segunda-feira, 8 de julho de 2013

Madiba vive!

"O nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes.
O nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida; é a nossa luz, não a nossa escuridão, que mais nos amedronta.
Perguntamo-nos: Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível? Na verdade, quem és tu para não seres tudo isso?... Sentir-se pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras à tua volta.
E à medida que deixamos a nossa própria luz brilhar, inconscientemente, damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo"
.
(Nelson Mandela - discurso de posse da presidência da África do Sul, 1994)


Margaret Thatcher o chamou de terrorista. O péssimo presidente e pior ator do mundo, Ronald Reagan, também o colocou na lista de terroristas. Eles estavam certos. Ele foi preso por 27 anos justamente por ser o maior representante do terror na África do Sul.

Sim, meus amigos, Nelson Rolihlahla Mandela era um terrorista de mão cheia. Colocou tanto terror nos intolerantes que houve quem o quisesse calar; disseminou tanto horror na classe branca dominante que muitos o quiseram morto. E quando foi libertado, depois de décadas de jaula, aterrorizou a todos com a sua postura pacifista. Ao ganhar a Presidência da República do seu país, nada foi mais aterrorizante do que o seu discurso de igualdade, a sua visão fraternal e os seus gestos.

A África do Sul continua sendo um país de enormes desigualdades. Lá, a miséria espreita, o desemprego é grande, a sida e o estupro andam de braços dados e Soweto não é, infelizmente, mais um grupo de pagode.

A África é o antes do Brasil, é o marco zero, o antes de tudo de todos nós e do mundo. Claro que os meus olhos ficam especiais e parciais, assim como o sol que doura a minha pele negra.

E Madiba, você foi um homem bastante imperfeito. Com suas dores e biografia, você cometeu erros, o que o torna ainda mais maravilhoso. Você é humano. Carne, ossos e raiva, desejos, aflições, dúvidas, muitas e solitárias. Mas, cá entre nós, todos nós sabemos que isso não anularia o seu nome.

46664 foi você por anos, hoje o número é infinito, um Pi e um Phi mútuos e assustadoramente improváveis, amálgamos; o ouro e o círculo que nunca acaba.

Os gregos inventaram o conceito de democracia (governo do povo), os ocidentais no século XX a difundiram, tem um “império” anglo-saxão que a reivindica, apesar do paradoxo, mas foi com você que eu entendi o verdadeiro significado dessa forte e difícil palavra e foi por você que eu a defendi ferozmente nas mesas de bar ou na sala de aula.

Você é meu herói, Madiba, e heróis não morrem. Quando muito, afastam-se um pouco, mas sempre voltam, umedecendo a voz interior, acarinhando as nossas angústias, acalentando a todos nós com o seu sorriso, a sua dança e a sua tribo. Os homens melhoram na sua presença e você está em toda parte, em cada forma íntegra de viver, em cada olhar cúmplice de amizade. Como morrer se eu estou vivo? Se minha filha está viva? Se toda a África respira? 

Na falta de mais palavras para te saudar, cato as do Thiago Arantes :

Dirão, um dia, quando a última curva for feita, que Nelson Mandela morreu. Bobagem. 
Gente como Mandela não morre. Só cansa de ser imortal.

Sabe, tem um poema do Drummond em homenagem ao amigo Portinari que, particularmente, eu gosto muito. É o meu melhor poema do Drummond e o velho Andrade, para mim, é o maior de todos os poetas, então... Bem, eu o dedico a você.

PS.: eu te amo.

A Mão
Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste a mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires,ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
todos os meninos, ainda os mais desgraçados
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca mais
a mão infinita,
a mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari.


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