagem. Parou de fumar novamente, voltou a caminhar, mas o chope e a contemplação das espumas das ondas tornaram-se sagrados, juntos, encorpados. Foi numa dessas junções que conheceu Tarsila que odiava o amargor da cerveja, mas adorava uma maconha e fazia um sexo de deixar um fracote como ele de quatro, literalmente. E eles foram felizes pra cacete até o final do verão, quando chegou uma mensagem dizendo algo como “volta pra mim, Hans”.

Ele estacou. Sentiu um gosto esquisito na boca, uma afta decorrente da profunda ferida deixada sem muito cuidado dentro dele, enraizada. Foi a primeira vez que ele chorou de verdade. Não estava esperando uma coisa dessas. E tudo voltou com muita intensidade e de repente sentiu que ser feliz era como uma fina camada, a pele da água dentro de um copo prestes a transbordar e acabar com tudo. Sentiu uma vontade louca de ter as duas. Alguns instantes depois pode observar um lindo ódio brotando da sua irracional lógica. Teria que decidir. Não era fácil. Imaginava a ex dando pro carinha de sorriso preguiçoso e decidia pela sua atual, mas aí vinha a vida construída por anos e aquele sabor de alegria ao pensar na possibilidade de viver outra vez naquela casa passada com a ex.

Andou pelo calçadão com aquela dor e a alegria de ter o privilégio da escolha e a maldição de ter que escolher. E na completa impossibilidade de se decidir, sofrendo com a sua pequenez e lamentando o fato de ser profundamente fraco, resolveu que não decidiria coisa alguma. Ficaria na dele, sem dizer uma palavra sobre aquilo; sem dizer nada a ele próprio, soterrando a angústia no fundo daquele mar que corre dentro de nós.

A ex nunca receberia uma resposta à sua mensagem e, acreditando ter sido um erro a sua investida, resolveu seguir o seu caminho sem mais ninguém para atrapalhar os seus erros e acertos. E foi muito feliz dessa forma solitária e decidida. Uma forte, sempre.

A atual, depois de mais dois ou três verões, resolveu acabar com a maconha e casar com alguém mais prático, másculo e inevitavelmente seguro. Logo, decidiu que deveria abandoná-lo para o seu próprio bem e foi muito feliz ao lado de um lutador de mma com pedra nas mãos e muita luta para ganhar. Uma forte, sempre.

Quanto a ele... Dizem que vive por aí, alegre ou triste vez em quando, mas sempre fraco, como era de se esperar.


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